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#VacinaMaré: mobilização para 2ª dose da vacina começa na Maré

Mobilizadores, moradores e colaboradores da Redes da Maré informam sobre vacinação

Por Daniele Moura em 11/10/2021 às 17h. Editado por Edu Carvalho

Dando sequência a mobilização feita para a primeira dose da vacina entre a última semana de julho e a primeira de agosto, o território da Maré ficará mais agitado nos próximos dias. O mutirão para a segunda dose da imunização começa dia 14 (quinta-feira) e vai até sábado, 16/10, mas agentes de comunicação já estão nas ruas. Mesmo sob chuva, articuladores da ONG Redes da Maré percorreram as 16 favelas colando cartazes, entregando flyers e enfatizando para que a população compareça às unidades de saúde nas datas de acordo com as faixas etárias (veja abaixo na imagem, de acordo com a idade).

A campanha #VacinaMaré – 2ª Dose acontece a partir de uma grande integração entre Estado e sociedade civil. Fazem parte da iniciativa a Fundação Oswaldo Cruz, em parceria com Ministério da Saúde, a Secretaria Municipal de Saúde, Secretaria Municipal de Educação, SAS Brasil, Redes da Maré, Conexão Saúde e PUC-Rio.

A vacinação em massa da Maré faz parte de estudo da (Fiocruz) para avaliar a efetividade da vacina AstraZeneca, monitorar possíveis variantes, além da contaminação de vacinados. A ação antecipará o retorno dos moradores vacinados com a primeira dose às unidades de saúde para que completem o ciclo de imunização, recebendo a segunda dose. Por isso, embora na carteira de vacinação possa constar outra data, moradores que já tenham sido vacinados com a primeira dose há pelo menos dez semanas estão aptos a tomar a segunda dose. 

Dados do boletim Conexão Saúde – De Olho no Corona mostram que a taxa de letalidade por Covid-19 na Maré é quase metade da taxa do município do Rio de Janeiro. De todas as pessoas infectadas pela doença na Maré, desde o início da pandemia, 4% faleceram. Na cidade do Rio, este percentual ficou em 7%.

A Maré, por meio do projeto Conexão Saúde – De Olho na Covid oferece de graça, testagem, telessaúde e apoio no isolamento domiciliar para pessoas infecatdas pela covid. 

O estudo liderado pela Fiocruz, acompanhará até janeiro de 2022, os efeitos da vacina em duas mil famílias da Maré, cerca de 8 mil pessoas. Desde a primeira fase da #VacinaMaré, moradores estão sendo chamados a participar voluntariamente do estudo, assinando um termo de consentimento e se comprometendo a notificar os pesquisadores sobre sintomas e possíveis contaminações pela doença. Nos dias da segunda dose, haverá pontos para seleção e inscrição de moradores da Maré que se interessem em participar.

Com o apoio da Secretaria Municipal de Educação, a Escola Municipal Osmar Paiva Camelo e a Escola Municipal IV Centenário serão pontos de vacinação no primeiro dia do #VacinaMaré.

Além das escolas, as unidades de saúde e as associações de moradores ser]ao pontos de vacinação.

Todos os moradores a partir de 18 anos, que receberam a primeira dose no #VacinaMaré, em julho, ou depois, até 4 de agosto, poderão receber a segunda dose da vacina .

Confira os locais de vacinação:

Clínica da Família Adib Jatene • Via B Um, 589-501 – Maré
Clínica da Família Augusto Boal • Av. Guilherme Maxwell, 901 – Baixa do Sapateiro
Clínica da Família Américo Veloso • Rua Gerson Ferreira, 100 – Praia de Ramos
Clínica da Família Diniz Batista dos Santos • Av. Brg. Trompowski, SN – Maré
Clínica da Família Jeremias Moraes da Silva • R. Teixeira Ribeiro – Maré
Centro Municipal de Saúde Vila do João • R. Dezessete, s/n – Maré
Centro Municipal de Saúde João Cândido • Av. Lobo Junior, 83 – Penha Circular
Associação de Moradores Morro do Timbau
Associação de Moradores da Vila do João
Associação de Moradores Marcílio Dias
Associação de Moradores Rubens Vaz
Associação de Moradores Parque União
Associação de Moradores da Vila dos Pinheiros
Associação de Moradores Roquette

É preciso ter cadastro em uma unidade de saúde da Maré para se vacinar. É necessário fazer o pré cadastro! Veja aqui se você está cadastrado na unidade de saúde!!

Cada unidade de saúde atende uma região específica, procure ir na mais próxima de você. Caso tenha dúvidas procure um agente de saúde comunitário. Seus vizinhos ou familiares podem ter o contato de whatsapp do agente que atende sua rua ou região.

Para mais informações, acesse: https://www.vacinamare.org.br/

Edital Documentários Transformam recebe inscrições até 15 de outubro

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Até o dia 15 de outubro podem se inscrever filmes que tenham a partir de 52 minutos de duração e estejam preferencialmente em fase de produção ou de finalização

Por Redação em 11/10/2021 às 16h30

Documentários Transformam irá selecionar cinco projetos que participarão de processos formativos (laboratórios e consultorias), do Good Pitch Brasil 2022 e também concorrerão a dois prêmios concedidos pelo programa Histórias que Ficam, da Fundação CSN: Work in Progress no valor de até R$100.000,00 e Campanha de Impacto, no valor de até R$ 150.000,00. 

O Good Pitch, criado pela Doc Society, é uma plataforma internacional voltada exclusivamente para produtores e distribuidores de produtos audiovisuais de impacto. A edição brasileira é uma realização do DOCSP em parceria estratégica com a Fundação CSN, que organizam e fazem a curadoria de todo o processo.

O edital completo você confere aqui. E mais informações estão no site do projeto aqui. As inscrições podem ser feitas neste link, mas só aceitam produtoras com CNPJ.

PODCAST DOCUMENTÁRIOS TRANSFORMAM 

Com a intenção de ampliar e difundir a cultura da distribuição de impacto, estratégias e  campanhas de impacto, foi lançado o podcast “Documentários Transformam”,  uma série de 4 episódios com apresentação da jornalista Ana Paula Sousa com 2 convidados por episódio. Está disponível nas principais plataformas de áudios. Para escutar é só clicar aqui

 INFORMAÇÕES SOBRE A FORMAÇÃO:

DocSP – Encontro Internacional de Documentário de São Paulo

ROUGH CUT LAB  (Editores-Observadores) | Labs  

Inscreva-se aqui para participar como editor-observador

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LAB DISTRIBUIÇÃO | Labs

Inscreva-se aqui para participar do Lab Distribuição

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‘Vai se tratar, garota’: a revolução do TikTok

Na indústria musical ou na forma de se relacionar, aplicativo chinês é tendência mundial, especialmente entre as crianças

Maré de Notícias #129 – outubro de 2021

Por Tamyres Matos

Olhos ávidos em uma face iluminada por um dispositivo com acesso à internet. Essa é a realidade diária de bilhões de pessoas pelo mundo. No caso das crianças, a situação não é diferente, e a maioria delas abre a mesma rede social diversas vezes ao dia: o TikTok. De acordo com a empresa de consultoria digital norte-americana Sensor Tower, o aplicativo chegou ao impressionante número de três bilhões de downloads globais. Com este anúncio de julho deste ano, a empresa chinesa é a primeira fora do universo do Facebook (controladora do WhatsApp, Messenger e Instagram) a alcançar tal marco.

Rastrear a quantidade de crianças e adolescentes entre os usuários não é uma tarefa simples, pois muitos deles se registram com idades acima do que realmente têm (o mínimo recomendado pela própria plataforma é 13 anos). Mas o fenômeno é inegável. Ao entrar na rede social, o usuário é exposto a vídeos com duração entre 15 e 60 segundos, alguns com dublagens – frequentemente com tons humorísticos -, outros com coreografias e challenges (desafios) que se espalham de forma extremamente rápida. Desta forma, o TikTok revolucionou a indústria musical e tem influenciado significativas mudanças culturais (inclusive no próprio Facebook, que investiu nos Reels com o mesmo formato).

O aniversário da pequena Eloah, de apenas 1 ano, na Nova Holanda, uma das favelas da Maré, é um bom demonstrativo dessa influência. O tema era “confeitaria”, mas a força propulsora definitivamente foi o TikTok. A playlist foi montada pela irmã da aniversariante, Eloanne, de 9 anos. A lista de músicas – na verdade, trechos de menos de um minuto – intercalava sucessos da rede social com destaques do arrocha e do piseiro. E o engajamento do público compensou.

“Todas as crianças são fanáticas por essas músicas e dancinhas. Elas sabem todas as coreografias mais famosas. Boa parte dos adultos também acompanhava os passos. Aqui em casa é assim: Eloah só sossega quando escuta TikTok e Eloanne a mesma coisa. Não tinha nem como colocar música da Xuxa porque elas nem sabem quem é. Não tem jeito, o TikTok é a inspiração no momento”, conta Roane Martins Lino, de 30 anos, mãe das meninas..

A partir do relato da Roane é possível concluir que a imersão no universo das telas, intensificada pelo período de pandemia, tem alterado a vivência destas crianças e adolescentes de diversas maneiras. Para Evelyn Eisenstein, premiada internacionalmente em medicina do adolescente e professora da pós-graduação na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é importante enfatizar que as telas podem, sim, auxiliar na comunicação, mas isso não significa necessariamente uma melhora na sociabilidade. “Estas crianças têm etapas para seu desenvolvimento psicomotor e das suas habilidades e a tela proporciona, na verdade, uma dissonância cognitivo-afetiva: a criança sabe muito sobre as telas, mas tem dificuldade ao expressar as emoções. E estamos vendo todos os tipos de aumento dos comportamentos de risco em adolescentes que ficaram em casa, devido à pandemia, em frente às telas”, explica.

Alerta aceso

A utilização do TikTok pelos filhos mais velhos (ela também é mãe de Daniel Lucas, de 13 anos) não incomoda Roane, apesar de ela ressaltar que cresceu numa atmosfera muito diferente. Ela acredita que é a maneira que os filhos encontraram para se divertir sem precisar sair de casa. “Eu gosto e me inspiro muito em TikTok”, acrescenta Eloanne. No entanto, a mãe reforça que acompanha de perto as postagens e os acessos. 

“Estou sempre em cima, de olho. Eles não usam a rede sozinhos. Vejo no que estão mexendo, com quem estão conversando, até nos vídeos que assistem eu fico atenta para ver se tem um conteúdo inadequado para eles”, diz.

Não são poucos os motivos que reforçam a necessidade de atenção próxima dos pais com relação ao uso da rede social (da chinesa e de todas as outras). Em um caso extremo, Lucas Santos, de 16 anos, filho da cantora de forró Walkyria Santos, matou-se depois de publicar um vídeo no TikTok, em que aparecia em uma brincadeira popular: fingir que beijaria um amigo. Os comentários homofóbicos recebidos teriam sido o gatilho para o suicídio do adolescente.

“Os pais precisam acompanhar este uso bem de perto. Há diversos riscos aos quais estas crianças e adolescentes estão expostos, entre eles o contato com adultos estranhos que possam ter interesses sexuais, o cyberbullying (bullying virtual) e a sextorsão (ameaça de se divulgar imagens íntimas para forçar alguém a fazer algo). É preciso verificar se eles sabem lidar com convites inapropriados, se conhecem os riscos, se têm recursos para lidar com este tipo de situação. É essencial que eles tenham consciência das ferramentas para se prevenção e, quando o problema se tornar realidade, é imprescindível saber denunciar”, orienta Juliana Cunha, psicóloga e diretora da ONG de defesa dos direitos humanos na internet Safernet Brasil.

Em setembro, o próprio TikTok anunciou, após diversas críticas sofridas pela falta de regulação, o incremento no recurso chamado de “sincronização familiar”. A plataforma divulgou ter adicionado conselhos para os pais, desenvolvidos em colaboração com adolescentes e especialistas em segurança online de jovens. “As contas dos pais ou responsáveis atualmente vinculadas à conta do adolescente receberão uma notificação para que descubram mais sobre o apoio que os adolescentes gostariam de receber e suas sugestões sobre como abordar conversas sobre alfabetização digital e segurança”, diz o comunicado da empresa.

Juliana Cunha explica que, nos casos em que os pais não têm intimidade com as possibilidades das redes sociais, “é sempre bom buscar apoio de um profissional, de alguém que confia para conversar. Muitas vezes os pais podem acabar subestimando os sinais de alerta devido ao pensamento de que é ‘só uma fase’ e que vai passar logo, mas definitivamente não é bem assim. É preciso estar atento para que as coisas não saiam do controle”. A diretora da SaferNet Brasil reforça ainda que a idade mínima para entrar nas redes sociais deve ser respeitada.

Roane Martins Lino com a família na festa de aniversário na qual a playlist foi músicas do TikTok – Foto: Matheus Affonso

Mães, pais, responsáveis: é hora de intervir

Ao refletir sobre os riscos, Juliana reforça que a internet não é a única raiz dos males psicológicos para crianças e adolescentes, mas a exposição a conteúdos nocivos pode ser um gatilho para o sofrimento. Confira uma lista de comportamentos dos jovens usuários das redes sociais que indicam a necessidade de intervenção:

  • Mudanças bruscas de comportamento – uma criança muito expansiva que se recolhe excessivamente ou um adolescente carinhoso que se distancia da família;
  • Acesso à internet sem acompanhamento dos pais – a utilização às escondidas pode ser um sinal de que alguma situação inadequada está em curso;
  • Sintomas psicossomáticos – um jovem que passa a ter dor de cabeça frequentemente, insônia e outros distúrbios;
  • Queda repentina no rendimento escolar – a criança que nunca teve grandes problemas não consegue concluir as atividades;

A versão chinesa do TikTok, chamada Douyin, anunciou em setembro o lançamento de um modo específico para adolescentes, que limita a 40 minutos o tempo que menores de 14 anos podem usar o aplicativo. O app também não vai funcionar entre 22h e 6h e, segundo a empresa proprietária do TikTok e do Douyin, ByteDance, o objetivo é evitar que esta parcela mais jovem dos usuários fique viciada.

Evelyn, que também é coordenadora do Grupo de Trabalho Saúde na Era Digital e trabalhou no desenvolvimento do Manual Saúde da Criança na Era Digital, ressalta uma palavra-chave quando se trata das telas: desconectar. “O melhor que os pais podem fazer é conviver, estimular o convívio afetivo fora das telas. Sair para passear, para dar uma caminhada. Compartilhar momentos em família, desenvolver o senso de cooperação, fazer exercícios. Tudo isso é essencial em qualquer idade, mas especialmente para seres em formação”, conclui.

O que elas têm a dizer?

Reunimos um grupo de crianças na Lona Cultural Municipal Herbert Vianna, na Baixa do Sapateiro, para ouvir seus anseios e preocupações

“É proibido ficar com covid e tem que usar máscara. Meu sonho é que a situação da covid-19 melhore na Maré, no Japão, na China…” 

Larissa, 11 anos.

“Eu gosto de ler. Senti falta de ir para a escola, aprender o dever, ouvir a professora”

Mel, 8 anos

“Ganhar muitos seguidores no TikTok”

Luane, 8 anos

“Meu sonho é poder ajudar minha mãe a comprar uma casa longe dos barulhos e das operações policiais”

Maisa, 12 anos

“O meu maior desejo é ter uma casa só pra mim”

Djamile, 7 anos

“Fazer pesquisa não pode ser coisa de outro mundo. A busca pelo conhecimento é para todos” diz Valcler Rodrigues, assessor institucional da Fiocruz

Por Luciana Bento – Conexão Saúde, em 10/10/2021 às 07h

O médico sanitarista Valcler Rangel Fernandes tem uma relação de longa data com os territórios da Maré e de Manguinhos, vizinhos à Fiocruz. Ainda estudante, na década de 80, ele já frequentava estes locais, participando de programas de educação em saúde.

Hoje, como assessor de Assuntos Institucionais da Fiocruz e membro do Comitê Gestor do projeto Conexão Saúde – De Olho na Covid, Valcler está à frente de experiências pioneiras de combate à pandemia nestes territórios – não apenas no que se refere à saúde pública, mas também em relação à articulação e participação efetiva de atores e lideranças locais no processo.

Um ano e meio depois do início da maior crise sanitária já vivida globalmente pela humanidade, muitos desafios foram enfrentados. No caso da Maré, mesmo em um cenário difícil, respostas rápidas e acertadas ajudaram a diminuir óbitos e a tratar de forma inovadora e eficiente os casos confirmados de Covid-19.

Hoje, o maior conjunto de favelas do Rio de Janeiro sedia uma pesquisa pioneira liderada pela Fiocruz, em parceria com a Redes da Maré e a Secretaria Municipal de Saúde, para avaliar a efetividade da vacina AstraZeneca, monitorar variantes do coronavírus, estudar a imunidade de pessoas não vacinadas e entender as sequelas deixadas pela Covid-19, entre outras questões.

“A Maré reúne um conjunto de especificidades que não é fácil de encontrar em outros locais. Não fazer algo do ponto de vista da investigação científica neste território único seria um erro, seria perder uma oportunidade que dificilmente vai se repetir”, diz.

Em entrevista exclusiva para o boletim Conexão Saúde – De Olho no Corona, ele fala da quebra de paradigmas que o estudo traz e da importância de desmistificar a ciência e valorizar saberes não convencionais. “Existe tanta gente capacitada e qualificada para participar dos estudos! São pessoas que têm curiosidade sobre novos assuntos, buscam novos conhecimentos, se engajam, se envolvem. Seria outro erro não valorizar este capital precioso”, arremata.

Para começar, você pode falar um pouco sobre esta relação histórica entre a Fiocruz e territórios periféricos, tanto urbanos quanto rurais, especialmente Maré e Manguinhos?

Valcler: É uma relação que remonta à década de 80 e abrange desde territórios periféricos em cidades, como é o caso das favelas, mas também populações indígenas, por exemplo. No caso da Maré e de Manguinhos, somos vizinhos de território, há uma ligação muito grande, coisas que acontecem ali e afetam o dia-a-dia da Fiocruz, a vida dos funcionários.

Um exemplo foi o episódio tragicamente famoso dos helicópteros da polícia sobrevoando a Maré e atirando. Este momento nos afetou totalmente, eu mesmo participei do processo de evacuação do prédio da Fiocruz, foi uma coisa muito forte. Então não dá pra tapar os olhos para esta realidade. A Fiocruz tem se envolvido nestas questões do território, discutindo violência como questão de saúde pública inclusive.

Já na década de 80, a Fiocruz desenvolvia um trabalho de educação para saúde na Maré, ajudando a desenvolver mecanismos de participação da sociedade organizada em vários processos, em um momento de formação da democracia no País, pós-ditadura militar.

E como esta relação histórica desembocou na criação do projeto Conexão Saúde – De Olho na Covid na Maré e em Manguinhos?

Valcler: Com a pandemia, a saúde passou a ser protagonista absoluta, prioridade como política pública nos territórios. Então não tinha como deixar de ser diferente: foi uma junção de expertises aliada a uma relação histórica para enfrentar um problema muito concreto e complexo.

A Fiocruz já estava com o projeto Se Liga no Corona!, de comunicação para territórios de favelas e periferias, e a aproximação foi muito orgânica, desdobrando na criação do Conexão Saúde e inclusive colocando a comunicação como um de seus pilares estratégicos.

O projeto inovou muito, trouxe resultados concretos e foi porta de entrada para alçarmos outros voos entre os parceiros. Foi muito importante esta presença no território, inclusive porque havia uma atuação muito fraca da Prefeitura naquele momento. A Secretaria Municipal de Saúde não respondia bem às propostas apresentadas nem apontava caminhos para a resolução de problemas muito urgentes.

E estamos vendo como é importante gestores que tomem decisões adequadas. Muita coisa só tem sido possível porque a Prefeitura mudou a postura em relação à pandemia e ao território.

Quase um ano e meio depois, outras inovações ocorreram. Desde a realização da campanha #VacinaMaré até a realização de um estudo inédito, liderado pela Fiocruz em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde e a Redes da Maré no território…

Valcler: Tivemos que responder aos desafios da pandemia a cada momento. Nesta construção, que a gente achava que ia durar três, quatro meses, e se prolongou muito mais, vimos a possibilidade de fazer uma pesquisa repleta de especificidades que só a Maré pode apresentar.

É um território de favela com adensamento populacional grande, são 140 mil habitantes em uma faixa muito estreita entre a avenida Brasil e a Linha Vermelha, que traz resultados importantes no combate à pandemia, fruto do Conexão Saúde, aliados à vacinação em massa…

Tudo isso em um território que, em tese, é mais difícil de atuar, sobretudo por conta da violência. Mas até neste ponto o estudo é uma quebra de paradigma. A dificuldade não pode ser impossibilidade e estamos mostrando que dá para operar de forma diferente.

O estudo tem uma característica importante, de mobilização e envolvimento de pessoas do território no processo. Pode falar um pouco sobre esta questão?

Valcler: É de fato uma pesquisa que prioriza a interação com a população, o envolvimento de atores do território, o protagonismo de Agentes Comunitários de Saúde, das clínicas da família, das organizações locais e dos próprios moradores.

É uma forma de mostrar a importância da ciência no dia-a-dia, aproximar esta discussão, que normalmente fica muito distante. A pesquisa ajuda a trazer esta dimensão científica para o palpável. E as pessoas respondem muito bem, percebem que também podem fazer ciência de alguma forma. Não é coisa para iluminados.

Nosso estudo poderia ser de outro jeito? Sim. Há várias formas de se fazer uma pesquisa: a partir de dados secundários ou de observação, por exemplo. Mas fizemos esta escolha de trazer quem de fato vivencia a favela para participar do processo.

É um caminho mais arriscado, mais complexo, sem dúvida. Como faço pesquisa com engajamento? Como promover esta aproximação? Por detrás desta escolha está a crença de que a pesquisa não pode ser importante só para o pesquisador, para o grupo de pesquisa, para a instituição, para a universidade.

Ela tem que ser importante fundamentalmente para a população, para o morador, para o sistema público de saúde. Quando elementos de pesquisa, de dados científicos, são incorporados nos serviços, eles se qualificam, melhoram. É uma forma de devolver o conhecimento para a sociedade.

Quero ressaltar um ponto da sua fala, de que a ciência não pode ser coisa para iluminados… Como ampliar este acesso, em um momento em que as informações e saberes científicos são colocados em xeque em todo o mundo e em especial no Brasil?

Valcler: Quando o próprio ministro da Educação fala que a Universidade não é pra todo mundo, vemos que o cenário está de fato muito complexo. Eu contraponho este pensamento com outro: fazer ciência não pode se coisa de outro mundo. A busca pelo conhecimento é para todos. Não podemos ser vencidos por este pensamento medieval que emergiu nos últimos tempos.

Um exemplo é o papel dos Agentes Comunitários de Saúde no estudo da Maré. Entendemos que eles são elementos fundamentais para a qualificação da pesquisa. Eles têm um conhecimento dinâmico, vivo e específico do território. Existem questões que só eles podem trazer. São saberes diferenciados que precisam ser incorporados no estudo. Seria outro erro não fazer esta interlocução, não inseri-los de forma profunda neste processo.

‘Estudar é um ato político’

Cria da Maré, escritora Adriana Kairos dedica sua vida à educação e à literatura

Maré de Notícias #129 – outubro de 2021

Por Gracilene Firmino

O acesso à educação deveria ser garantido a todos – está na Declaração Universal dos Direitos Humanos. A busca pela efetividade desse direito se tornou a missão da professora e escritora Adriana Kairos, de 45 anos. Nascida e criada no conjunto de favelas da Maré, ela dedica sua vida a tornar a educação e a literatura acessíveis a quem vem da classe trabalhadora, da favela e da periferia. Filha de nordestinos, seus pais (pai polidor de mármores, mãe dona de casa), apesar de analfabetos, sabiam o valor da educação e incentivaram seus estudos. Desde cedo, Adriana tomou gosto pelo conhecimento.

Segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em julho de 2020, o Brasil ainda registra 11 milhões de analfabetos. Para Adriana, essa questão vai além da falta de estudos: envolve também muito preconceito. 

“Existe a questão social, a falta de escolas e de professores, mas observei que outros, como eu, tinham problemas com o aprendizado – queriam aprender mas não conseguiam. As pessoas tendem a achar que crianças não o fazem porque não querem e não é bem assim. Às vezes, vai além da dificuldade de aprender: são distúrbios que precisam ser descobertos, tratados e acompanhados. Esse indivíduo, seja criança, jovem ou adulto, precisa de uma atenção diferenciada e especial. Eu sei disso porque também precisei de ajuda”, conta a professora. 

Inclusão e educação 

Assim que ingressou no curso de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, Adriana percebeu que podia fazer mais pelo lugar de onde vinha e fundou um Clube de Reforço Escolar, em 2012. “As dificuldades dos filhos dos trabalhadores eram as mesmas que eu tinha com a idade deles. Comecei a observar o sistema educacional da cidade, que sempre foi muito ruim. A partir disso, junto com outras companheiras, pensei sobre esses problemas e organizei todo um projeto de educação. Assim, nasceu o Clube do Reforço Escolar. Minhas colegas, uma pedagoga e uma estudante de letras como eu, acabaram seguindo outros caminhos. Acharam o projeto muito utópico da minha parte. Mas, na minha opinião, todo educador é um pouco utópico”, diz.

Porém, para Adriana, o lugar ideal existe. “Acredito muito no que estou fazendo. O AKairos Curso Preparatório oferece mensalidades a preços populares, e ali eu trabalho com uma equipe multidisciplinar: tenho o apoio de psicólogo, fonoaudiólogo, e eu mesma estou fazendo uma pós-graduação em psicopedagogia, porque compreendo as dificuldades e os desafios da educação no nosso território”, explica.

Segundo ela, “quando falo isso me refiro a qualquer espaço de periferia. Várias coisas podem dificultar o caminhar por meio dos estudos e a inserção desse sujeito nesse meio. Porque daqui a algum tempo, ele estará no mercado de trabalho, e precisa de algumas coisas, esse trilhar precisa de ferramentas para que ele possa ter garantido seus direitos. Não apenas no mercado de trabalho, como também na vida. Poder ter acesso à educação faz toda a diferença. Estudar é um ato político”, conclui.

Kairos: o momento certo

Kairos é uma palavra de origem grega, que significa “momento certo” ou “oportuno”, e se refere à antiga noção que os gregos tinham do tempo, a partir do deus grego de mesmo nome. Kairos era filho de Cronos; ao contrário de seu pai, ele expressava uma ideia considerada metafórica do tempo. Para Kairos o tempo era não-linear, ou seja, não se pode determinar ou medir. Kairos seria o período ideal para a realização de uma coisa específica. Mesmo sem saber na época, Adriana escolheu um sobrenome que viria a combinar e fazer sentido diante de toda sua trajetória. Foi mãe aos 17, terminou o ensino médio aos 30, ingressou na universidade aos 32 anos e atualmente cursa sua pós-graduação. Para ela, o tempo não é linear. Adriana escreve desde os dez anos e, além de seu trabalho com diversos escritores na Alepa, já publicou seis livros. Por isso, seu próximo projeto é o Curso Eu Escritor – Da Escrita, a Preparação de Originais e a Publicação, para ensinar o “caminho das pedras” a entusiastas e escritores iniciantes. O projeto, que começaria em agosto deste ano, foi adiado para janeiro de 2022 devido a um agravamento na retinopatia diabética de Adriana, que causou uma perda acentuada de sua visão. “Acho que vai ser muito legal. Será o mês de férias da maioria. Ainda não tenho data de início, mas com certeza ele será ministrado no primeiro mês de 2022”. É o Kairos novamente. Tudo no momento certo.