Por que a PM não trocou tiro nem confundiu fuzil com pedaço de madeira em Brasília?

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Por Jonas di Andrade

A palavra violência tem sua origem no latim, violentia, que significa força física, vigor. Transforma-se força física em violência quando excede os limites sociais ou altera acordos e regras que desrespeitam as relações em sociedade. Historicamente, o Brasil é um país que sofreu diversos processos sociais que desencadearam problemas considerados sistêmicos. Dentre esses, destaca-se a violência da colonização, realizada por europeus, o racismo da escravidão e a barbárie da ditadura empresarial civil-militar.

Costumo mencionar, em meus posicionamentos críticos a respeito do contexto no qual eu vivo, que a violência é tão presente na sociedade que infelizmente as pessoas naturalizam esse excesso de força dos que se acham “superiores”. Desde discussões conjugais, brigas de vizinhos por conta de barulho, até a caneta do governo que assina para policiais entrarem em territórios de favela e exterminarem a juventude, essas situações são normalizadas; e não deveriam ser. Inclusive, quando se faz um recorte de quem são um dos maiores alvos da violência, percebemos que em sua maioria são cidadãos não brancos, favelados, que vivem em território de vulnerabilidade social. Isso não sou eu quem afirmo, são os últimos dados divulgados por quem estuda a situação.

Pelo terceiro ano consecutivo, a Rede de Observatório da Segurança divulgou a cor da letalidade policial. O novo boletim “Pele alvo: a cor da violência policial”, com dados obtidos via Lei de Acesso à informação, apontou que a cada quatro horas uma pessoa negra é morta em incursões policiais em seis dos setes estados monitorados: Rio de Janeiro, Ceará, Piauí, Maranhão, Pernambuco, Bahia e São Paulo. o Rio de Janeiro é o estado que mais mata pessoas negras em ações policiais, com 939 registros entre os 1092 mortos que tiveram a cor/raça informada.

O último caso relacionado a essa violência, ocorrido já neste início do ano, que teve grande repercussão na mídia, foi o do catador de recicláveis, negro, que sofria transtornos mentais, Diérson Gomes da Silva, de 50 anos, da Cidade de Deus, que a PM assassinou após ter confundido um pedaço de madeira (parte de uma cabeceira de cama) que carregava com um fuzil. Casos como esse já ocorreram outras vezes e provavelmente não será o último. Pois, quando a polícia, a mando do governador do estado, entra em favelas, todas as pessoas que moram lá, inclusive crianças, são alvos. 

Essa postura violenta, que ocorre durante operações policiais, que há anos é denunciada por moradores, lideranças comunitárias e movimentos sociais, é rotina nesses espaços. Isso, consequentemente, gera medo, crise de ansiedade e imobilidade em quem não tem outra alternativa a não ser conviver. Contudo, sabe onde essa postura agressiva por parte do braço armado do estado não acontece? Em territórios privilegiados, com ricos, brancos, de classe média alta, ainda que cometam atos criminosos.

O que aconteceu em Brasília no domingo, dia 08 de janeiro de 2023, é um dos exemplos de como a polícia trata brancos, com poder aquisitivo e influência na mídia. Diferentemente do que acontece nas favelas, quando uma mãe reúne grupos de moradores para protestar pela morte de seu filho negro morto pelo estado, na invasão do Congresso Nacional, Planalto e STF, facilitada por policiais e pelo governo do Distrito Federal, foi possível observar bolsonaristas, marginais, depredando patrimônios, agredindo policiais, quebrando vidros e móveis, e não se noticiou casos de bala perdida, tampouco mortes ocasionadas por um tiro de fuzil. Por qual motivo? Não há outra justificativa que não a de que não era um território criminalizado, eram brancos, apoiados por empresários da mesma cor, e muitos policiais tinham familiares lá. Por isso, as ações foram moderadas.

O racismo, como diz o atual ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, é a manifestação normal de uma sociedade, e não um fenômeno patológico ou que expressa algum tipo de anormalidade. Dessa forma, ela se sucede em relações como essa nas quais vimos como são tratados esses indivíduos, devido à condição econômica e cor da pele, comparado a outros, que não têm os mesmos privilégios.  

A violência neste país sempre foi direcionada para negros, indígenas, favelados e pessoas empobrecidas, que não têm amparo algum. Enquanto isso, políticos ricos, pessoas brancas com influência, que cometem atentados contra a democracia, podem fazer diversas barbaridades, e não são vistas como criminosas, muito menos alvo ou passíveis de morte. O pior legado que herdamos foi da discriminação. O branco é visto como herói, o preto é visto como ladrão (frase minha).

Fonte: http://observatorioseguranca.com.br/pele-alvo-pessoas-negras-policia/

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