‘Mãe pandêmica’: os desafios de quem escolhe dar à vida durante uma crise sanitária

Data:

Mulheres que tiveram bebês recentemente têm se desdobrado para encarar o desafio em ser mãe em meio à pandemia

Por Kelly San, em 16/04/2021 às 11h30 / Atualizada em 18/04/2021 ás 00h
Editado por Andressa Cabral Botelho

Ser mãe por si só já é um grande desafio e nos últimos anos ficou mais explícito. A população precisou mudar a rotina para cuidar de si e de seus familiares e, com isso, as funções aumentaram. Além de trabalhar, muitos pais, mães e irmãos se viram também na função de cuidar da casa e de educar seus filhos e irmãos mais novos de forma mais aproximada. Por conta da pandemia, março foi o mês mais mortal da crise sanitária até o momento, ultrapassando 3 mil mortes por dia e, com isso, registrou-se mais mortes do que nascimentos. Pensando nessas questões, mulheres que tiveram filhos recentemente ficam receosas com os cuidados dos pequenos em meio à pandemia.

Uma pessoa nascida no Brasil em 2019 tinha expectativa de viver, em média, até os 76,6 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas estudos recentes apontam para uma queda de dois anos na expectativa de vida dos brasileiro devido ao aumento da taxa de mortalidade causada pela pandemia. Em pelo menos 12 das 50 cidades com mais de 500.000 habitantes do país, incluindo a cidade do Rio, morreu-se mais que nasceu, conforme dados analisados pelo El País.

Desde 1940 o índice da expectativa de vida no Brasil vinha crescendo, aumentando cinco meses a cada ano, devido a melhorias nas condições básicas de vida. O cenário hoje é ainda mais preocupante quando observa-se a lentidão na vacinação, pois segundo especialistas da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicada (IPEA), dependendo da capacidade do governo brasileiro de vacinar as pessoas neste ano, essa queda na expectativa pode ainda se perpetuar.

Estudo publicado em 2020, na revista médica International Journal of Gynecology and Obstetrics revelou que, do início da pandemia até o meio do ano passado, foram notificadas 160 mortes de grávidas e puérperas em todo o mundo por covid-19, sendo 124 delas no Brasil. O cenário não é dos mais animadores este ano: em março deste ano houve um aumento de 50% nos números de gestantes com Covid-19 internadas em UTIs em relação ao mês de fevereiro. Com isso, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sistematizou as atuais recomendações do Ministério da Saúde acerca da vacinação para covid-19 de gestantes, puérperas e lactantes abordadas em Nota Técnica, como a inclusão de gestantes e lactantes no grupo prioritário para  vacina e a urgência das autoridades de saúde em se posicionar em relação a essa parcela da população para combater a pandemia. No último dia 08 de abril, a Fiocruz, junto ao Ministério da Saúde em parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde, atualizou o manual (leia aqui) com recomendações para a assistência à gestante e puérpera, definindo diretrizes que evitem a mortalidade materna e problemas  ao embrião.

Manutenção do ciclo de vida

 Sou mãe há sete anos, e sempre foi um grande desafio conseguir conciliar todas as tarefas do dia a dia. Minha experiência materna se colocou ainda mais desafiadora em meio a pandemia pois me vi dividida entre trabalho, estudo e maternidade em tempo integral. Meu filho e eu temos aprendido todos os dias a dar “os nossos jeitinhos” porque foi necessário criar novas alternativas para trabalhar, estudar e brincar, mas o cenário de incertezas ainda me deixa com medo, sentimento muito recorrente em nós, mães. 

Mesmo assim, percebo que muitas mulheres têm encarado os desafios da maternidade em meio a pandemia, trazendo esperança para dias tão difíceis. Adriana Mota Carvalho, de 36 anos, mora no Morro do Timbau, é professora e mãe do Arthur (13), Ruan (7) e Theo, que nasceu em outubro de 2020 e passou por algumas dificuldades no início. “Descobri que estava grávida no início da pandemia. Foi uma surpresa que me deixou assustada. Tive  dificuldades para dar início às consultas de pré-natal junto à Clínica da Família, que estava sem atendimento e no meu período de gestação  não saí muito de casa com medo de pegar a doença”, lembra. Mas a chegada do Theo, há seis meses, deu uma virada na vida de Adriana. “O nascimento do Théo, ao mesmo tempo que foi assustador, foi maravilhoso. Com isolamento social tenho ficado mais em casa  com os meus filhos, Arthur e Ruan, que me ajudam com os cuidados do nosso bebê”, conta.

Em meio a uma crise mundial na saúde que vem aumentando a taxa de mortalidade da população, o medo de engravidar tem sido muito comum em muitas mulheres. “Eu não poderia planejar uma criança em meio à pandemia. Além da doença estar atingindo todo mundo, fiquei sem trabalho e não tinha como cuidar dela. Então, para mim, foi uma surpresa que se tornou um novo desafio”,  explica a atendente e moradora da Rubens Vaz, Dalila Bezzera dos Santos, de 26 anos.  Além da Anna Luísa, de dois meses, Dalila ainda é mãe de Maria Valentina (9) e ainda está se adaptando para manter os cuidados das duas. “A minha mais velha não consegue ir à escola e eu acumulo as tarefas de cuidar de uma recém-nascida e estudar com a Maria Valentina. Além disso, ela fica sufocada de não poder sair na rua”, observa a atendente. Eu ainda estou me adaptando a essa nova rotina de cuidar de uma menina de 9 anos junto com uma bebê de 2 meses ”, explica a atendente. 

Ministério da Saúde pede ‘adiamento’ de gravidez

Na última sexta-feira, 16, durante coletiva, o Ministério da Saúde recomendou que mulheres posterguem a maternidade devido ao avanço da pandemia de Covid-19. O secretário de Atenção Primária à Saúde (SAPS), Raphael Câmara, pediu que, se possível, seja as mulheres aguardem o período para engravidar.

Compartilhar notícia:

Inscreva-se

Mais notícias
Related

Migrantes africanos preservam a origem e criam novas expressões culturais na Maré

Dentro do bairro Maré, existe um outro bairro: o Bairro dos Angolanos. O local abriga a comunidade migrante no território que, de acordo com o Censo Maré (2019), conta com 278 moradores estrangeiros.

Por que a ADPF DAS favelas não pode acabar

A ADPF 635, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), é um importante instrumento jurídico para garantir os direitos previstos na Constituição e tem como principal objetivo a redução da letalidade policial.