Cesta básica: combate à fome corroído pela inflação

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Presidente Jair Bolsonaro será o primeiro presidente do país a deixar um salário mínimo com menor poder de compra do que quando entrou

Por Daniela Lopes, Giulia Costa e Julia Silva,(*) em 04/08/2022 às 11h54

A Cesta Básica Nacional foi estabelecida no Brasil em 1938, por meio de um decreto, durante o governo de Getúlio Vargas. Ela indicava uma lista de alimentos balanceados, com nutrientes considerados fundamentais para o organismo, em quantidades necessárias para a saúde de um trabalhador adulto. Infelizmente, a inflação vem corroendo o poder de compra do salário mínimo e, por extensão, o valor da cesta básica: em junho, por exemplo, ela custava R$ 777,01 em São Paulo — a mais cara do país.

Os itens que compõem a cesta básica tradicional são os seguintes: carne; leite; feijão; arroz; farinha; batata; tomate; pão; café; banana; açúcar; óleo e manteiga. Após sua popularização, o valor da cesta básica passou, então, a ser um dos principais componentes de definição do salário-mínimo, que, por sua vez, deveria ser suficiente para atender às necessidades básicas de alimentação, moradia e transporte do trabalhador e sua família por um mês. 

Preços disparam

Ao longo dos anos, mudanças em relação a lista de alimentos que compõem a cesta básica foram realizadas e, atualmente, ela é baseada na pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), instituto que desenvolve estudos que atendam às necessidades dos trabalhadores e produz mensalmente pesquisas sobre o aumento no preço de cada item da lista de alimentos em diferentes capitais do país. 

As cestas básicas, fornecidas por empresas e vendidas em supermercados são, geralmente, compostas por itens não perecíveis e, por isso, não apresentam carnes, verduras e frutas, ainda que sejam considerados essenciais. Há cestas básicas que são compostas também por produtos de higiene e limpeza, como creme dental e sabão em pó. 

Segundo a pesquisa realizada pelo Dieese, o valor do conjunto de alimentos que compõem a cesta aumentou em nove das 17 capitais consultadas entre os meses de maio e junho. O Rio de Janeiro foi a quarta cidade com maior aumento no preço, chegando a cesta básica a R$733,14, o que de acordo com a pesquisa equivale a 65,39% do valor líquido do salário-mínimo. 

O trabalhador carioca teria então que trabalhar, em média, 133 horas e 05 minutos para cobrir os gastos com os alimentos da cesta. O estudo estimou ainda que, atualmente, o valor do salário-mínimo deveria ser de R$ 6,527,67, ou 5,39 vezes o mínimo de R$1,212,00, considerando que a determinação constitucional estabelece que o salário-mínimo deve ser suficiente para arcar com as despesas de alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência do trabalhador e sua família. No entanto, não é isso que acontece. 

Cortes no orçamento e produtos mais baratos

Adailson Almeida de Lima, de 44 anos, trabalha como maqueiro hospitalar e vive na Baixa do Sapateiro, com a esposa e duas filhas. A família conta com uma renda de dois salários-mínimos que, devido à alta dos preços dos alimentos, é insuficiente para dar conta da cesta básica. 

Adailson diz que ultimamente tem montado sua própria cesta básica, porque alguns dos alimentos considerados essenciais estão fora de seu alcance financeiro, “Temos que nos reinventar na alimentação a cada dia”. A carne vermelha, por exemplo, é um dos alimentos que fazia parte das compras de mercado da família de Adailson, mas que agora tornou-se inacessível, em virtude da subida dos preços.

Com o aumento dos preços dos produtos, a família de Adailson já não consegue manter a regularidade na compra de alimentos. “Conforme vai acabando, vamos comprando para repor.” Além disso, Adilson teve que priorizar a economia de gastos. Para isso, relata que passou a comprar alimentos de marcas mais baratas no supermercado em detrimento da qualidade e cortou despesas extras, como os gastos com entretenimento e cultura: “Tá difícil até de comer. Lazer só muito de vez em quando”. 

Shyrlei Mudesto, moradora do Parque União, também é prejudicada pela alta dos valores dos alimentos. Ela se mostra muito apreensiva com a situação: “Desde o ano passado os preços estão aumentando muito; de lá para cá o gasto mensal com alimentação aumentou 50%”. 

 Shyrlei tem 50 anos e sustenta quatro filhos com o salário que recebe como faxineira e pela renda complementar que ganha vendendo bolos. A venda de bolos varia a cada mês e, por isso, sua renda é irregular. Assim como Adailson, Shyrlei passou a priorizar a compra de produtos mais baratos no supermercado. Ela conta que teve que cortar gastos com a casa e com a família. “Os filhos menores reclamam, porque as crianças não entendem quando a gente diz que não pode comprar alguma coisa.” 

Cesta básica seria um dos principais componentes da definição do valor do salário mínimo: este deveria ser capaz de comprar, para uma família de quatro pessoas | Foto: Gabi Lino

Cesta Básica X Salário-Mínimo

Em entrevista à nossa equipe, a professora da UFRJ Celia Kerstenetzky afirmou que “Chegamos no Brasil à situação de o salário-mínimo não ser sequer suficiente para cobrir a alimentação do trabalhador ou do aposentado, por conta de não acompanhar a galopante inflação de alimentos.” O governo estima que a inflação termine o ano com alta de 7,20%, mais que o dobro da meta prevista pelo Conselho Monetário Nacional-CMN de 3,5%. Inflação é o termo usado na economia para nomear o aumento nos preços de produtos e serviços, ou seja, afeta diretamente o setor alimentício.” 

Contatamos o escritório regional do Dieese-RJ, em busca de informações sobre a relação da inflação com o salário-mínimo e a cesta básica, a resposta foi “Atualmente, não há uma relação direta entre as correções do valor do salário-mínimo e o comportamento dos preços da cesta básica de alimentos. Indiretamente, sim, uma vez que o valor do salário-mínimo vem sendo corrigido pela taxa de inflação. E a taxa de inflação resulta da variação média dos preços dos diversos produtos que as famílias consomem, dentre eles, os preços dos alimentos.” 

Governo e Política Econômica

A respeito das medidas que o governo pode tomar em relação à subida dos preços, Celia, que é docente das áreas de Política Social, Desigualdade e Pobreza; e Justiça Distributiva e Desenvolvimento, diz que “Sim, o governo tem capacidade de intervir nessa situação, seja, por exemplo, regulando a oferta ou subsidiando o preço dos alimentos para a população de baixa renda; seja mantendo a política de valorização do salário-mínimo e políticas de combate à pobreza permanentes. Seja aumentando os gastos públicos em coisas que são importantes para todos e especialmente para os mais pobres: transporte de qualidade, saúde, saneamento, moradia.”

No entanto, segundo Célia, o que vemos, infelizmente, é o governo cortando gastos sociais em vários programas que são muito importantes para o orçamento das famílias, “como a farmácia popular, a moradia popular, os subsídios para a educação universitária para os estudantes de famílias pobres. E usando esse dinheiro para injetar no Auxílio Brasil, que ninguém sabe direito como funciona e quanto tempo vai durar, mas com objetivos eleitorais claros. Dá com uma mão (algo que não sabemos quanto tempo irá durar) mas tira muito mais com a outra. Com cortes em educação pública, saúde pública, moradia popular, saneamento, não vai haver auxílio que chegue.” 

Insegurança Alimentar

Sobre as famílias que nesse momento se encontram em situação de insegurança alimentar, o Dieese respondeu “Segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Pensann), atualmente há cerca de 33 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar grave (passando fome) e mais da metade da população em situação de alguma insegurança alimentar. Pode-se afirmar que uma parte desse problema se explica pela alta dos preços dos alimentos. Assim, o país que é um dos maiores produtores de alimentos do mundo tem mais de 125 milhões de pessoas sem a segurança de que conseguirão se alimentar adequadamente.” 

No Rio de Janeiro, a pesquisa realizada pela Pensann, com dados coletados entre novembro de 2021 e abril de 2022, estima que mais de 15% da população do estado não tem o que comer. A porcentagem corresponde a cerca de 2,7 milhões de pessoas. Em termos de Brasil, 8,1% da população não tem o que comer em casa.

(*) estudantes da Universidade Federal do Rio de Janeiro que participaram do Curso de Extensão do Maré de Notícias em parceria com a universidade.

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