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Governo investe menos de R$ 4 por dia em crianças e adolescentes

Estudo do IPEA e da Unicef revela que, em 2022, país terá alocado só 2,4% do orçamento para uma população que deveria ter ‘absoluta prioridade’


Por Agostinho Vieira, do Projeto Colabora, em 28/10/2022 às 7h

Um tema sério, delicado e prioritário entrou na campanha eleitoral. O Brasil tem cerca de 51 milhões de crianças e adolescentes, de zero a 18 anos, que enfrentam problemas dos mais variados, nas áreas de saúde, educação, segurança…Daria tranquilamente para passar todo o segundo turno falando sobre eles. No entanto, o assunto chegou ao debate da pior maneira possível. Em mais um dos muitos discursos moralistas, o presidente Jair Bolsonaro voltou a falar sobre o encontro que teve com um grupo de jovens venezuelanas: “Parei a moto numa esquina, tirei o capacete e vi umas menininhas, três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas no sábado. Vi que elas eram meio parecidas. Pintou um clima, eu voltei”, contou o presidente. Na cabeça de Bolsonaro, “meninas bonitinhas se arrumando no sábado, para quê? Ganhar a vida”, ele mesmo respondeu. Sem explicar, é claro, como chegou a essa conclusão e o que fez para resolver o problema.

Dias antes, Damares Alves, ex-ministra da Mulher e da Família e recém-eleita senadora, fez um relato escabroso, também sem apresentar prova alguma, sobre garotas que estariam sendo submetidas a tráfico humano na ilha de Marajó. Os dois discursos escondem o que realmente interessa: nos últimos anos o governo vem fechando programas e ações de apoio às crianças e aos adolescentes e reduzindo drasticamente o orçamento dessas áreas. Um estudo detalhado feito pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em parceria com o Unicef, mostrou que, entre 2016 e 2019, apenas 3% do Orçamento Geral da União (OGU) foram aplicados neste segmento da população. Em 2022, a situação foi ainda pior. O índice caiu para 2,4%, cerca de 72 bilhões. Quando dividimos este montante pelos 51 milhões de jovens e crianças do Brasil chegamos ao inacreditável valor de R$ 3,86 por dia, menos do que uma passagem de ônibus.

Vale lembrar que o artigo 227 da Constituição diz que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Três comentários sobre este artigo da Constituição: a) ele nunca foi cumprido de verdade; b) absoluta prioridade é absoluta prioridade. Nenhum outro segmento da população deveria estar na frente das crianças e dos adolescentes; c) é proibida a exploração de menores, em qualquer sentido, inclusive politicamente.

De acordo com o artigo 227 da Constituição “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação…”, entre outras coisas | Foto Custódio Coimbra

De acordo com dados oficiais, analisados pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), a verba investida, efetivamente, em 2021, em ações de assistência para crianças e adolescentes foi 33% menor do que havia sido gasto em 2012. Cenário que tende a ser mantido em 2022. Em 2012, havia 30 ações de diversos setores do governo focadas em crianças e adolescentes. Desde iniciativas de enfrentamento ao abuso e exploração sexual até o incentivo à prática de esportes, passando por conselhos tutelares e apoio à pesquisa. Hoje, além de ser muito menor, a verba está concentrada em praticamente um único programa, o “Criança Feliz”, criado em 2016 para dar assistência médica e psicológica a crianças carentes de zero a três anos. Ele consome 95% dos recursos.

Em entrevista ao jornal Valor Econômico, a assessora especial do Inesc, Thallita de Oliveira, dá outros exemplos de cortes feitos nos programas de apoio à criança e ao adolescente: “Os recursos destinados para combater o trabalho infantil, por exemplo, caíram 20 vezes: foram executados R$ 6,7 milhões em 2019 e apenas R$ 332 mil em 2021. O que equivale a 19 centavos por criança neste ano”. E continua: “Não há qualquer reajuste desde 2017. Temos R$ 1,07 por criança em creches, R$ 0,53 na pré-escola e R$ 0,36 no ensino fundamental. Além da redução no acesso a creches, isso contribui para o aumento da fome, que impacta mais as famílias com crianças e adolescentes”, conclui.

Essa discussão fica ainda mais perversa quando consideramos não apenas o que Brasil deixa de investir nas suas crianças, mas o que deixa de ganhar por não fazer o que devia ser feito. Há alguns anos, os economistas Daniel Santos e Jaqueline Natal, da USP, vêm pesquisando qual seria o custo de não se fazer nada. A pergunta é: o que o Brasil perde por não investir na primeira infância? O resultado é absolutamente espantoso. Por não investir como deveria nas suas crianças, o país deixa de ter um crescimento adicional de 2 a 5 pontos percentuais do PIB. Algo entre R$ 40 bilhões e R$ 100 bilhões por ano. Mais do que os R$ 36 bilhões do famoso Orçamento Secreto, outro tema recorrente nesta campanha eleitoral.  Como dizia Nelson Mandela, “não há revelação mais clara da alma de uma sociedade do que a forma como ela trata as suas crianças”. Essa é a nossa alma.

Fórum Popular reúne coletivos e organizações da Zona Norte para discutir segurança pública

Encontro aconteceu no último sábado (22) e temas como produção de dados nas periferias foram debatidos

Por Samara Oliveira

Através da articulação do Fórum Popular de Segurança Pública, diversas organizações da sociedade civil e movimentos sociais de favelas se reuniram para realizar a Audiência Popular de Segurança Pública da Zona Norte.

Com o intuito de discutir segurança pública na região, os grupos estiveram, no último sábado (22/10), no galpão do Espaço Normal, da Redes da Maré, localizado na favela Parque Maré. A atividade começou  com a exibição do documentário “(Des)Controle – O Ministério Público no Centro das Atenções” da Anistia Internacional e seguiu para os debates.

Entre as organizações presentes estavam a Casa Fluminense, Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial (IDMJR), Observatório de Favelas, Instituto de Defesa da Pessoa Negra (IDPN), Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro (MEPCT/RJ), entre outros, além dos coletivos Raízes em Movimento, Coletivo Papo Reto e mais.

Durante a audiência, formaram-se quatro grupos de trabalho (GT’s) que discutiram temas como: “Qual a importância de moradores de favela discutirem a produção de dados?”; “A cadeia é um mecanismo de controle do estado?”; “Como as chacinas podem ser interrompidas?”; “Quais estratégias podemos construir para enfrentar a violência de estado?”

Foto: Samara Oliveira | Representantes do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré participam de encontro

Fabiana da Silva, de 41 anos, coordenadora de mobilização da Casa Fluminense, ressaltou os movimentos periféricos para construção de políticas públicas.

“Estamos trazendo a importância de que esses moradores dos seus territórios produzam seus dados para conseguir não somente dialogar em relação a essas produções de dados, mas também criar movimentos de produção de políticas públicas que venham de baixo e não que seja aquela coisa que surge do nada sem ouvir o morador. O morador já tem suas estratégias e tecnologias de produção para melhorar sua qualidade de vida, a ideia é que o estado reconheça essa produção de iniciativas e tecnologias que geram mudanças”, explica. 

Com isso, a coordenadora relembra a trajetória das construções das periferias “Ao longo de anos e formação de favela os moradores já mostraram que são extremamente articulados. Quando se pensou ‘ah, não tem água’…quem fez a água chegar na favela? Foram os moradores. ‘Não tem luz’… quem fez a luz chegar nas favelas? Foram os moradores. Criação de escolas, postos de saúde… foram os moradores, não foi o estado. O estado entrou nesse lugar a partir dessa imposição dos moradores para que houvesse de alguma forma uma movimentação”, afirmou.

Irone Santiago, de 57 anos, integrante do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça, da Redes da Maré, comenta a necessidade de encontros como esse. 

“Discutir sobre segurança pública no território é uma troca. A gente dá e recebe tanto aqui quanto em outros espaços. Todo mundo que vem aqui traz seu conhecimento, mas também leva o que aprendeu aqui”, reforça Irone, mãe de Vitor Santiago que em 2015 ficou paraplégico após ser atingido de fuzil pelo exército.

Favela não vota só por assistencialismo

Colocar as favelas na centralidade do debate eleitoral, como protagonistas, é crucial para construirmos a democracia

Por Eliana Sousa Silva para O Globo

Não é de hoje que as favelas do Rio de Janeiro ocupam um lugar ambíguo nas discussões políticas e midiáticas em ano de eleição. Ora como percurso de campanhas, ora como assunto delicado nos projetos de governo de candidatos, elas são tratadas como de importância secundária ou utilitária, mas alheias aos debates centrais da política partidária. Isso quando não são abertamente apontadas como problemas em si.

Mas nas urnas o voto de moradores de favelas conta como o de qualquer outro cidadão. Isso pode até incomodar alguns setores da sociedade, como demonstram a enxurrada de polêmicas vazias e fake news produzidas com a recente presença de Lula no conjunto de favelas do Alemão e a difamação generalizante aos moradores, apontados como “bandidos”. Essa visita histórica foi resultado da mobilização de lideranças, comunicadores e ativistas das favelas do Rio.

Já passou da hora de considerarmos os posicionamentos políticos advindos das favelas com seriedade e responsabilidade. Não falo isso como uma questão de inclusão social. A favela é política e tem o poder de afetar diretamente os resultados eleitorais, seja em nível municipal, estadual ou federal.

A favela é política para além do calendário eleitoral. A Nova Holanda, umas das 16 favelas da Maré, onde cresci e desenvolvi toda a minha trajetória, tem uma história marcada pela efervescência política e cultural, de onde emergem lideranças comprometidas com a população. São as trajetórias de luta de moradores de favelas que permitem a construção de mobilizações por direitos, contra a negligência estatal e em defesa da democracia.

É nesse contexto que pesquisadores da ONG Redes da Maré analisaram a apuração dos votos do primeiro turno nas 132 seções eleitorais da região. O objetivo é entender como votam os moradores da Maré e produzir alternativas à narrativa da política partidária a partir dali. Foram 61.745 eleitores aptos a votar, o suficiente para eleger mais de quatro deputados estaduais. Comparando os resultados, podemos desconstruir alguns mitos. Por exemplo, sobre o voto da favela ser guiado por campanhas clientelistas que se utilizam de benefícios sociais.

Se tomarmos a disputa de narrativas entre Bolsa Família e Auxílio Brasil, benefícios tão determinantes para a vida periférica, percebemos que os períodos de prevalência de um ou outro não se refletiram nas urnas de forma significativa. Em 2018, o Bolsa Família foi duramente criticado pelo candidato que venceu e obteve maioria também nas favelas da Maré (34% dos votos válidos para Bolsonaro, ante 31% para Haddad). Nas eleições de 2022, em que essa mesma candidatura aposta no Auxílio Brasil como estratégia, os votos demonstram que os moradores da Maré apoiaram seu adversário em maior quantidade (55% para Lula ante 38% para Bolsonaro, votos válidos).

Outra questão evidente é a dimensão das abstenções e anulações na Maré, em patamares semelhantes aos índices do Rio de Janeiro e do Brasil. Foram 24% de eleitores que não compareceram ou não puderam enfrentar as longas filas que se formaram de forma atípica, como ocorreu em várias seções eleitorais em todo o Brasil. Além dos faltantes, outros 6% votaram em branco ou nulo, revelando uma falta de identificação de parte do eleitorado da Maré com as candidaturas.

Análises como esta nos permitem identificar novas narrativas e posicionamentos. Considerando que mais de 17 milhões de pessoas vivem em favelas no Brasil, se faz urgente uma mudança de paradigma e reorientação das campanhas e propostas de governo. Colocar as favelas na centralidade do debate eleitoral, como protagonistas, é crucial para construirmos a democracia com mais diversidade no Brasil.

*Eliana Sousa Silva é diretora fundadora da ONG Redes da Maré

Lona da Maré tem obras iniciadas para transformação em Areninha

Secretaria de Cultura e Redes da Maré iniciam obras no espaço para melhorias em infraestrutura e acústica 

Por Samara Oliveira 

A manhã desta terça-feira (25/10), foi marcada pelo início da transformação da Lona Cultural Hebert Vianna em Areninha, na Maré. A iniciativa da Secretaria Municipal de Cultura do Rio (SMC Rio), em parceria com a Redes da Maré, que faz a co-gestão do espaço, tem como objetivo melhorar o acesso dos moradores à programação e apresentações artísticas no único equipamento público de cultura no Conjunto de Favelas da Maré e manter uma programação cultural no território. 

Foto: Gabi Lino | Representantes da Secretaria Municipal de Cultura, da Lona da Maré e da Redes da Maré no marco de início das obras do equipamento

A Lona da Maré fica na Rua Evanildo Alves, localizada entre as comunidades Baixa do Sapateiro, Nova Maré e Nova Holanda. A fundadora e diretora da Redes da Maré, Eliana Sousa comenta sobre a iniciativa:

“A lona está numa região da Maré que é muito estigmatizada por ter grupos que rivalizam e criam toda uma situação para escolas, para a Vila Olímpica e para a própria lona, que ficou um tempo fechada em função disso. Então ocupar esse espaço com arte e cultura é reconhecer esse direito das pessoas de existirem aqui e também trazer essas pautas que muitas vezes justificam porque as políticas públicas não chegam nas favelas. Acaba sendo um ato político”, afirmou Eliana. 

A proposta da reforma é promover mais acessibilidade no espaço, com a instalação de um elevador e de melhorias na infraestrutura de material termo acústico, o que garante mais qualidade tanto para o público quanto para o artista. O Conjunto de Favelas da Maré está localizado entre as três principais vias do Rio de Janeiro: Avenida Brasil, Linha Amarela e Linha Vermelha e por isso, tende a ser mais quente que outros lugares. Pensando nisso e nas altas temperaturas que já são habituais na cidade, os espaços da Areninha serão climatizados. 

O secretário municipal de Cultura Marcus Faustini falou sobre a importância de potencializar grupos e indivíduos no território que já atuam pela cultura, ressaltando também a inclusão social.

“Grupos, projetos, personagens que dedicam a sua vida através da cultura, a pensar na inclusão, estão trabalhando em áreas que são vulneráveis, que precisam de projetos de inclusão. Quando a prefeitura, na gestão do prefeito Eduardo Paes, identifica que o prefeito anterior deixou os equipamentos culturais precários e diz ‘vamos reformar, mas vamos, além de reformar, transformar e criar novos critérios de co-gestão para o território estar mais envolvido, de garantir diversidade dentro dos editais’… Nós estamos apostando nessa qualidade. Eu não tenho dúvida sobre a potencialização do trabalho que está sendo feito aqui depois da reforma. A lona da Maré será a lona de referência no Brasil de arte e inclusão social, dedicado sobretudo à infância”, disse.

A moradora e frequentadora da lona Hamana Gerômino, de 30 anos, tem boas expectativas com as obras.

“Eu espero que fique tudo lindo para as crianças aproveitarem ainda mais o espaço. Elas já estão chorando sabendo que vai ficar legal. Já vimos aqui que a obra está fluindo e esperamos por isso”, contou empolgada a moradora que leva os três filhos para participarem das atividades no espaço.

A Areninha será inaugurada em março de 2023 em data ainda a ser divulgada. O Maré de Notícias irá acompanhar esse processo.

Associações de moradores promovem reordenamento das ruas na Maré

Ações pela mobilidade acontecem no Parque Maré, Nova Holanda e Rubens Vaz e Parque União

Por Hélio Euclides, em 25/10/2022 às 7h30. Editado por Jéssica Pires

Outubro surgiu com uma novidade na Maré, a remoção de obstáculos das ruas. O que parecia impossível, a retirada de carros abandonados, vasos de plantas, barracas, cavaletes e cones aconteceu na Rua Principal, da Nova Holanda. As associações de moradores do Parque Maré, Nova Holanda e Rubens Vaz se uniram para a realização da ação, com apoio da Prefeitura do Rio. Na quinta-feira (20/10), foi a vez das ruas do Parque União receberem esse ordenamento realizado pela associação de moradores e órgãos municipais.

Em 2009, o príncipe Charles visitou a Maré, mas um dia antes ocorreu uma maquiagem com retiradas de obstáculos e limpeza das ruas. Foi algo passageiro, na semana seguinte tudo estava igual. Carros abandonados e lixo espalhados. Dessa vez, as associações garantem que vai ser diferente, será algo permanente. “É uma melhoria para todo mundo. Só dois comerciantes que não gostaram, o restante adorou a ação. As três associações se uniram para esse trabalho, pois juntos somos mais fortes”, Vilmar Gomes, conhecido como Magá, presidente da Associação de Moradores do Rubens Vaz. 

O ato, que poderia parecer hostil, teve antes um diálogo com moradores. Denise Pereira, moradora da Nova Holanda, aprovou o resultado final. “Ficou melhor depois que tiraram os carros, pois as ruas ficaram mais espaçosas. Não precisamos mais disputar espaço com carros e motos, além de acabar com o engarrafamento na favela”, afirma. 

Na quinta-feira (20/10), moradores do Parque União acordaram com uma grande movimentação pelas ruas. Um grande mutirão para a limpeza das ruas de todos os tipos de obstáculos que porventura atrapalhasse a circulação. Roberto Estácio, presidente da Associação de Moradores do Parque União, conta que tudo começou com a ideia de uma organização nos carros da favela. “O Parque União cresceu muito e na mesma proporção os veículos. Demos início a um diálogo com moradores e órgãos públicos, entre eles a Subprefeitura da Zona Norte, que autorizou o estacionamento embaixo do viaduto do BRT para organizar os carros”, comenta.

Ordenamento de ruas aconteceu no Parque União no último dia 20 | Foto: Caetano Silva
Antes do início das intervenções, aviso sobre o ordenamento das ruas foi espalhado pelas comunidades | Foto: Hélio Euclides

O gestor acredita que a maioria dos moradores apoiaram a ideia. “Hoje temos uma equipe de dez garis comunitários que vão ajudar na limpeza. Mas queremos uma conscientização de todos para que fiscalizem a organização das ruas. O mesmo passageiro que suja o trem, não joga papel no chão do metrô. Queremos que ocorra no Parque União uma conscientização semelhante a do metrô”, conclui. Silvania da Costa, moradora do Parque União, aprovou a mudança. “Bom acabar com o tumulto. Com a limpeza das ruas, há o respeito da circulação de carros e pedestres”, diz.

A associação garante que tudo foi feito de uma forma organizada e respeitosa até chegar ao Dia D, quando ocorreu a retirada de carros abandonados e vasos de plantas de várias ruas. Estácio acredita que ações como essa ajudam a recuperar a credibilidade da instituição. “É um trabalho sem amadorismo. Hoje o morador vê o impacto visual na comunidade, com a diminuição do lixo e de vetores”, conta. 

Nesta segunda o reordenamento aconteceram nas ruas Massaranduba e João Araújo, no Rubens Vaz, e nas Bitencourt Sampaio e Sargento Silva Nunes, na Nova Holanda. A comunicação aconteceu por meio de um carro de som – a gravação pedia que moradores retirassem carros, motos, barracas, vasos de plantas e cavaletes das ruas. É possível ver cartas timbradas das associações com aviso de retirada em vidros de carros estacionados. “Na rua João Araújo tem um morador que tomou a calçada e a rua com vasos de plantas, é necessário mudar essa situação. Todo dia é estresse com caminhão do lixo, com moradores que estacionam mal, com carros dos dois lados da rua”, finaliza Magá.

Malala, baleada por defender direito à educação, presente na luta pelas meninas da Maré

Rede criada pela ativista paquistanesa em dez países apoia busca ativa de crianças fora da escola nas favelas do conjunto, entre outras ações em todo o Brasil

Por Adriana Pavlova, em 24/10/2022 às 16h

Qual é a ligação da ativista paquistanesa Malala Yousafzai com as favelas da Maré? Desde 2019, o fundo internacional que leva o nome da mais jovem ganhadora do Prêmio Nobel da Paz fincou suas raízes nas 16 favelas da região ao se tornar parceira da Redes da Maré no projeto Toda menina na escola, para a garantia de educação de meninas e adolescentes da Maré. De lá para cá, enquanto o Fundo Malala aumentava sua rede de ações no país pelo direito à educação de meninas, os elos com a Maré também se consolidaram.  

Hoje já são 1.319 crianças e adolescentes fora da escola ou infrequentes identificados num processo de busca ativa, que inclui trabalho de cooperação com as redes municipal e estadual de ensino; a educadora Andréia Martins passou a integrar o seleto time da Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala no Brasil – a Rede Malala – como representante da Redes da Maré; a estudante Thalita Silva Nogueira, cria da Maré, fez parte do grupo de 20 garotas de todo o país responsável pela redação do recém-lançado Manifesto #MeninasDecidem pelo Direito à Educação, representando estudantes periféricas e faveladas no documento idealizado pela Rede Malala. Um conjunto de ações que fazem parte do projeto global da entidade concebida por Malala ao lado de seu pai. 

“O Fundo Malala não constrói escolas, constrói redes. Nosso trabalho tem como base o apoio e o fomento a redes nacionais e globais, de modo a pressionar governos, fazer incidências para implementar direitos, mudar leis com o objetivo de promover educação de qualidade para as meninas”, explica Maíra Martins, representante do Fundo Malala no Brasil.

O trabalho do Fundo no país é de articulação e aproximação de entidades e ativistas, como a Redes da Maré, que já vêm se debruçando de diferentes maneiras sobre o tema da educação de crianças e adolescentes:

“O tema da educação das meninas no Brasil é uma intersecção de várias agendas, como o direito dos adolescentes, discussão sobre gênero, raça e violência. Parte do trabalho do Fundo é fazer todos conversarem em busca de uma educação que faça com que as meninas brasileiras aprendam, tenham oportunidades e escolhas sobre suas vidas” completa Maíra.

O processo de aproximação do Fundo Malala no território mareense teve como marco a pesquisa Educação de meninas e covid-19 na Maré, que ofereceu um retrato dos impactos da pandemia de coronavírus na vida das estudantes da Maré, nos primeiros momentos da doença, dando visibilidade ao grave problema de falta de conexão virtual entre alunas e professores, durante as aulas remotas em 2020. Estudos e ações como essas realizadas na Maré dão a dimensão da seriedade e amplitude do trabalho da Rede Malala desde a sua criação em 2018, um ano depois da formação do grupo a nível global, que hoje reúne 80 participantes de dez países.

O time brasileiro formado por 11 educadores e suas instituições de diferentes regiões do país tem como foco quebrar as barreiras que impedem meninas de acessarem e permanecerem na escola, sobretudo as jovens negras, indígenas, quilombolas e periféricas. Os ativistas e suas associações têm em comum uma história de trabalho na defesa dos direitos.

“A Rede de Ativistas pela Educação do Fundo Malala é fruto de um trabalho coletivo, do investimento do Fundo Malala em atores locais, instituições e ativistas, que juntos conseguem ter suas vozes amplificadas. São representantes de organizações como a Redes com forte incidência local na busca de resoluções de problemas que são nacionais. O próprio grupo de ativistas vai desenhando junto as ações, que, por exemplo, estiveram ligadas aos efeitos da pandemia em 2020 e 2021 e agora estão mais voltadas à importância da educação no ano de eleições”, explica Andréia Martins.

Um dos desdobramentos do Toda menina na escola, o projeto Busca Ativa na Maré  teve início em janeiro de 2021, com uma equipe de seis articuladoras que rodam as 16 comunidades diariamente à procura de estudantes distantes dos bancos escolares. Além de localizá-las e de fazer a ponte para que voltem às aulas – buscando vaga por vaga junto às escolas – no contato com as famílias, as assistentes sociais e pedagoga que compõem o grupo identificam os problemas que levaram a criança ou adolescente a deixar a escola ou até mesmo nunca ter sido matriculada.

A partir daí, tem início um intrincado trabalho de articulação territorial para que sejam acionadas redes de apoio locais e equipamentos públicos de educação, saúde e assistência social. Durante todo o processo, a articuladora responsável faz o acompanhamento regular das estudantes, em visitas às suas casas ou por telefone. Hoje, os acompanhamentos já somam 2.635 contatos. 

No período mais crítico da pandemia, 264 famílias atendidas pelo Busca Ativa também participaram de outro projeto da Redes, o Impacto de Vida, que garantiu o empréstimo de tablets e de chips de conexão para promover a comunicação entre os estudantes e seus professores, e ainda distribuiu regularmente cestas de alimentos durante dez meses, entre 2021 e 2022. Em muitos casos, a volta das crianças e adolescentes à escola dá início a um processo de transformação que envolve toda a família. 

Rozana acredita que seu retorno à sala de aula incentiva seus filhos a estudar mais | Foto: Douglas Lopes

É essa a história de Rozana Rodrigues Sabino, de 34 anos, mãe de três filhos, que conheceu a articuladora do Busca Ativa justamente quando seus filhos, por falta de celular e de internet, estavam sem contato algum com a escola. Desde então, as crianças voltaram a estudar, ela se inscreveu em dois outros projetos da Redes: o curso de gastronomia Maré de Sabores e o Escreva o seu futuro, que oferece alfabetização para mulheres.

Moradora da Nova Holanda, Rozana deixou a escola aos 14 anos, quando estava na 5ª série, mas, apesar de as articuladoras terem conseguido até mesmo vaga num Centro de Estudos de Jovens e Adultos (CEJA) da Maré, ela não sentiu à vontade para voltar ao ensino formal e preferiu participar do curso na sede da Redes. 

“No contato com a equipe do Busca Ativa descobri que era possível até mesmo voltar a estudar. Fui descobrindo possibilidades, como o curso de gastronomia e a alfabetização, que para mim funciona como uma forma de relembrar as aulas. A relação com os meus filhos mudou, porque agora eles se espelham em mim e querem estudar mais”, conta Rozana.

Os projetos da Redes da Maré também foram decisivos na formação da representante do conjunto de favelas no comitê de meninas de todo o Brasil responsável pelo formato final do Manifesto #MeninasDecidem pelo Direito à Educação, fruto do projeto coletivo de todas as instituições da Rede Malala. Nascida e criada na Nova Holanda, Thalita Silva Nogueira, de 18 anos, começou sua jornada como aluna do Preparatório do 6º ano, depois passou por aulas de inglês, pelo Maré sem Fronteiras, quando passou a circular mais território, e depois seguiu fazendo aulas de audiovisual, e do Preparatório para o Ensino Médio. Mas, segundo a própria Thalita, foi na formação para jovens do festival Wow, em 2018, que suas raízes mareenses falaram ainda mais alto:

“Descobri a história de lutas das mulheres da Maré, o que me ajudou a criar um vínculo maior com o território. Eu gosto do lugar onde moro, eu sei que tem defeitos e dificuldades, mas meu coração está aqui na Maré”, diz ela, que hoje está no curso técnico em administração do Colégio Pedro II. 

Representante dos adolescentes das periferias no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Thalita percebeu no contato com outras participantes do comitê do Manifesto #MeninasDecidem pelo Direito à Educação que, apesar de as realidades das estudantes no Brasil serem bem diversas, na prática as lutas são muito parecidas. O grupo reuniu meninas negras, periféricas, indígenas, quilombolas, travestis, trans, trabalhadoras do campo e com deficiência para mostrar as prioridades das meninas para a educação. Entre as demandas específicas apresentadas no manifesto estão uma educação pública de qualidade, antirracista, antissexista e que combata as desigualdades sociais e a discriminação baseada em gênero.

Para Thalita, conhecer o histórico de lutas das mulheres mareenses mudou sua relação com o território | Foto: Gabi Lino

“Percebi que as meninas quilombolas ou as que vivem em regiões muito distantes do país sofrem com a falta de informação do  resto do Brasil sobre suas realidades, assim como a gente que mora na favela tem que lutar contra a informação distorcida, de pessoas que acham que toda a favela é uma coisa só, um lugar só de violências. Estamos lutando todas juntas por uma educação menos elitista, que abrace a todos, que seja acessível”, completa Thalita.

Só neste ano, além do Manifesto #MeninasDecidem pelo Direito à Educação, a Rede Malala lançou a “Carta Compromisso pelo Direito à Educação nas Eleições 2022” a candidatas/os à presidência, aos legislativos federais e estaduais e aos governos estaduais. O documento foi assinado por mais de 500 candidatos em todo o país, inclusive pela chapa do ex-presidente Lula e seu candidato a vice, Geraldo Alckmin. A Carta feita conjuntamente com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e seu Comitê Diretivo propõe um pacto com 40 pontos para que os próximos governos eleitos coloquem a educação como pauta urgente e prioritária.

“Depois das eleições, vamos engajar e monitorar as candidaturas eleitas durante os primeiros cem dias de mandato, com o objetivo de checar se pontos assumidos estão sendo cumpridos”, explica Maíra Martins. 

Os 40 compromissos visam garantir o financiamento adequado à educação nos próximos governos, além da construção de sistemas de educação pública.