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Juntos pela primeira infância

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Número de vagas em creche é ampliado por meio de parcerias

Por Hélio Euclides

Buscar um local de confiança para deixar o filho pode ser uma missão complicada, além disso, contar com esse serviço perto de casa é importante especialmente para quem trabalha longe. Mas é essencial lembrar: o direito à creche não é das mães trabalhadoras, e sim das crianças. E são as creches conveniadas (que hoje usam a denominação parceiras) que, no passado, foram as primeiras a assegurar o direito da criança na Maré. 

A Constituição Federal, em seu artigo 208, inciso IV, determina que o dever do Estado para com a educação da criança de 0 a 6 anos será efetivado mediante a garantia de atendimento em creches e pré-escolas, apontando o caráter educacional desses estabelecimentos. Hoje, a Maré conta com sete creches municipais e 14 Espaços de Desenvolvimento Social (EDIs). Para suprir a demanda do território, os moradores têm à disposição ainda nove creches parceiras, que são administradas por instituições, juntamente com a Prefeitura. 

Entre elas, a de menor porte é a Creche Escola Octacílio Batista (CEOB) no Parque Maré, mas nem por isso deixa a desejar: tem instalações reformadas e prima pela limpeza. Luciane dos Santos Silva é a gestora do espaço, que conta com dez funcionários e trabalha há sete anos de forma particular — só este ano conseguiu essa parceria. Segundo ela, é preciso assinar um termo de contrato para o repasse de verba, com garantia do atendimento adequado à criança. O contrato é anual, com prestação bimestral de contas.

Cada escola parceira tem autonomia, mas é preciso que siga o plano pedagógico municipal. “Isso faz com que andemos em conjunto com a Secretaria Municipal de Educação. Contudo, o nosso esforço é maior, pois também temos responsabilidade como sociedade civil”, avalia. Na parede próxima à sua mesa é possível ver o calendário oficial do ano letivo, seguido à risca pela creche. A gestora assegura que trabalhar em parceria é ótimo para a escola e para as famílias: o ensino gratuito alivia o orçamento doméstico (antes, cada criança pagava R$ 450). 

O que chama atenção é que, mesmo com a criação dos EDIs, as creches parceiras não perderam espaço. “A demanda de criancinhas é grande e a natalidade no território é alta. Nosso maior diferencial é ter uma pedagogia voltada para as crianças com deficiências, o Plano Educacional Individualizado (PEI). A Prefeitura ofereceu dois dias de palestras para ajudar na implantação desse método de inclusão”, conta Luciane. O PEI é elaborado pelo professor a partir de uma avaliação do aluno com necessidade educacional específica. 

Este ano, a creche já trabalhou os temas reciclagem e meio ambiente, com a participação das mães e pais na coleta de matérias-primas. Mesmo em período de adaptação, a parceria já arrecadou elogios dos responsáveis: “Gosto bastante do trabalho desta creche. Depois das atividades desenvolvidas, meu filho de dois anos chega mais esperto em casa”, conta Brenda Luiza, moradora da Nova Holanda.

De mãe para filhas

Maria Euzinete, mais conhecida como Dona Nete, foi administradora da Creche Comunitária Sagrado Coração de Maria, no Parque Maré, por mais de duas décadas (trabalho que foi reconhecido com um prêmio oferecido por um jornal carioca). Afastada por problemas de saúde, ela deixou um legado em prol das crianças agora assumido por suas duas filhas, que mantêm o mesmo padrão de qualidade da creche e viram seu papel ser valorizado. 

“A parceria com a Prefeitura só trouxe melhorias. Vivíamos de doações porque o valor repassado por criança era muito baixo — o  aumento ocorreu há três anos. Vivemos outro mundo, com material e alimentação à vontade”, diz Sueli de Melo, uma das gestoras.

A creche funciona há 35 anos; ali trabalham 24 funcionárias, sendo cinco professoras, dez auxiliares de sala, três profissionais de cozinha e três de limpeza, duas gestoras e uma coordenadora pedagógica. A unidade escolar ainda conta com a parceria de uma nutricionista, que monta um cardápio balanceado para as crianças. “Isso é importante, pois sabemos de muitas não têm alimento em casa”, aponta Sueli. 

Segundo ela, “a Maré tem à disposição EDIs e creches municipais, mas muitas mães necessitam do nosso trabalho, que é renomado. Todo ano preenchemos o qualitativo de vagas e, mensalmente, recebemos visitas da supervisão da 4ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) que sempre rendem  elogios”.. 

Outra gestora do território também mostra o carinho do trabalho com a creche. À frente do Centro Cultural Educar, Irani Alves administra o trabalho de cerca de 25 funcionários. Há cinco anos a creche é parceira da Prefeitura. “Só tivemos benefícios ao integrar a maior rede municipal de educação do Brasil. Essa parceria nos proporcionou não só cuidar das crianças da nossa comunidade, como proporcionar a elas o devido apoio pedagógico e nutricional”, diz Irani.

Com o trabalho das unidades parceiras, as mães compreendem que a creche é um lugar onde as crianças encontram aprendizagem, brincadeiras e socialização. “As professoras cuidam bem da minha filha, sempre há atividades”, diz Raiana Macedo, moradora do Morro do Timbau, mãe de uma menina de três anos matriculada na unidade. 

Como ser parceira

A Secretaria de Educação explica que a parceria da Secretaria de Educação é feita com creches privadas sem fins lucrativos e comunitárias. Um chamamento público é divulgado no Diário Oficial do Município; as creches que tenham interesse em trabalhar com a Prefeitura apresentam os documentos exigidos e, depois de análise, é assinado um termo de colaboração, e a parceria é oficializada.


Lista das nove creches parceiras

  • Creche Aprendiz da Maré – Núcleo de Ação Comunitária e Desenvolvimento Social (Nacodes): Rua Nilton Cordeiro, 19 — Parque União. Capacidade: 200 crianças
  • Creche Escola Mimi Filial: Rua Roberto da Silveira, 81 — Parque União. Capacidade: 94 crianças
  • Creche Escola Mimi: Rua João Araújo, 237 — Parque Rubens Vaz. Capacidade: 125 crianças
  • Espaço de Educação Infantil Vila do João: Rua Cinco, s/nº — Vila do João. Capacidade: 217 crianças
  • Sociedade Tereza Cristina: Rua Negrão de Lima, 21 e 21-a — Parque União. Capacidade: 210 crianças
  • Centro Cultural Educar: Rua Nioac, 6 — Baixa do Sapateiro. Capacidade: 145 crianças
  • Instituto de Educação Euclides dos Santos: Avenida Brigadeiro Trompowski, 220 — Parque União. Capacidade: 143 crianças
  • Creche Escola Octacílio Batista: Rua Joaquim Nabuco, 75 – Parque Maré. Capacidade: 37 crianças
  • Creche Sagrado Coração de Maria: Rua Carmela Dutra, 24 — Bonsucesso. Capacidade: 125 crianças

Creche Comunitária Sagrado Coração de Maria é mais uma das instituições que funciona em parceria com a Prefeitura do Rio – Foto: Matheus Affonso

Meu nome é Jooe

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Em processo de transição de gênero, distribuidor conta como o trabalho no Maré de Notícias impactou sua vida nos últimos anos

Por Daniele Moura

Jooe nasceu Antonia Valéria Lins e Silva há 27 anos. Aos 15, saiu da cidade de Ipu, no noroeste do Ceará, rumo à Maré. Na época, parte da família morava na Nova Holanda, o que inspirou a sua avó a vir também atrás de uma vida melhor. “Meu avô havia sido assassinado e ela resolveu vir para Maré para ficar junto das filhas e dos netos que já estavam por aqui”, conta.

O distribuidor e seus irmãos (Micaela, 25 anos, e Francisco, de 21) estudaram na Maré, e ele só não terminou o Ensino Médio porque teve que trabalhar. “Comecei como atendente numa sorveteria no Flamengo, depois fui para uma padaria na Ilha do Governador, depois para um restaurante na Rua São Clemente, em Botafogo, até chegar no Bar do Naldo, onde estou até hoje”, relata, com orgulho.

Jooe passou a integrar a equipe de distribuição do jornal em 2018. Foi um dos primeiros a entrar, indicado por uma prima que não pôde aceitar o trabalho. “Tinha uma cabeça fechada de cidade pequena, e, escutando as pessoas, fui melhorando. Gosto muito de trabalhar aqui, aprendi a me comunicar com os moradores, sabendo como é a vida das pessoas, muitos desabafam e a gente vai aprendendo sobre cada um”, afirma.

Nesses quase quatro anos batendo de casa em casa durante a distribuição mensal, Jooe mudou conceitos que tinha sobre o lugar onde vive. “Aprendi a amar a Maré através do Maré de Notícias. O jornal me ensinou a dizer que sou mareense. Agora, me assumo cria daqui. Eu tinha medo de falar que era da Maré, dizia que era de Bonsucesso. Com o jornal, aprendi a ter orgulho de ser da Maré e falo isso pra todo mundo. E ainda consigo explicar o lado bom da Maré. A minha esposa é da pista e ela achava que a Maré era ruim de morar. Hoje eu consegui que ela viesse morar aqui e ela ama a Maré, não pretende sair daqui e ainda quer trazer a filha pra morar com a gente”, diz.

O jornal provocou outras mudanças. “Meu pai sempre comprou coisas de menino, porque eu sempre quis ser um. Com 16 anos eu me assumi: saí de casa menina e voltei menino. Todo mundo levou um susto. Passou um tempo pra minha família me aceitar; depois eles se divertiam com as minhas namoradas.”

Jooe diz que pretende “fazer a transição, tirar os seios, mudar oficialmente meu nome. O pessoal do Espaço Normal está me ajudando com isso. São muitas conversas sobre a questão da transição, de sofrer muito preconceito, mas eu não tenho medo porque já sofri muito até aqui, me sinto pronto pra mudar, os moradores me respeitam. Preciso me sentir bem comigo mesmo, estar feliz com o que eu sou. Eu tinha medo de me assumir como garoto, mas cada vez que lia sobre o assunto me sentia mais forte. Pelo trabalho com o jornal fui respeitado e, por isso, não tenho medo de ser quem eu sou”.

Mesmo com tantas mudanças, ele acredita que a convivência com a equipe é cada dia melhor. “Consigo ouvir e sou ouvido, todos me procuram bastante, sempre debatemos como podemos melhorar na atuação com o jornal e no desenvolvimento territorial e, mesmo nas horas vagas, a gente discute como fazer a rotina do trabalho ficar melhor”, conta.

Candomblecista há mais de oito anos, Jooe conheceu a religião por meio do Zé Pelintra (entidade do malandro do morro) e é muito grato por isso: “Eu ia me afundar ou morrer. A religião e o jornal ajudaram a me tirar das drogas — em vez de usar, ia distribuir o jornal. Sonho em ter minha casa, mas o meu maior objetivo é crescer, ter um futuro na Redes — que, pra mim, é um mundo. Gosto de me aprofundar, de conhecer mais. Sou caça-tesouro: quanto mais fundo, mais eu quero ir.”

Concerto ‘Amazônia’ encanta com os sons e grita no silêncio das imagens

Espetáculo foi realizado no último sábado no Theatro Municipal

Por Lucas Feitoza*

Seria impossível para mim contar o que vem a seguir sem falar na primeira pessoa, nem narrar os acontecimentos da noite sem passar pelos do dia, por um em especial: comprei uma bicicleta, parece não ter nada de surpreendente nisso e de fato não tem quando ela é apenas mais uma, mas esta foi a minha primeira aos 23 anos de idade.

Acontece que quando eu era criança não tive uma bicicleta e cresci sem saber pedalar, assim como eu cresci pensando que nunca estaria no Jornal Nacional,  porque não era bonito como o William Bonner. Ainda não estou lá de fato, mas estas memórias ressurgiram no último sábado, dia 24/07/22. Primeiro a bicicleta e depois a lembrança de um garoto de 7 anos que olhou para a televisão e não conseguiu se imaginar ali. 

Esta última veio quando fui a um evento que eu não tinha nem roupas para ir. A Redes da Maré convidou a turma do Laboratório de Jornalismo do Maré de Notícias para um espetáculo/homenagem ao jornalista Dom Philip e ao indigenista Bruno Pereira no luxuoso Theatro Municipal do Rio de Janeiro, RJ, no Centro da capital carioca. 

Depois do passeio com a bicicleta recém comprada, pelas travessas da Vila do Pinheiro, uma das favelas da Maré, tive mais uma alegria ao chegar sem problemas na Cinelândia.  Assim que cheguei no Rio, vindo do interior da Paraíba, em 2016, eu me perdia no Centro. Mas ainda tinha mais por vir.

Encontrei-me com Dani Moura (coordenadora do Laboratório) Jorge Melo (editor do Maré de Notícias) e mais três pessoas  que me foram  apresentadas e sentamos para esperar o horário de entrada. Conversamos sobre política, e sobre Cococi – distrito do município de Parambu, na região do Sertão dos Inhamuns, no Ceará que foi tema de reportagem feita pela Dani sobre cidades fantasmas. Dani diz que sou herdeiro dessas terras pelo meu sobrenome, pois era latifúndio é da família Feitosa.

Entramos no Theatro pela lateral, Dani reconheceu algumas pessoas e me falou sobre elas, mas uma me chamou a atenção. Era uma senhora de postura elegante, parada, conversando com outra senhora também elegante. Tomei um susto quando percebi que estava diante de Fernanda Montenegro! Só a  conhecia pela televisão e estar ali no mesmo espaço que ela, me paralisou. Mesmo assim, aceitei quando Dani quis nos apresentar. 

Fernanda se mostrou admirada quando soube que sou morador na Maré. Não sei o porquê mas ficou emocionada quando falei da minha admiração por ela. Vi os seus olhos brilharem. Tenho certeza que os meus estavam brilhando também. Ela me interrompeu num momento e comentou “não sei porque os jovens gostam tanto de mim”. Na  hora não soube responder mas hoje saberia. Conheço o trabalho dela desde criança. O  primeiro filme que a vi atuando foi “O Auto da Compadecida” da obra de Ariano Suassuna e dali já fiquei fascinado . Até hoje ela segue encantando com seus trabalhos e seus posicionamentos diante de tudo que vêm acontecendo, Dani, mais objetiva que eu,  resumiu tudo. “Porque você é maravilhosa!”

O tempo corria e eu não podia e nem queria perder a chance de registrar esse encontro. Fiz  uma foto com ela, ou melhor, duas. Uma tremida porque ela puxou minha mão, para dirigir a foto, me levando pra luz. Estava tão nervoso que nem me liguei com a sombra que encobria parte da foto. Mas ela me corrigiu e colocou o meu celular no sentido certo. Todos iluminados.

Em seguida, Jorge Melo reencontrou Paulo Betti – ator e diretor brasileiro – que nos cumprimentou e ficou conversando conosco sobre a arquitetura eclética do Municipal.  Betti estava tão à vontade que não quis ir quando a sua esposa o chamou para entrar…

Já mencionei a beleza e o luxo do Theatro mas queria destacar  os espelhos e os detalhes em dourado, os mármores, os lustres e as vidraças com anjos desenhados que me fascinaram . 

Entretanto, toda essa beleza, toda a alegria, os encontros, os brilhos, as palmas, as vozes e tosses ouvidas na sala de concerto não puderam desviar a atenção do protesto feito, e aqui não me refiro aos gritos de “fora Bolsonaro”, nem ao canto do Hino Nacional…Falo mesmo do apelo de atenção à Amazônia, que mais uma vez sangrou, que tem o seu verde manchado de sangue e que perde a cada dia mais filhos seus que não fogem à luta. A homenagem era a Bruno Pereira e Dom Philip, no dia em que Philip faria 57 anos de idade, 24 de julho de 2022. Um ano antes, a Amazônia queimava com mais de 5 mil focos de incêndio. Estávamos em um evento homenageando duas pessoas brutalmente assassinadas.

No telão foram projetadas fotos de Sebastião Salgado, fotógrafo mundialmente  conhecido, acompanhadas das músicas de Heitor Villa-Lobos (1887 – 1959) e Philip Glass, executadas pela Orquestra Jovem do Estado de São Paulo,  dirigida por Simone Menezes. A emoção também ficou por conta da voz da soprano  Camila Titinger. Eu a observei, sentada em uma torre lateral ao palco. A  luz acendia para ela nos momentos em que a sua voz era necessária, e se apagavam em seguida. Esse movimento de luzes me remeteu ao que acontece com a Amazônia: os holofotes, os olhares, os microfones e as câmeras se voltam em massa para ela quando algo como assassinatos acontecem. Um dos apelos feitos no palco foi “não fechem os olhos para a Amazônia”. 

Me chamou a atenção também o fato de, ter apenas uma equipe registrando o evento – e era da empresa financiadora. Afinal foi no Theatro Municipal, tinha a Fernanda Montenegro, o Paulo Betti e outros que eu não consegui identificar. Por que não fizeram uma cobertura jornalística?

Em alguns momentos fechei os olhos. Não nego: posso ter cochilado pelo cansaço de um dia muito longo. Mas, eu senti a música.   Não chorei porque estava atento a esses detalhes. Salgado revelou  que as fotos se adaptaram a música e realmente essa foi a minha sensação. Mas  não posso avaliar tecnicamente porque sou leigo. Conhecia Villa-Lobos apenas pelas Bachianas. Mas vejam a coincidência: 

Assim como eu achava que nunca iria andar de bicicleta, o compositor achou que esta obra nunca seria  ouvida, porque esses oitenta minutos de música  foram rejeitados como  trilha sonora de Green Mansions (1959), um longa-metragem estrelado por Audrey Hepburn. Então foi daí que surgiu o Concerto Amazônia, esse protesto em forma de música, que encanta com os sons mas grita no silêncio das imagens.

*Comunicador da primeira turma do Laboratório de Jornalismo do Maré de Notícias

Uma pessoa negra tem 4x mais chances de ser abordada por policiais, revela estudo

Pesquisa divulgada na última quinta-feira (21) revela que Forças de segurança do Rio e SP atuam contra Declaração Universal dos Direitos Humanos

Por Samara Oliveira

O Brasil é um dos países signatários da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) da ONU, ou seja, é um país que assinou e concordou com os 30 artigos da carta. Entre eles, o nono que descreve “ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado”. No entanto, de acordo com testemunhas, não foi isso que aconteceu com Emanuel Ramos de Oliveira, um jovem negro de 20 anos, morto pela Polícia Civil no último dia 18 de julho.

O caso aconteceu na Lapa, no Centro do Rio e testemunhas afirmam que não houve troca de tiros e que Emanuel já estaria rendido quando foi executado à queima roupa por policiais em via pública. “Corpo do moleque aqui na rua, os caras pegaram o moleque na mão, sem arma nenhuma, deram um tirão e mataram ele aí”, diz um homem no vídeo que circula nas redes sociais.

Logo após o jovem ter sido morto, moradores realizaram um protesto e as principais ruas da região foram interditadas. Um ônibus foi incendiado e barricadas de fogo foram colocadas nas vias. 

Uma moradora, que preferiu não se identificar, contou que no dia seguinte os comentários sobre o que aconteceu eram diversos. “Primeiro ouvi pelas ruas que o rapaz era traficante e foi abordado pela polícia porque eles estavam com um mandado, mas ele tomou um tiro porque tentou fugir. Depois ouvi que ele morreu na hora, depois que morreu no hospital e que traficantes fariam arrastão na lapa depois do enterro, mas nada aconteceu”, conta.

Em resposta à reportagem que questionou as circunstâncias da ocorrência, a Polícia Civil informou que “o homem – que possui 15 anotações criminais – foi baleado ao tentar reagir à abordagem dos policiais, fazendo o movimento de que sacaria uma arma que estava na cintura”. Nada foi informado sobre o porquê da abordagem e sobre os apontamentos das testemunhas. 

Dados apontam comportamento policial com base em raça/cor 

A pesquisa “Por que eu?” realizada pelo Data Labe e o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) lançada no último dia 21 de julho, aponta que uma pessoa negra tem quatro vezes mais chances de ser abordada em comparação a uma pessoa branca. Além disso, o estudo inédito apontou o duplo protocolo adotado pelas forças de segurança que revelou que 46% das pessoas negras ouviram referências explícitas à sua raça/cor durante a abordagem, enquanto entre pessoas brancas esse percentual cai para 7%. De acordo com as organizações, os dados retratam o racismo que permeia as ações policiais nas ruas de São Paulo e do Rio de Janeiro. 

O comportamento adotado por agentes dos Estados também vai contra o artigo sétimo da DUDH que ressalta: “Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei” assim como o artigo do Princípio da Isonomia da Constituição Federal  que reafirma a condição. 

Marina Dias, diretora executiva do IDDD fala sobre a importância da divulgação dos dados produzidos pelas organizações: “É fundamental publicizar esses dados porque essa é uma questão extremamente grave quando a gente fala sobre direitos e garantias individuais de uma pessoa que tá ali exercendo seu direito de ir e vir e é constantemente ameaçada e violada por abordagens policiais rotineiras. A gente sabe que essas abordagens acabam acontecendo de maneira mais constante com a população negra. Precisamos colocar esse debate na ordem do dia porque isso significa que em determinados lugares e para determinadas pessoas existe uma presença opressiva do estado que é constante, violadora e ameaçadora e que vem sendo chancelada pelo Ministério Público e Judiciário”, comenta.

Outro dado alarmante que a pesquisa apresenta sobre a conduta dos agentes durante a abordagem é que as pessoas negras constituíram maioria entre aquelas que relataram que policiais tocaram suas partes íntimas (42,4% negros e 35,6% brancos) e entre aquelas para as quais os policiais pediram que tirassem ao menos uma peça de roupa (15% negros e 11,9% brancos). 

“Eu acho que a responsabilidade da pessoa branca é justamente chamar atenção para essa pauta. Sempre que vê uma situação de abuso se colocar diante disso de forma a defender e brigar para que esse abuso seja interrompido. Quando vejo uma abordagem policial (eu sou advogada), eu paro e fico ali do lado e faço perguntas e me coloco. E isso, eu posso fazer porque eu sou branca, eu tenho o privilégio de ser branca. É como que a gente se coloca nessa luta usando o fato de ter um privilégio e ele ser um instrumento para a mudança dessa realidade”, conclui.

Ao ser questionado sobre a atuação do MPRJ no enfrentamento de problemas raciais como aponta o relatório, o órgão respondeu que “A Coordenadoria-Geral de Promoção da Dignidade da Pessoa Humana (COGEPDPH/MPRJ), e suas estruturas, a saber, a Coordenadoria de Direitos Humanos e de Minorias (CDHM/MPRJ) e a Coordenadoria de Promoção dos Direitos das Vítimas (CDV/MPRJ), atuam diretamente no tema em questão, com atendimento de familiares, assim como ocorreu no Jacarezinho e também na Vila Cruzeiro. No âmbito da COGEPDPH/MPRJ existe também um Grupo de Trabalho de Enfrentamento ao Racismo e Respeito a? Diversidade Étnica e Cultural.

Perguntado sobre quantas denúncias de racismo já foram direcionada aos agentes de segurança pública, informaram que “não há dados quantitativos compilados, neste momento, para informar sobre casos envolvendo a questão racial.”

Leia a nota na íntegra.

“A Coordenadoria-Geral de Promoção da Dignidade da Pessoa Humana (COGEPDPH/MPRJ), e suas estruturas, a saber, a Coordenadoria de Direitos Humanos e de Minorias (CDHM/MPRJ) e a Coordenadoria de Promoção dos Direitos das Vítimas (CDV/MPRJ), atuam diretamente no tema em questão, com atendimento de familiares, assim como ocorreu no Jacarezinho e também na Vila Cruzeiro. No âmbito da COGEPDPH/MPRJ existe também um Grupo de Trabalho de Enfrentamento ao Racismo e Respeito a? Diversidade Étnica e Cultural.

Tais estruturas não são órgãos de execução e, por isso, recebem eventuais denúncias de racismo, que logo são encaminhadas aos órgãos com atribuição. Toda comunicação que, porventura, envolva alegação de excesso praticada por agente de Segurança do Estado é apurada pela Instituição, pelo órgão de execução com atribuição, no caso, a Promotoria da Auditoria Militar. Não há dados quantitativos compilados, neste momento, para informar sobre casos envolvendo a questão racial.

Cabe salientar que, além das Promotorias responsáveis pelo controle externo da atividade policial, está a cargo do Grupo Temático Temporário (GTT) – Operações Policiais (ADPF 635-STF) fazer cumprir as determinações da ADPF 635 do Supremo Tribunal Federal, notadamente no que se refere às intervenções nas comunidades do Estado.”

O Ministério Público do Estado de São Paulo não respondeu os questionamentos, assim como a Polícia Militar do Rio de Janeiro e a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo que responde pela polícia do estado.

Lançamento do relatório da campanha #PorQueEu? na sede do Observatório de Favelas com integrantes do Data_Labe e Instituto de Defesa do Direito de Defesa. Foto © Douglas Lopes