Fechado há dois anos, Ponto Cine é resistência para cinema suburbano

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Para projeto seguir, campanha é feita através de ‘vaquinha’ online

Por Jorge Melo, em 14/07/2022 às 07h.

A cidade do Rio de Janeiro tem 212 salas de cinema, mas apenas 35% ficam no subúrbio da cidade – a maioria em shopping centers. O Ponto Cine é uma das exceções. Instalado numa galeria comercial e sendo considerado um cinema de rua, algo muito raro nos dias de hoje, o espaço foi fundado em 2006, em Guadalupe, bairro fronteiriço à Baixada Fluminense. Sediado numa das regiões que tem um de um dos menores IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) da cidade, o Ponto Cine está fechado há mais de dois anos, desde março de 2020, quando o mundo praticamente parou como forma de defesa contra a Pandemia de Covid-19.

“Pensei que passaria rápido e como levei tempo para formar a minha equipe resolvi segurá-la. A pandemia não passou rápido, acumulei muitas dívidas. E não consegui reabrir o nosso guerreiro Ponto Cine.”, lembra, com tristeza, o escritor e dramaturgo Adaílton Medeiros, idealizador do projeto, que há muito sonhava com um cinema de qualidade e popular, “Seus grandes diferenciais são a democratização e facilitação do acesso ao cinema, ofertando o bilhete mais barato da cidade”.

O renascer de Guadalupe 

Guadalupe é um território vulnerável, localizado entre Complexo do Chapadão e as favelas do Muquiço, Palmerinha e Gogó da Ema. Tem 57 mil moradores e fica à 30 Km do centro da cidade. Leonardo Barros, morador de Guadalupe e produtor audiovisual, recorda que o Ponto Cine fez o bairro renascer. “Antes Guadalupe era um bairro que tinha um comércio mínimo na rua principal, Marcos Macedo.”

Segundo Leo, como é mais conhecido o produtor, “antes o comércio fechava às cinco, seis horas; e as ruas viravam verdadeiros desertos. O Ponto Cine é inaugurado e há uma transformação. A rua Marcos Macedo hoje é conhecida como Polo Gastronômico Popular de Guadalupe, com food-trucks, gente circulando”. A padaria e o supermercado, de acordo com Leo, agora ficam aberto até às dez da noite, o movimento é grande, Guadalupe saiu das páginas policiais para os cadernos de cultura. É uma lástima o Ponto Cine fechar.”  

Local é ponto de encontro para quem ama cinema. Foto: divulgação

Filmes brasileiros ganham a tela

Dono de um moderno sistema digital, o Ponto Cine exibe apenas filmes brasileiros. Essa opção pela produção nacional, o fez se transformar numa espécie de xodó dos profissionais do cinema: atores, diretores, fotógrafos, montadores etc.  Segunda a produtora cinematográfica, Carolina Dias, sócia da Refinaria Filmes, responsável por um rico e diversificado portfólio de filmes de ficção e documentários “É importantíssimo haver espaço culturais como o Ponto Cine, em todos os locais onde as opções de lazer são mais restritas. É importante para a formação de novos públicos. E importante para a valorização da própria cultura e do trabalho na Cultura como profissão.” 

A primeira vez na sala de cinema

Adailton Medeiros luta para reabrir o Ponto Cine, que é um patrimônio cultural do Estado do Rio de Janeiro, oficialmente, e da cidade do Rio (e Guadalupe) por reconhecimento da população. O idealizador e administrador do Ponto Cine afirma que o quê mais o emociona é saber que muito dos moradores de Guadalupe entraram pela primeira vez numa sala de exibição no Ponto Cine. Leonardo Bastos afirma que o Ponto Cine elevou a autoestima do bairro, ao levar até lá para discutir os filmes com a população, depois da exibição, diretores e atores famosos, “O Ponto Cine aumenta a auto-estima e transforma o sentimento de pertencimento do morador que, com o Ponto Cine, passou a ter orgulho de morar em Guadalupe: eu morro no bairro do Ponto Cine.”

A produtora Carolina Dias lamenta que o Ponto Cine esteja fechado há tanto tempo porque, com preços populares, e numa região carente de opções culturais levava o cinema brasileiro a um público mais amplo. “Existe um preconceito de que não há público para um certo tipo de cinema brasileiro mas se não há espaço onde ele possa ser mostrado, como é que se pode querer que haja público. Por isso é muito importante que haja lugares como o Ponto Cine, que apostam no cinema brasileiro (não só nas grandes comédias/produções) e que acredite que ele é possível para uma sala popular.”

Volta Ponto Cine

Para tentar pagar as contas e as dívidas, Adailton Medeiros vem mantendo encontros com representantes da prefeitura e do governo do estado mas até o momento as conversas não renderam medidas concretas. Ele está em busca também de patrocínios privados e criou uma campanha de financiamento coletivo, benfeitoria.com/voltapontocine A Meta é alcançar 150 mil reais. Gente como o diretor de cinema, Cacá Diegues, um dos maiores incentivadores do projeto; o ator, Felipe Camargo; e o jornalista Pedro Bial participam da campanha.

Em 14 anos, mais de 400 mil pessoas estiveram na sala para assistir a filmes brasileiros. Não por acaso, o slogan do Ponto Cine é “Arroz, feijão e cinema.” Ou seja, um produto que poderia fazer parte da cesta básica. Aliás, como diz a letra da música “Comida”, da banda Titãs, “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”. 

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