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Pobres mais pobres: aumento da inflação impacta grupos de renda mais baixa

Até mesmo a invasão da Ucrânia pela Rússia afeta o orçamento dos mais pobres

Por Jorge Melo, em 11/04/2022 às 10h51

Anderson Felipe é gráfico, morador da Nova Holanda, 38 anos, casado e cinco filhos. Embora não tenha os números na cabeça, Anderson, mais conhecido como Dinho, sabe exatamente o que é inflação alta. Ele se depara com ela mês a mês quando vai ao supermercado, constata que a maioria dos preços foi reajustada, e é obrigado a cortar itens da lista de compras como a carne: “Optamos por ovos, frango, salsichas e substituímos a carne pelos hambúrgueres.” Dinho também escolhe marcas mais baratas quando se trata do essencial, como feijão e arroz. 

Da mesma forma, biscoitos recheados e iogurte rareiam na dispensa e na geladeira, para desgosto das crianças. “Você faz cortes nos supérfluos, e  infelizmente fiz vários”, afirma Dinho, preocupado. Comer fora nem pensar;  o churrasco e a pizza do fim de semana, estão suspensos. Mas Anderson tem pelo menos uma vantagem: não paga aluguel; caso contrário, teria que comprometer cerca de 15% de sua renda e certamente sua lista de compras seria ainda mais curta.

IPCA

Existem vários índices para calcular a inflação; o oficial é o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O IPCA pesquisa mensalmente preços em estabelecimentos comerciais, domicílios, prestadores de serviços e concessionárias de serviços públicos, como energia elétrica, água etc. 

As famílias pesquisadas têm renda de um a 40 salários mínimos e residem em regiões metropolitanas, capitais e entorno. O IPCA é a média ponderada dos preços dos produtos consumidos no dia a dia. São nove grupos: alimentação e bebidas; artigos de residência; transportes; comunicação; despesas pessoais; habitação; saúde e cuidados pessoais; vestuário; e educação.

A média ponderada, utilizada pelo IPCA, dá mais peso aos produtos e serviços consumidos de acordo com a faixa de renda. Sendo assim, para as famílias de menor renda, alimentos e bebidas, energia elétrica, gás, produtos de limpeza, moradia e transporte têm um peso maior. 

Muitas famílias brasileiras têm substituído ou aberto mão da carne para reduzir despesas – Foto: Matheus Affonso

Desigualdade econômica

De fevereiro de 2021 a fevereiro de 2022, a inflação geral foi de 10,54%. A inflação de fevereiro, medida pelo IPCA, foi de 1,1%, a maior do mês desde 2015. No entanto, o aumento dos preços no grupo de alimentação e bebidas foi de 1,20%, 

Outros itens contribuíram para apertar o cinto das famílias mais pobres. O gás de botijão, utilizado pelas famílias de menor renda, em 2021 aumentou 36,99%, três vezes mais que a inflação. O aumentou acumulado da energia elétrica em 2021 foi às alturas: 114%, segundo dados das Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel). 

No dia 14 de março, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) autorizou reajustes entre 12% e 17%, em média, nas contas de luz de clientes da Light e da Enel Rio, distribuidoras de energia que atendem consumidores do estado do Rio de Janeiro. O maior reajuste será para os clientes da Enel Distribuição Rio, que atende três milhões de unidades consumidoras. Para os clientes residenciais, o aumento é de 17,14%.

Inflação dos mais pobres

O economista Matheus Peçanha, do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), explica que “as faixas de renda mais baixas são as que mais sofrem com a inflação em geral e, sobretudo, a de alimentos, uma vez que maior parte de seu orçamento é consumido em itens alimentícios”. 

De acordo com ele, “o que explica o impacto da inflação em cada grupo de renda é a parcela do orçamento dedicada àquele grupo de produtos. Quando a inflação se concentra em itens de primeira necessidade, como alimentos e energia, as faixas de renda mais baixa sofrem mais”. O economista afirma ainda que a redução da renda familiar tem consequências dramáticas, com “bem estar social em queda, eventualmente endividamento e inadimplência subindo”.

Vender em dólar

Na conta da inflação alta entra a política econômica do governo que privilegia a exportação de produtos agrícolas, o que acaba provocando o aumento do preço dos produtos no mercado interno: é melhor vender em dólar do que em reais. Os desequilíbrios ecológicos, como invernos rigorosos, nevascas, tufões etc, que afetam certos produtos importados (como o trigo) também contribuem.

No caso do trigo existe um componente novo, a invasão da Ucrânia pela Rússia, que é maior exportador de trigo do mundo (a Ucrânia é o quarto). Sem o trigo ucraniano e com as sanções globais à Rússia, haverá menos oferta de trigo, o que levará à alta dos preços no mercado internacional. 

O Brasil produz 7,5 milhões de toneladas de trigo (um pouco mais da metade do que consome) e importa 6,5 milhões de toneladas, segundo a Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo). O aumento do trigo impacta os preços do pão e das massas, dois dos itens mais importantes na dieta do brasileiro, principalmente os mais pobres. 

Guerra sem combustíveis

Matheus Peçanha esclarece que “o aumento nos combustíveis, principalmente no diesel, têm efeito cascata via custos: transporte público, alimentos (via maquinário agrícola), frete dos bens industriais”. A maior parte da produção brasileira (cerca de 75%) é transportada por caminhões. 

Em 2021, o preço do diesel aumentou 44% e o da gasolina, 46%. Mais uma vez a invasão russa tem consequências para a nossa economia: a Rússia é o terceiro maior produtor mundial de petróleo, e seus preços (assim como dos derivados) tendem a aumentar.  

A inflação nas favelas – uma pequena mostra

Uma pesquisa realizada no segundo semestre de 2021 pela Outdoor Social Inteligência, empresa especializada no consumo da classe C, concluiu que o gasto médio com alimentação nas favelas teve um aumento significativo durante a pandemia, consumindo mensalmente R$ 1079,00, quase o valor de um salário mínimo (R$ 1212,00), para uma renda mensal média de R$ 2.781,14 — ou seja, comer leva uma fatia de quase 40% dos rendimentos. 

A pesquisa ouviu 435 pessoas maiores de 18 anos no chamado G10, grupo de dez favelas de todo o Brasil consideradas de maior potencial econômico. Segundo a pesquisa, arroz e feijão são prioridades para 94% dos entrevistados. Em seguida, vêm o café e o açúcar (71%). Temperos, óleo e sal foram citados por 52% dos entrevistados. 

Mas a inflação alta afeta tanto quem produz quanto vende, ou seja, a indústria e o comercio. Segundo o economista Matheus Peçanha, “a inflação ao produtor (comércio e serviços) sempre chega antes num ambiente de inflação de custos como o nosso, e justamente na atual conjuntura de queda da renda das famílias agravada pela pandemia, fica muito difícil repassar para o consumidor sem perder muita demanda”.      Os efeitos da pandemia nas famílias mais pobres, segundo o economista, foram severos: “A pior consequência foi na renda, com muita gente indo para a informalidade ou perdendo o emprego; os preços em alta deterioraram em dobro o orçamento familiar.” Dinho resume o momento com realismo: “Agora temos mais do que nunca que economizar.”

Pesquisa concluiu que o gasto médio com alimentação nas favelas teve um aumento significativo durante a pandemia – Foto: Elizângela Leite

Série gravada na Maré que aborda educação antirracista conta com pré-estreia na Lona Cultural

A série é composta por quatro episódios e aborda a importância da educação antirracista no Brasil

Por Samara Oliveira, em 11/04/2022 às 07h. Editado por Edu Carvalho

As favelas da Maré foram palcos de uma produção audiovisual inédita que aborda a importância da educação antirracista no Brasil. Além disso, a Lona Cultural Hebert Vianna, localizada no território, pôde contar com a pré-estreia da série na última quarta-feira (6/4). “Seta – Caminhos Possíveis: por uma educação antirracista”, conta com depoimentos de moradores das Favelas da Maré, Quilombo Rio dos Macacos, em Salvador, e do Parque das Tribos, em Manaus.

Personalidades como Rodrigo Maré, Pamela Carvalho, Lucas Buda, Nizaj e Helena Edir são figuras que representam a Maré na produção.

“Eu vim de um tempo que o racismo era velado, nós éramos discriminados mas ninguém falava sobre isso. Ninguém falava que era por causa da minha cor, por causa do meu cabelo e por ser quem sou. Poder participar desse filme e falar sobre isso é sobre dar voz para as crianças e a juventude negra da Maré”, diz Helena Edir, diretora da Redes da Maré desde a década de 80.

A série é composta por quatro episódios e aborda a importância da educação antirracista no Brasil a partir das perspectivas indígena, quilombola e periférica. O trabalho audiovisual também apresenta uma análise de especialistas sobre o tema no Brasil.

“Feliz de estar viva para poder ver essa virada onde a gente fala de racismo. É bom saber que eu tô indo, mas que tem muita gente ficando pra lutar pelos nossos direitos”, reafirma a diretora da Redes.

A produção do projeto Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista (Seta) é uma parceria com a Fundação Roberto Marinho e o Canal Futura. Os episódios estarão disponíveis no Globoplay e no Canal Futura a partir deste mês, em data ainda a ser divulgada.

Estudantes já podem solicitar isenção da taxa de inscrição do Enem 2022

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Prazo termina no próximo dia 15 de abril

Por Gracilene Firmino, por 11/04/2022 às 07h. Editado por Edu Carvalho

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é a principal porta de entrada para as universidades públicas e particulares do Brasil. E o processo para quem deseja realizar a prova começa bem antes do dia dos testes, principalmente para estudantes de baixa renda. Desde a última segunda-feira (4), estudantes que quiserem solicitar a isenção da taxa de inscrição do Enem 2022 ou justificar ausência na edição de 2021 podem acessar a “Página do Participante” no portal do exame e realizar os procedimentos. O prazo para o pedido de isenção termina às 23h59 do dia 15 deste mês.

O Enem avalia o desempenho escolar dos estudantes ao término da educação básica e tornou-se o meio para a educação superior no Brasil, através do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e de iniciativas como o Programa Universidade para Todos (ProUni). Os resultados são usados como critério único ou complementar dos processos seletivos, além de servirem de parâmetros para acesso aos auxílios governamentais, como o proporcionado pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Os resultados também podem ser usados em processos seletivos de instituições portuguesas. Os acordos firmados entre os governos dos dois países garantem acesso facilitado às notas dos estudantes brasileiros interessados em cursar a educação superior em Portugal.

Quem pode solicitar?

Alunos que tenham cursado todo o ensino médio em escola pública, assim como estudantes que estejam no último ano do segundo grau, em qualquer modalidade de ensino, em 2022 nessas instituições, podem solicitar a isenção da taxa do Enem deste ano. Bolsistas integrais na rede privada também podem pedir a isenção se tiverem renda per capita igual ou inferior a um salário mínimo e meio. Além disso, podem solicitar a isenção os participantes que declararem situação de vulnerabilidade socioeconômica, por ser membro de família de baixa renda, inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal. Basta informar o Número de Identificação Social (NIS) no pedido.

Para a realizar a solicitação é preciso apresentar  carteira de identidade do participante e dos demais membros que compõem o núcleo familiar; cópia do cartão com o NIS válido, no qual está a inscrição no CadÚnico; declaração que comprove a realização de todo o ensino médio em escola pública ou histórico escolar do ensino médio, com assinatura e carimbo da escola. No caso de participante bolsista, acrescentar a declaração da escola que comprove a condição de bolsista integral em todo o ensino médio.

Os estudantes do Conjunto de Favelas da Maré, matriculados no Curso Pré-vestibular da Redes (CPV), podem contar com o auxílio da equipe e da estrutura do CPV. “A gente disponibiliza computadores para os nossos alunos e também buscamos ajudar em caso de dúvidas. Mas o processo para essa solicitação não costuma gerar muitos pedidos de auxílio’, conta Luana Vieira, coordenadora do curso. 

Sobre a justificativa de ausência 

Para solicitar a isenção deste ano é preciso justificar a ausência na prova do ano passado caso o participante também tenha solicitado a isenção em 2021.  Os documentos para comprovar o motivo da ausência devem estar legíveis, datados e assinados. O Inep não aceita auto declarações feitas pelo próprio solicitante ou por seus pais ou responsáveis. As razões para justificar a ausência no Enem estão detalhadas no Anexo I do Edital. Para cada motivo, são exigidos documentos específicos. São razões consideradas para não comparecer ao exame: emergências médicas, comparecimento ao trabalho, morte na família, maternidade ou paternidade, vítima de acidente de trânsito, entre outras. Todos os documentos comprobatórios devem estar de acordo com os parâmetros exigidos pelo edital.

Para solicitar a isenção da taxa de inscrição para o Enem 2022 ou justificar ausência na edição anterior da prova, o participante deve acessar a página do Inep  e criar um cadastro na Página do Participante. Na página, o estudante conta com o auxílio de uma inteligência artificial que faz uma série de perguntas e guia o participante na solicitação.

É importante destacar que a isenção da taxa não garante a participação no exame. Os interessados em realizar o Enem 2022, isentos ou não, devem realizar a inscrição na prova normalmente no período solicitado. O participante que conseguiu a isenção da taxa de inscrição na edição de 2021 mas não esteve presente em nenhum dos dois dias de prova deverá justificar a ausência para estar apto a solicitar a isenção da taxa de inscrição no Enem 2022.

‘Nossa Luta’: perseguição a negros no holocausto é tema de expo no MUHCAB

Por Redação, em 08/04/2022 às 07h.

O Museu da História e Cultura Afro-Brasileira (MUHCAB) abriu, na última quinta-feira, a exposição itinerante “Nossa Luta: A perseguição aos negros durante o holocausto”. Com apoio da Secretaria Municipal de Cultura do Rio, a mostra exibe 23 painéis e duas vitrines com textos e fotos sobre trajetórias de negros que viveram durante a ascensão do governo nazista na Alemanha. Um mini-documentário também compõe a coleção. A entrada é gratuita, de quinta a sábado, das 10h às 17h, e fica em cartaz até 25 de junho.

Na abertura, haverá um debate sobre “Preconceito racial e política de memória”, com o curador da exposição, Carlos Reiss, com a historiadora e coordenadora cultural do Goethe-Institut, Astrid Kusser, o presidente da ASA, Mauro Brand, e a representante do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP), Éle Semog.

Realizada pelo Museu do Holocausto de Curitiba com o apoio do Goethe-Institut, da Associação Sholem Aleichema (ASA), da Associação Religiosa Israelita (ARI), do Conselho Estadual dos Direitos dos Negros (CEDINE), do Centro de Articualação de Populações Marginalizada (CEAP) e o Projeto Cine Educação, a exposição já percorreu as cidades de Porto Alegre (RS), Balneário Camboriú (SC), Florianópolis (SC) e Curitiba (PR), No Rio de Janeiro, chegou em 2020, no Museu da Justiça, onde ficou por poucos dias em cartaz em decorrência da pandemia do COVID-19.

Serviço

MUHCAB – Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira

Rua Pedro Ernesto 80, Gamboa.

Qui a sáb, das 10h às 17h.

Até 25 de junho.

Grátis. Livre.

Maré no mapa mundial das descobertas científicas sobre a covid-19

Conjunto de favelas é parte de uma pesquisa global sobre a eficácia das vacinas contra variantes da doença

Por Luciana Bento, em 07/04/2022 às 14h

O estudo Vacina Maré, conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com a Associação Redes da Maré e a Prefeitura do Rio, revelou boas notícias: com mais de 90% da população adulta dos territórios vacinada com duas doses de AstraZeneca, a contaminação pelo vírus diminuiu nas 16 favelas. 

“A vacina protege em todos os níveis: da morte, da hospitalização, da contaminação pelo vírus e do adoecimento. É claro que esses níveis são diferentes. No caso da contaminação, a proteção é de 65% depois da segunda dose. Quando olhamos para hospitalização e morte, o índice de proteção da vacina sobe para mais de 90%”, esclarece o coordenador do estudo, o pesquisador da Fiocruz e médico infectologista Fernando Bozza.

Esses resultados são comprovados por um dado digno de comemoração: segundo o Painel Rio Covid, da Prefeitura do Rio, de 30 de outubro de 2021 até a data de fechamento desta reportagem (24/03), não houve nenhum óbito decorrente da covid-19 na Maré.

Muito por descobrir 

“Precisamos continuar verificando se há outras variantes ainda não identificadas em circulação no território brasileiro — e, por consequência, na Maré — e saber se elas trazem outros desdobramentos em relação à pandemia”, alertou o médico.

Cerca de duas mil famílias moradoras da Maré (cerca de 6.500 pessoas, incluindo crianças) participam da segunda fase da pesquisa, chamada de estudo de coorte. Nesta fase, um monitoramento de longo prazo avalia a contaminação entre membros da mesma família, como o vírus circula na favela, a proteção indireta das pessoas (se um não vacinado acaba sendo protegido por pessoas imunizadas que vivem à sua volta, incluindo crianças), entre outras coisas. 

A mobilização e o acompanhamento dos moradores voluntários durante todas as etapas da pesquisa têm sido fundamentais, já que é através de coletas de sangue, feitas ao longo do processo, que os dados são coletados — no corre diário, muitas pessoas esquecem e acabam não voltando à unidade de saúde para tirar sangue.
É aí que, mais uma vez, entram os profissionais de saúde e os articuladores de campo da pesquisa, moradores da Maré que conhecem o território e acompanham as famílias, esclarecendo dúvidas, entendendo dinâmicas, auxiliando em casos de reação à vacina e da ocorrência de sequelas pós-covid, e mesmo encaminhando quem precisa de ajuda para melhorar sua saúde mental. 

Uma destas pessoas é Adriana Paiva de Lima, de 33 anos, técnica em enfermagem e moradora do Parque Rubens Vaz. Ela explica que o processo de mobilização e acompanhamento dos moradores é longo e começa com as entrevistas, quando “eles se sentem acolhidos pela nossa equipe. É o momento fundamental para fazer o mapeamento das características e dos aspectos da doença, transmissão do vírus no território, vigilância das variantes e acompanhamento de possíveis efeitos adversos da vacina”, esclarece. 

Para ela foi uma grande satisfação — como moradora, mãe e profissional de saúde — participar da pesquisa. “É algo inédito, que só se via na televisão, mas que estava acontecendo conosco. É muito bom quando vemos os moradores fazendo a coleta de sangue, acrescentando outros participantes do plano familiar na pesquisa, pedindo informações, indo aos encontros na Clínica da Família, atendendo os nossos articuladores e nossa equipe em domicílio…”, relata. 

Fiocruz e Maré, parceria antiga

Projetos de saúde no território e depois, lutas decisivas para a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) remontam das décadas de 1970 e 1980. A Maré, como não podia deixar de ser, participou ativamente destas ações e mobilizações por meio de lideranças, instituições e associações de moradores. Foi quando surgiu a relação entre a Maré e a Fiocuz, que se tornou cada vez mais próxima.  

Ao longo dos anos, atividades e ações em defesa da saúde pública mantiveram e fortaleceram esta parceria, mas nada tão inovador e profundo quanto o projeto Conexão Saúde – De Olho na Covid, criado para enfrentar a pandemia nas favelas da Maré e de Manguinhos. Além da Redes da Maré e da Fiocruz, o projeto contou com a parceria do Dados do Bem, do SAS Brasil, da União Rio e do Conselho Comunitário de Manguinhos.

O status atual do Vacina Maré é possível graças à intensa mobilização dentro do território e institucional; Fiocruz é instituição vizinha e parceira de longa data nas ações dentro da Maré | Foto: Gabi Lino

Baseado em quatro ações (Testagem em Massa, Isolamento Domiciliar Seguro, Telessaúde e Comunicação no Território), o projeto encerrou suas atividades em março apresentando resultados muito positivos. Desde que o Conexão Saúde – De Olho na Covid foi implementado, a taxa de letalidade (número de óbitos em relação ao número de casos) na Maré caiu 86,4%: se antes do projeto 16,9% das pessoas com covid-19 morriam, as ações em saúde fizeram esse percentual cair para 2,3%. 

A experiência e os resultados do projeto (aliados ao profundo conhecimento do território fruto de duas décadas de trabalho da Redes da Maré), juntamente com uma parceria com as unidades de saúde, possibilitaram a realização da campanha de vacinação em massa da população ainda em julho de 2021 — momento em que o percentual de vacinados contra a covid-19 no país era muito baixo. Na Maré, 93,4% da população adulta foi imunizada com duas doses de Covishield (vacina do laboratório britânico AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford e, no Brasil, agora produzida pela Fiocruz com o nome de Vaxzevria). 

A ocasião foi a oportunidade perfeita de iniciar o estudo Vacina Maré, considerando as características únicas dos territórios: alta densidade populacional, cadeias de transmissão próprias, grande circulação do vírus e vulnerabilidade social da população — tudo isso combinado com o alto percentual de moradores vacinados. 

SUS: parceria fundamental

Para que o estudo tenha êxito e atinja seus objetivos, o envolvimento das unidades básicas de saúde e clínicas da família da Maré, por meio da CAP 3.1 e da Secretaria Municipal de Saúde foi primordial. 

O engajamento dos profissionais, além de suas qualificações na área de saúde e do conhecimento das dinâmicas do território e das necessidades dos moradores, faz com que as descobertas e os aprendizados da pesquisa sejam genuinamente mareenses, garantindo um legado duradouro para os territórios. 

Sônia Lourenço Silva é moradora de Marcílio Dias. Técnica em enfermagem e agente comunitária do Centro Municipal de Saúde João Cândido, ela é uma das profissionais de saúde que integram o time da pesquisa Vacina Maré:Quando a gente orienta sobre algo que a gente acredita, confia e sabe que é eficaz, é muito mais fácil, é natural. Você passa credibilidade para o morador porque você acredita naquilo em que você está trabalhando e participando.” 

A Vacina Maré faz parte de um estudo mais amplo, o Effect Brazil, que investiga a covid-19 e seus efeitos no Brasil e faz parte de uma pesquisa global sobre a eficácia da vacina contra a covid-19 e as variantes da doença. O estudo está longe de terminar: ele deve durar, pelo menos, mais dois anos e, em sua próxima etapa, vai avaliar a efetividade da vacina em relação à variante Ômicron e a eficácia da dose de reforço, além de analisar amostras do vírus encontradas na Maré para detectar variantes (a chamada vigilância genômica). 

A pesquisa já teve resultados parciais publicados em publicações científicas internacionais, como a revista Clinical Microbiology and Infection, da Sociedade Europeia de Microbiologia Clínica e Doenças Infecciosas (ESCMID). Além da parceria com a Redes da Maré e a Prefeitura do Rio, o estudo conduzido pela Fiocruz tem a participação do Instituto de Saúde Global de Barcelona, na Espanha, e conta com financiamento da Fundação Bill e Melinda Gates.

Dia do Jornalista: Memória e afeto no jornalismo comunitário

Hélio Euclides, mais conhecido como Helinho ou Hélio do jornal no território da Maré, se tornou referência local de comunicação 

Por Edu Carvalho, em 07/04/2022 às 11h37

À serviço de quem precisa. É assim que o trabalho do jornalista deve e merece ser pautado, atuando como antena de histórias e acontecimentos que mudam desde um problema vivenciado em um beco, com impactos que podem movimentar um país. De maneira dinâmica, empática e solidária, é assim que profissionais da comunicação traçam essa trajetória, sendo um exemplo diário dentro do jornal Maré de Notícias, o repórter Hélio Euclides.

Morador da Maré por 42 anos, período que viveu o dia a dia nas ruas do território, Hélio é o colaborador mais experiente, com participação ativa desde a primeira edição do impresso (e por sua vez, da extensão para o online). Residente de Ramos atualmente, o jornalista é reconhecido como o “Hélio do jornal” e tornou-se o “microfone”, como ele mesmo gosta de se autointitular, às demandas mais urgentes do local. 

Tem como referência o escritor e jornalista João do Rio (1881-1921), como profissional que compunha os retratos diários de uma cidade, sempre na rua. “É isso que quero, pisar na rua. Jornalista precisa sair da redação, e alguém precisa fazer matéria”, opina. 

“Se todo território tivesse uma comunicação comunitária sólida, seria perfeito. Não é dar voz ao morador; isso ele já tem. O que precisamos fazer é potencializar, aumentar sua visibilidade. Somos nós que fazemos, muitas vezes, uma ponte com o poder público para trazer soluções’’, avalia. Como ponte que auxilia na promoção de acesso e oportunidades ao território, é mais cartesiano em relação ao ofício de quem faz comunicação comunitária. “Não podemos ganhar em cima da favela. Eu tenho que ajudar, e não tirar”. 

Você confere um pouco mais sobre o papo que Matheus Affonso bateu com o jornalista, nessa entrevista feita especialmente como forma de homenagem a quem atua diariamente com essa missão.