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Tempo de festa junina: arraiais unem a comunidade e estimulam a cultura local

Arraiais unem a comunidade, fortalecem a cultura e impulsionam a economia local

Por Andrezza Paulo

A Maré não é diferente do resto do país, e por isso junho é mês de bandeirinhas, adereços, comidas típicas e festas espalhadas pelas 16 favelas do conjunto. De acordo com o Censo Maré (2010), mais de 25% dos moradores do território vieram da região Nordeste, lugar das maiores e mais famosas festas juninas do Brasil. 

Outro ponto que reforça essa tradição na Maré é a religião: as festas juninas são celebrações para Santo Antônio, São Pedro e São João, mesmo para aqueles que não fazem parte dos 47,2% dos moradores que se declaram católicos.

Apesar de ser uma celebração que faz parte do calendário brasileiro há gerações, só este ano as festas juninas foram reconhecidas como manifestação cultural do Brasil, através da Lei nº 14.555 de 25 de abril de 2023.

União e alegria

Uma das festas mais tradicionais da Maré acontece há 45 anos na Paróquia Nossa Senhora da Paz, e conta com a ajuda de mais de trinta voluntários. Nicolas Alfredo, de 26 anos, é coordenador dos coroinhas e cerimoniários e membro da organização da Quadrilha da Paz. 

“A festa une as pessoas, os amigos, a família. A comemoração ajuda também a igreja a se aproximar da comunidade, tanto de uma forma espiritual, quanto de forma festiva, repleta de carinho. Ela permite que vivamos um momento longe dessa realidade tão turbulenta do nosso cotidiano”, explica.

Para Vitor Felipe, membro da Quadrilha da Paz, a dança típica tem como papel revisitar e tornar atuais as tradições. “Reviver nossa história cultural com alegria é muito satisfatório. É uma experiência muito boa quando sentimos que o público nos espera, que eles querem ver nosso trabalho.”

Para a costureira Maria de Fátima Amorim, de 69 anos, o público durante as celebrações é diferente: “É um período muito alegre, as pessoas ficam mais felizes, há muitas brincadeiras de rua, quadrilhas, as famílias se reúnem, e isso realmente representa a nossa cultura.”

Demanda alta

Segundo os organizadores, a festa junina da Paróquia Nossa Senhora da Paz representa a maior arrecadação do ano. Os valores advindos dos eventos de junho auxiliam no trabalho de ação solidária, como a distribuição de cestas básicas e quentinhas, e em outras iniciativas sociais, além de ajudar na manutenção da igreja.

O movimento econômico durante essa época também beneficia diretamente os moradores da Maré de diversas maneiras. Maria de Fátima há quase 30 anos é responsável por confeccionar as tradicionais roupas de quadrilha na comunidade da Nova Holanda.

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Das 5h às 23h, ela trabalha arduamente para produzir uma ampla variedade de trajes, de bebês a adultos. A confecção envolve não apenas Maria de Fátima, como também seu marido e sua irmã, todos unidos para aproveitar a demanda e aumentar a renda familiar.

“Fora da temporada das festas juninas, as vendas são difíceis, mas nessa época eu compro chapéus, faço vestidinhos, acessórios, e o aumento da renda ajuda muito a nossa família”, diz ela.

Economia aquecida

Não só nas comunidades as festas juninas impulsionam a economia: elas também são uma parte importante das contas do país. Em 2022, as celebrações aos três santos católicos ajudaram a acelerar a recuperação econômica do Brasil, movimentando cerca de R$ 3 bilhões entre os meses de junho a agosto, segundo dados do Ministério do Turismo. Por aqui, este é o segundo ano consecutivo em que o governo do estado do Rio de Janeiro lança o Arraiá Cultural RJ, voltado para, segundo o edital, “atender uma parcela da população muito afetada nos últimos dois anos: os produtores culturais de festas e quadrilhas juninas”. Foram selecionados 115 projetos, que receberão investimentos de R$ 7,25 milhões.

Desculpe o transtorno

Obras feitas em período de eleição trazem falsas promessas e pouca durabilidade

Maré de Notícias #149 – junho de 2023

Por Hélio Euclides

Parece um show de mágica em que políticos tiram da cartola uma série de obras. A magia geralmente acontece em ano de eleição e tem um território preferencial: as favelas. De repente, aparecem os caminhões de asfaltos e tapetes sintéticos para os campos. O problema é que as obras e ações nem sempre são feitas com material de qualidade, no tempo devido e não contam com manutenção adequada. Os “benfeitores” lançam a isca e esperam que os eleitores sejam fisgados pelo anzol. Uma característica dessas obras é a ausência de placas que esclareçam valores, nome da empresa responsável e prazo. Ao fim das obras, multiplicam-se faixas de agradecimentos.

Obras sem durabilidade

Em 2022, “caiu de paraquedas” a troca do revestimento da Rua Teixeira Ribeiro, no Parque Maré. O serviço de pavimentação foi realizado sem o recapeamento, criando locais em que a rua ficou mais alta do que a calçada. “Tinha que ter o mesmo nível das ruas transversais, só que ficou mais alta. Isso é obra de eleição”, reclama Antonio Carlos, de 50 anos, que trabalha como ambulante na via. 

A cobertura das ruas feita com asfalto é composta por cinco camadas: o reforço do subleito, sub-base, base, camada de regularização e revestimento. A manutenção sem o cuidado ideal e sem qualidade vai resultar em um pavimento de menor durabilidade.

Piso temporário

As crianças atendidas por projetos sociais esportivos não tiveram muito tempo para comemorar a reforma da quadra na Nova Holanda. Menos de um ano depois, o espaço teve o piso destruído e está sendo refeito. Gilmar Junior, presidente da Associação de Moradores da Nova Holanda, explicou que o piso da quadra ficou oco. 

“A empreiteira não trabalhou corretamente. Agora é a empresa do governo estadual que está na concretização da obra. Se não fizerem corretamente, ficam sem verbas”, diz. 

Vânia Silva, vice-presidente da escola de samba Gato de Bonsucesso, critica o gasto em dobro do dinheiro público: “Tinha que investir em outra coisa, uma obra tendo que ser refeita em tão pouco tempo é desperdício. Esse material poderia ser muito bem usado na nossa quadra da escola, que é patrimônio cultural da Maré.” 

O vento levou

Na Praia de Ramos, nada foi feito para manter a lona cultural, apesar da sua visível deterioração. Os rasgos na cobertura levaram ao desgaste da estrutura e, por fim, a retirada de toda armação metálica. Com os campos de futebol sintéticos acontecem o mesmo: a ausência de manutenção. A prática tornou-se aparecer com a solução bem na época da eleição: trocar a grama.

Em 2015, com a promessa de oferecer um espaço seguro para os ciclistas, as principais ruas do território da Maré foram pintadas de azul, indicando a criação de ciclofaixas. Um investimento de R$ 5 milhões foi destinado para a construção de 18 quilômetros de vias para bicicletas, além da instalação de placas de sinalização. 

O projeto tinha como objetivo ligar a Maré à Cidade Universitária. No entanto, hoje restam apenas os bicicletários nas passarelas e um pequeno trecho de ciclovia sob a Linha Amarela.

Leandro Silva, de 27 anos, é assistente administrativo e morador da Vila dos Pinheiros. Ele tem uma visão crítica sobre essas interversões: “Para mim, essas ações não têm como visão primária a melhoria da qualidade de vida dos moradores. São obras feitas para angariar votos para quem não conhece a realidade da comunidade e suas reais necessidades. O completo esquecimento em que vive os habitantes da favela pela máquina pública é usado por esses políticos para autopromoção.” 

Na opinião de Silva, a solução está na conscientização política da população, que deve fazer uma avaliação criteriosa do histórico dos candidatos antes de votar, evitando assim ser enganada por falsas promessas. Ele ressalta a importância de uma melhor organização da associação de moradores para pressionar os políticos eleitos a cumprirem suas promessas e trazerem melhorias reais para a periferia.

Melhorias prometidas 

A Secretaria Municipal de Conservação informou que mandará uma equipe até a Rua Teixeira Ribeiro, no trecho perto da Rua Principal, a fim de fazer vistoria e analisar as necessidades da via.

Em relação à ciclovia, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima informou que analisa a melhor forma de como retomar essa iniciativa.

A Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro (EMOP-RJ) confirmou que o trabalho da quadra está sendo refeito e não tem custo para a companhia. Segundo o órgão, o que motivou a reforma foi a desobediência da empreiteira contratada ao padrão imposto para esse tipo de obra, o que resultou no piso irregular da quadra; o custo previsto para a correção é de R$ 180 mil.

Menos de um ano depois da reforma, piso da quadra da Nova Holanda precisou ser refeito – Foto: Affonso Dalua

Inscrições abertas de curso de desenvolvimento de jogos para celular para mulheres negras

Instituição abre 50 vagas em formação online destinadas para mulheres negras cis ou trans entre 18 e 29 anos de todo o Brasil.

A Instituição Sociocultural Cinema Nosso, uma das maiores escolas populares de audiovisual com mais de dez mil jovens formados, está com vagas abertas para o curso gratuito para mulheres negras de desenvolvimento de jogos para celulares.

As aulas online acontecem às segundas e sextas das 9h às 12h entre os meses de julho e novembro. O curso, com carga horária de 114 horas, terá como resultado final a criação de um jogo a partir de reflexões sobre o conceito de “Escrevivências”, termo criado pela escritora Conceição Evaristo.

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Serão abordados temas como a compreensão do mercado de games, programação e prototipação, estratégias de divulgação, como também aulas de Produção Executiva, Game Design, Programação digital (ferramenta Construct), Arte e Pós-produção.

Podem participar co curso gratuito, mulheres negras, cis ou trans, que tenham entre 18 e 29 anos de idade, de todo o Brasil. São 50 vagas e as inscrições podem ser feitas no link até o dia 22 de junho.

Durante o curso haverá encontros do Programa Projeto de Vida e Empregabilidade e atividades de Educação Financeira.

Fundado em 2000, o Cinema Nosso é um centro de inovação e tecnologia que oferece iniciativas para crianças e jovens, com ênfase em programas de empreendedorismo e empregabilidade. Atua com o objetivo de reduzir as desigualdades sociais e proporcionar tecnologia e experiências de inclusão para a produção de narrativas juvenis, fomentando a cadeia produtiva do audiovisual no Brasil.

A instituição sociocultural possui prêmios como o ’11th China International Children’s’ e o Prêmio Itaú-Unicef, e tem metodologia premiada e certificada no “Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social 2019”.

Maré de Notícias reafirma compromisso com população LGBTQIAP+

Projeto Cores Marés irá fortalecer a produção de narrativas LGBTQIAP+ do jornal

Na última sexta-feira (9/6), aconteceu no Maré de Notícias, o primeiro encontro formativo presencial do Cores Maré, um projeto do Maré de Notícias que tem como objetivo promover a construção de novas narrativas sobre a população LGBTQIAP+ do Conjunto de Favelas da Maré.

O tema do primeiro encontro foi Comunicação e Produção de Dados LGBTQIAP+, comandado por Quitta Pinheiro. Travesti, comunicadora, social media e produtora de conteúdo, Quitta relembrou o compromisso dos jornalistas com o código de ética que, segundo ela “é dever do/da jornalista opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, (bem como) defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos; e ainda combater a prática de perseguição ou discriminação por motivos sociais, econômicos, políticos, religiosos, de gênero, raciais, de orientação sexual, condição física ou mental, ou de qualquer outra natureza.”

Os quatro alunos que participam da formação são moradores da Maré e pessoas LGBTQIAP+ que em conjunto com a equipe do Maré de Notícias reafirmam o compromisso de uma comunicação que abrigue as demandas de quem vive as mazelas de não ser um corpo cis hetero. No entanto, para além disso, foi debatido o desafio de falar dessas questões de maneira leve, humanizada, respeitosa.

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“Muito feliz de contribuir com essa construção sobre a população LGBTQIA+. Saber ‘como’ comunicar e informar a pauta, é ter cuidado para manter nossos corpos seguros, rumo ao futuro de direitos garantidos”, afirmou Quitta no Instagram.

Os próximos encontros vão se debruçar sobre políticas LGBTQIAP+, memória LGBTQIAP+, Memória e Favela, Movimentos Bi e Lésbicos na Maré. Durante as formações, os alunos também irão produzir conteúdos para o site Maré Online e mapear possíveis pautas.

O projeto “Cores Marés: qual é a cara da população LGBTQIA+ do maior conjunto de favelas do Rio de Janeiro?” é apoiado pelo Fundo Positivo e a Redes da Maré.

STF reafirma obrigação do uso de câmeras nos batalhões especiais 

Ministro Edson Fachin se manifestou na última terça (6) sobre determinações da ADPF das Favelas 

O Ministro Edson Fachin do Supremo Tribunal Federal (STF), manifestou na última semana a manutenção da obrigatoriedade da instalação de câmeras nos uniformes dos agentes policiais de todos os batalhões de polícia do estado do Rio de Janeiro, assim como o uso de aparelhos GPS nos veículos e o acesso à gravação das câmeras à vítimas da violência policial.

O estado do Rio de Janeiro, por meio do governador Cláudio Castro, vem questionando a decisão da Suprema Corte sobre a instalação de câmeras em Batalhões e Unidades Especiais, como o Batalhão de Operações Especiais (BOPE), da Polícia Militar e a Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE), da Polícia Civil. No início do ano, Castro chegou a afirmar que “recorreria até o fim” da decisão do plenário do STF que determinou a instalação das câmeras em todas as unidades das forças policiais, sem exceção.

Na manifestação da última semana, o ministro Fachin enfatiza:  “Sempre que houver emprego de força não relacionado às atividades de inteligência devem os agentes do Estado portar as câmeras corporais”. A decisão afirma ainda de maneira categórica que “não se pode concluir que a utilização de câmeras tem por finalidade apenas melhorar o policiamento comunitário ou patrulhamento ordinário” e conclui: “Noutras palavras, mesmo os policiais que integram as unidades do BOPE e do CORE devem utilizar as câmeras corporais”.

A decisão do Ministro reitera as decisões anteriores da Corte, encerrando também o debate quanto ao acesso às mídias captadas pelas câmeras. O estado do Rio de Janeiro deverá adotar as providências técnicas necessárias, em 30 dias, para garantir o envio imediato das gravações ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e para a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. A decisão ainda destaca que o Estado deve também ceder às imagens às vítimas da violência.

Os Impactos Na Maré:

Só este ano a Maré sofreu 13 operações policiais. Apesar da letalidade das operações ter reduzido, crescem os relatos e casos de outras violências no território, como a invasão de domicílios, subtração de pertences, e outras. “O que a gente vem discutindo no âmbito da ADPF é que as operações mudaram o modus operandi. Antes elas eram grandes e com muitos grupos militares envolvidos. Hoje elas estão menores, o número de mortes também diminuiu. Mas o número de outras violências aumentou“, destaca Marcela Cardoso, advogada do Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré.

O ministro também recomendou que as sugestões dos “amicus curiae”, ou amigos da corte, que são as organizações que colaboram com o processo da ADPF, sejam consideradas no plano de redução da letalidade policial do Estado do Rio de Janeiro. O ministro determinou que também no prazo de 30 dias, o Estado divulgue e mantenha atualizado no site oficial do governo do estado, as medidas tomadas para cumprimento de todas essas determinações.

A coalizão da ADPF das Favelas, que inclui organizações da sociedade civil como a Redes da Maré, celebrou a decisão do Ministro Edson Fachin sobre a instalação de câmeras nos uniformes dos agentes: “Não há recurso possível. É chegado o tempo do cumpra-se. Esta é uma vitória da luta incessante dos movimentos negros, de favela, das mães e familiares de vítimas. Permaneceremos firmes até o fim de toda a violência institucional, em constante denúncia do racismo e das violações contra os moradores das favelas e periferias fluminenses”, destaca a nota publicada nas redes sociais de algumas instituições que fazem parte desse movimento.

O governo do estado informou em nota ao Maré de Notícias que vai cumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal dentro dos prazos estabelecidos pela Corte. A Polícia Militar já instalou 9.510 câmeras operacionais portáteis nos 39 batalhões de área de todo o Estado do Rio.

Leia também: ADPF das Favelas: ‘desrespeito à decisão do STF é grave por ser afronta contínua à democracia’

A educação na Maré é tema de seminário

Evento no Centro de Artes da Maré vai reunir especialistas, profissionais de educação das escolas da Maré, responsáveis e estudantes e culminar com a elaboração da Carta para Educação da Maré

Nos próximos dias 14 e 15, quarta e quinta-feira desta semana, o Centro de Artes da Maré (CAM), na Nova Holanda, será palco de uma série de debates sobre o atual contexto da educação nas 16 favelas da Maré. O 4º Seminário de Educação da Maré: Diálogos e possibilidades para garantia do direito à educação vai reunir especialistas, de dentro e fora da Maré, responsáveis e estudantes, para discutir e desdobrar temáticas ligadas à Educação Básica, questões, desafios e particularidades do ensino e aprendizagem no território, que conta hoje com 50 escolas públicas: 46 municipais e quatro estaduais, com cerca de 20 mil estudantes. 

A partir dos debates, os participantes das mesas e o público em geral serão convidados a elaborar coletivamente a Carta para a Educação da Maré, que, ao final dos dois dias de evento, reunirá propostas e recomendações para a melhoria do ensino e ampliação do direito à educação nas favelas da Maré. O documento será entregue, posteriormente, ao poder público, com o objetivo de incidir na elaboração de políticas públicas que atendam às reais demandas da Maré.

“A Maré é marcada por violações de direitos e muitas especificidades, que exigem um olhar mais cuidadoso das diferentes instâncias do poder público na tomada de decisões. Daí a importância de um seminário no qual as grandes questões que envolvem a educação sejam aprofundadas, visando soluções a curto, médio e longo prazos. A políticas públicas precisam atender às demandas efetivas de cerca de 20 mil estudantes atendidos nas 50 escolas públicas da Maré” , diz Andréia Martins, diretora da Redes da Maré e uma das organizadoras do seminário realizado pela organização em parceria com o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Favelas e Espaços Populares (NEPFE) da Universidade Federal Fluminense, com apoio do Fundo Malala.

Oficinas educativas

Com edições anteriores em 2009, 2010, 2013, o evento deste ano contará ainda com uma programação específica de oficinas pedagógicas para educadores e estudantes, com conteúdos como raça e gênero, e segurança pública. Haverá ainda o lançamento de dois livros sobre a educação na Maré. O Toda Menina na Escola: pelo direito à educação na Maré é uma publicação sobre o projeto de mesmo nome realizado pela Redes da Maré com apoio do Fundo Malala, de abril de 2020 a maio de 2023, para a garantia do acesso e permanência de meninas mareenses, de 5 a 20 anos, na educação formal. 

Um total de 860 crianças e adolescentes fora da escola ou infrequentes foram identificadas por busca ativa e monitoradas para o retorno à escola. Dessas, hoje 697 (81%) estão matriculadas e frequentam regularmente a escola, enquanto 16 delas (2%) concluíram o Ensino Médio. A principal razão de 64 (7%) meninas estarem fora da escola é a falta de vaga em unidades escolares próximas às suas residências, um problema recorrente na Maré. O projeto também contabilizou 775 meninos, de 5 e 20 anos, que abandonaram a escola ou estavam com frequência abaixo do desejável, e cadastrou 87 adultos com interesse em voltar à escola (77 mulheres e 10 homens, a partir de 21 anos).

O outro livro a ser lançado é o Educação pública no conjunto de favelas da Maré: desafios e potencialidades, organizado por Andréia Martins ao lado da professora da UFF Eblin Farage. Trata-se de uma coletânea de artigos, dividida em duas partes: uma série de reflexões sobre temas estruturantes que atravessam a educação na Maré, como segurança pública, seguida de relatos de experiências de diretores, professores e educadores em ação no território. 

“Uma das tarefas da universidade pública é estar junto de ações socialmente referenciadas, construindo alternativas para a superação da desigualdade educacional. A realização deste seminário é um passo a mais na luta pela educação de qualidade para toda a Maré”, diz Eblin.

Impacto da mobilização territorial

Voltando alguns anos, é importante ressaltar como a mobilização territorial foi fundamental para muitas conquistas da educação na Maré. O aumento do número de escolas, por exemplo, aconteceu, sobretudo, na década passada: 25 das atuais 46 escolas municipais foram inauguradas entre 2011 e 2018.  Nada menos que 54% do total. O maior aumento se deu entre 2014 e 2016, com a criação dos dois campi de escolas: Campus Maré I, na favela Nova Holanda, e Campus Maré II, na Salsa e Merengue. Essa ampliação é resultado de políticas públicas educacionais, mas também da mobilização de moradores e instituições locais. Em 2010, o coletivo A Maré que Queremos entregou, para o então prefeito Eduardo Paes, um documento que sistematizava os resultados das discussões e reflexões do conjunto de dirigentes das Associações de Moradores da Maré que, naquele momento, já se reunia há quase um ano para discutir uma proposta conjunta de um projeto estrutural para a região. O documento apresentou propostas para várias áreas, inclusive para educação, cuja demanda era o aumento do número de unidades escolares para Educação Infantil e para Educação de Jovens e Adultos.

Criado em 2009, a partir de uma iniciativa da Redes da Maré para agregar as Associações de Moradores da Maré, o A Maré que Queremos mantém encontros regulares desde então. Em 2018, o grupo entregou um segundo documento com propostas atualizadas para os gestores estaduais e municipais. Em relação à educação, a demanda naquele momento para a rede municipal continuava sendo a construção de escolas em algumas favelas não atendidas por determinados segmentos de ensino e a ampliação de atendimento para Educação Especial e Educação de Jovens e Adultos. De 2018 para cá, as demandas se mantiveram, como será visto e discutido durante o seminário.

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Outro ponto a ser tratado pelos especialistas são os reflexos ainda presentes da pandemia  de covid-19 na educação da Maré. Durante os quase dois anos de aulas remotas, entre 2020 e 2021, boa parte dos estudantes da Maré sequer conseguiu conexão para dar continuidade aos seus estudos. A pesquisa Educação de meninas e covid-19 no conjunto de Favelas da Maré – primeira etapa do projeto Toda Menina na Escola –  mostrou em 2021 que apenas uma em cada quatro meninas tinha computador em casa, 34,7% tinham internet em suas residências e 61,2% tinham celular com acesso à internet. Apenas 27,7% das meninas e mulheres entrevistadas conseguiram manter uma rotina de cinco dias de estudo em casa, como é previsto no ensino presencial.

Também em 2021, outra pesquisa realizada pela Redes da Maré, desta vez com apoio do Instituto Unibanco, buscou dimensionar de forma ainda mais ampla os prejuízos da pandemia à comunidade escolar da Maré como um todo. Os números do estudo Covid-19 e o acesso à educação nas 16 favelas da Maré: impactos nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio evidenciaram os efeitos dramáticos da pandemia na vida escolar de toda uma geração de estudantes mareenses, mas também dos seus professores e familiares. Entre os dados que mais chamaram a atenção estava a sensação de os estudantes terem perdido dois anos de aprendizagem. Quase três em cada quatro estudantes contaram que aprenderam pouco (48%) ou nada (26%), somando 74% do total. Mais da metade deles − 57% − afirmou que sua vontade de estudar na pandemia diminuiu (33%) ou diminuiu muito (24%). Entre os motivos apontados, estavam a dificuldade de adaptação ao ensino remoto (35%) e problemas de aprendizagem (28%).

Consequência da violência na educação

Outro tema a ser tratado pelos convidados do 4º Seminário de Educação da Maré será a violência da polícia e dos grupos civis armados do território que historicamente compromete o funcionamento das escolas, sobretudo em dias de operação policial. De acordo com o 7º Boletim Direito à Segurança Pública na Maré, em 2022, foram 15 dias inteiros do ano letivo sem aulas, com o agravante de que 62% das operações policiais aconteceram próximas a escolas e creches, e 67% aconteceram próximo a unidades de saúde; 60% das operações policiais tiveram invasão de domicílio. E, em 2023, já aconteceram 13 operações, com nove dias de escolas fechadas. Recuando mais um pouco, foram 20 dias com aulas suspensas em 2016; 35 dias em 2017; 10 dias em 2018; 24 dias em 2019; 8 dias em 2020 e 6 dias em 2021, apesar da pandemia de covid-19. Nem mesmo a conquista histórica da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, conhecida como ADPF das Favelas, em 2017, foi capaz de brecar as operações policiais próximas às escolas da Maré. 

Considerando que o ano letivo no Brasil tem 200 dias, os dados mostram que, em média, nos últimos cinco anos, mais de 15% dos dias letivos podem ser considerados perdidos na Maré. Neste sentido, para contribuir com uma visão mais territorial da situação da educação na Maré junto ao poder público municipal, a partir de 2022, a equipe do projeto Toda Menina na Escola, da Redes da Maré, se uniu com o Conselho Tutelar da região na realização de reuniões mensais com membros da Gerência de Supervisão e Matrículas, da 4ª CRE. Os encontros, que continuam em 2023, têm como objetivo a discussão dos casos de crianças ainda fora da escola, buscando soluções conjuntas para os problemas estruturantes, que ainda permitem que crianças e adolescentes em idade de educação obrigatória estejam sem estudar. Até o mês de abril de 2023, foram realizadas 11 reuniões, sempre com a pauta de criar estratégias para a ampliação de ofertas de vagas, reafirmando o histórico trabalho de incidência política realizado pela Redes desde a sua fundação.

“A experiência do trabalho da Redes da Maré, no campo, mostra que existem fatores extraescolares, mas que características intraescolares também são fundamentais para a retenção do estudante na escola. Não se trata apenas de acesso e permanência. Mas acesso, permanência e oferta de um processo de ensino e aprendizagem que faça o estudante se sentir instigado e com vontade de voltar para a escola no dia seguinte”, diz Andréia Martins.

O objetivo da Carta para a Educação da Maré é reunir todas essas complexas questões, com propostas e recomendações para as autoridades municipais e estaduais. Tudo para a melhoria e a ampliação do direito à educação nas favelas da Maré.