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O G20 na Maré: escolas colocam em prática a preservação do meio ambiente e demais temas do fórum

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Agendas discutidas no G20 Brasil como sustentabilidade, combate às desigualdades, a fome e a pobreza estão no dia a dia das escolas na Maré

Por Hélio Euclides e Adriana Pavlova

Enquanto o Rio de Janeiro está em contagem regressiva máxima para o início do encontro do G20, que reunirá representantes das 19 maiores economias mundiais na cidade nos dias 18 e 19 de novembro, em três escolas municipais da Maré o lema do fórum global – “Construindo um mundo justo e um planeta sustentável” – deixou de ser algo distante e vem embalando o dia a dia de crianças e adolescentes.

O Ginásio Experimental Tecnológico (GET) Olimpíadas Rio 2016, a Creche Municipal Monteiro Lobato e o Espaço de Desenvolvimento Infantil (EDI) Medalhista Olímpico Éder Francis Carbonera levaram a importantes discussões do G20 para a sala de aula, com práticas sustentáveis se espalhando e engajando as turmas. Temas que podem soar desafiadores até para os adultos, como transição energética, desenvolvimento sustentável, combate à fome, à pobreza e à desigualdade, se transformaram em ações pedagógicas e agora estão no cotidiano dos estudantes e de suas famílias.

EDI Éder Francis Carbonera 

No Espaço de Desenvolvimento Infantil que fica no Campus Maré II, no Salsa e Merengue, o G20 trouxe mais empolgação para trabalhar o meio ambiente.

“O G20 não pode ser algo longe daqui. É preciso trazer para a nossa realidade, tratar a queimada da floresta, mas também a do lixo. Discutir a natureza para todos, com melhoria não a longo prazo, mas algo que precisa começar agora”, defende Débora Esteves, diretora adjunta.

O envolvimento ali é tanto que em novembro o projeto de jornal da escola, em versão mural e online, inspirado no Maré de Notícias, será dedicado ao tema do G20. Os repórteres mirins já estão preparando tudo, diz a diretora.

Antes disso, basta andar pelo EDI e ver diversos trabalhos das crianças sobre a natureza espalhados pelos corredores, incluindo borboletas feitas de papel que enfeitam a porta de uma sala. Cada turma foi batizada com um animal. As mais animadas são as crianças de 4 e 5 anos, no Pré 1 e Pré 2, as turmas borboletas e beija-flor respectivamente. “Fico triste quando as pessoas jogam lixo atrás da escola, na água (Baía de Guanabara)”, conta Emanuele Souza, de 5 anos. Uma iniciativa foi a criação de um borboletário, com lagartas que foram alimentadas com folhas de maracujá. Quando viraram borboletas, os alunos as soltaram na natureza.

De fato, o meio ambiente virou uma grande sala de aula a céu aberto. Os alunos já participaram de um piquenique no Parque Ecológico e lá plantaram um bougainville (planta primavera). Há quatro anos, as crianças plantaram um ipê nos fundos da escola e de lá para cá já surgiram duas bananeiras, um pé de boldo e três laranjeiras. Outro ponto que chama atenção é a transformação de pneus usados em cercas coloridas para as plantas. “Ouvimos as crianças e assim nascem as ideias que eles trazem”, acrescenta Valmira Lúcio, professora do Pré 2. 

Para incentivar a participação dos alunos, os professores explicaram o que vai ser o G20. Uma das tarefas ligadas ao grande encontro de chefes de Estado no Rio foi a confecção de cartazes que pedem para que o lixo não seja jogado no entorno da escola, conscientizando a população. “Muito chato quando queimam o lixo, fica o ar cheio de fumaça. Eu não gosto de fogo na natureza, pois deixa os bichos morrerem”, comenta Manuele Gomes, de 6 anos.

O símbolo da escola é o girassol, com o delicado lema “Sejam girassois dos seus jardins particulares”. “Trabalhamos com as crianças diretamente no meio ambiente, ensinamos a germinar e a plantar o girassol. Fazemos horta caseira, que os alunos regam e cuidam. Esse contato vai ressoar na família que fica mais atenta para cuidar de cada espaço da comunidade”, lembra Débora. 

Ligado no assunto, Pietro Silva, de 4 anos, já sabe o que falaria para a Cúpula do G20. “Local de lixo é no lixo, a natureza é bonita”, resume.

Creche Monteiro Lobato

Uma iniciativa foi a criação de um borboletário, com lagartas que foram alimentadas com folhas de maracujá | Foto: Gabriela Lino/Maré de Notícias

Localizada bem no coração da Baixa do Sapateiro, a Creche Monteiro Lobato está antenadíssima com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para a Agenda 2030, que incluem, entre outros, igualdade de gênero, consumo e produção responsáveis, paz e justiça. A diretora Ana Maria Ignacio e a adjunta Débora Cristina Ruivo trabalham para fazer da creche um lugar que ofereça aos alunos, desde bem pequenos, a chance de construir de fato um futuro melhor e mais sustentável.

As ações no espaço que abriga diariamente 140 crianças, de 2 a 6 anos, têm como um dos focos principais a reciclagem com reaproveitamento de material para atividades pedagógicas e separação de lixo. Há uma série de cartazes e brinquedos criados pelos alunos, entre elas uma boneca e um boneco feitos de caixas de papel, batizados de Lupita Bonita e Lucas Docinho.

“Eles fazem mais sucesso do que qualquer Barbie”, se diverte a diretora Ana Maria, contando que uma aluna se afeiçoou tanto à Lupita que pediu para levá-la para brincar em casa.

Na Monteiro Lobato as crianças têm atividades na horta, contato frequente com a natureza no quintal onde há cinco árvores frutíferas, colheita de frutas, incentivo à alimentação mais natural, com destaque para frutas e legumes, estímulo ao esporte, especialmente à corrida, numa minipista pintada no pátio interno, e até uma galeria de arte, onde são exibidas as obras criadas pela criançada com material reciclado. E para dar mais qualidade de trabalho aos professores, há uma sala de descanso onde podem tomar chá para relaxar.

Também são frequentes as visitas de especialistas para aprofundar assuntos que fazem parte do cotidiano da creche. Recentemente, houve uma aula para os professores sobre educação antirracista com a pesquisadora de culturas negras Pâmela Carvalho e conversa com um representante da Clínica de Saúde Augusto Boal para falar de alimentação. 

A parceria com o projeto Articulação com as escolas, da Redes da Maré, também já ofereceu oficinas sobre Território, Memória e Cultura para os profissionais da Monteiro Lobato e já estão previstas atividades do Eixo de Direitos Urbanos e Socioambientais em 2025 com crianças e professores. Ainda este ano, haverá um encontro da nutricionista Verônica Pinheiro, do buffet Maré de Sabores, com os pais e responsáveis, para falar sobre alimentação saudável. 

A preocupação com a qualidade dos alimentos é reforçada diariamente pelas merendeiras Edna da Silva e Estela de Oliveira. “Criança gosta de deixar os legumes de lado, mas aqui a gente tenta incentivar a alimentação natural. Agora eles até pedem mais cenoura”, conta.

A diretora Ana Maria reconhece que o lema do G20 acabou turbinando e animando os projetos da creche. “Nossas ações sempre foram pensadas no futuro das crianças, mas o G20 veio alavancar. Como é que lutamos para um mundo com menos desperdício? Como evitamos o consumismo desde cedo? São essas ideias que nos movem aqui”, diz a diretora.

A parceria e o apoio dos responsáveis é grande, como confirma Ana Paula Araújo dos Santos, mãe da aluna Ana Lara, de 2 anos: “É uma escola que incentiva desde muito cedo as crianças a pensarem na reciclagem, a fazer esportes, a cuidar da verde, a respeitar o meio ambiente. Não é por um acaso que minha filha pede pra ir para a creche até nos dias que não têm aula. É gratificante ver tanto aprendizado,” completa Ana Paula.

GET Olimpíadas Rio 2016

Escolas da Maré estão engajadas nos temas debatidos pelo G20 Brasil | Foto: Patrick Marinho/Redes da Maré

Na escola da Nova Holanda, o assunto do G20 com suas implicações sociais, econômicas e políticas se tornou algo tão sério que agora é tema da matéria eletiva de jornalismo, que por isso mesmo passou a ser chamada de Jornalismo e Meio Ambiente.

Nos últimos meses, a turma de 20 adolescentes, orientada pela professora de português Viviane Couto da Silva, vem mergulhando profundamente nos temas ligados ao meio ambiente em oficinas em parceria com o projeto Ecogerações, um coletivo de jovens comunicadores da Maré focado em  justiça climática e ambiental.  

Na aula que o Maré de Notícias acompanhou, a comunicadora Kaya Mendes provocou os estudantes a refletirem sobre racismo ambiental na favela, enquanto também mostrou os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas para a Agenda 2030. A turma foi dividida em grupos para que produzissem cartazes defendendo temas como fim da pobreza, crescimento econômico sustentável e redução da desigualdade.

“O objetivo dessas aulas é captar mensagens de preservação. Em um território como a Maré, falar de preservação é falar tanto do meio quanto do ambiente em que estamos inseridos”, diz Kaya, cuja iniciativa faz parte do  LabMaré, do Eixo de Direitos Urbanos e Socioambientais da Redes da Maré, para apoio de projetos de desenvolvimento do território.

A disciplina eletiva de jornalismo ambiental conta com uma página no Instagram, onde os alunos e os convidados das oficinas apresentam a produção altamente engajada de sala de aula. “Nosso foco é transformar todo o conteúdo das aulas em mensagens sobre preservação do meio ambiente que possam ser divulgadas para outros alunos da escola, para que todos possam entender a urgência climática. São ações como compostagem e reciclagem que podem ser multiplicadas dentro e fora da escola”, explica a professora Viviane.

Em um dos vídeos do instagram, as alunas do projeto Maria Eduarda Almeida, 13 anos, e Alice Diniz, 15 anos, dividem a experiência de repórteres na abertura da Favela 20 (F20), braço social do G20, que aconteceu na favela do Vidigal, na Zona Sul do Rio, em julho. As duas saíram exultantes da experiência. “Queremos alertar outros estudantes como nós que é hora de pensar no lixo que está do lado das nossas casas”, dizem as duas, em coro.

Os temas do G20 definitivamente estão entre nós, na Maré.

IBGE lança dados sobre as Favelas e Comunidades Urbanas na Areninha Cultural Herbert Vianna, na Maré

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À tarde, de 14h às 17h30, será oferecida a oficina ‘Um território de informações: Potencialidades dos Dados do Censo 2022’

No dia 08 de Novembro, às 10h, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgará os resultados do Censo Demográfico 2022: Favelas e Comunidades Urbanas: Resultados do universo. O evento será na Areninha Cultural Herbert Vianna, localizada na Rua Ivanildo Alves s/n, Nova Maré, Rio de Janeiro (RJ).

A publicação traz informações sobre o número de favelas e comunidades urbanas, a população residente nestas áreas, além do número de domicílios. Os dados serão disponibilizados para os recortes geográficos Brasil, Grande Região, Unidade da Federação, Concentração Urbana, Município e Favela e Comunidade Urbana.

À tarde, de 14h às 17h30, será oferecida a Oficina Um território de informações: Potencialidades dos Dados do Censo 2022, na Sede da Redes da Maré, na rua Sargento Silva Nunes, 1012. Na oficina, serão abordados entre outros temas, O que é o Censo; números da operação; temas investigados; novidades do Censo 2022; potencialidades dos dados para gestores locais; ferramentas e formas de acesso; temas já divulgados e perspectivas para as próximas divulgações.

A divulgação dos dados também contará com Transmissão online: IBGE DigitalYoutubeInstagramTikTok e Facebook. Os resultados poderão ser acessados no portal do IBGE e em plataformas como o SIDRA, o Panorama do Censo e a Plataforma Geográfica Interativa (PGI), sendo que nesses dois últimos poderão ser visualizados, também, por meio de mapas interativos.

F20 lança recomendações que pautam a perspectiva favelada em discussão global

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Centenas de pessoas participaram das programações do F20 no dia Dia da Favela

Thaynara Santos

Na última segunda-feira (4), o teleférico do Adeus, no Complexo do Alemão, foi o cenário escolhido para o F20 (Favela 20), evento promovido para o lançamento do ‘communiqué’, relatório feito por e para favelados para o G20. Nele, estão reunidas recomendações políticas da favela relacionados à educação e saúde de qualidade, segurança alimentar, acesso à água potável e saneamento básico, fortalecimento das lideranças comunitárias, combate à violência de gênero e LGBTQIAP+ e outros temas. O documento será entregue para os chefes de Estado na Cúpula Social do G20, que acontecerá entre os dias 14 a 16 de novembro, no centro do Rio.

Sobre o F20 no CPX

De 09h às 16h, centenas de pessoas participaram das programações do F20. A data escolhida também simboliza a importância do encontro. No dia 04 de novembro é celebrado o Dia da Favela. Na parte da manhã, representantes do governo e do G20 discursaram sobre a importância do evento e assinaram um exemplar do ‘communiqué’.

O Secretário Nacional de Juventude, Ronald Sorriso, foi um dos muitos que estiveram presentes. “Nós precisamos estar abertos a todo tipo de sugestão, todo tipo de crítica, para poder crescer enquanto governo e cumprir aquela meta, aquele objetivo que é fundamental, que é transformar a vida das pessoas. E quando a gente recebe um debate global, como a gente fala de um Brasil sem as favelas? Como a gente fala de uma cidade do Rio de Janeiro que recebe esse evento que tem quase 7 milhões de habitantes e cerca de 2,5 milhões residindo em favelas. Precisamos, a partir do significado que a nossa população construiu, dessa favela como solução e como resistência. Esse povo que consegue construir, diante de todas as adversidades, um futuro e um presente cada vez mais feliz. Viva a favela, viva a juventude, viva o povo brasileiro!”, disse.

As apresentações artísticas também tiveram vez. A poetisa Anna Sol e a cantora Kaê Guajajara foram as artistas convidadas para o evento. No painel I ‘F20: desafios locais, respostas globais’, os convocados foram Douglas Campos (BemTV), André Guterre (Rolé Favela Geek), Adriana Soterro (Fiocruz/ENSP) e Thainar Xavier (Sebrae Rio).

Quem mediou a conversa deste painel foi Rene Silva, presidente da Voz das Comunidades e cofundador do F20, que explicou o processo de construção do evento e das recomendações para o G20. “Quando falamos sobre a construção do F20, falamos sobre um processo colaborativo e muito inclusivo. Dialogamos não só com as organizações do Rio de Janeiro, mas também com toda a sociedade civil e governantes do mundo inteiro. Quando a gente propôs esse evento, quando decidimos fazer o F20, pensamos em como dialogar com o poder público, como chegar nas autoridades, de que maneira poderiam levar em consideração as nossas recomendações. Entendemos que é necessário que a favela, de maneira geral, participe desse processo de decisão. A gente não está aqui hoje, só para ser ouvido. A gente está aqui para participar dessa construção, para participar do futuro do nosso país, do futuro do nosso Estado, da nossa cidade, do futuro do mundo. Isso depende de cada um de nós. Depende de cada um de nós individualmente e depende de cada um de nós coletivamente também”, diz.

O painel II ‘Financiando o futuro das favelas: onde estamos e para onde vamos’ foi mediado por José Henriques Jr. (gerente de projetos na Trilha de Finanças do G20). Quem integrou a mesa foi a Mariana Davi (coordenadora de projeto na Trilha de Finanças do G20), Lúcia Cabral (fundadora do Educap), Carlos Pignatari (impacto positivo – AMBEV), Andressa Dutra (coordenadora do Instituto Mirindiba de Ação Climática Popular) e Anselmo Leal (diretor-presidente da Águas do Rio).

Lúcia Cabral, liderança favelada no Complexo do Alemão e fundadora do Educap, falou sobre as dificuldades enfrentadas por ela e por muitas ONG’s faveladas quando o assunto é dinheiro. “Eu, como gestora de ONG, sou gestora e eu mesmo me financio, né? Quando se tem oportunidade de financiamento, existem várias barreiras construídas no meio do caminho. O que chega até a gente é o desafio de colocar um projeto no edital. Pedem tanta coisa, parece que criam barreiras para que a gente não chegue até esse financiamento. Por exemplo, tem um edital aí rolando, o que pedem de documento do que você fez às vezes a 10 anos atrás… a gente tem que provar que a gente faz, e a gente faz sem ter dinheiro. Pergunta se alguém está ganhando dinheiro ali. Ninguém está ganhando, eu preciso trabalhar para manter minha ONG. Será que ninguém enxerga isso?”.

Lúcia também traz um pequeno relato sobre a construção do fórum favelado. “O importante do F20 é porque a gente construiu o documento junto e que a gente fala dessa desigualdade social. Eu espero que o G20 e o F20 encontrem e vejam na favela realmente o potencial que a gente tem. A gente está aqui, eu acho que é para a nossa voz ecoar. É para ecoar em todo mundo, no G20, em todos os movimentos mundiais. A gente precisa acreditar que o Brasil é um país rico, mas ele é explorado por pequenos que assumem esse poder e a gente, como povo, tem que entender que realmente o poder é humano do povo. Porque se a gente não lutar e não pôr a cara para falar, para exigir nossos direitos, a gente vai continuar pequeno, sempre nesses pequenos espaços, falando para nós mesmos”, relata.

O que é G20 e G20 Social?

O G20 é um fórum de alcance internacional que discute temas relacionados à economia,  saúde, sociedade e outros desafios globais, além de reunir os líderes políticos dos países com as maiores economias do mundo (19 países além da União Africana e da União Europeia). Neste ano, o evento será sediado pelo Brasil e acontecerá entre os dias 18 e 19 de novembro, também no Rio de Janeiro. Já o G20 Social é uma plataforma criada para estimular a participação da sociedade civil (as instituições que não fazem parte do Estado) do G20.

Pista de skate construída por meio de mutirão completa cinco anos

Mobilização foi fundamental para reforma de espaço 

Esporte olímpico desde 2021, o skate consiste na prática de manobras radicais, mas também é um estilo de vida para praticantes. Na Maré, o esporte é bem praticado embaixo do viaduto da Linha Amarela, no local batizado como Espaço Cultural do Pontilhão. Conquista veio há cinco anos, quando um grupo se mobilizou e conseguiu a construção de uma pista, batizada de Maré Favela Skatepark, que serve de lazer e entretenimento para a prática da modalidade para frequentadores.

Entre a Vila dos Pinheiros e o Morro do Timbau, a prefeitura tinha construído uma mini ramp, ou seja, uma pista de nível intermediário no formato U, mas os frequentadores desejavam ir além, com uma completa. Para o sonho virar realidade, o Coletivo Skate Maré, formado em 2015 por amigos que praticam o esporte, entrou em contato com o grupo Make Life Skate Life, que trabalha com projetos de pistas em locais de vulnerabilidade social. Dessa forma o coletivo criou uma campanha de benfeitoria em maio de 2019 com o objetivo de arrecadar fundos para compra de todo o material necessário. Após um mês da campanha, os voluntários internacionais já começaram a chegar para o início das obras, em forma de mutirão. Eles se uniram aos voluntários locais, chegando ao total de 20 pessoas.

Após 21 dias de trabalho voluntário, a Maré Favela Skatepark ficou pronta e começou a ser usada, mas a inauguração foi realizada em agosto. “Eu acredito que a construção desta pista foi muito importante para a Maré, muito além do movimento do skate, revitalizando um espaço que era abandonado e muito escuro. Com a construção da pista, o local chamou não só atenção da galera do skate, mas criou-se uma nova praça, sendo um novo polo de encontro para as pessoas. O projeto alavancou o movimento cultural de jovens, muito além do skate. Tenho muito orgulho de ter participado disso, de ter visto o quão impactante foi para o ambiente”, conta Gabriel Medeiros, cria da Vila dos Pinheiros, membro do Coletivo Skate Maré.

A iniciativa e a mobilização do coletivo podem servir de inspiração para outros projetos se reerguerem e acreditarem que é possível fazer uma mudança significativa, não tendo soluções financeiras. “Quando esse projeto surgiu, a gente não pensava no que se tornaria, em um novo espaço de encontro, eventos ou para reunir família. A gente pensava em ter uma pista para andar de skate e a consequência acabou sendo muito maior”, conta. Ele detalha que o apoio veio de diversos lugares, como de outros coletivos locais, de esqueitistas profissionais e da Rio Ramp Design, que costuma fazer os projetos das pistas, que desenharam a rampa da Maré.

Formando novos esqueitistas

Rayssa Leal, de 16 anos, é a esqueitista medalhista olímpica brasileira mais jovem. Ela conquistou uma legião de fãs e de crianças que se inspiram na garra que mostra nas manobras. Para incentivar essas crianças, os voluntários do Coletivo Skate Maré criaram uma turma de aula do esporte. “A gente se juntou sem nenhum tipo de renda para poder dar aula para as crianças. Temos apoio dos pais, de ex-alunos, de esqueitistas próximos com doações e da loja Maré Skate Shop, que fica perto da pista, sendo de um dos fundadores do coletivo, que acabamos usando como sede e guardamos os skates e tudo mais. Um diferencial das aulas é o número de meninas que cresceu bastante, sendo inclusive a maioria”, expõe Medeiros.

Para Renato Cafuzo, morador da Maré, escritor e frequentador do Espaço Cultural do Pontilhão, o lugar é muito simbólico. “O pontilhão é um lugar debaixo da ponte que tem uns shows de rap, forró e rock, roda de rima, bares, brinquedos, quadra de futebol, pensado também nas pessoas à noite, numa parada mais underground, mas ao mesmo tempo a pista, por ela acolher crianças que estão querendo aprender skate, também traz automaticamente uma galera mais nova”, diz. Ele destaca que a filha é aluna da escolinha de skate e que já foi professor voluntário, que isso é uma interação social. “Levava ela ao parquinho e, depois de um tempo ela queria um skate e eu a ensinei a andar. Está lá até hoje, são quatro anos de uma ligação muito forte com o território da Maré”, completa.

O amante do Pontilhão destaca que o lugar é uma rede de apoio, que acolhe diversas gerações. “Quem leva as crianças para as aulas geralmente são as mães, as avós e tem muitos pais. Isso reforça muito o laço dos pais com as crianças, assim, esse acompanhamento paterno, que é um estigma tão complexo, aqui é uma coisa que é trabalhada com muito carinho, fomentado por todo esse clima do pontilhão”, comenta. Ele ainda acrescenta que a pista fortaleceu o sentimento de apropriação do lugar, de carinho, de cuidados com a iluminação, com grafites e manutenção dos equipamentos, criando um ecossistema social de convivência de pessoas.

Bodas de madeira da pista

A pista de skate completou em 2024 cinco anos e durante esse período o coletivo teve todo um cuidado com o equipamento, realizando os pequenos reparos necessários. Para realizar essas manutenções, o coletivo recebe doações de ex-alunos, atletas, responsáveis das crianças e moradores que utilizam a pista. Quem quiser conhecer ou ajudar o coletivo, é só ir ao local aos sábados, de 10h as 12h, quando acontece as aulas ou visitar o Instagram: @csm_coletivoskatemare.

A celebração da resistência e identidade das favelas brasileiras

“Meu nome é favela, é do povo do gueto a minha raíz, becos e vielas. Eu encanto e canto uma história feliz, de humildade verdadeira, gente simples de primeira…”, essa música composta por Rafael Delgado ficou imortalizada na voz de Arlindo Cruz. A letra resume um grito que reconhece a resistência, a potência e a importância social, cultural e histórica das favelas brasileiras. O Dia da Favela (4/11) celebra a capacidade de superação e o protagonismo dos moradores, que, apesar das adversidades, continuam transformando realidades.

Este ano, um motivo a mais para comemorar é o retorno, depois de 64 anos, do nome favela reconhecido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), substituindo o antigo termo aglomerado subnormal. O nome favela surge oficialmente num documento no dia 04 de novembro de 1900. De forma pejorativa, um chefe da polícia se referiu ao Morro da Providência como favela. Mal sabia que o termo seria ressignificado e hoje faz parte da identidade local.

Uma outra versão sobre o nome, informa que o termo surgiu a partir de um morro onde militares atacavam os seguidores de Antônio Conselheiros, na Guerra de Canudos, no sertão da Bahia. O morro era conhecido como favela, por sua vegetação repleta de uma planta medicinal resistente e de espinhos, chamada de faveleira da Caatinga. Já o Dia da Favela é criado como lei na cidade do Rio de Janeiro só em 2006, e no estado, posteriormente, em 2019. 

Segundo a Central Única das Favelas (CUFA), o Dia da Favela foi instituído pela instituição em 2006 para dar visibilidade à força das favelas brasileiras, destacando seus talentos e conquistas em diversas áreas, como cultura, esporte, empreendedorismo e educação. Para a CUFA a data não comemora a existência das favelas, mas reconhece seus desafios, tornando-se um momento de reflexão para que seus moradores possam avaliar o que já foi conquistado e o que ainda precisa ser alcançado.

Outra instituição que tem representatividade e história de luta é a Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (FAFERJ), criada há 61 anos. Ela lutou contra as remoções e atualmente representa 860 associações de moradores. Rossino Castro Diniz, presidente da FAFERJ, diz que lamentavelmente não há muito o que comemorar. “Falta políticas públicas. Vivemos tempos difíceis, após um governo federal que sufocou o trabalho social, que causou perdas irreparáveis. Não só a Maré, mas todas as favelas são formadas por pessoas do bem, que pagam seus impostos e por isso precisam ser bem tratados. A favela precisa ser vista com bons olhos”, expõe.

A FAFERJ se identifica como uma instituição de trabalho, luta e resistência, dessa forma este ano recebeu a honraria de ser ponto de cultura. Recebeu também as medalhas Tiradentes e Pedro Ernesto, além de moção. “Queremos continuar lutando pela favela, pois não existe cidade partida, a favela é cidade e a cidade é favela. A favela representa a nação e por isso continuamos cantando: eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci. Isso só não acontece quando somos impedidos pelas forças policiais, que discriminam os favelados”, comenta.

A resistência para sobrevivência

O professor André Gomes, doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica (Puc-Rio) lembra que já no século 19, quando a favela é constituída, há um olhar da sociedade, descrito nos jornais da época, de um espaço de miséria e com pessoas muito pobres. Era um período da modernização da cidade, quando os cortiços são destruídos e as pessoas vão sendo jogadas ao redor da cidade, no alto dos morros, com o aval do governo Pereira Passos. Dessa forma, as favelas são construídas, reunindo a grande maioria de pessoas negras e migrantes.

“O território é muito mais do que se vê na mídia, como um espaço violento, onde o Estado tem que intervir. Enxergo a favela como esse lugar que não é só da ausência, mas profundamente da potência. E nesse espaço que nascem construções de relações sociais muito particulares e específicas, de colaboração e de dignidade. A gente tem uma geração mais nova que, na verdade, perdeu um pouco esses referenciais, em função até de como a favela foi esquecida pelo poder público”, afirma. Ele acredita que a favela tem muito a contribuir com as cidades mostrando a relação de solidariedade.

Desde a Favela da Providência, são muitos desafios. Antônio Carlos Firmino, mestrando em memória social e cofundador do Museu Sankofa Memória e História da Favela da Rocinha, observa que ainda há muito desrespeito por parte dos poderes públicos, além do racismo estrutural, ambiental e preconceito social. “A Favela é cidade, isso ouço muito do Itamar Silva, uma liderança intelectual da Favela do Santa Marta. Mesmo que os poderes não queiram, é cidade, isso mostra o professor Adair Rocha, no seu livro Cidade Cerzida: A costura da cidadania do Morro Santa Marta. Vejo que são muitos os desafios, dentre eles, é de sermos considerados cidadãos”, acentua. 

“Ainda é possível comemorar, pois estamos vivos e podendo ainda fazer algo dentro das nossas realidades. Sobre as favelas, elas nascem em função do racismo, o preto nesta sociedade só passou a ser considerado ser humano recentemente. Em nosso país não foi pensado para seu conjunto da sociedade. Somente para aqueles que chegaram da Europa tem prestígio. Os africanos foram trazidos a ferro, fogo, espada e pela cruz, e depois abandonados sem direitos”, diz. 

Para Dani Lopes, liderança no Complexo de Favelas da Mangueirinha, assistente social, especialista em políticas públicas, a favela precisa da garantia de acesso às políticas públicas de modo geral. “Temos muitos desafios no que se refere a habilitação, saneamento e educação. Há um grande déficit de creches que impacta no desenvolvimento econômico das famílias e dos territórios, já que muitas mulheres não conseguem trabalhar. Há interferência constante das ações de segurança pública que afetam o cronograma pedagógico e a qualidade do ensino. É difícil aprender em meio à tensão constante”, comenta. Ela defende que são muitos os desafios, mas na mesma proporção são muitas potencialidades.

Lopes acredita que nesse dia se celebra a resistência e a ancestralidade. “Celebramos a cultura diversa, colorida e amontoada que faz de nós, favelados, a própria favela em si, única e mergulhada em potência e possibilidades. Uma celebração consciente dos desafios, mas vestida de muito orgulho de nossos territórios. A favela é vida em movimento, é construção, ampliação e fortalecimento de novas tecnologias sociais, na mobilização e organização política”, comenta.

Ela acrescenta que a favela é um grande quilombo contemporâneo. “Não somente por concentrar uma maioria de pretos e pardos, mas também por emergir coletividade e resistência. Ainda lutamos por liberdade, vida, água, comida, como nos quilombos, só temporalizamos a organização, as tecnologias e compreendemos nossa força. Fica o recado, não aceitamos mais nada sobre nós sem nós”, revela. A moradora de Duque de Caxias diz ter orgulho de ser favelada e para demonstrar esse amor fez uma poesia:

Sobre seguir, a gente chora a cama vazia do filho perdido pela bala achada.

A gente grita o desespero do parto e o vazio do prato.

A gente sofre.

A gente lamenta a vida e quase todo dia, a morte.

Mas a gente segue, porque a favela é mulher forte.