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11ª Operação policial na Maré em 2023: helicóptero volta a amedrontar moradores

Operação policial tem ação do BOPE e polícia civil

Por redação

Por volta das 5:40h os moradores da Maré, enquanto se organizavam para iniciar um dia comum, foram mais uma vez surpreendidos pelo som disparos de armas de fogo e o barulho do helicóptero da polícia civil que sobrevoava a região dando vôos rasantes. A operação policial que conta com agentes policiais do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) e da Coordenadora de Recursos Especiais (CORE), foi iniciada e tem ações concentradas nas favelas Parque União e Nova Holanda, mas chegou a atingir mais favelas, como o Parque Maré e a Baixa do Sapateiro. Por volta das 7h um helicóptero da polícia civil chegou a aterrissar em uma área próxima da região do “Sem Terra”, no Parque União, aterrorizando moradores próximos. A operação já dura há mais de 5 horas.

Essa é a 11ª operação policial que acontece este ano no Conjunto de Favelas da Maré. É a mesma quantidade de dias que os moradores são impedidos de transitar na cidade, acessar seus trabalhos com tranquilidade, ter acesso à atendimentos na rede de saúde e também a educação. Nesta quinta-feira, 27 unidades escolares foram impactadas pelas operações policiais, afetando 9.119 alunos, de acordo com a Secretaria Municipal de Educação. Algumas escolas públicas e particulares também se organizavam para as festividades em comemoração ao Dia das Mães. As Clínicas da Família Augusto Boal e Jeremias Moraes da Silva também interromperam o funcionamento na manhã desta quinta-feira. Moradores relatam situações de invasão de domicílios sem mandados judiciais, abuso de autoridade e dano ao patrimônio com depredação de veículos. 

Esses são dados sobre violações de direitos humanos são possíveis de mensurar a partir da dinâmica de uma operação policial. Mas são diversos os impactos que ficam para quem vive na Maré, depois de um dia como este, com é evidenciado no Boletim Direito à Segurança Pública na Maré, publicado pela Redes da Maré, com dados da violência em 2022  e também outras análises e publicações da instituição que acompanha essa pauta desde 2009. A distribuição da edição impressa de maio do Maré de Notícias, uma das principais fontes de informação do conjunto de favelas, que acontece gratuitamente todo o mês, também seria realizada nas 16 favelas da Maré nesta quinta, e foi inviabilizada pela operação policial. 

A equipe da Redes da Maré, através do Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça, realiza o acompanhamento em tempo real da operação e está disponível para acolhimento dos moradores que tenham sofrido violações de direitos durante a operação, no prédio central da Redes da Maré, na Rua Sargento Silva Nunes, 1012, Nova Holanda.

Informação é ferramenta de acesso à direitos 

Nos primeiros horários da manhã, quando o Maré de Notícias soube da operação policial em curso, entramos em contato com as assessorias de imprensa das polícias em busca de informações sobre a motivação da mesma, assim como o cumprimento das determinações da ADPF das Favelas, como de costume. O retorno recebido, por volta das 8h desta quinta, apenas confirmava a atuação do BOPE e da polícia civil na Maré nesta quinta, sem retornos sobre a motivação ou detalhes sobre o cumprimento das normas. No entanto, veículos de comunicação de massa, noticiavam informações sobre o contexto da operação policial em tempo real em canais da tv aberta, com detalhes sobre a motivação e andamento da operação. Reforçamos a importância das mídias comunitárias na cobertura de operações policiais como a que acontece nesta quinta-feira. O caminho de reforçar a criminalização dos espaços de favelas, praticado por veículos da grande mídia não contribui para a garantia de direitos, incluindo o da segurança pública, para os milhares de moradores que compõe esse espaço, assim como para toda a cidade.

Depois de diminuição no número de casos, dengue volta a preocupar especialistas

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Em 2023 houve aumento de 30% no número de casos prováveis de dengue em comparação com o mesmo período de 2022

Hélio Euclides

A dengue é um inimigo que hibernou, mas não desapareceu. O Aedes aegypti, o mosquito transmissor da dengue, zika vírus e chikungunya, ficou dois anos fora das matérias dos jornais. No ano passado as três arboviroses deram o ar da graça, mas não chegaram a ganhar destaque na mídia. Contudo, em 2023 o aedes se multiplicou e os casos de doentes vêm aumentando. As dicas de cuidados para eliminar os possíveis focos de incubação do vírus voltam a rotina das residências, como a colocação de areia em pratinhos de plantas, limpeza de bebedouros dos animais, verificação das calhas, instalação de tampas nas caixas d ‘água e de telas em ralos. Pequenos objetos, como tampinhas de garrafas, podem ser um grande criadouro do mosquito.

Em 2020 e 2021 a grande preocupação foi com o vírus da covid, que trouxe o isolamento social, diminuindo a locomoção das pessoas pelas cidades. O resultado foi que a população ficou mais tempo nas suas residências, com um tempo maior para eliminar criadouros dos mosquitos. Segundo números disponíveis no boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, no ano passado houve um aumento de 113,7% nas infecções em relação ao mesmo período de 2021. “A dengue é uma doença perigosa, que pode matar. Temos que prevenir, eliminar água parada e fazer a conscientização para que todos façam isso”, comenta Maria do Livramento, moradora da Nova Holanda.

Um dos motivos para esse aumento de casos foi um maior período de chuva. Ela causa a água parada, criando o local ideal para que os ovos do mosquito eclodam e as larvas se desenvolvam até alcançar a fase adulta. Em 2023 houve aumento de 30% no número de casos prováveis de dengue em comparação com o mesmo período de 2022. Na cidade do Rio de Janeiro já são 9.219 casos.

“O mosquito está voltando. O negócio é cuidar da nossa casa tirando água parada. O importante é que todos façam a sua parte. Uma piscina abandonada representa um perigo para toda a população. No passado eu tive chikungunya, sei do sofrimento que é essa doença, até hoje tenho sequelas”, Elaine Alves, moradora da Vila dos Pinheiros.

Um estudo da Fiocruz, coordenado pela Fiocruz Amazônia e pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), apresenta a caracterização genética dos vírus referentes a quatro casos da infecção registrados este ano, em Roraima, na região Norte, e no Paraná, no Sul do país. A circulação de um sorotipo há tanto tempo ausente preocupa os especialistas. A agência Fiocruz revelou na última quarta-feira (10/05) o estudo que mostra o ressurgimento recente do sorotipo 3 do vírus da dengue no Brasil, que há mais de 15 anos não causa epidemias no país. A pesquisa fez acender o sinal de alerta quanto ao risco de uma nova epidemia da doença causada por esse sorotipo viral. 

O combate na cidade do Rio 

Para o enfrentamento da doença há diversas iniciativas. Profissionais de saúde estão se unindo para conscientizar moradores sobre as necessidades dos cuidados. Foi o que ocorreu na Clínica da Família Augusto Boal, que fica em frente ao Morro do Timbau. “Realizamos uma ação de combate à dengue. Cerca de 25 profissionais, entre eles Agentes Comunitários de Saúde (ACS), Agentes de Vigilância em Saúde (AVS) e Agentes de Combate às Endemias (ACE) saíram para visitar as seis áreas que abrangem o território da clínica. Foram priorizadas as casas onde há crianças, idosos e pessoas com alguma comorbidade. A previsão é o retorno para uma reavaliação”, conta Vitor Moreira, gerente da Clínica da Família Augusto Boal. Nas residências os profissionais deram orientações, verificaram a presença de focos e administraram larvicidas.

A ação é importante porque nos primeiros quatro meses de 2023, na Maré já foram registrados 25 casos, seguidos de dois na Cidade Universitária, 67 em Manguinhos, 89 em Ramos, 91 em Bonsucesso e 97 infectados no Complexo do Alemão. Em Marcílio Dias os infectados são computados no bairro da Penha Circular, com 31 casos no total. Para enfrentar essa situação, na primeira semana de maio, o Ministério da Saúde lançou a campanha “Brasil unido contra a dengue, Zika e chikungunya”. Além de campanhas que serão veiculadas em veículos de comunicação, o ministério promete retomar a distribuição dos insumos para o controle vetorial do aedes, que se encontra atrasado no fornecimento para os estados. 

A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informou que as ações de combate à dengue são realizadas o ano inteiro em toda a cidade, principalmente em territórios mais vulneráveis para proliferação do mosquito. Até o dia 8 de abril deste ano foram vistoriados mais de 3,6 milhões de imóveis para controle e prevenção de possíveis focos do aedes aegypti, com eliminação ou tratamento de cerca de 460 mil recipientes que poderiam servir de criadouro. Em 2022, foram realizadas 10,7 milhões de vistorias, com eliminação ou tratamento de mais de 1,7 milhão de recipientes.

A SMS confirmou que realiza ações educativas e de mobilização social para orientar a população sobre as medidas para a prevenção de arboviroses urbanas, visando despertar a responsabilidade sanitária individual e coletiva, considerando que os principais reservatórios de criadouros ainda são encontrados em domicílios. Quando necessário, a população pode fazer pedidos de vistoria ou denunciar possíveis focos do mosquito pela Central de Atendimento da Prefeitura, no telefone 1746.

Por fim, a SMS ratificou que em casos de suspeita de dengue, a pessoa deve procurar por uma avaliação profissional na sua unidade de saúde de referência. Após a avaliação, o paciente receberá todas as orientações necessárias sobre o seu quadro. Mais informações sobre a doença podem ser obtidas por meio do site https://saude.prefeitura.rio/dengue-zika-e-chikungunya/.

2ª Edição de Festival Comida de Favela acontece em novembro

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Empreendedores da gastronomia local poderão realizar inscrições a partir de junho

Júlia Bruce/Redes da Maré e Jessica Pires 

O Festival Comida de Favela é um evento gastronômico que acontecerá pela 2ª vez na Maré, em novembro de 2023. Bares e restaurantes que funcionam nas 16 favelas da Maré poderão se inscrever, a partir de junho, para participar do Festival, que irá escolher 16 estabelecimentos para uma segunda etapa, na qual terão que preparar um prato a partir da categoria que estão participando. 

Um júri formado por profissionais especializados irá selecionar três pratos em cada categoria, que receberão prêmios para impulsionar seus negócios, valorizando a culinária tradicional e a criatividade dos pratos locais. Haverá também a votação pelo público do seu prato preferido, em que os clientes serão convidados a dar sua nota logo após a refeição, no próprio estabelecimento. O Festival acontecerá durante o mês de novembro na Maré e os participantes vão receber consultoria e divulgação.

O festival recebe pessoas de diferentes espaços da cidade para conhecer e experimentar os sabores da Maré e, além da experiência gastronômica, também promove reflexões sobre o direito à livre circulação nos territórios e ao intercâmbio de experiências, e a possibilidade de evidenciar os tantos fazeres positivos que existem na favela.

A exemplo da primeira edição do festival, que aconteceu em 2015, este ano, os estabelecimentos selecionados também receberão, no período pré-festival, consultoria profissional oferecida pela Redes da Maré, englobando itens como normas de organização e conservação de alimentos, apresentação dos pratos e atendimento ao público, que existem na favela.

Comida de Favela apresenta a boa gastronomia do território. Bares e restaurantes que funcionam nas 16 favelas podem se inscrever

O Comida de Favela é fruto da experiência do projeto Maré de Sabores, que atua no fortalecimento de grupos de mulheres, moradoras da Maré, através de qualificação profissional e geração de trabalho e renda. O projeto faz parte das ações que compõem a Casa das Mulheres da Maré, um dos equipamentos da Redes da Maré, que oferece qualificação profissional em gastronomia, através de oficinas práticas e teóricas em módulos de panificação, confeitaria, salgados, doces, massas, entre outros.

“A expectativa é termos a oportunidade de consolidar a identidade gastronômica e cultural das favelas cariocas, partindo da Maré, através da valorização da culinária tradicional, da criatividade de pratos e restaurantes locais” 

Mariana Aleixo, coordenadora do Projeto Maré de Sabores

Em breve, mais informações sobre o processo de inscrição da 2ª edição do Festival Comida de Favela serão divulgados no site e redes sociais da Redes da Maré.

O pulsante mercado gastronômico da Maré: 

De acordo com o Censo de Empreendimentos Econômicos da Maré (2014), há 3.182 empreendimentos nas 16 favelas da Maré. Desses, 1.118 (37,9%) são voltados para o setor de alimentos e bebidas.

Com essa quantidade e variedade de empreendimentos em um território que abriga, segundo o Censo demográfico do IBGE, uma população de 134.810 habitantes (hoje, mais de 140 mil), percebe-se que existe em torno de um empreendimento para cada 42 pessoas.

A estimativa resultante do Censo Maré é de que comércios e serviços geraram empregos para 9.371 pessoas no período da pesquisa, dos quais 76,4% eram residentes na Maré.

Esses números confirmam a grande importância desta economia, tanto no que diz respeito à oferta de bens e serviços para o consumo local quanto para a geração de trabalho e renda entre os moradores.

Para Mariana Aleixo esses dados estimularam a reflexão sobre projetos que possam promover a melhoria dos serviços oferecidos aos moradores e moradoras da Maré, além de buscar desenvolver o comércio local voltado para o setor. 

“O Festival Comida de Favela possibilita a construção, a longo prazo, do fortalecimento de políticas públicas que promovam o desenvolvimento no setor de alimentação na Maré”, encerra Mariana. 

“Os nossos pentes são diferentes”

Projeto em Marcílio Dias (Kelson) usa a barbearia para geração de renda.

Por Alessandra Holanda e Luna Galera (*)

Corte do jaca, reflexo, americano e nevou são alguns dos queridinhos de barbearia para quem desfila autenticidade e estilo com o cabelinho na régua. Pensando no sucesso desses cortes a partir de um olhar empreendedor, o projeto Impactando Kelson’s passou a incentivar a profissionalização sobretudo de adolescentes e jovens no ramo. Trata-se de um curso gratuito sobre barbearia com aulas aos domingos, das 8h às 12h, em Marcílio Dias, mais conhecida como favela da Kelson para os moradores. A meta é, não somente gerar renda, mas promover a oportunidade de uma vida digna.

Anderson Gonçalves Vieira – conhecido como Jedai – é um dos fundadores e o atual presidente do projeto. O jornalista, poeta e grafiteiro conta que, de todos os seus dons, o do qual mais se orgulha é a capacidade de construir pontes entre os que o rodeiam. “Esse é o meu carro-chefe, as conexões com pessoas que me mostram realidades de mundo diferentes”. O contato com o outro permitiu que a sede por mudança viesse à tona, transformando sonhos em planos concretos.


Há três meses, em uma reunião na sala da casa de Dona Josilene, mãe de Jedai, o projeto passou a ser idealizado.

“A gente viu que a barbearia seria um caminho para capacitar e qualificar a garotada. O moleque que não tinha nenhuma opção, agora vai ter duas. Ou ele trabalha numa barbearia ou trabalha por conta própria.”

Anderson Gonçalves Vieira – conhecido como Jedai – é um dos fundadores e o atual presidente do projeto


Sem muitos recursos financeiros, ele contou com o apoio dos comerciantes locais que acreditaram na ideia. “No começo, quem nos ajudou foram os empresários da favela. Um ajudou dando pão para o coffee break, um doou cadeiras, outros deram espelhos. E o espaço das aulas é uma casa que o Douglas de Jesus cedeu para podermos começar,” diz o jornalista. O ambiente colaborativo proporciona o protagonismo da favela na sua própria história. Cria da Kelson, Jedai fala ainda sobre como o projeto nasceu do reconhecimento das suas dores e da vontade de impactar positivamente a comunidade.


Nas favelas cariocas, o maior empregador é o crime organizado. Ele não respeita a faixa etária. O garoto está ali por falta de opção. Então, vamos capacitar, qualificar e inseri-lo no mercado de trabalho”. A barbearia se tornou, além de uma oportunidade, uma esperança. Todo mundo perdeu alguém para o tráfico. Queremos mudar isso”.

Anderson Gonçalves Vieira – conhecido como Jedai – é um dos fundadores e o atual presidente do projeto


Douglas de Jesus, além de ser aluno do projeto, também é um dos fundadores e coordenadores do Impactando Kelson’s. Ele, que atualmente luta por prevenção e resgate no que diz respeito aos jovens, relata ser gratificante participar dessa iniciativa.

“A barbearia mudou a minha vida. Hoje, eu posso alcançar outras vidas através dela e mudar o caminho das pessoas, inclusive da rapaziada que já foi envolvida. Com a minha experiência, eu posso desviar a galera do foco violento e trazer para esse ramo”.

Douglas de Jesus , aluno e cofundador do projeto


Cada turma, sem faixa etária ou restrição de gênero, é formada por oito alunos. Hoje, o primeiro grupo, que está para se formar daqui a um mês, conta com pessoas de idades entre 13 e 43 anos. A adesão da comunidade à proposta foi tão grande e positiva, que há fila de espera para a formação das novas turmas. O aluno Kauê Moraes, um dos primeiros a participar das aulas, afirma que pretende usar seus conhecimentos para investir em um curso de instrutor de barbeiro. “Eu quero passar as técnicas que são passadas no projeto para outras pessoas”, disse o adolescente de 14 anos.

Os aprendizados ultrapassam as técnicas com tesouras ou máquinas, pois os coordenadores buscam transmitir valores durante os encontros. “Nós só cobramos dos alunos presença, cuidado com o ambiente e empatia. A gente tem que estar sempre no lugar de outras pessoas e ensinar a respeitar o diferente” conta Jedai.

Vale lembrar ainda que, todo final de semana, o projeto realiza palestras com pessoas da favela que cresceram por meio do trabalho lícito. O objetivo é enaltecer o território e mostrar que, com a oportunidade certa, a comunidade reescreve a sua história.


Por meio do padrinho, Deivão Du Corte, o projeto vai receber doações de máquinas da Wahl, e o aluno que se destacar irá participar do maior evento de barbearia, o Barber Week, em São Paulo. Tendo todos os custos com acomodação e deslocamentos pagos pela empresa.

A missão aqui é fazer com que os jovens usem mais pente de máquina ao invés do pente de pistola. “Os nossos pentes são diferentes”, afirma Jedai.

Para quem quiser ajudar ou participar do projeto, basta entrar em contato por meio do direct no Instagram.


(*) Alessandra Holanda e Luna Galera são estudantes de jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro e fazem parte do Curso de Extensão Conexão UFRJ com o Maré de Notícias.

Assédio sexual virtual: como proteger crianças e adolescentes?

Dados apontam que crime de estupro virtual é crescente no país

Por Beatriz Amat(*) e Júlia Motta(*)

A adolescente Karina realiza um sonho muito comum de meninas da sua idade: conversar com uma atriz que é fã. A amizade entre as duas cresce e elas se ligam frequentemente por chamadas de vídeo. Mas tudo muda quando a artista começa a fazer pedidos estranhos. Ela pede que Karina mande fotos seminuas, insistindo ser para participar de um teste de novela. A adolescente envia as imagens — sem saber quem realmente estava do outro lado da tela. 

Em Travessia, novela das 21h da Globo que acabou no último sábado (07/5), os telespectadores se chocaram com a história de Karina, vítima de um pedófilo que se passava por uma jovem atriz, convencendo a adolescente a enviar fotos íntimas. Após revelar sua verdadeira aparência, de um homem adulto, o agressor passa a chantagear a menina pedindo mais vídeos e fotos dela seminua.

A situação da novela alertou pais, responsáveis, crianças e adolescentes para casos de abuso sexual virtual. Cerca de 366 crimes cibernéticos são denunciados todos os dias no Brasil, e a maioria das vítimas são crianças e adolescentes, segundo a ONG SaferNet, num estudo em parceria com o Ministério Público Federal (MPF). 

Um estudo realizado pelo Inhope, em 2022, aponta que a maioria das vítimas encontradas em materiais de abuso sexual infantil online são meninas, de 3 a 10 anos.

A SaferNet também afirma que, entre 2021 e 2022, houve um crescimento de quase 10% dos casos de abuso e exploração sexual infantil na Internet no país.

Um caso parecido com o da trama aconteceu em setembro de 2022, em Itagi, interior da Bahia, em que um pedófilo fingia ser uma criança para conseguir fotos e vídeos pornográficos de vítimas do Distrito Federal. Com o material em mãos, ele as ameaçava em troca de mais gravações. 

Casos como esses, e outros, como o da adolescente de 12 anos, do Rio de Janeiro, sequestrada e mantida em cárcere privado por oito dias no Maranhão, por um pedófilo que mantinha contato com ela pelo TikTok, criam alertas para a segurança de crianças e adolescentes na internet e o perigo das novas tecnologias, como o deepfake. 

Estupro virtual

Esses casos de abuso sexual na internet podem ser considerados crimes de estupro virtual. É o que explica Eva Cristina Dengler, da ONG Childhood Brasil:

“A lei brasileira não cita especificamente o crime de estupro virtual, mas casos como esse estão sendo tratados pelo Artigo 213 do Código Penal”. 

Eva Cristina Dengler, da ONG Childhood Brasil.

A condenação é possível devido a uma mudança na lei feita em 2019, que passou a considerar o crime de estupro como a conduta de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Ou seja, não é mais preciso haver contato físico entre o agressor e a vítima para configurar o crime. “Essa nova redação abre ‘brecha’ para caracterizar o estupro virtual”, explica Eva.

 Atualmente, um projeto de lei para tipificar o crime corre no Senado. O PL do deputado federal Lucas Redecker (PSDB) criminaliza “assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, menor de 14 (catorze) anos a se exibir de forma pornográfica ou sexualmente explícita”. 

Eva afirma que é fundamental tipificar o crime de estupro virtual para trazer segurança jurídica às vítimas e que é importante que denunciem também.

“A internet é um território infinito. Só conseguimos saber o que está acontecendo e tomar medidas quando identificamos os crimes. E muitos deles só são possíveis graças às denúncias”. 

Eva Cristina Dengler, da ONG Childhood Brasil:

A pena do crime depende da extensão dos danos e do contexto da violação. De acordo com o Art. 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o agressor que “produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente” poderá pagar multa e pegar pena de quatro a oito anos de reclusão.

Deepfake 

Na trama, o abusador utilizou da tecnologia de deepfake para alterar seu rosto e sua voz, se passando por uma atriz fictícia da novela. Essa técnica usa a Inteligência Artificial para combinar e sobrepor o rosto e a voz de alguém em outra pessoa. Na novela, o abusador fazia isso ao vivo. Na vida real, a tecnologia não é tão sofisticada assim, mas já existe, com custos por volta de R$ 150 mil em equipamentos, segundo especialistas.

O desenvolvimento de tecnologias como essa levanta o debate sobre como as plataformas desenvolvem medidas de segurança para proteger seus usuários, especialmente crianças. A dificuldade para identificar os criminosos também é uma preocupação, já que eles conseguem se esconder atrás de um rosto e uma voz modificada. 

Na quinta-feira, (4/5), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), protocolou um projeto de lei de regularização do uso de tecnologia de inteligência artificial no Brasil. O texto do PL prevê que fornecedores e operadores do sistema de inteligência artificial sejam responsabilizados por danos eventualmente causados por essa tecnologia. 

Riscos psicológicos do assédio

Em Travessia, Karina desenvolve depressão ao ser chantageada pelo pedófilo, tentando suicídio algumas vezes. A vergonha de ter caído em um golpe e viver sob o medo de ter suas fotos divulgadas faz com que a menina se isole dos amigos e da família e comece a se automutilar.

A psicóloga Juliana Monteiro explica que esse tipo de violência gera um comportamento cerebral de alerta constante, onde a criança enxerga perigo “em tudo”. Apesar da euforia, a vítima começa a ficar mais reservada, se comunicando menos com a família e amigos, até se isolar completamente. “Um sistema nervoso que está em alerta afasta a criança do estado presente e de suas emoções. Então, ela fica como se estivesse um pouco congelada.”

Juliana também fala sobre as mudanças físicas na criança ou adolescente.

A gente vê nitidamente, numa leitura corporal, que essa criança está mais curvada, mais tímida, mais fechada, e o corpo a acompanha”, diz. Isso serve como sinais para pais e responsáveis de que alguma coisa errada está acontecendo com aquela criança. Outro indício pode ser o desempenho escolar, segundo a psicóloga. “Se a gente estiver atento e presente no cuidado com as nossas crianças, quando isso acontecer, a gente vai ter sinais para identificar.”

Juliana Monteiro, psicóloga

Como denunciar

A vítima e seus responsáveis devem procurar a polícia (190), a Delegacia da Mulher (197), o Disque 100 do Ministério dos Direitos Humanos ou o Conselho Tutelar do seu estado; no caso do Rio, o número vai depender da zona. A SaferNet, associação civil de direito privado em defesa dos Direitos Humanos na Internet, também recebe denúncias, mas apenas de páginas que estejam circulando imagens de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Para denunciar, acesse a Central Nacional de Denúncias da Safernet Brasil

Apoio à vítima

Tanto a psicóloga, quanto a SaferNet alertam que se deve evitar julgar a criança ou o adolescente vítima de assédio. Juliana declara que é preciso acolher, pois assim os riscos psicológicos são minimizados. A forma como os pais vão olhar para essa criança e como a dor dela vai ser escutada também interfere na situação.

Nessas horas, a gente não pode apontar os erros, porque a gente afasta as nossas crianças e adolescentes da gente. E tudo que eles precisam é de apoio e acolhimento”.

Juliana Monteiro, psicóloga

A ONG alerta que o julgamento aumenta o medo da criança de relatar os abusos se estiverem vivendo alguma violência online.

Como alertar as vítimas

Diálogo aberto sobre os riscos de conhecer pessoas pela Internet, ensino sobre o que é inapropriado entre adultos e crianças, uso da Internet apenas com o acompanhamento dos pais nos primeiros anos e educação sexual nas escolas são algumas medidas defendidas pela SaferNet para prevenir que crianças e adolescentes sejam vítimas do abuso sexual ou estupro virtual. 

Dicas para se proteger:

  • Não aceitar pedido de amizade de pessoas que você não conhece;
  • Sempre desconfiar de ofertas, pedidos ou contatos com pessoas que você não tem certeza de quem são;
  • Procurar informações pessoais no perfil de alguém com quem esteja conversando para saber se o perfil não é fake;
  • Informar aos pais e responsáveis qualquer pedido de foto ou vídeo de uma pessoa desconhecida;
  • Excluir e bloquear qualquer pessoa que peça fotos íntimas;
  • Denunciar aos órgãos legais qualquer caso de assédio online.

(*) Beatriz Amat e Júlia Motta são estudantes de jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro e fazem parte do Curso de Extensão Conexão UFRJ com o Maré de Notícias.

Museu da Maré completa 17 anos de memória, cultura e arte favelada

Espaço permite que moradores entendam sua história a partir de uma visão sensível das favelas da Maré

Andrezza Paulo

O Museu da Maré completa neste 8 de maio, 17 anos de história, cultura, arte e auto-representação da população mareense. São 3.200 arquivos que compõem o acervo da instituição, além da biblioteca Marielle Franco, peças de teatro e a produção de oficinas e conhecimento. O Museu também realiza atividades lúdicas e exposições itinerantes, mas as atrações principais do local são: a casa em tamanho real feita de palafitas, que representa um marco na memória territorial e o Arquivo Dona Orosina Vieira.

A instituição nasce por iniciativa do CEASM – Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré ao reunir informações sobre o território através de entrevista oral com moradores, arquivos e dados que constituem a memória mareense – a  Rede Memória da Maré. A trajetória possibilitou parcerias entre a Rede Memória e a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – Unirio. Com a parceria, foi  inaugurado o Arquivo Dona Orosina em 2001 e exposições a partir do olhar periférico no Museu da República, no Castelinho do Flamengo e no Centro Cultural do Tribunal de Contas do Estado em 2004. 

Foto: Matheus Affonso | Casa de palafita, uma das maiores atrações do espaço que marca a construção da Maré

A partir dos incentivos do Programa Cultura Viva – Pontos de Cultura do Ministério da Cultura e o apoio técnico do Departamento de Museus do IPHAN, foi iniciada a implantação do Museu da Maré, que veio a se concretizar no dia 8 de maio de 2006 no Morro do Timbau com a presença do então Ministro da Cultura, Gilberto Gil.

Thamires Ribeiro,32, é conservadora e restauradora no Museu da Maré e enfatiza a importância do espaço para a população local:

“O Museu é um lugar de memória. É fundamental para que os moradores conheçam a história do território, de como foi, de como é e para pensar em práticas para o futuro também, principalmente dentro de uma favela, cujos grupos são marginalizados”, contou.  

É tempo de memória

As manifestações artísticas do Museu são compostas por “tempos” da vida na Maré: Tempo da Água, Tempo da Casa, Tempo da Migração, Tempo da Resistência, Tempo do Trabalho, Tempo da Festa, Tempo da Feira, Tempo da Fé, Tempo do Cotidiano, Tempo da Criança, Tempo do Medo e Tempo do Futuro.

Para Thamires, os textos, as imagens e os objetos doados por moradores são primordiais para a manutenção da memória: “Não temos arquivistas, mas temos pessoas que ajudaram e ainda ajudam a construir o acervo, que tem a vivência territorial. É importante ter essa iniciativa de preservar a memória, tanto da gente como dos moradores da Maré e que mais espaços como esse sejam replicados em outras favelas, com suas peculiaridades e experiências únicas para que contem sua própria história”, finaliza.

O espaço representa um marco na museologia, pois evidencia a experiência voltada para a inclusão cultural e social das populações marginalizadas. O Museu da Maré é composto por mapas, vídeos, fotografias, recortes de jornais e outros documentos textuais, objetos de uso doméstico, alfaias de faina, alfaias religiosas e brinquedos. Além do resgate à memória, o Museu atua com a afirmação territorial e a produção de uma narrativa positiva das 16 favelas da Maré. Representa o encontro de gerações que permite aos moradores entenderem sua história e provoca a reflexão sobre a importância da auto-representação das populações de favela.

O Museu da Maré tem visitação de terça a sexta-feira, das 10:00h às 13:00h e 14:00h às 17:00h e fica na Av. Guilherme Maxwel, 26 – Timbau.