No cardápio: transfobia

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O combate à transfobia além das notas de desculpas

Por Gabriel Horsth*

No pulsar da diversidade no Brasil, onde celebramos a eleição histórica da primeira deputada federal trans eleita somente em 2023, somos confrontados com a persistência da transfobia em locais que deveriam ser espaços de convívio e inclusão social. 

O episódio vivenciado pelo casal trans Kley Hudson (24) e Arthur Azevedo (23), moradores da Maré, que vou descrever ao longo deste texto, escancarou a crueldade da transfobia. “Eu, como uma pessoa trans que gosta muito de frequentar espaços gastronômicos, é muito triste para mim essa experiência ter sido uma das piores”, afirma Kley. 

Outro recente episódio no Casarão do Firmino, conhecido espaço de samba na Lapa, destaca a urgência de abordar questões de gênero e proteção a todas as mulheres. Três mulheres, sendo duas trans, foram vítimas de tentativa de transfeminicídio* e agressão por 15 homens, incluindo seguranças do local. O primeiro episódio aconteceu na Maré, o segundo na Lapa, mas ambos se encontram na barbárie da transfobia.

Prato principal: intolerância!

A poucas semanas da conclusão da 14ª Parada LGBTQI+ da Maré, que encerrou suas festividades no Parque União, um incidente de discriminação ocorrido no restaurante popular traz à tona a urgência de uma formação contínua para os estabelecimentos comerciais locais. Kley, uma travesti, estava acompanhada de seu parceiro transmasculino* no restaurante quando, ao se dirigir ao banheiro, o atendente a informou que o banheiro feminino estava temporariamente indisponível, sugerindo que ela utilizasse o banheiro masculino. Sem hesitar, Kley seguiu a orientação.

Surpreendentemente, quando chegou a vez de Arthur, o garçom comunicou exatamente o oposto: o banheiro masculino estava interditado, indicando o uso do banheiro feminino. Diante dessa diferença, o casal prontamente questionou a inconsistência e buscou a gerência para registrar sua reclamação. A discussão foi registrada em vídeo pelo casal e compartilhada nas redes sociais, gerando indignação e debates sobre a importância da igualdade de tratamento. No ápice da discussão, o garçom proferiu ofensas ao casal, como narra com tristeza Kley: “Ele nos atacou com palavras de ódio, com gestos obscenos. E começou de fato a nos ofender, a nos envergonhar, a nos deslegitimar enquanto pessoas, enquanto gêneros. E isso nos causou vergonha e chateação”.

Neste cenário, a denúncia corajosa da vítima ecoou nas redes sociais, transcendendo a narrativa além da agressão, revelando a insuficiência das desculpas protocolares, o que destaca a urgência de uma reflexão mais profunda sobre questões de identidade de gênero, empreendedorismo e discriminação. 

Nota de esclarecimento

O restaurante emitiu uma nota de esclarecimento em resposta ao incidente, levantando questões sobre a necessidade de uma revisão interna das práticas e protocolos para garantir um ambiente mais inclusivo e respeitoso, além de comunicar o afastamento de um dos funcionários envolvidos. Entretanto, Kley relata que, poucos dias após o incidente, visitou novamente o estabelecimento e testemunhou o mesmo funcionário desempenhando suas funções normalmente.

Este episódio destaca a importância de abordar questões de gênero de maneira sensível, respeitando a diversidade da clientela.

Denúncia online, silêncio offline

Em uma cidade dividida ao meio, testemunhamos inumeros epsisódios de discriminação em restaurantes, supermercados, shoppings e comércios de maneira geral. Na internet se exala uma sensação de indignação, mas no cotidiano a sensação é diluída com o famoso “isso não é da minha conta”. 

Mas e você? Em uma situação como essa, agiria de que forma? Acha justa a posição tomada pelo estabelecimento? Infelizmente, muitas pessoas estão pagando um preço alto pelo acesso a informações distorcidas e falsas na internet. Confira a matéria Banheiros sem estigma sobre o uso por pessoas trans e fique por dentro do que diz a lei.

*Gabriel Horsth é jornalista e artista LGBTQIAPN+ do Complexo da Maré, colaborador do Maré de Notícias e integrante do Centro de Teatro do Oprimido

*Transmasculinos são pessoas designadas como mulher ao nascerem —  que se identificam com o gênero masculino. 

*Transfeminicídio se refere à violência específica contra pessoas transexuais, especialmente mulheres trans. Ele é usado para descrever os assassinatos de pessoas transgênero motivados pelo ódio, preconceito ou discriminação de gênero.

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