Favela cresceu em torno das águas da Baía de Guanabara
Maré de Notícias #153 – outubro de 2023
A Praia de Ramos já foi diversas vezes cantada nos sambas do antigo bloco Boca de Siri, ou citada nas canções de Dicró ou do Bhega. Antes de o nome se tornar recorrente em novelas, programas de TV e videoclipes, o local era conhecido como Mariangu. Em torno da praia nasceu a favela em 1962, originalmente uma comunidade de pescadores.
No seu início, a região era território de criação de caranguejos. Por esse motivo, a praia mais famosa do subúrbio carioca, hoje única da Zona da Leopoldina, aparecia nos mapas antigos como Praia de Apicú (que em tupi significa “brejo de água salgada”) e Mariangu, palavra de origem indígena que significa “mangue”.
Para este último nome há ainda duas versões: uma que o nome se deveu à presença de um pássaro abundante na área da Baía de Guanabara, e outra, por causa de uma antiga moradora chamada Maria, conhecida na região por vender angu à baiana.
O local também se desenvolveu por causa do porto ali construído, por onde era escoada a produção agrícola das freguesias de Irajá, Inhaúma e até de Campo Grande para o restante da cidade.
Poluição e declínio
Segundo a pesquisa Memórias do Subúrbio Carioca, em 1963 a famosa praia suburbana recebeu um tratamento de dragagem da areia, deixando-a com a cor mais clara, mas a contaminação das águas já começava a preocupar as autoridades sanitárias. Em 1981, o balneário apresentava o maior índice de poluição entre as praias da cidade.
Em abril de 2000, 1,3 milhão de metros cúbicos de óleo e graxa da Refinaria Duque de Caxias foi derramado nas águas da Baía de Guanabara. O desastre ambiental foi considerado como um marco do declínio da atividade pesqueira na área. A comunidade promoveu então um abraço simbólico à praia, reivindicando melhorias socioambientais.
O cantor e compositor Bhega Silva foi uma das lideranças comunitárias presentes à organização do abraço: “Tenho até hoje a foto do meu último banho na praia em 1981. É triste o estado da praia poluída.”
Ele lembra com carinho da sua infância na favela. “No tempo de criança íamos de madrugada buscar peixes, que enchiam as redes de tal maneira que os pescadores os distribuíam de graça. Tenho amor a essa comunidade que é a minha segunda família”, diz.
Bola de meia
Outro que recorda com carinho o início da favela é Celso Fernandes, de 70 anos. Ele morou desde os 11 anos na comunidade Roquete Pinto e em 2001 mudou-se para a Praia de Ramos.
“Não é ser nostálgico, mas o passado foi um período muito bom. Fazíamos bola de meia com barbante e jogávamos na rua. Nadávamos na praia, pulávamos nas palafitas e pescávamos cocorocas, era uma diversão. Também não tinha tantas casas e era comum árvores frutíferas, que aproveitávamos”, lembra.
Celso conta da época que Avenida Brasil só tinha duas pistas. “Na frente da comunidade tinha um sinal, onde a antiga linha de ônibus 38, Tiradentes x Brás de Pina, fazia o retorno para acessar o outro lado de Ramos.”
Ele ainda lembra como era a diversão dos jovens: “O futebol no campo do Potiguar acontecia perto da empresa Miriam. Ali nasceu muito craque. Outra alegria eram os bailes, que aconteciam na Roquete Pinto, no Zé da Onça, no Clube de Futebol do Cerfa, no Ás de Ouro e no Ramos Social Clube. Era um tempo romântico.”
Nova era
Em dezembro de 2001 foi inaugurado um grande lago artificial, batizado pela comunidade de Piscinão de Ramos e oficialmente de Parque Ambiental da Praia de Ramos.
Em 2012, o nome foi mudado para Parque Ambiental da Praia de Ramos Carlos de Oliveira Dicró, em homenagem ao sambista e ilustre frequentador, falecido no mesmo ano.
Com mais de 26 mil metros quadrados, a piscina comporta 30 milhões de litros de água do mar — é a primeira e única no mundo com fundo de areia. Sua água é cristalina porque passa por um complexo sistema de tratamento, o que a torna uma das mais limpas da cidade.
Próxima parada: Vila do João, favela que nasceu em 1982. Até lá!