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Maré lança o Plano Participativo para a Primeira Infância

Documento propõe fixar as prioridades para a garantia dos direitos das crianças de 0 a 6 anos da Maré e traçar estratégias político-institucionais para alcançá-los

O Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016), traz como áreas prioritárias para as políticas públicas voltadas à primeira infância: à saúde, à alimentação, à educação infantil, a convivência familiar e comunitária, a assistência social, a cultura, o brincar, o lazer e o meio ambiente. Contudo, na favela muitos desses direitos conquistados estão longe das crianças. Para reverter isso, a Redes da Maré lançou na última terça (15), no Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (Muhcab), na Gamboa, o Plano Participativo para a Primeira Infância da Maré, um documento para a garantia de direitos dos pequenos cidadãos da Maré com idade entre 0 e 6 anos. 

O documento se destaca por ser, até o momento, o primeiro a trazer registros de planos de iniciativa local e participativa em territórios de favela de grandes cidades. “Mostra os anseios das crianças e de todos que participaram do processo. Muito bom o lançamento ocorrer no Dia dos Professores e nesse mês que precisamos pensar na infância. O plano mostra o retrato da Maré , mas pode ser usado em outros lugares da cidade. Produzimos dados, agora precisamos ir além com as reivindicações de implantação de políticas públicas”, diz Gisele Ribeiro Martins, que fez parte da equipe responsável do plano.

O plano traz um detalhado diagnóstico dessa população, bem como os principais desafios para promover uma infância cidadã. Um processo estratégico e importante a construção desse plano, feito a muitas mãos, com participação popular. “Foi desafiador finalizar esse documento no contexto da violência e da eleição, com um olhar para quem sofre e com o papel de escuta nas realizações de três pré-conferências e uma conferência. Esse não é um momento simbólico, mas político”, conta Miriam Krenzinger é professora da Escola de Serviço Social da UFRJ

O processo do plano decorreu de 2020 a 2024, com pesquisa diagnóstica em setembro de 2023, tendo o envolvimento de 2.144 famílias da Maré.  “Um processo que nos ensina muito. Esse documento aponta para um ciclo que começa agora, com um recorte da Maré, mas que pode ser usado por outros lugares com uma construção participativa. A partir de agora começa um intenso trabalho que vai inspirar outros”, relata Leandro Castro, pesquisador do Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância (CIESPI/PUC-Rio). 

Na primeira fase foram investigados três pontos: como é crescer na favela? Quais os desafios e oportunidades? Como investir na primeira fase da narrativa das crianças? Já na segunda fase houve a construção participativa, com o comitê científico, das três pré-conferências realizadas na Praia de Ramos, Nova Holanda e Vila dos Pinheiros, culminando com a Conferência da Primeira Infância, realizada em junho. 

O plano se destaca pela construção participativa, na qual moradores exploram a necessidade de discutir e construir propostas nas áreas de exposição à violência, práticas de cuidado, saúde, educação, assistência social e acesso à cultura e lazer. “Aprendi muito com esse documento, que mostra quais são os nossos direitos. Vou levar para minha vida. Foi gratificante participar da construção do documento sobre a primeira infância”, comenta Craice Carneiro, mãe de cinco filhos e moradora da Nova Holanda.

Fabiana Silva, pedagoga e ouvidora-geral da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, lembra que todos são chamados a pensar e potencializar a educação infantil, que sofre com violações, como as 39 operações policiais só este ano, que deixam as crianças sem aulas, e também a falta de vagas nas creches. “É preciso pensar em propostas que tragam desenvolvimento para a infância. Agora com a contribuição desse plano podemos cobrar políticas públicas, que já estão no Estatuto da Criança e do Adolescente”, conclui. 

Além da participação de integrantes da construção do plano, o evento ainda contou com uma apresentação musical das crianças do projeto Nenhum a Menos, da Areninha Cultural Herbert Vianna. Além de crianças do Clube de Leitura da Biblioteca Popular Escritor Lima Barreto, que leram trechos de livros escritos por eles e exibiram um grande cartaz confeccionado com anseios da primeira infância. 

Os números da primeira infância

A construção do plano teve como metodologia a pesquisa de diagnóstico nos domicílios. A partir daí foi possível realizar um raio-x da primeira infância da Maré. O resultado do processo resultou em mais de 85 propostas, que deram origem a carta compromisso que foi entregue aos candidatos a prefeito. Os próximos passos serão disseminar o plano no poder executivo, no âmbito municipal, estadual e federal. Há também o desejo de levar para os chefes do poder legislativo e judiciário, e de acompanhar e monitorar a discussão sobre a implantação das políticas públicas mencionadas no plano. 

Alguns dos dados:

74,4% dos responsáveis se declaram negros.

A composição familiar ficou em 4,32. Contudo, 18,5% famílias são compostas por mais de cinco pessoas na moradia, podendo chegar a 15 integrantes. 

22% dos respondentes relataram ter dificuldade de acesso à política pública de assistência social.

57,4% das famílias não recebem nenhum benefício.

64,6% da população respondente enfrenta algum tipo de dificuldade no acesso ao direito à saúde e a equipamentos públicos na Maré.

No seu dia, professores falam sobre o amor e os desafios da profissão

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No último domingo (13), centenas de professores caminharam e correram em duas competições pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro. Na camisa, os dizeres: Educadores vão além da sala de aula. Um desabafo de um profissional que durante todo o ano leva conhecimentos às pessoas, mas muitas vezes não encontra o seu reconhecimento. Hoje, mais do que comemorar o Dia dos Professores, os mestres querem também lembrar do pensamento do educador Paulo Freire, que a educação não transforma o mundo, mas muda pessoas, que assim transformam o mundo. 

Para homenagear todos os educadores, o Maré de Notícias entrevistou três professores de segmentos diferentes no ensino municipal. No Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA/Maré), localizado próximo ao Conjunto Bento Ribeiro Dantas, Luciana Getirana de Santana, de 60 anos, leciona a disciplina de matemática a quem deseja aprender sem pensar na idade. Outra profissional é Simone Werneck Matias, de 46 anos, que atua no primeiro segmento do ensino fundamental na Escola Municipal Professor Paulo Freire, na Vila dos Pinheiros. Já na Praia de Ramos, a professora Raquel Mattos, de 49 anos, trabalha com as criancinhas no Espaço de Desenvolvimento Infantil (EDI) Armando de Salles Oliveira.

Maré de Notícias: Como surgiu na sua vida a escolha da profissão?

Luciana: Acho que surgiu no momento em que decidi fazer Matemática. Tinha por volta de 13 anos, estudava em uma escola municipal e ficava encantada com as aulas da professora Ângela, ela ensinava matemática de uma forma que todos os estudantes aprendiam. Mais tarde, quando cursava Matemática na UFRJ, encontrei a professora Ângela de novo, ensinando para os graduandos.

Simone: A escola Normal, unidade que formava professores, era ao lado da minha casa e eu era muito nova para estudar longe. Então a orientação que minha mãe deu foi essa. Logo no primeiro ano de formação já estava apaixonada pela profissão.

Raquel: Minha mãe foi professora e diretora e por isso eu já conhecia a rotina da profissão. Embora no início tenha escolhido ser professora apenas para pagar as contas e não quisesse seguir carreira, a profissão me ganhou. Tanto que já estou prestes a me aposentar.

Maré de Notícias: Há quanto tempo atua como professora e quanto nesta unidade escolar?

Luciana: Trabalho como professora desde 1986. Já fazem 28 anos. No CEJA Maré, comecei a trabalhar em 2012, quando a escola foi inaugurada. E estou lá até hoje.

Simone: Sou professora há 28 anos e estou no município há 25 anos. Na Maré comecei numa escola chamada de Classe Cooperação Baixa do Sapateiro, que funcionava na associação de moradores. 

Raquel: Atuo há 24 anos e 6 meses. Esse tempo todo na mesma escola, que antes era escola do primeiro segmento do ensino fundamental e agora é EDI.

Maré de Notícias: O que é ser professora?

Luciana: Difícil pergunta. Acho que sou uma trabalhadora da educação que compartilha saberes, que gosta do objeto que ensina. Como o objeto do meu trabalho que é ensinar matemática, gosto de trocar com os estudantes os processos de matematizar. Assim, me defino como professora, mas não sei se ser professora é isso.

Simone: Ser professora é se tornar referência para o outro de algum modo. Às vezes, é referência de postura, conhecimento, amizade ou de muitas outras formas. Não me vejo em outro lugar que não seja a sala de aula. É a profissão que permite uma troca intensa o tempo todo. Ensino aprendendo e aprendo ensinando.

Raquel: É minha profissão, meu sustento e o prazer de passar para outras gerações o conhecimento. É maravilhoso ver cada avanço no desenvolvimento das crianças. É um prazer ter ex-alunos trazendo seus filhos e entregando nas minhas mãos com todo amor e carinho. Amo demais.

Maré de Notícias: O que acredita que pode melhorar ou mudar nessa sociedade com o seu trabalho?

Luciana: Acredito que possibilitar às pessoas a compreensão de que elas possuem saberes tão ou mais importantes do que os que eu possuo ajuda a reconstruir uma sociedade em que não importa a profissão, somos trabalhadores de diferentes setores que precisamos ser reconhecidos e remunerados de forma digna. Assim, possibilitar o diálogo, o respeito e a solidariedade em minhas aulas contribuem para o empoderamento de todos.

Simone: Estou em sala acreditando nessa mudança, pois é através da educação que podemos formar uma sociedade mais humana. A formação educacional do ser humano, em qualquer etapa da vida, impulsiona para uma mudança de postura, de atitude e política. Alguns dizem que sou sonhadora demais e que pelos anos que tenho como professora já deveria estar cansada, desanimada ou farta de tantas dificuldades que encontramos. Mas ainda entro na sala esperando pelo novo, com orgulho de exercer minha profissão, com o brilho no olhar e com a emoção de ver e acompanhar o crescimento dos meus alunos. Isso é o que mais me importa.

Raquel: A esperança de estar colaborando para que cresçam pessoas de bem, inteligentes, críticas e atuantes na sociedade fazendo um futuro melhor para todos nós. Mas para isso é preciso reverter a falta de valorização do professor, que algumas vezes percebemos em atitudes dos responsáveis e muito mais nas dos governantes. Também faltam investimentos, um exemplo é o EDI Armando de Salles Oliveira, que antes era uma unidade escolar do ensino fundamental e agora de educação infantil, mas a estrutura não foi adaptada.

Descolonizar o pensamento: lições de Nego Bispo e o futuro da Maré

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Após primeira etapa com obra de Nego Bispo, clube de leitura da Casa Preta da Maré, inicia no dia 11 o próximo ciclo com “Pele Negra, Máscaras Brancas”, de Frantz Fanon

Matheus Euzebio*

A terra, as matas, os rios. Tudo isso foi usurpado, dominado e destruído no incansável processo de colonização capitalista. “A terra dá, a terra quer”, de Nego Bispo, é um convite a repensarmos o modo em que vivemos e nos reproduzimos socialmente. Fomos acostumados, e também condicionados, a acreditar que só existe uma maneira de Ser e Estar no mundo, na mesma medida em que outros modos de viver são criminalizados.

O mundo branco, eurocêntrico, genocida por natureza — e muito conhecido enquanto burguesia — nos vende essa história: a de que seremos felizes, satisfeitos e saudáveis se vivermos segundo sua cosmovisão, e roubam completamente toda possibilidade de desenvolvimento de outras identidades coletivas e comunitárias. Nesse sentido, a obra de Nego Bispo se apresenta de forma revolucionária, ao levantar um contraponto à lógica de dominação, exclusão e de epistemicídio, que é fabricada pela política neoliberal. Só o fato de instigar seu leitor a refletir sobre uma alternativa contra-hegemônica de experimentação da realidade, para além das opressões cotidianas, Antonio Nego Bispo realiza um puro ato de rebeldia.

O Clube de Leitura da Casa Preta da Maré, leu o livro “A terra dar, a terra quer”, de Antonio Nego Bispo. Todos os participantes receberam um kit com exemplar do livro onde a metodologia foi de realizar uma leitura coletiva, em voz alta, alternada e com pausas para debaterem os temas abordados, que eram provocados ao longo do capítulo lido no dia. 

Esse processo, potencializou o debate e aos poucos foi despertando nos participantes a reconhecerem em suas vivências as experiências de coletividade quilombola — as que o Nego Bispo apresenta em contradição ao capital como centralidade das relações humanas, e da mutação da nossa vida em mercadoria. A proposta do clube de leitura da Casa Preta foi mais além: junto à leitura, pensamos o presente, o futuro e o passado do conjunto de favelas da Maré e sobre como as realidades mudam sem ao menos nos darmos conta das influências, dos direcionamentos e do porquê de certas práticas se transformarem com o passar da história.

As reflexões, histórias e ensinamentos do livro tocam e evocam uma memória da favela muito específica, e nos fez repensar nossa própria forma de estar em coletivo aqui dentro da Maré. 

Não é de hoje que observamos uma tentativa de fragmentar ainda mais o território e de abraçarmos uma história individualista e meritocrática de sucesso artificial nos territórios, mas Nego Bispo, nesse livro, nos oferece a arma para combatermos essa lógica traiçoeira. Nossa saída será o coletivo e nossas bombas podem ser a terra, ao reconhecermos todo o poder que temos um no outro, veremos a revolução acontecer no tempo certo.

As abordagens filosóficas do autor são descritas de forma a inquietar o leitor para uma reflexão fluída, orgânica e crítica. E, a partir dessa narrativa persuasiva, Bispo nos chama atenção para cuidarmos da terra e valorizarmos os ensinamentos aprendidos no Quilombo,  convocando-nos a nos posicionarmos de forma crítica contra o colonialismo. Ele nos sugere que devemos colocar sob questionamento algumas palavras-chaves que vão de encontro a esse sistema capitalista, despertando, assim, a práxis reflexiva e a possibilidade de repensar determinados conceitos que contribuíram para esse processo de colonização também do pensamento. Bispo também aborda o fator ancestralidade, quando pondera a relevância de re-definirmos o conceito de tempo, tratando-o de uma forma não-linear, no que diz respeito à continuidade generacional de seus antepassados. 

Contudo, ainda há sobreviventes; isolados ou cooptados, próximos ou distantes. O que está em jogo é o resgate e a defesa do pouco que restou e o empreendimento só será possível quando contra-colonizamos nossos modos de vida; diluirmos a dominação e tivermos pertencimento total sob o que foi arrebatado de nós: a Terra e a dignidade de ser plural, e biodiverso. O autor nos ensina bem sobre isso. Início. Meio. Início.
Com objetivo de continuar aprofundar obras literárias de escritores negros brasileiros e estrangeiros, o Clube de Leitura da Casa Preta da Maré inicia no próximo dia 11 de outubro um novo ciclo com a leitura do livro “Pele Negra, Máscaras Brancas” de Frantz Fanon. As reuniões acontecem presencialmente, agora serão todas as sextas-feiras, no mesmo horário, das 14h às 16h, e assim como foi com a obra do Nego Bispo, todos os participantes receberão um exemplar desse importante livro para acompanhar a leitura e contribuir nas reflexões.

*Mediador do Clube de Leitura da Casa Preta da Maré.

Como é ser criança na Maré?

No mês das crianças, conversamos com alunos da Biblioteca Lima Barreto, para saber o que os pequenos pensam sobre eles mesmos

Andrezza Paulo, Vitória Sabrina Soares, Lara Lucia da Silva, Nicolly Ferreira, Emily Andrade, Laura Beatriz Soares, Ana Bheatriz Macedo, Anna Beatriz Santos, Gabriel de Jesus, Enzo Arthur Freita, Francisco Guilherme de Oliveira, Valentina Barros, Isadora Vitória Antunes, Lorena Letícia e Maria Luiza de Sousa

Em outubro, celebramos o Dia das Crianças e, melhor do que falar sobre elas, é possibilitar que elas se expressem de maneira livre sobre quem são e quais são seus sonhos, medos e percepções sobre o mundo. Criança brinca, e é brincando que ela expressa o mundo que vê, cria novos mundos e sonha com outras possibilidades. A liberdade de ser criança está nos espaços de brincadeiras e aprendizados.

O Maré de Notícias reuniu 13 crianças, alunos do clubinho de leitura da Biblioteca Lima Barreto, na Nova Holanda, para que elas nos respondessem à pergunta: como é ser criança no Conjunto de Favelas da Maré? Os pequenos mostraram que estão atentos ao que acontece no mundo, na favela deles, com os amigos e com a família.

Ana Bheatriz Macedo, 12 anos, conta que para ela, ser criança na Maré tem um lado bom e ruim. “Por exemplo, a biblioteca é muito boa e fundamental pra gente, mas o lado ruim são as operações [policiais]. Por causa delas, as crianças quase não saem de casa. A minha mãe não deixa eu ir pra rua, eu ajudo ela em casa, por isso, gosto de sair para lugares diferentes”.

“Eu gosto de ser criança, porque tem a biblioteca pra eu ir brincar, tem as minhas amigas, dá pra brincar de pega-pega, tem a escola, tem a pracinha, o [projeto] Luta pela Paz, na Maré tem tudo de bom”, relata animada Lara Lúcia da Silva, 12 anos.

Para Lorena Letícia,  “não ter aula, não é legal. Não ir na rua, não poder sair pra brincar com as amigas nos dias difíceis. Mas, morar na Maré é legal porque tem várias coisas pra fazer: ir na natação, na Vila, ir na biblioteca pegar livro, ir na feira com a minha mãe…”.

Valentina Barros, 10 anos, também expõe a importância dos espaços de lazer e aprendizado para as crianças: “A Tia Claudinha [da biblioteca] é muito legal, eu amo ela. O Centro de Arte da Maré, onde eu faço teatro, também é muito divertido e tem os passeios da biblioteca também”.

O esporte ocupa um lugar no coração delas. Para Nicolly Ferreira, 9 anos, a Vila Olímpica representa muito: “Eu amo a Vila Olímpica, lá tem ginástica, capoeira e natação”, descreve. E Vitória Sabrina Soares, 7 anos, completa com entusiasmo: “Lá tem esporte olímpico!”

Presente em todas as falas, os passeios realizados pela biblioteca ou por outras instituições alimentam a imaginação e ampliam o conhecimento de mundo de cada um deles: “Ser criança na Maré é ser uma criança de pé, que todo dia tem que aguentar a luta na Maré. A biblioteca tem as tias Luciene e Claudinha e também têm os passeios. Teve uma vez que eu estava num sítio com os meus amigos da biblioteca e vi um pé de limão. Eu chamei todo mundo para pegar. Subi no pé do limão e a gente zerou a árvore. Voltamos com tudo pra casa”, conta Enzo Arthur Freita, 9 anos, sorridente.

As crianças também fizeram questão de expressar que tem personalidades diferentes e precisam ser respeitadas. Ouvimos falas como: “eu sou alegre às vezes, sou séria às vezes”, “gosto de ficar no TikTok porque perco a vergonha lá”, “Fico stalkeando as pessoas nas redes sociais, vendo como elas são”, expressando desejo de individualidade.

Tanto que Francisco Guilherme de Oliveira, de 12 anos, diz que cuidar da mente dos pequenos está no topo dos seus sonhos: “Eu quero ser um psicólogo infantil para ajudar crianças e adolescentes. Eu acho que todo mundo precisa de um. Morar na Maré é legal, mas tem problemas, tem operação que estraga os estudos, pois não conseguimos ir para a escola. Eu quero ser um psicólogo, pois também tenho problemas e queria ajudar outras crianças. Não quero que elas sofram. Tive amizades ruins, pensamentos ruins e, por isso, hoje eu quero ajudar”, explica. 

Para finalizar, Gabriel de Jesus faz questão de dizer: “Aqui na Maré tem coisas boas e também coisas ruins. Tem pessoas boas e pessoas ruins. Mas aqui tem a biblioteca, tem a praça, tem muitas coisas interessantes. Eu sou muito feliz aqui!”.

Gastronomia, música e emoção marcam a abertura do Comida de Favela na Maré

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Até 09 de novembro, toda a população da Maré e do Rio de Janeiro pode visitar os 16 estabelecimentos participantes e votar no seu prato favorito 

Na última quinta-feira (10), a Casa das Mulheres da Maré promoveu o evento de abertura do Festival Comida de Favela 2024. A ocasião contou com a apresentação de cada participante sobre a construção do seu prato, culinária ao vivo com a Chef Kátia Barbosa, criadora do famoso bolinho de feijoada e, finalizou com o show gratuito do grupo Samba Que Elas Querem.

Mariana Aleixo, coordenadora da Casa das Mulheres da Maré, reforça a importância do festival: “A gente está, com o Comida de Favela, fortalecendo esse ecossistema empreendedor na favela, que é completamente diferente de ser empreendedor de outras partes do Rio de Janeiro, como por exemplo, não ter um fornecedor que venha até o nosso estabelecimento por conta de uma operação policial. Queremos fortalecer esse ecossistema para criar uma experiência empreendedora mais segura e saudável para a Maré do futuro”, diz.

Aleixo também comenta o objetivo gastronômico: “A gente queria estimular o prato, a cultura mareense que já existe. Tornar o prato que a gente acha que é simples em um prato representante do comida de favela”, conta.

O propósito na gastronomia de favela

Katia Barbosa, chef e cria do Complexo do Alemão marcou presença preparando ao vivo o famoso Bolinho de Feijoada que ficou conhecido em todo o Brasil: “Esse Bolinho de Feijoada fala muito da comida carioca, que se organiza a partir da cultura do fazer, da ancestralidade”, conta Katia. 

A chef relembra o momento em que despertou seu propósito na gastronomia: “Quando eu comecei a minha luta pela comida brasileira, e tive a sorte de ser o boom da alta gastronomia no Brasil, eu vi chegando aqui várias influências estrangeiras como a comida italiana, comida francesa, comida espanhola e a garotada das universidades querendo fazer todas essas comidas técnicas”, conta. 

Ela complementa e fala da importância de encontrar sua própria direção no ramo: “Eu não fiz faculdade de gastronomia, só estudei até a 8ª série e nesse momento que eu vi todas essas influências chegando, eu pensei em preservar a comida e a cultura brasileira. Meu conselho é: cheguem com verdade, com história, com aquilo que você acredita, se apropria dessa verdade, estude o máximo que você puder para que ninguém tenha dúvida do que você tá falando e fazendo!” 

Impacto além do prêmio

“A Casa das Mulheres e a Redes tá dando uma oportunidade para cada um crescer, que possamos sair daqui vitoriosos, não porque alguém ganhou do outro, mas por mostrar o nosso trabalho, as coisas gostosas que a favela tem. Não temos voz pra falar, então vão nos ver pelo nosso trabalho”, diz Cristiane, proprietária da Doce Sabor, criadora da Coxinha Diferenciada.

Fernanda Telles levou o público às lágrimas ao falar de sua trajetória e da potência de sua participação:

A empreendedora também lembra uma realidade comum na favela ao falar da Torta Salgada de Sardinha Artesanal que criou: “Nunca tive uma festa de aniversário e meu sonho sempre foi ter uma torta salgada, esse prato significa muito pra mim”, diz.

Ao final, o público pôde degustar todos os quitutes dos 16 participantes ao som do grupo feminino Samba Que Elas Querem.

Participe e vote

Visite os estabelecimentos, experimente os pratos e vote no seu favorito.
A Redes da Maré também oferece roteiros guiados com monitores (moradores) e durante o trajeto, apresenta a identidade e cultura do território, a pé ou em caravanas.
Chame a galera e faça a reserva em 21 97159-7725.

Você também pode ir de forma independente. Basta escolher o estabelecimento, ir de mototáxi ou a pé e degustar os pratos.

A votação está aberta até dia 09 de novembro para escolher o melhor prato da Maré. Participe!

Rimas e poesias das crianças da Maré

A comunicação faz parte do ser humano, mas a maneira que cada um se comunica é diversa e plural. Seja na fala, na escrita jornalística ou na arte: se expressar está relacionado à nossa existência e deveria acontecer desde pequenos. 

Por acreditarmos que todos os moradores têm voz e propriedade para falar sobre suas próprias vivências na favela, o Maré de Notícias propôs às crianças do clubinho de leitura da Biblioteca Lima Barreto, na Nova Holanda, que escrevessem um texto. Elas escolheram a poesia, a escrita ritmada e com diversão, como linguagem para refletir sobre o dia a dia, sonhos e aquilo que mais gostam.

Maria Luiza de Sousa – 11 anos
Nesse barco eu vou me navegar em alto mar
Não gosto de brinquedo, mas eu gosto de brincar. 
Eu queria estar na escola, eu queria estar estudando
Mas onde eu moro a bala está voando.
Maré de infância pede paz e esperança
Se a gente não conseguir estudar
A gente vai ter que se mudar

Gabriel de Jesus – 11 anos
Eu venho para a biblioteca para brincar
Brinco até acabar ou até as tias me expulsarem. 
Prazer, eu sou o Gabriel e gosto de comer pastel.

Isadora Vitória Antunes – 10 anos
Eu gosto de celular, de estudar
E também gosto de brincar.
Quando eu crescer,
médica eu quero ser 
e da minha Maré cuidar.

Lara Lúcia da Silva – 12 anos
Eu gosto de brincar sem me atrasar,
Pique-pega ou pique-esconde eu vou arrasar.
Na rua ou na escola, o importante é brincar

Valentina Barros – 10 anos
Rosas são vermelhas, violetas são azuis
Minha mãe é uma rainha porque ela me deu a luz.
Se você não gostou, então, pode reclamar,
Ela é uma linda princesa que devo me inspirar.
Eu me chamo Valentina e ainda tenho muito a falar,
Gosto de pintar e desenhar
Sou uma garota muito sorridente e ainda sei cantar.

Francisco Guilherme de Oliveira – 12 anos
Sou jovem, gosto de ler e mexer no celular.
Sei que é difícil de crescer, mas é só aproveitar. 
Todos nós temos medos, mas pra que se preocupar?
Vamos aproveitar a infância aqui nesse lugar.

Anna Beatriz Santos – 12 anos
Eu tenho um sonho de fazer teatro 
E quem sabe aparecer na televisão,
Morando aqui na maré eu tenho toda minha inspiração.
Frequentando a biblioteca, a escola, 
a praça do Parque União e o Esperança. 
Tem clubinho de leitura, dia do brinquedo, 
passeios e muita criança.
Minha mãe me ensina muita coisa:
Tirar notas boas, ser melhor em casa,
parar de preguiça e sair do celular.
Sou uma caçula de cinco irmãos e tenho sorte de montão.

Ana Bheatriz Macedo – 12 anos
Eu gosto de dormir e comer pipoca,
De ficar com os meus amigos e o resto não me importa.

Nicolly Ferreira – 9 anos
Gosto de fazer um bilhão de coisas que nem toda criança gosta.
Só não gosto de me meter em confusão
Pra não levar a culpa não.

Vitória Sabrina Soares – 7 anos 
Eu andei de bicicleta e o cachorro mordeu minha perna.
Tava jogando bola, eu vi uma mola 
E num pulo eu tive que ir pra escola.

Enzo Arthur Freita – 9 anos
Agora, meu irmão, eu vou para o Feirão. 
Paz, amor e diversão. 
Maré é minha vida, tem muita comunicação.
Sou muito feliz, a verdade é essa.
Minha casa e a biblioteca também são minha festa.

Emilly Andrade – 12 anos
Eu gosto de muitas coisas
Mexer no Instagram e stalkear pessoas
Mas se alguém descobrir
Eu vou ter que discutir

Laura Beatriz Soares – 7 anos
Bicicleta | Rima | Com | Bia |
E | O | Gelo | Rima | Com | Gato |
E | O | Gato | Rima | Com | Gelato |
E | O | Celular | Rima | Com | Cenoura |
A | Mel | Rima | Com | Rima |