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Aldeia Maracanã sofre com a ameaça de remoção há mais de uma década

A aldeia indígena do Rio de Janeiro que abriga mais de 15 etnias está no território desde 2006, afirma advogado.

Com informações da Agência Brasil

Há uma década acontecia a vigésima edição da Copa do Mundo de Futebol que foi realizada no Brasil. Além da eliminação da seleção brasileira após um 7 X 1 contra a Alemanha, outro fato que envolve o evento foi a tentativa de demolição de espaços como a Escola Municipal Friedenreich, o Estádio de Atletismo Célio de Barros, a Vila Autódromo, a favela Metrô-Mangueira e a Aldeia Maracanã. As desculpas de adaptação para o evento causaram demolições, só escapando de prejuízos à escola. 

Ao entrar na Aldeia Maracanã, localizada no bairro carioca que leva o mesmo nome, se percebe um portal no meio da cidade. O local lembra o Parque Municipal Ecológico Cadu Barcellos, que fica na Vila dos Pinheiros, na Maré, que é uma área verde no meio da cidade. Entre veículos e buzinadas se encontra a aldeia, um espaço com árvores e preservação da cultura indígena. Esther Pataxó é moradora da aldeia e defende que as pessoas entendam a vivência dos povos originários. “Um exemplo é a nossa pintura, que significa proteção e força. Chegam a perguntar se a nossa pintura é rena, não entendem que é cultura. Quando estamos fracos nos pintamos e recebemos a força do jenipapo”, ensina.

A aldeia indígena do Rio de Janeiro que abriga mais de 15 etnias está sob ordem de despejo. Nesta terça-feira (22), a FUNAI e a Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), uma estrutura criada para tratar de questões relacionadas a disputas por terras, entraram no processo em apoio ao território. 

Resistência de mais de uma década

Segundo o advogado Arão da Providência, que representa os indígenas da Aldeia Maracanã, o espaço é ocupado por representantes de povos originários desde 2006, com autorização da União, a quem pertencia o imóvel anteriormente.

Durante a preparação para a Copa do Mundo de futebol de 2014, o terreno da Aldeia Maracanã foi requisitado pelo governo do estado à Justiça, já que se previa a derrubada do prédio como parte da revitalização do estádio do Maracanã, que receberia jogos da competição, entre elas a partida final.

Em 2013, os indígenas e ativistas dos direitos humanos que os apoiavam foram retirados do imóvel, depois de uma tumultuada operação da Polícia Militar no local. A área foi reocupada pelas famílias após o término dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016.

“Chegaram às 5h e resistimos até às 19h. Tivemos apoio de políticos e dos Direitos Humanos nas negociações. Ao final os policiais foram embora. O governo estadual queria a evacuação e que recebêssemos o benefício do aluguel social, mas nós não estávamos interessados”, diz o Cacique Carlos Tucano, presidente do Conselho Estadual dos Direitos Indígenas (Cedind-RJ).

Parte dos indígenas saíram do local e foram para o conjunto habitacional do programa federal “Minha Casa, Minha Vida” entregue pela Secretaria de Estado de Habitação aos indígenas para fins de moradia.

  “No dia 20 de março de 2013 fomos removidos para Jacarepaguá, onde ficamos um ano e meio. Depois nos colocaram em 20 apartamentos num conjunto habitacional onde antes funcionava o Presídio da Frei Caneca. Ainda hoje queremos a reforma do Museu do Índio. Já apresentamos o projeto e a desculpa é a falta de dinheiro. Já trocaram diversos secretários estaduais de cultura, mas até agora nenhuma resposta. Hoje estamos num prédio, onde chamamos de Aldeia Vertical e não abandonamos a nossa cultura”, conclui o cacique. 

Marize Guarani, professora de História, Mestre em Educação pela UFRJ, Doutoranda em Educação pela UFF, afirma que os indígenas são 305 povos no território nacional, com 274 línguas. Também lembra que muitos estão morando em área urbana da cidade, não usando o cocar, mas continuam sendo indígenas. “A situação é tão complicada que nos Censos de 2000 e 2010 se mudou a metodologia para a declaração de ser indígena e assim muitos os urbanos ficaram de fora. Temos no município grupos indígenas espalhados, já chegaram a perguntar se eu era indígena mesmo. Precisamos de mais coletividade para brigar por políticas que implementem os direitos dos indígenas”, destaca.

Um movimento dividido 

Mônica Lima Mura Manáu Arawak, professora da UERJ, concorda que o Estado dividiu o movimento. “Um grupo fez acordo e foi para os apartamentos do Programa Minha Casa Minha Vida, chamados de Aldeia Vertical. Enquanto a pauta do grupo que deixou a Aldeia era a restauração do antigo Museu do Índio para construção de um Centro de Referência, a pauta dos indígenas que permaneceram é a demarcação dos 14 mil e 300 metros quadrados da Aldeia Maracanã, a formalização da Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maracanã, e a restauração do antigo espaço para ser um Museu Vivo, patrimônio histórico e de memória material e imaterial, que também funcionaria como um Centro de Acolhimento Indígena. Fomos ocupar a UERJ e participar do Seminário onde o acordo do Centro de Referência seria assinado, mas a universidade nos fechou os portões”, detalha. 

Ela define o espaço como a Tekohaw Marakà’nã, Aldeia Pluriétnica em contexto urbano, sede da Universidade Indígena, que representa a resistência da ancestralidade indígena. Além de ser um centro de produção, confluência e compartilhamento de saberes, ciências, tecnologias e conhecimentos tradicionais de diversos povos originários. Abrigada dentro da Aldeia, está a Universidade Indígena Pluriétnica Aldeia Maracanã (UIPAM) que os povos originários lutam pelo reconhecimento e formalização legal. É um local de encontro, troca de saberes ancestrais, (re)produção de conhecimentos coletivos, comunicação, (re)definição de estratégias, atuação conjunta e fortalecimento da resistência. Sendo um lugar que promove pesquisas, ensino e valorização da sabedoria/ciência dos povos tradicionais aos que visitam o espaço.

“Na cidade que invadiu a floresta também sofremos com os megas eventos esportivos e megas empreendimentos da especulação imobiliária. Recentemente recebemos uma ordem de despejo do judiciário em conluio com a especulação imobiliária, mas mobilizamos forças políticas nacionais, internacionais e até mesmo dentro do próprio judiciário e, portanto, houve um certo “recuo”. É urgente a demarcação de nosso território ancestral. Demarcação já”, finaliza. 

A Secretaria de Estado de Cultura informa que possui desde 2016 decisão judicial favorável à posse do imóvel localizado na área conhecida como Aldeia Maracanã que, no entanto, está ocupado irregularmente. A decisão permanece sem cumprimento e sem trânsito em julgado por causa da interposição de recursos pelas partes. A elaboração do projeto só será realizada a partir da retomada de posse do bem, a partir de avaliações técnicas dos profissionais da secretaria sobre a situação atual do imóvel.

*Esta reportagem foi produzida por meio do projeto Sala de Redação, desenvolvido pela Énois, um laboratório de comunicação que trabalha para impulsionar diversidade, representatividade e inclusão no jornalismo brasileiro. As informações foram apuradas de forma colaborativa pelo Maré de Notícias (RJ).

‘A neutralidade só serve a um grupo que é o grupo que se diz neutro’, afirma jornalista durante esquenta WOW

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A mesa ‘Por uma comunicação feminista e antirracista’ provocou reflexões sobre jornalismo da grande mídia

A segunda parte da programação do Esquenta WOW que acontece neste sábado (19), na Casa Voz, no Complexo do Aleão teve como destaque a mesa ‘Por uma comunicação feminista e antirracista’. Mediada por Victória Henrique, repórter da TV Globo, as convidadas Thaís Bernardes, empreendedora social e fundadora da Notícia Preta e também, a Vitória Régia, Presidente e criadora de conteúdo da Revista Gênero e Número falaram sobre o desafio das mulheres nesses espaços. 

O jornalismo contra hegemônico foi o primeiro assunto abordado. Thaís destacou: “Não existe matéria de preto, assunto é de todo mundo”, reflete a CEO do Notícia Preta. E complementa a jornalista Vitória, do Gênero e Número: “É a lente que a gente olha o mundo: eu falo sobre esporte, justiça climática, tudo a partir desse olhar [mulheres e dados]”, destaca.

Provocada pela própria temática da mesa e também pela mediadora sobre neutralidade no jornalismo, Vitória Régia presidente da Gênero e Número afirma que a neutralidade no jornalismo nunca existiu.

“A gente cresce no jornalismo com essa falácia da neutralidade, né? Mas eu sempre falo que a neutralidade só serve a um grupo, que é o grupo que se diz neutro. Porque o neutro tem cor, tem gênero, tem território. Assim como a própria construção do sentido de mulheres e pessoas negras veio de ser ‘o outro’, né? Então mulheres são ‘o outro’ dos homens, pessoas negras são ‘as outras’ das pessoas brancas. Então a gente sempre veio desse lugar do contraponto, da contradição do que era visto como o ideal e o padrão”

Para ela, a ideia de neutralidade que se fala no jornalismo serve só para manter quem tá no poder, no poder. “Eles adoram falar dessa neutralidade e falar de que a gente precisa ouvir os dois lados da mesma forma, mas quando foi que durante uma operação policial o jornalismo tradicional colocou a fala do morador no mesmo lugar do que a fala da polícia? Isso nunca aconteceu, essa neutralidade nunca existiu”, completa.

Thais Bernardes também falou sobre a importância de saber negociar para captar recursos. Além disso, a jornalista criticou as empresas que tratam questões raciais, do meio ambiente e outras causas como “temas que estão em alta” sem um compromisso verdadeiro com as questões que são levantadas pelos movimentos sociais. 

A programação continua até às 21h com oficina de audiovisual portátil para redes sociais; como produzir podcast profissionalmente, slam laje e show com Becca Perret.

Esquenta WOW: comunicadoras abordam direito à memória e disputas de narrativas através da comunicação comunitária

O Esquenta Wow conta ainda com oficina de podcast, slam laje e encerramento com show de Becca Perret

Texto colaborativo: Maré de Notícias e Voz das Comunidades

O Aquecimento do Festival WOW (Mulheres do Mundo) acontece neste sábado (19), na sede do Voz das Comunidades, na Casa Voz, no Complexo do Alemão. O evento, como o próprio nome traz, é um aquecimento para o festival, que traz palestras e atividades abordando o protagonismo de mulheres nos círculos profissionais e sociais.

A primeira mesa foi composta pelas jornalistas Melissa Cannabrava, coordenadora de comunicação do Voz das Comunidades, Andrezza Paulo, do Maré de Notícias e também colaboradora do Voz das Comunidades, Elena Wesley, do Data_Labe, e Thuane Nascimento, do PerifaConnection. A moderadora da mesa foi Jéssica Pires, jornalista e pesquisadora que já colaborou e coordenou o Maré de Notícias.

As profissionais trouxeram temas como a importância da preservação da memória de territórios através dos veículos comunitários, trajetórias e como a incidência sobre a população periférica consegue trazer mudança para toda as comunidades.

A jornalista Jéssica Pires falou sobre a importância das pautas abordadas pelo Festival WOW. “É um festival que eu admiro muito, que promove encontros superpotentes, importantes, diversos, não só de mulheres diversas, como de pautas diversas e urgentes, assim como a comunicação comunitária. Então, pra mim foi uma honra, estou muito feliz e continuo aprendendo cada dia mais com a comunicação”.

Sobre desempenhar a função de mediação da mesa a partir das diferentes perspectivas abordadas pelas jornalistas, Jéssica detalha que a comunicação sempre esteve presentes nos territórios, justamente como ferramenta de defesa. E com mulheres à frente, o trabalho é mais importante e desafiador. “A gente dar luz a isso e mostrar como as mulheres têm liderado esses processos é muito importante e, sem dúvida assim, em todos os processos de comunicação, de produção de comunicação que eu venho fazendo dentro da Maré, pensando em comunicação comunitária.”

Elena Wesley, jornalista, trouxe a experiência a partir do Data_Labe e falou sobre órgãos governamentais que dizem não comentar sobre “dados extra oficiais”. Questionada como essa posição impacta na compreensão pública sobre determinados temas levantados, Elena revela que o Data_Labe também passa por isso. “Aconteceu com a gente. Foi sobre uma pesquisa que estávamos fazendo sobre racismo nas abordagens policiais ou nos órgãos públicos. No momento de distribuir esse dado, eles disseram exatamente isso, que não comentavam.”

Para Elena, este posicionamento dos órgãos públicos reflete o quanto os tomadores de decisão fazem parte do mecanismo do racismo estrutural. “…quando eu descredibilizo uma fonte que recorre à ciência para elaborar uma metodologia, que é a metodologia da geração cidadã de dados, eu deslegitimo essa fonte de dados e o que esse cenário está me trazendo. Ou seja, de alguma, forma eu estou legitimando que a gente continue com os problemas que a gente já tem”, reflete.

O Esquenta Wow conta ainda com oficinas, slam laje e encerramento com show de Becca Perret. Confira a programação completa aqui.

Esquenta WOW chega ao Complexo do Alemão para discutir importância de ações ligadas à comunicação

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Evento gratuito terá rodas de conversa, oficinas e apresentações artísticas

No dia 19 de outubro, a partir das 10h, o Festival Mulheres do Mundo realizará mais uma edição do Esquenta WOW, desta vez na Casa Voz, sede da ONG Voz das Comunidades, no Complexo do Alemão. Em um dia de diálogos, oficinas e apresentações artísticas, o intuito do evento é reunir mulheres de diferentes áreas de atuação para discutir a importância de iniciativas e projetos ligados à comunicação.

Um dos destaques da programação é o Fórum de Vivências “Como produzir podcasts profissionalmente?”, que reunirá as podcasters Luana Carvalho (bom mesmo é ser emocionada), Luci Gonçalves (Pod Cai de Boca) e Krishna (Falando Pensamentos) para compartilhar desafios e oportunidades relacionados ao formato. Ainda no campo dos diálogos, o Esquenta WOW contará com mesas sobre comunicação comunitária e a importância de um jornalismo feminista e antirracista. Nos painéis, jornalistas compartilharão com o público suas estratégias, experiências e prioridades para a construção de uma comunicação cada vez mais diversa, sensível e descentralizada.

Em relação às atividades voltadas para arte e cultura, o Esquenta WOW oferecerá uma oficina de audiovisual portátil para redes sociais, com o objetivo de ensinar ao público técnicas criativas de edição de vídeos em diversos formatos. O evento contará, ainda, com uma batalha de poesia realizada pelo Slam Laje. A vencedora garante vaga para o Campeonato Estadual de Poesia Falada do Rio de Janeiro.

A cantora e compositora Becca Perret comandará o show de encerramento do Esquenta WOW, apresentando toda sua brasilidade e versatilidade de forma autêntica misturando ritmos de MPB, Bossa e Groove, com grande influência do jazz, gospel e soul americano.

Eliana Sousa Silva, fundadora da Redes da Maré e curadora do Festival WOW Rio, vê o Esquenta WOW no Alemão como mais uma oportunidade de criar uma mobilização para o Festival WOW, a partir das favelas do Rio. Tendo como foco a comunicação, tema de grande relevância no território, esta edição conta com a participação de iniciativas de impacto nascidas no Alemão, como a ONG Voz das Comunidades e a batalha de poesia Slam Laje.

“Quem participar do Esquenta WOW no Alemão pode esperar uma programação que dialoga com os debates atuais em torno da comunicação, como os novos formatos de produção de conteúdo e a importância de uma comunicação comprometida com as agendas feminista e antirracista. No evento, vamos destacar iniciativas locais e também de outros territórios lideradas por mulheres que pensam suas produções como espaços de
atuação para impulsionar agendas positivas para equidade de gênero “, afirma Eliana.

Trazendo em seus fundamentos a certeza de que mulheres articulam, criam e sustentam o mundo, o Festival WOW Rio se somará a profissionais inspiradoras para amplificar as vozes de mulheres que ecoam em seus territórios. O objetivo é que, a partir de iniciativas já consolidadas, o evento inspire o público a transformar ideias em ações que possam revolucionar a comunicação que conhecemos hoje.

Confira a programação completa aqui.

Maré lança o Plano Participativo para a Primeira Infância

Documento propõe fixar as prioridades para a garantia dos direitos das crianças de 0 a 6 anos da Maré e traçar estratégias político-institucionais para alcançá-los

O Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016), traz como áreas prioritárias para as políticas públicas voltadas à primeira infância: à saúde, à alimentação, à educação infantil, a convivência familiar e comunitária, a assistência social, a cultura, o brincar, o lazer e o meio ambiente. Contudo, na favela muitos desses direitos conquistados estão longe das crianças. Para reverter isso, a Redes da Maré lançou na última terça (15), no Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (Muhcab), na Gamboa, o Plano Participativo para a Primeira Infância da Maré, um documento para a garantia de direitos dos pequenos cidadãos da Maré com idade entre 0 e 6 anos. 

O documento se destaca por ser, até o momento, o primeiro a trazer registros de planos de iniciativa local e participativa em territórios de favela de grandes cidades. “Mostra os anseios das crianças e de todos que participaram do processo. Muito bom o lançamento ocorrer no Dia dos Professores e nesse mês que precisamos pensar na infância. O plano mostra o retrato da Maré , mas pode ser usado em outros lugares da cidade. Produzimos dados, agora precisamos ir além com as reivindicações de implantação de políticas públicas”, diz Gisele Ribeiro Martins, que fez parte da equipe responsável do plano.

O plano traz um detalhado diagnóstico dessa população, bem como os principais desafios para promover uma infância cidadã. Um processo estratégico e importante a construção desse plano, feito a muitas mãos, com participação popular. “Foi desafiador finalizar esse documento no contexto da violência e da eleição, com um olhar para quem sofre e com o papel de escuta nas realizações de três pré-conferências e uma conferência. Esse não é um momento simbólico, mas político”, conta Miriam Krenzinger é professora da Escola de Serviço Social da UFRJ

O processo do plano decorreu de 2020 a 2024, com pesquisa diagnóstica em setembro de 2023, tendo o envolvimento de 2.144 famílias da Maré.  “Um processo que nos ensina muito. Esse documento aponta para um ciclo que começa agora, com um recorte da Maré, mas que pode ser usado por outros lugares com uma construção participativa. A partir de agora começa um intenso trabalho que vai inspirar outros”, relata Leandro Castro, pesquisador do Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância (CIESPI/PUC-Rio). 

Na primeira fase foram investigados três pontos: como é crescer na favela? Quais os desafios e oportunidades? Como investir na primeira fase da narrativa das crianças? Já na segunda fase houve a construção participativa, com o comitê científico, das três pré-conferências realizadas na Praia de Ramos, Nova Holanda e Vila dos Pinheiros, culminando com a Conferência da Primeira Infância, realizada em junho. 

O plano se destaca pela construção participativa, na qual moradores exploram a necessidade de discutir e construir propostas nas áreas de exposição à violência, práticas de cuidado, saúde, educação, assistência social e acesso à cultura e lazer. “Aprendi muito com esse documento, que mostra quais são os nossos direitos. Vou levar para minha vida. Foi gratificante participar da construção do documento sobre a primeira infância”, comenta Craice Carneiro, mãe de cinco filhos e moradora da Nova Holanda.

Fabiana Silva, pedagoga e ouvidora-geral da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, lembra que todos são chamados a pensar e potencializar a educação infantil, que sofre com violações, como as 39 operações policiais só este ano, que deixam as crianças sem aulas, e também a falta de vagas nas creches. “É preciso pensar em propostas que tragam desenvolvimento para a infância. Agora com a contribuição desse plano podemos cobrar políticas públicas, que já estão no Estatuto da Criança e do Adolescente”, conclui. 

Além da participação de integrantes da construção do plano, o evento ainda contou com uma apresentação musical das crianças do projeto Nenhum a Menos, da Areninha Cultural Herbert Vianna. Além de crianças do Clube de Leitura da Biblioteca Popular Escritor Lima Barreto, que leram trechos de livros escritos por eles e exibiram um grande cartaz confeccionado com anseios da primeira infância. 

Os números da primeira infância

A construção do plano teve como metodologia a pesquisa de diagnóstico nos domicílios. A partir daí foi possível realizar um raio-x da primeira infância da Maré. O resultado do processo resultou em mais de 85 propostas, que deram origem a carta compromisso que foi entregue aos candidatos a prefeito. Os próximos passos serão disseminar o plano no poder executivo, no âmbito municipal, estadual e federal. Há também o desejo de levar para os chefes do poder legislativo e judiciário, e de acompanhar e monitorar a discussão sobre a implantação das políticas públicas mencionadas no plano. 

Alguns dos dados:

74,4% dos responsáveis se declaram negros.

A composição familiar ficou em 4,32. Contudo, 18,5% famílias são compostas por mais de cinco pessoas na moradia, podendo chegar a 15 integrantes. 

22% dos respondentes relataram ter dificuldade de acesso à política pública de assistência social.

57,4% das famílias não recebem nenhum benefício.

64,6% da população respondente enfrenta algum tipo de dificuldade no acesso ao direito à saúde e a equipamentos públicos na Maré.

No seu dia, professores falam sobre o amor e os desafios da profissão

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No último domingo (13), centenas de professores caminharam e correram em duas competições pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro. Na camisa, os dizeres: Educadores vão além da sala de aula. Um desabafo de um profissional que durante todo o ano leva conhecimentos às pessoas, mas muitas vezes não encontra o seu reconhecimento. Hoje, mais do que comemorar o Dia dos Professores, os mestres querem também lembrar do pensamento do educador Paulo Freire, que a educação não transforma o mundo, mas muda pessoas, que assim transformam o mundo. 

Para homenagear todos os educadores, o Maré de Notícias entrevistou três professores de segmentos diferentes no ensino municipal. No Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA/Maré), localizado próximo ao Conjunto Bento Ribeiro Dantas, Luciana Getirana de Santana, de 60 anos, leciona a disciplina de matemática a quem deseja aprender sem pensar na idade. Outra profissional é Simone Werneck Matias, de 46 anos, que atua no primeiro segmento do ensino fundamental na Escola Municipal Professor Paulo Freire, na Vila dos Pinheiros. Já na Praia de Ramos, a professora Raquel Mattos, de 49 anos, trabalha com as criancinhas no Espaço de Desenvolvimento Infantil (EDI) Armando de Salles Oliveira.

Maré de Notícias: Como surgiu na sua vida a escolha da profissão?

Luciana: Acho que surgiu no momento em que decidi fazer Matemática. Tinha por volta de 13 anos, estudava em uma escola municipal e ficava encantada com as aulas da professora Ângela, ela ensinava matemática de uma forma que todos os estudantes aprendiam. Mais tarde, quando cursava Matemática na UFRJ, encontrei a professora Ângela de novo, ensinando para os graduandos.

Simone: A escola Normal, unidade que formava professores, era ao lado da minha casa e eu era muito nova para estudar longe. Então a orientação que minha mãe deu foi essa. Logo no primeiro ano de formação já estava apaixonada pela profissão.

Raquel: Minha mãe foi professora e diretora e por isso eu já conhecia a rotina da profissão. Embora no início tenha escolhido ser professora apenas para pagar as contas e não quisesse seguir carreira, a profissão me ganhou. Tanto que já estou prestes a me aposentar.

Maré de Notícias: Há quanto tempo atua como professora e quanto nesta unidade escolar?

Luciana: Trabalho como professora desde 1986. Já fazem 28 anos. No CEJA Maré, comecei a trabalhar em 2012, quando a escola foi inaugurada. E estou lá até hoje.

Simone: Sou professora há 28 anos e estou no município há 25 anos. Na Maré comecei numa escola chamada de Classe Cooperação Baixa do Sapateiro, que funcionava na associação de moradores. 

Raquel: Atuo há 24 anos e 6 meses. Esse tempo todo na mesma escola, que antes era escola do primeiro segmento do ensino fundamental e agora é EDI.

Maré de Notícias: O que é ser professora?

Luciana: Difícil pergunta. Acho que sou uma trabalhadora da educação que compartilha saberes, que gosta do objeto que ensina. Como o objeto do meu trabalho que é ensinar matemática, gosto de trocar com os estudantes os processos de matematizar. Assim, me defino como professora, mas não sei se ser professora é isso.

Simone: Ser professora é se tornar referência para o outro de algum modo. Às vezes, é referência de postura, conhecimento, amizade ou de muitas outras formas. Não me vejo em outro lugar que não seja a sala de aula. É a profissão que permite uma troca intensa o tempo todo. Ensino aprendendo e aprendo ensinando.

Raquel: É minha profissão, meu sustento e o prazer de passar para outras gerações o conhecimento. É maravilhoso ver cada avanço no desenvolvimento das crianças. É um prazer ter ex-alunos trazendo seus filhos e entregando nas minhas mãos com todo amor e carinho. Amo demais.

Maré de Notícias: O que acredita que pode melhorar ou mudar nessa sociedade com o seu trabalho?

Luciana: Acredito que possibilitar às pessoas a compreensão de que elas possuem saberes tão ou mais importantes do que os que eu possuo ajuda a reconstruir uma sociedade em que não importa a profissão, somos trabalhadores de diferentes setores que precisamos ser reconhecidos e remunerados de forma digna. Assim, possibilitar o diálogo, o respeito e a solidariedade em minhas aulas contribuem para o empoderamento de todos.

Simone: Estou em sala acreditando nessa mudança, pois é através da educação que podemos formar uma sociedade mais humana. A formação educacional do ser humano, em qualquer etapa da vida, impulsiona para uma mudança de postura, de atitude e política. Alguns dizem que sou sonhadora demais e que pelos anos que tenho como professora já deveria estar cansada, desanimada ou farta de tantas dificuldades que encontramos. Mas ainda entro na sala esperando pelo novo, com orgulho de exercer minha profissão, com o brilho no olhar e com a emoção de ver e acompanhar o crescimento dos meus alunos. Isso é o que mais me importa.

Raquel: A esperança de estar colaborando para que cresçam pessoas de bem, inteligentes, críticas e atuantes na sociedade fazendo um futuro melhor para todos nós. Mas para isso é preciso reverter a falta de valorização do professor, que algumas vezes percebemos em atitudes dos responsáveis e muito mais nas dos governantes. Também faltam investimentos, um exemplo é o EDI Armando de Salles Oliveira, que antes era uma unidade escolar do ensino fundamental e agora de educação infantil, mas a estrutura não foi adaptada.