“O maior desafio é fazer com que as tecnologias alcancem as pessoas de baixa renda”(*)

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(*) citação de Adriana Mallet, CEO do SAS Brasil

Por Luciana Bento – Conexão Saúde em 28 /12/2021 às 07h.

A médica e empreendedora Adriana Mallet se considera uma apaixonada por inovação e educação em Saúde. CEO da SAS Brasil – organização responsável, ao lado de outras parceiras, pelo sucesso do projeto Conexão Saúde – De Olho na Covid, Adriana acaba de receber o prêmio Empreendedor Social em Resposta à Covid-19 da Folha de São Paulo na categoria Inovação para a Retomada.

Com outras premiações no currículo – entre elas, a do primeiro software para a realização de diagnósticos de câncer de colo de útero remotamente, com telecolposcopias,– Adriana também é fundadora da SAS Smart, startup de tecnologia que cria produtos inovadores para a saúde, como a cabine de telemedicina utilizada durante a pandemia, entre outros locais, na Maré.

Adriana foi médica do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) durante dez anos e desde 2013 se dedica à busca de soluções de acesso à saúde especializada a pessoas vulneráveis no país. Com o SAS Brasil, visita anualmente cidades do interior do Brasil com menos de 30 mil habitantes e baixo IDH para oferecer atendimento médico especializado.

“O fundamental é fazer este trabalho pensando em chegar ao paciente aonde ele está – e não tentar fazer com que ele se vire para usar tecnologias que muitas vezes não estão acessíveis”, acredita.

Luciana: Na pandemia assistimos a muitas descobertas e avanços, desde as vacinas até o aprimoramento de equipamentos para atendimento e tratamento de pacientes, por exemplo. Em sua opinião, qual o papel da ciência e da tecnologia em momento como este?

Adriana: É fundamental valorizar a ciência! A pandemia acelerou bastante a disseminação de inovações em saúde que viriam de toda forma e ainda propiciou a busca de novas descobertas – inclusive reunindo, em uma agenda única, atores que poderiam competir entre si, como foi o caso da criação da vacina em tempo recorde.

Para quem tinha alguma dúvida da eficácia das vacinas, a realidade se impôs: ninguém virou jacaré. Ao contrário: a gente está vendo o controle efetivo da pandemia a partir das vacinas[MOU1] , embora ainda tenhamos muito trabalho a fazer.

O fato é que sem estas inovações, sem esta união de esforços, e principalmente sem a ciência, a gente não teria alcançado este resultado num tempo tão curto. É uma pena que nem sempre a política e o conhecimento científico andem de mãos dadas e todo mundo perde com isso.

Luciana: E quais as principais tendências tecnológicas em saúde pós pandemia? O que veio pra ficar?

Adriana: A digitalização de dados. Digitalizar os dados de um paciente nos permite propor de fato um tratamento mais qualificado, incluindo até mesmo a sua realidade econômico-social e familiar. Tratar um paciente é tratar o todo, não somente a doença pontualmente. E a digitalização nos dá a possibilidade de enxergar este todo de forma mais estruturada.

Mas há grandes tendências que talvez ainda estejam incipientes, como a questão da genômica para o tratamento de doenças como o câncer. Estamos vendo a customização dos tratamentos a partir deste conhecimento genético.

Luciana: E como a telessaúde se integra a estas tendências? O que mudou nesta frente, com a pandemia?

Adriana: Eu gosto muito de parafrasear o doutor Chao Lung Wen, da USP, que é um grande mestre pra mim na área de telessaúde: ela não é novidade, ela é uma ferramenta para o exercício da medicina que existe há mais de 50 anos. Mas hoje a gente consegue fazer uma chamada de vídeo com alta qualidade usando só 2 mega de internet, usar equipamentos muito mais interessantes para uma telepropedêutica (coleta de dados do paciente à distância), a gente inclusive desenvolveu, no SAS Brasil, a realização de diagnósticos de câncer de colo de útero remotamente, com telecolposcopias…

Pra mim o grande ganho que tivemos é o de começar a entender mais as doenças e seus padrões a partir de dados estruturados que acabavam escapando. Mesmo com o prontuário eletrônico digital, é difícil fazer um estudo que coloque, por exemplo, o timbre de voz ou a tosse de um paciente de Covid pra fazer diagnóstico preditivo de gravidade da doença.

Isso é possível quando a gente tem uma chamada de vídeo, uma captação de dados estruturados, a digitalização do processo de cuidado – que requer toda a atenção em relação à segurança destes dados. Mas que é uma potência que talvez a gente nunca tenha alcançado no Brasil.

A digitalização já vem acontecendo no mundo há muito tempo e o Brasil tem que correr atrás para competir de igual pra igual em matéria de saúde. Mas o fato é que conseguimos tirar um pouco este atraso, fazendo 5 anos em 1. [MOU2]

Luciana: E como garantir que estes avanços tecnológicos cheguem a toda a população? É possível integra-los ao sistema público de saúde?

Adriana: Este talvez seja o maior desafio: que estas tecnologias alcancem os que mais precisam, as pessoas de baixa renda, que vivem em municípios de baixo IDH, que não têm acesso a uma medicina especializada. A atenção básica está lá, mas ainda existem desafios pra controlar doenças como a diabetes por exemplo, por falta de acesso a uma consulta com um endocrinologista.

Já fazemos isso quando levamos as cabines de telemedicina e as Unidades de Telemedicina Avançada (UTAs) – que são centros de especialidade em caixinhas – a lugares remotos. A gente consegue levar mais de 20 especialidades médicas com telepropedêutica, fazemos telecolposcopia, teleultrassom… É possível um otorrino ver o ouvido de uma criança e fazer um diagnóstico auxiliar adequado mesmo estando a dois mil quilômetros de distância.

E sim, é possível e desejável que haja uma contribuição de iniciativas inovadoras com o SUS. A gente já viu que este é um sonho possível, estamos fazendo isso na Maré e também com as secretarias de saúde dos municípios onde o SAS Brasil já tem as unidades de telemedicina avançada. Estes municípios bateram pela primeira vez suas metas de prevenção, diagnóstico e rastreio do câncer de colo de útero e estão liberando vagas presenciais porque muitos pacientes têm seus casos resolvidos no digital.

Acho importante abrir espaço para que boas iniciativas do terceiro setor ocupem este espaço da inovação, que muitas vezes é difícil para um sistema do tamanho do SUS. Mas é preciso fazer junto, pensar junto, quem sabe até criando políticas de inserção e absorção destas tecnologias no sistema público de saúde.

Luciana: Pode falar sobre o trabalho do SAS Brasil durante a pandemia, especialmente na área de inovação?

Adriana: Durante a pandemia, vimos que a nossa experiência em telessaúde para triar e acompanhar pacientes no pós-operatório poderia e deveria ser utilizada para prestar assistência às pessoas sem que elas precisassem sair de casa.

A partir disso, elaboramos protocolos baseados nos do Ministério da Saúde, de monitoramento de paciente e conseguimos alcançar índices incríveis de acompanhamento de uma área de mais de um milhão de pessoas. Nas comunidades vulneráveis, técnicos de enfermagem podiam ir até a casa do paciente, aferir os sinais vitais e ver a oximetria, evitando que eles circulassem e contaminassem outras pessoas.

A partir desta experiência a gente começou um trabalho com as cabines dentro do Galpão de Testagem da Maré, com a possibilidade do paciente positivo para Covid já ser avaliado por um médico e pegar a sua receita, acessar consultas de saúde mental, se fosse o caso – sem dúvida, um acolhimento muito importante para este momento.

O SAS Brasil não fez um processo apenas de atendimento à Covid, mas de acesso ao cuidado e à assistência médica durante a pandemia. Acho que o grande ganho foi ver que é possível o paciente de uma cidade do interior ou de uma comunidade vulnerável ter acesso à saúde digital de uma maneira simples e segura, sem abrir mão das boas práticas.

Isso acabou resultando numa marca que a gente tem bastante alegria, que 100% dos pacientes que a gente atendeu, e não foram poucos, foram cerca de 50 mil consultas, nenhum deles veio a óbito por Covid.

Mas o fundamental é fazer este trabalho pensando em chegar ao paciente aonde ele está – e não tentar fazer com que ele se vire para usar tecnologias que muitas vezes não estão acessíveis.

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