Jornalistas periféricos revelam estresse e sobrecarga mental durante pandemia

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Por Fórum Grita Baixada, em 02/05/2021 às 09h

Esse artigo foi publicado originalmente na IJNet Português e reproduzido aqui com permissão

Com um ano e três meses fazendo parte do cotidiano do planeta, a pandemia de COVID-19 mexeu com a vida de todos os seres humanos e não poderia ser diferente para os jornalistas — que muitas vezes lidam diariamente com a cobertura da crise de saúde.

Para oferecer um retrato desse ano que viu a propagação de um vírus mortal, conversamos com jornalistas periféricos, que residem em territórios notabilizados por suas variadas formas de vulnerabilidade socioeconômica. Um do Rio de Janeiro e três da Baixada Fluminense.

Eduardo Carvalho é editor executivo do Maré de Notícias, um dos vários veículos de comunicação nascidos e desenvolvidos no conjunto de favelas que batiza o periódico, na zona norte do Rio. Com passagem pela CNN Brasil, Carvalho estava estreando no canal quando recebeu a notícia de que a pandemia havia chegado no solo brasileiro. A satisfação em pertencer a uma nova equipe se misturou a uma série de preocupações.

“Estive na linha de frente da notícia, cobrindo os gabinetes de crise do Estado e do Município. Foi uma tensão acompanhar de perto aquilo que nem os governantes sabiam lidar, juntamente com a sociedade. Trabalho hercúleo”, diz Carvalho.

Um evento sem precedentes resultou em uma cobertura sem precedentes, que foi se aprimorando aos poucos, avalia Carvalho. “Acredito que tenhamos sido todos pegos desprevenidos. Não se cobria algo tão forte no Brasil desde a gripe suína. A OMS também demorou a aferir um grau de pandemia global, só fazendo depois de dois meses”, diz ele, referindo-se ao anúncio de 11 de março. “Todos os comunicadores foram entendendo e dando a dimensão ao passo do que era possível. Depois, é claro, incutimos em alguns erros, como a viabilidade para pessoas com opiniões contrárias às preconizadas pela Saúde.”

Para Denise Emanuele, proprietária do site de notícias Comunicando Já, de Nova Iguaçu, o alto teor negativo das informações afetou sua saúde mental. Ela conta como o bombardeio sistemático de notícias sobre internações e mortes ao redor do país foi um desafio para a sua objetividade jornalística.

“Foi desesperador. Pior ainda quando as pessoas conhecidas começaram a morrer por conta do vírus, porque acendeu uma alerta; de que a COVID-19 é mais mortal do que a gente imaginava”, diz. “Comecei a ter insônia e falta de ar, porém, essa falta de ar era apenas psicológica, mas na minha cabeça eu já estava infectada. Passei semanas pensando na minha família que mora em outro estado (Maranhão), com noites sem dormir, vivendo um pesadelo, que, na verdade, parece não passar”. A jornalista conta que ainda vive com medo e treme a cada notícia que vê sobre a mortes pela COVID-19.

Outro elemento desgastante foi se adaptar ao formato de home office. Gabriela Anastácia, prestadora de serviços e consultora na área de comunicação e marketing, em São João de Meriti, tentou organizar a própria residência para que se tornasse um ambiente tranquilo para atender às necessidades de todos os moradores — o que incluía ela própria, o companheiro e o filho.

“Foi difícil porque não tinha uma estrutura adequada para full home office e isso me causou muito estresse. Além, claro, de toda a situação incerta que estávamos e ainda estamos vivendo”. Gabriela conta, ainda, que contribuiu para uma organização da sociedade civil, a Comunidades Catalisadoras, que estruturou uma campanha de informação sobre a COVID-19 nas favelas e, para isso, teve de ajudar na complexidade de gerir dados para a composição de um painel com essas informações. Foi difícil para ela não se deixar abater. “Minha imunidade ficou baixa devido ao estresse. Foi um ano bem difícil para todos”, desabafa.

Com o Brasil se aproximando a 400.000 mortos por COVID-19 e uma vacinação lenta, a perspectiva é de que o pior ainda não passou. Charles Monteiro, editor do blog Gecom (Grupo de Estudos de Comunicação) cria de Duque de Caxias, explica que a realidade brasileira é agravada pela polarização política.

“O egoísmo e o negacionismo estão tomando conta das pessoas”, diz Monteiro, alarmado com o alcance da desinformação do governo e da população.

“Talvez, a gente chegue a algum tipo de topo de nossas emoções — ou no fundo delas — e depois retornaremos ao nosso estado emocional de início, antes da pandemia. Enquanto não tivermos uma mudança de comportamento, nada vai acontecer”, conclui.

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