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A anima e o animus

“Dentro de todo homem existe o reflexo de uma mulher, e dentro de cada mulher há o reflexo de um homem.” Hyemeyohts Storm, índio americano.

Por Marcello Escorel em 14/08/2021 às 7h

O que muitas vezes me angustia quando demoro para escrever esta coluna é o fato de ter que escolher um tema deste universo tão variado. Tento optar por aqueles que falem diretamente ao meu coração e que sejam relevantes para encontrarmos um rumo, enquanto indivíduos da espécie humana, para chegar à construção de um mundo mais pleno de compaixão e justiça. Além da tentativa, sempre que possível, de fazer um “link” com a realidade de fatos contemporâneos.

Leio pelo menos um livro a cada coluna. O último chamado “Parceiros Invisíveis” trata de nossas contrapartes sexuais no inconsciente: a anima, arquétipo feminino atuante no homem e o animus, arquétipo masculino atuante na mulher. Vou abrir um parêntesis para tentar definir o que seriam os arquétipos.

A tartaruguinha que corre para o mar assim que sai do ovo, uma revoada de pássaros que migra milhares de quilômetros numa determinada estação do ano são exemplos de comportamentos herdados pelas espécies. Não foram ensinados. A esses fenômenos, especificamente de cunho biológico e fisiológico, chamamos instintos. Além deles, a espécie humana também traz gravados o que Jung chamou de arquétipos: padronagens de cunho psicológico e emocional responsáveis por construir nossa vida anímica e equilibrar o mundo interior com a vida do dia-a-dia na sociedade.

Esse par de arquétipos, a anima e o animus, estão diretamente relacionados com a paixão que unem os casais e, porque não dizer, que muitas vezes os separam, podendo conduzir romances que iniciam com a sensação idílica do paraíso a um desfecho trágico como podemos observar em muitos casos tanto na vida real como na literatura (Carmem, Madame Bovary, Ofélia de Hamlet , etc).

Jung considerava a integração destes arquétipos a obra prima do trabalho analítico. Os alquimistas, precursores tanto da química quanto da psicologia, eram da mesma opinião. O elixir da longa vida era simbolicamente apresentado como o casamento de um par real e o nascimento de um filho hermafrodita, a pedra filosofal.

Confesso que ainda caminho trôpego no processo de compreender a anima e foi por isso que senti um grande desconforto debruçado sobre o papel em branco. (Escrevo primeiro num caderno e só depois de muitas ratificações passo ao computador para as alterações finais). Cheguei a tentar outro tema menos espinhoso como o arquétipo do herói e só saí da sinuca de bico, mais uma vez, com a ajuda do inconsciente, socorrido por um sonho e uma nova sincronicidade. O último fator assinalado foi o aniversário da lei Maria da Penha que trata dos crimes contra a mulher. No sonho estava sentado à janela de um ônibus lançando “frisbees”(aqueles discos de arremessar) e tentando seguir suas trajetórias. Um deles flutuou até estacionar sobre o chapéu de uma mulher, muito parecido com o brinquedo. Ela dirigia um carro estilo rabo de peixe. Foi uma indicação de que devia seguir minha meta original e discorrer sobre a mulher interior que as civilizações antigas veneravam como deusas.

Por que nos apaixonamos à primeira vista? No estado de paixão é como se conhecêssemos a pessoa de outras vidas e, em certo sentido, é isso mesmo, mas não de vidas passadas e sim de nossa vida interior. Uma das características fundamentais dos arquétipos é que eles estão continuamente, automaticamente, inconscientemente se projetando em figuras concretas do mundo cotidiano. Sendo assim toda paixão no fundo é uma paixão por si mesmo. É inegável que este mecanismo é necessário para estimular o início de um relacionamento entre duas pessoas, mas trata-se apenas do pontapé inicial. A projeção de nossas contrapartes sexuais inconscientes nunca resiste à prova da convivência diária que é o que determina a passagem da paixão para o verdadeiro amor, esse sim um mistério insondável até para a psicologia. Lembremos de Don Juan, o mito literário do homem incapaz de amar verdadeiramente, pulando de uma paixão, ou projeção, para outra, sempre enredado por sua incapacidade de trabalhar sua feminilidade e que termina sendo tragado para as profundezas do inferno.

Quando a anima de um homem se projeta sobre uma mulher específica ela se transforma na mais desejável de todas, a fonte de todo prazer e felicidade, objeto de inúmeras fantasias eróticas e sexuais. Estar com ela parece o suficiente para atingir a plena realização. A mulher nesses casos, a princípio, pode sentir-se lisonjeada e valorizada percebendo a força e a ascendência que tem sobre o homem apaixonado. Com o tempo, porém, certamente irá descobrir que o homem começa a sufocá-la. Como diz John A. Sanford, autor do livro Parceiros Invisíveis: “Ele a vê não como ela realmente é, mas como ele deseja que ela seja. Ele a deseja para satisfazê-lo, e continuar vivendo sua imagem feminina projetada irá colidir com a realidade humana dela como pessoa … Quando ela insiste em ser ela mesma, pode constatar que seu homem fica com ciúmes, ressentido e carrancudo … Além do mais, a projeção positiva pode ser substituída, de repente e sem aviso prévio, pela projeção negativa … A mulher que um homem já amou alguma vez e que era considerada uma deusa pode, com a mesma facilidade, ser vista por ele como uma bruxa. Então ela se torna tão desvalorizada quanto uma vez já foi supervalorizada” .

E aqui temos o nosso “link” com a questão da violência contra a mulher e o feminicídio. Nós homens ainda estamos engatinhando quando se trata de confrontar-nos com nossa contraparte feminina. Avessos a discutir os relacionamentos de igual para igual, encouraçados no medo de ter de conviver com mulheres reais que tem suas próprias prerrogativas, desejos e projetos, estamos sujeitos a ser dominados por rancores e ódios inconscientes, possíveis geradores de violência.

Somente quando estivermos aptos a reconhecer nossas características femininas é que poderemos esvaziar as mulheres reais de nossas projeções e aí “quem sabe, o super-homem possa nos restituir a glória, mudando como um deus o curso da história, por causa da mulher”. (Gilberto Gil) 

Marcello Escorel é ator e diretor de teatro há mais de 40 anos. Paralelamente a sua carreira artística estuda de maneira autodidata, desde a adolescência, mitologia, história das religiões e a psicologia analítica de Carl Gustav Jung

Ronda: Prefeitura do Rio em ‘pé de guerra’ por mais vacinas; preocupação se dá pela variante Delta

Por Edu Carvalho, em 13/08/2021 às 17h

Você viu aqui: a última Ronda trouxe um mapa detalhado sobre a disseminação da variante Delta na capital fluminense e no Estado, que hoje é epicentro da nova cepa. Segundo o G1, a Secretaria Estadual de Saúde vai abrir 20 novos leitos para Covid-19, após detectar um aumento de casos na última semana. Um documento interno da pasta afirma que a cidade do Rio é o ponto de maior propagação da Delta no país.

Para além disso, o Rio passou a travar, publicamente, uma luta quase que diária para receber imunizantes para vacinação contra covid-19, gerando angústia na população definida para esticar o braço à vacina. Nesta semana, o calendário chegou a ser suspenso por dois dias. 

“Pandemia é guerra. Eu vou continuar cobrando publicamente. Não acho que seja aceitável estarmos na situação que a gente vive e que nós não tenhamos uma operação de guerra montada”, declarou nesta sexta-feira (13) o prefeito Eduardo Paes durante a tradicional live que apresenta o Boletim Epidemiológico da capital. 

A batalha se dá em um cenário de aumento de casos, mas que com a vacinação, tem segurado o número de mortes. Ainda sim, o apelo se faz mais do que necessário. 

Paes enfatizou a importância de criar uma logística que supra as demandas não só do Rio, mas das demais capitais e estados do país. “Não consigo entender. As logísticas dos governos municipal e estadual são muito mais complexas. Temos que mandar doses para 290 locais. O governo do estado, para 92 municípios. O governo federal, para 26 estados”, disse. Não faltou espaço para uma crítica ao uso dos aviões oficiais do governo federal: “Mete as doses naqueles jatinhos da Embraer, que carrega ministro para cá e ministro para lá, e manda as vacinas. Pega os jatos da FAB parados em Guarulhos e distribui a vacina”, emendou.

No panorama apresentado, todas as 33 regiões administrativas do Rio estão com risco alto de Covid-19.

Aumento de casos e mortes por SRAG preocupam, aponta Fiocruz 

De acordo com o Boletim InfoGripe da Fiocruz, lançado nesta quinta-feira (12/8), há possível retomada no crescimento do número de casos e de óbitos por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). Estado com o maior número de casos da variante Delta no Brasil, o Rio de Janeiro é um dos que apresentam sinal de aumento na tendência de longo prazo (últimas seis semanas) de SRAG. A análise traz um ineditismo: é a primeira vez que isso acontece desde a Semana Epidemiológica (SE) 12, compreendida entre 21 e 27 de março. É hora de ligar o alerta. 

Ainda sobre números e pandemia….

O mais recente Boletim Observatório Covid-19 Fiocruz evidencia que desde outubro de 2020, é a primeira vez que não há estados com taxas de ocupação de leitos de UTI Covid-19 para adultos no SUS iguais ou superiores a 80%. Comparado ao período, tem-se o menor número (cinco) de estados na zona de alerta intermediário (taxas iguais ou superiores a 60% e inferiores a 80%), dois deles, por conta da redução de leitos destinados à Covid-19, o que já vem ocorrendo em diversos locais. Os dados são referentes ao dia 9 de agosto, e apontam um melhor cenário desde que o Observatório passou a acompanhar esse índice, em julho de 2020. Os especialistas enfatizam a importância das vacinas e, por sua vez, o processo de vacinação. “Considerando que ainda são altos os níveis de transmissão de casos e óbitos, a vacinação deve ser ampliada e acelerada, além de combinada com o uso de máscaras e distanciamento físico, para manutenção e avanços nos resultados”.

Não é hora de largar o freio

No documento, mais um alerta foi feito: se não combinarmos o aumento da vacinação com medidas não farmacológicas, como uso de máscaras e distanciamento, o cenário pode se reverter. O boletim reforça a importância do esquema vacinal completo como a melhor proteção que se dispõe para a proteção em relação aos casos graves e óbitos por Covid-19, incluindo os relacionados à variante Delta. 

“Ampliar a vacinação completa para todos os elegíveis torna-se fundamental neste momento, incluindo campanhas e busca ativa para os que ainda não tomaram a segunda dose das vacinas que envolvem duas doses, como a Coronavac, a  AstraZeneca e a Pfizer. Embora as vacinas venham claramente contribuindo para a redução de casos graves, internações e óbitos no país, o surgimento e crescimento da presença de novas variantes de preocupação, como a Delta, deve manter os serviços de vigilância em saúde em alerta, com amplo uso de testes, detecção de casos, isolamento e quarentena”, recomendam.

Covid-19 na Maré

De acordo com o Painel Unificador COVID-19 Nas Favelas, o Conjunto de Favelas da Maré é o 1º lugar nos registros de óbitos e casos dentre as comunidades cariocas. Ao todo, são 7271 casos e 332 mortes no território. Na lista, ainda permanecem em ordem como principais pontos de infecção e óbitos: Rocinha (3.472 casos/136 mortes), Fazenda Coqueiro (2.858 casos/225 mortes), Alemão (2.733/154 mortes), e Complexo da Penha (2.123 casos/110 mortes). 

Máscaras salvam. Nós não deixaremos de falar: vacina boa é vacina no braço. E lembre sempre: #UsaMáscaraMorador

Até o fechamento desta edição da Ronda, o país contabilizava mais de 567 mil óbitos e 20.284.747 casos, segundo o consórcio de veículos de imprensa (Globo, Jornal O Globo, Extra, Folha, Estado de São Paulo, G1 e UOL). Aos familiares, parentes e amigos das vítimas, nosso abraço. 

Maré de cultura

Não há como não lamentar. Na última quarta-feira (11), morreu em decorrência de pneumonia o ator Paulo José. Paulo, de 84 anos, estava internado há 20 dias em um hospital no Rio de Janeiro. Partiu no dia da televisão. 

Na manhã seguinte (quinta, 12), o Brasil perdeu o maior galã de todos os tempos: Tarcísio Meira. O ícone da dramaturgia brasileira é mais um que entra para contagem de vítimas da covid-19. Meira estava internado desde o último dia 6, em São Paulo, e chegou a ser intubado. Glória Menezes, sua esposa e também dama da TV, também contraiu a doença, mas está em quadro leve e deve receber alta nos próximos dias. A partida de Paulo e Tarcísio deixa o país mais triste. 

Neste sábado (14), o Inhotim exibe um show de Pedro Luís gravado na cobertura da Galeria Cosmococa com a orquestra de câmara do instituto e repertório de canções de Luiz Melodia. Mais tarde, o Sepultura realiza uma live de lançamento do disco SepulQuarta, feito a partir da série de jam sessions organizadas pela banda durante a pandemia. #DicaDoMeio

O programa Roda Viva recebe na segunda (16) o bamba e escritor Martinho da Vila. A entrevista será transmitida nas redes da TV Cultura. #DicaDoMeio

Veja o que foi destaque nesta semana no Maré de Notícias! 

Sábado (07/08)
Lei Maria da Penha completa 15 anos. Por Tamyres Matos
Demandas sociais e a força do coletivo: ocupar espaços é preciso. Por Tamyres Matos

Domingo (08/08)
Por que é importante saber sobre a Tunísia? Por Alexandre dos Santos

Segunda-feira (09/8)
Homenagem: morre Paulinho Esperança, morador da Maré, por Hélio Euclides
‘Olha o gás’: item indispensável está cada vez mais distante dos lares em favelas e periferias .Por Hélio Euclides

Terça-feira (10/8)
Inscrições para edital de Fomento à Cultura Carioca estão abertas, por Redação
Secretaria de Trabalho e Renda divulga 674 oportunidades de emprego, por Redação
Cientistas brasileiros encontram fóssil de 280 milhões de anos, por Redação

Quarta (11/8)
Residência Artística para jovens artistas periféricos, por Redação
Inscrições gratuitas para curso de games e oficinas de formação para educadores, por Redação
Covid-19: capital do Rio suspende aplicação da primeira dose de vacina contra covid-19; segunda dose está garantida, por Redação
Espaços de cultura na Maré seguem a todo vapor mesmo com pandemia, por Hélio Euclides 
Vamos falar sobre saúde mental, por Tamyres Matos

Quinta-feira (12/8)
Como denunciar um crime de racismo, por Edu Carvalho 
A nova cara do centro: iniciativa busca converter região em área residencial, por Amanda Pinheiro e Tamyres Matos
Covid-19: município aplica 1a dose em adultos acima 45 anos nesta quinta; confira informações, por Redação

Sexta-feira (13/8)
Calendário de vacinação contra covid-19 na capital será retomado nesta sexta-feira para pessoas de 24 anos, por Redação
‘E a Casa Preta se ergue’, por Pâmela Carvalho

Calendário de vacinação contra covid-19 na capital será retomado nesta sexta-feira para pessoas de 24 anos

No sábado, imunização será destinada a pessoas com 23 anos

Por Redação, em 13/08/2021 às 08h28

Com o recebimento de mais 150 mil doses de vacinas contra a Covid-19 nesta quinta-feira (12/08), a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) retomará nesta sexta-feira (13/08) a vacinação para pessoas de 24 anos. No sábado (14/08), será a vez dos cariocas de 23 anos serem imunizados. Para a continuidade do calendário na semana que vem, a SMS depende do envio de novas remessas pelo Ministério da Saúde.

Nesta quinta-feira (12/08), a imunização com a primeira dose no município do Rio está restrita a adultos acima de 45 anos, pessoas com deficiência, gestantes, lactantes e puérperas a partir de 18 anos. A segunda dose está mantida nos postos normalmente.

Veja o calendário de vacinação: 

‘E a Casa Preta se ergue’

Redefinição das relações raciais via educação, arte e combate ao racismo na Maré

Maré de Notícias #127 – agosto de 2021

Por Pâmela Carvalho

A Casa Preta da Maré surgiu em 2019 como um lugar para se discutir o racismo, trabalhando de forma ampla, nas 16 favelas que compõem a Maré, estratégias para enfrentá-lo. Este ano, o espaço ganhou pela primeira vez recursos financeiros e, também, uma sede, na Rua Sargento Silva Nunes, próximo à sede Nova Holanda da Redes da Maré, à Biblioteca Lima Barreto e à redação do Maré de Notícias (o prédio já foi sede da Associação de Moradores de Nova Holanda, num período de fortalecimento da luta de direitos para a população do território). 
Ainda em 2021, o projeto de formação teórica, metodológica e política para trabalhar as questões étnico-raciais na Maré se consolidou, através de uma programação de cursos livres. Além disso, foi criada a Escola de Letramento Racial da Maré, um curso de formação continuada com 30 jovens do território que recebem uma bolsa de estudos mensal. 
O programa concentra alguns dos paradigmas da Casa: promover a redefinição das relações raciais , combater o racismo na Maré e buscar estratégias para facilitar o acesso de pessoas negras a políticas públicas, principalmente em educação. O objetivo final é que os jovens atendidos sejam multiplicadores das metodologias da Casa Preta, atuando no combate à desigualdade racial em seus territórios.

A aula inaugural da Escola propôs um percurso pela Maré a partir das narrativas e dos espaços de trabalho de três importantes agentes culturais negros do território: Carlos Marra, DJ Renan Valle e Mestre Manoel — este último, em depoimento, afirmou que “a verdadeira história do povo negro foi apagada, substituída por um processo de alienação. O negro brasileiro muitas vezes não reconhece o racismo nas anedotas, nas piadas, nas brincadeiras e expressões populares. É importante que a juventude se engaje e perceba as sutilezas do racismo no Brasil.”

Aula inaugural da Escola de Letramento Racial com Mestre Manoel ocorreu, ainda presencialmente, no Morro do Timbau – Foto: Douglas Lopes

O surgimento da Casa Preta

Em 29 de julho de 2019, o grupo de tecedores da Redes da Maré se reuniu no Museu de Arte do Rio para uma formação imersiva. O objetivo era analisar os dados do Censo Maré e, a partir dele, pensar e propor ações de impacto no Conjunto de Favelas da Maré. 

Analisando o perfil étnico-racial apresentado pela pesquisa, um dado chamou atenção: 62,1% dos moradores  da Maré se autodeclararam pretos ou pardos (os dois formam o grupo racial “negro”). É importante ressaltar que esse número pode ser maior, levando em consideração os efeitos do racismo, que fazem com que muitas pessoas negras não se reconheçam como tal.

A partir dessa análise, foi possível entender a Maré como um território negro, tanto pelo perfil racial de sua população quanto pelas práticas sociais, culturais e históricas. Dona Orosina Vieira, considerada por muitos historiadores como a primeira moradora da Maré, era uma mulher negra. Práticas de cuidado coletivo facilmente vistas na Maré se assemelham às aldeias, irmandades e comunidades africanas e afro-brasileiras. 

Imersos nesta reflexão e movidos por movimentos históricos realizados na Redes da Maré (como o Núcleo de Memórias e Identidades da Maré/ NUMIM, os chás com as Griôs, o Seminário Tereza de Benguela e a Casa das Mulheres da Maré, um espaço de referência no território), surge uma proposta: por que não termos uma “Casa Preta” da Maré? 

Em julho de 2019, um grupo se reuniu para movimentar as ações da Casa Preta e manter a chama acesa. Joelma Sousa, Carlos André Nascimento, Tereza Onã, Thais Jesus, Karla Rodrigues, Angélica Ferrarez e eu seguimos na criação e no desenvolvimento de uma programação de atividades, mesmo sem recursos para tal. Foi criado então o Café Preto, rodas de conversa itinerantes sobre temas caros à população negra da Maré. Em 2020, por conta da pandemia de covid-19, foi impossível manter as atividades presenciais, mas o combate ao racismo continuou: a equipe criou um programa online chamado Café Preto em Casa. 

Terreno fértil

Em 2017, o MC paulistano Rincon Sapiência compôs Galanga Livre (música integrante do disco homônimo), que narra a história fictícia do escravizado Galanga: 

Nossa coragem levantar/

Pro nosso medo encolher/

Fui convidado pro jantar/

Migalhas não vou recolher/

Vida me chama pra cantar/

Sem fuga, livre pra correr/

Um bom terreno pra plantar/

E a casa preta se ergue!

É com a perspectiva de liberdade, entendendo que a Maré é terreno fértil para o plantio de práticas antirracistas, que a Casa Preta da Maré se ergue, saudando as griôs da Maré e lutando por políticas públicas para que jovens negros acessem as estruturas de poder de nossa sociedade. A Casa Preta é o reconhecimento de um passado de lutas pelos direitos das populações negras e a projeção de um futuro.


Caso Matheus desperta debate sobre crime de racismo e injúria racial no país

Saiba como denunciar crime de racismo

Por Edu Carvalho, em 12/08/2021, às 16h40

Editado por Dani Moura

Enquanto se escreve essa matéria, em alguma parte do país uma pessoa pode estar sofrendo uma abordagem preconceituosa e violenta caracterizada como racismo, crime  

inafiançável previsto na Lei nº 7.716/1989. Na discriminação do artigo, fica decidido que o Ministério Público deve processar o ofensor. Até aqui, basicamente, tudo entendido sobre os trâmites legais. Mas para chegar ao MP, um inquérito deve ser aberto, com dois tipos de ramificações. Você sabe quais são e as diferenças entre elas?

Atualmente, são dois: racismo (propriamente o crime) e injúria racial. O primeiro trata-se sobre crime contra a coletividade e não um indivíduo em específico. Pode ser definido através da constatação de ofensa verbal e atos, como impedimento ao acessar determinado ambiente, como um estabelecimento comercial, elevador, etc. A pena vai de um a três anos de prisão, além de multa. 

Já o crime de injúria consta no Código Penal, artigo 140, parágrafo terceiro. A determinação é objetiva: quando uma ou mais vítimas são ofendidas pelo uso de “elementos referentes à raça, cor, etnia, religião e origem”. Também inafiançável, tem como cumprimento de pena o período de um a três anos, junto de multa. O crime pode ser levado à juízo em até oito anos.

No Senado Federal, corre em análise um projeto de lei nº 4373, de 2020, que aumenta a pena deste crime. ‘’A proposta equipara o crime de injúria ao crime de racismo e aumenta a pena, passando de reclusão de um a três anos, para dois a cinco anos, além de multa. Aprovar esta matéria é garantir uma sanção educativa para uma sociedade racista. Sensibilizar o Brasil por meio de políticas, que valorizem os seres humanos em suas diversidades é respeitar o povo brasileiro, o capital mais importante que temos’’, diz o senador Paulo Paim, do PT-RS, autor do projeto que tem o senador Romário (PL-RJ). 

Para ele, a falta de ações mais duras em relação a casos de discriminação ficam sem a devida punição, sobretudo os que ocorrem no campo da internet. ‘’Essa falta de punição acaba desencadeando em realidades diárias, como o exemplo recente do assassinato, a mando pelo Atakadão Atakarejo, de dois jovens negros, Bruno e Yan, que roubaram pedaços carne’’, complementa.

Paim enfatiza que o debate na mudança das leis devem ser vistos como grande passo em relação a luta dos movimentos negros no Brasil. ‘’56,2% da população brasileira são negros e não existir um pacto social que combata o racismo e as desigualdades é o mesmo que não ir de encontro à evolução e ao desenvolvimento do país. Quando o Congresso fecha os olhos para essas pautas, é o Brasil que perde’’. 

E o que são calúnia e difamação?

O crime de calúnia se dá pela atribuição ou divulgação de um falso crime a uma pessoa que o ofensor sabe que não o cometeu. De acordo com a descrição que o site JusBrasil, o episódio deve ter uma descrição com “início, meio e fim”, não podendo ser uma história vaga.

Em relação à difamação, o objeto de investigação é feito a partir de um acontecimento de desonra ou de contravenção penal a uma terceira pessoa.

Em ambos os casos, o juiz pode deixar de aplicar as penas descritas no Código Penal quando:

a) Quando o ofendido provocou diretamente a injúria de forma reprovável;

b) Quando o ofendido realiza primeiro uma injúria ao ofensor.

Há também a prerrogativa de exceção da verdade, onde se autoriza ao acusado a sua defesa indireta, ou seja, quando a verdade dos fatos exclui a acusação. 

Racismo com mareense revela urgência na apuração para racismo 

Na última semana, a Justiça do Rio de Janeiro arquivou o inquérito sobre o caso do jovem negro e instrutor de surfe Matheus Ribeiro, morador da Maré, que em junho deste ano foi acusado pelo casal Tomás Oliveira e Mariana Spinelli, ambos de pele branca, de ter furtado uma bicicleta elétrica no Leblon, Zona Sul do Rio de Janeiro. O instrutor acabou gravando com seu celular a ação, que repercutiu amplamente nas redes sociais e principais mídias do país. Na delegacia, o episódio acabou sendo tipificado como calúnia. Pelo fato, Matheus não conseguiu encaminhar o caso para a Delegacia de Crimes Raciais.

Em janeiro de 2019, Matheus contava ao Maré de Notícias sua trajetória como praticante e professor de surfe. A foto do jovem, à época com 20 anos, estampou a capa da nossa edição | Foto: Douglas Lopes

Cinco dias após o acontecido, a Polícia Civil prendeu o verdadeiro ladrão Igor Martins Pinheiro, conhecido como “Lorão”, um homem branco de 22 anos e com 28 ocorrências criminais, sendo 14 por furtos de bicicletas.

A bike elétrica em situação foi comprada no valor de R$ 4.500 em um site de vendas na internet, o que fez de Matheus vítima, investigado por receptação, já que adquiriu um produto roubado sem mesmo saber. Durante a apuração do caso, a bicicleta foi devolvida ao primeiro proprietário. 

Para o professor, doutor pela UFSC e UFMG e coordenador do grupo de pesquisa CERCO – Controle Estatal, Racismo e Colonialidade Philippe Oliveira de Almeida, casos como o de Matheus acabam sendo esquecidos durante a investigação. ”É mais comum que esses casos sejam arquivados do que tenham continuidade. No caso de Injúria racial, por exemplo, pressupõe ânimo, intenção, dependendo do dolo do acusado, e da maneira como nosso direito se estrutura, o argumento é sempre de que faltaria intenção’’, diz. 

Segundo Oliveira, esse é mais um sintoma do racismo estrutural presente na sociedade brasileira. ‘’Vivemos em um país marcado pela ilusão da democracia racial, e é comum que pessoas entendam que agressões são resultado não de uma dinâmica racista, mas de um preconceito de classe. Nós normalizamos a crença de que vivemos uma harmonia entre raça. A justiça tem uma dificuldade muito grande em identificar determinadas ações. Poucas coisas sinalizam tanto a maneira como o preconceito social está arraigado na nossa cultura. É a ideia de que negros são naturalmente suspeitos, e que consequente, posturas desse tipo, seriam válidas”, enfatiza. 

A mudança para que mais casos sejam tipificados e por sua vez, possíveis de investigação com devida punição é a disseminação em grande escala de informação, muitas vezes cerceada a grupos minorizados.

”Frequentemente nos sentimos violentados, agredidos, por uma série de micro violações na vida cotidiana, e ficamos na dúvida real, até pela sistemática omissão do judiciário. Toda pessoa negra e branca deveria ter as normas daquilo que nomeia racismo decoradas, porque infelizmente o combate vai acontecer caso a caso, e realmente num esforço para desnaturalizar certas práticas, pra mostrar que não são normais, meras brincadeiras’’, aponta. 

Philippe revela a importância de que pessoas negras levem sempre consigo número de movimentos etnico-raciais para possíveis situações de discriminação ou abordagem violenta. Nesses grupos, um amparo mais estruturado para compreensão do acontecido é feito. 

Em vídeo publicado no perfil do advogado Bruno Cândido, que atua em sua defesa, o jovem Matheus fez um desabafo. ”As pessoas que me acusaram saíram impunes, enquanto eu continuo sendo investigado num inquérito que ainda está em andamento. Eu não vejo motivo nenhum para a abordagem que eu recebi e como recebi, a não ser como motivo racial e eu não consegui dizer isso na delegacia. Agora o caso que eu não quis que fosse tipificado como calúnia foi arquivado pois não existiu calúnia. O loiro que roubou a bicicleta deles está livre, e eles estão sem nenhum processo, enquanto eu estou sem a bicicleta e sendo investigado. Isso me dá uma dor imensa”.

Para injúria, o episódio deve ser denunciado nas delegacias especializadas em crimes raciais – o que Matheus queria, mas não foi feito. Assim, o delegado pode atribuir a abertura do inquérito. Nesse caso, a atuação junto de um advogado pode fazer pressão para que a tipificação do acontecimento seja feita corretamente como consta no código penal.

Em referência ao caso de racismo, a ação do processo cabe diretamente ao Ministério Público, tendo somente o conhecimento do acontecido. Essa informação pode ser notificada através da Polícia, por meio de um boletim de ocorrência ou pelo Disque 100, plataforma do governo federal para denúncias de violação dos Direitos Humanos. 

O advogado Bruno Cândido também comentou a recente decisão. ‘’Aqui temos um caso que sintetiza nitidamente como funciona o racismo estrutural e institucional no nosso país, e acreditamos que esse é o grande motivo para o seu arquivamento. Como o elemento central de tudo foi a bicicleta, inclusive transformando vítima em réu, entendemos que se o RACISMO tivesse sido investigado, teriam visto que as bicicletas são diferentes: uma tem sexta e retrovisor, com guidom diferente (…) Não iremos desistir!’’, termina o post. 

Matheus foi capa da versão impressa do Maré de Notícias na edição de janeiro de 2019.

A nova cara do centro: iniciativa busca converter região em área residencial

Comerciantes e instituições veem com bons olhos as mudanças anunciadas pela Prefeitura no perfil da região central da capital fluminense

Por Amanda Pinheiro e Tamyres Matos, em 12/08/2021 às 07h 

Editado por Edu Carvalho 

O esvaziamento do Centro do Rio de Janeiro é uma tendência dos últimos anos, aprofundada pela pandemia do novo coronavírus desde o ano passado. Uma série de iniciativas da Prefeitura do Rio busca investir na criação de um novo perfil para esta região da cidade: um Centro residencial.

“Nosso objetivo é ordenar e integrar o território, criar mecanismos de financiamento da urbanização e da habitação, sobretudo a de interesse social. Gerar um ambiente propício para aproximar as moradias das oportunidades urbanas e dos empregos, evitando que as pessoas percam tempo de vida em longos deslocamentos”, explica o secretário municipal de Planejamento Urbano, Washington Fajardo.

De acordo com a Associação Brasileira de Administradoras de Imóveis (Abadi), mais de 40% dos imóveis da região central do Rio foram esvaziados entre março e dezembro de 2020. A Abadi publicou em seu site uma análise otimista sobre a possibilidade do centro da cidade pode voltar a ser uma região híbrida, com imóveis comerciais convertidos em residenciais. “A gente tem um déficit habitacional muito grande que pode e precisa ser resolvido. Estamos muito motivados com essa iniciativa”, aponta Marcelo Borges, diretor de condomínio e locação da Abadi, em texto publicado no site da associação.

Durante a pandemia, o bairro se tornou cenário não só de fechamentos do comércio e queda na circulação de pessoas, mas um dos principais pontos do aumento da população em situação de rua. Um levantamento realizado pela Prefeitura do Rio apontou um crescimento de 11% no número de adultos acolhidos em abrigos geridos pela Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS). No entanto, a situação dos idosos é pior: o incremento da presença dessa faixa etária nas ruas foi de 34%. 

“A gente fica com medo de circular. Eu, por exemplo, não gosto de trabalhar à noite, principalmente no Centro. Um ou outro, às vezes, me aborda no carro, pede dinheiro no sinal. É muito triste porque em muitas ruas têm um paredão de pessoas dormindo, até famílias com crianças. Espero que essa ideia da Prefeitura dê certo, ainda mais agora que as coisas estão voltando aos poucos”, disse um motorista de aplicativo, que não quis ser identificado, durante uma viagem noturna. 

Além de um ponto comercial forte, muitos ambulantes e empreendedores fizeram do Centro do Rio um local para morar. Foi o caso de Claudio Crispim, de 33 anos, que, há dois meses, inaugurou uma barraca na Feira da Glória e possui um imóvel comercial alugado na região da Lapa. 

“Eu me mudei para o Centro pelas boas opções de preço dos imóveis e as oportunidades de trabalho existentes. Acabei economizando dinheiro de transporte e tempo de deslocamento estando perto do trabalho, sem precisar pagar os valores absurdos da Zona Sul, além de estar perto das opções de lazer da cidade e acompanhar a revitalização que o Centro vem tendo”, afirmou Claudio, que, até 2018, morou na Cruzada São Sebastião, no Leblon. 

O comerciante, que passou dois anos na Irlanda e voltou para o Brasil no fim de 2020,  assim como outras pessoas que frequentam ou moram no bairro, acredita que a mudança na região pode favorecer os empreendedores ao aumentar o fluxo de pessoas no local. 

“O Centro estar se tornando um bairro mais residencial é muito favorável. As vantagens são ser um lugar onde tem mais ofertas de empregos e atividades comerciais, fácil acesso e a locação é mais barata que os imóveis da zona sul. Isso com certeza ajuda no desenvolvimento, principalmente da região portuária, que era a mais esquecida. 

Nova vida às ruas do Centro

O Plano Urbano Reviver Centro (conjunto de decretos e um Projeto de Lei), aprovado na Câmara dos Vereadores e sancionado pelo prefeito Eduardo Paes, tem como objetivo a recuperação social e econômica dos quase 6 quilômetros quadrados do Centro. A nova legislação prevê, entre outras medidas, incentivos fiscais e edifícios e permissões de novos usos para fomentar a construção de moradias e o retrofit (técnica de revitalização de construções antigas) de prédios comerciais ociosos.

Um dos pontos mais marcantes do plano é a implementação do aluguel social. Através do programa, a Prefeitura se compromete a ofertar imóveis para aluguel a valores subsidiados, o que deve resultar em valores mais baixos de aluguel. Outra medida é a criação de um Programa Moradia Assistida, que visa a amparar com moradia temporária pessoas em vulnerabilidade social.

“A locação social é uma política consolidada desde os anos 20 em países como a Áustria ou Alemanha, dominante nas grandes cidades dos EUA e Canadá, praticamente em todos países da Europa. Entretanto, mencionar isso no Rio e no Brasil implica ainda em ouvir reações como se fosse proposta estapafúrdia, utópica ou ideologicamente enviesada – ‘coisa de comunista’. Tal aversão denota preconceitos entranhados, de classe, e, especialmente, de raça”, critica o secretário Fajardo em texto publicado no Twitter.

Imagem do mapa interativo da plataforma digital interativa do Plano Reviver Centro, com os bairros da Saúde, Gamboa, Santo Cristo, Lapa e Centro destacados

Mudanças nas negociações imobiliárias

Entre outras medidas, o Reviver Centro estabelece a suspensão de dívida ativa de IPTU e Taxa de Coleta de Lixo para os empreendimentos de residenciais novos ou de retrofit, além de isenção de IPTU no período da obra e redução de 50% do imposto por cinco anos (nos casos de retrofit) e três anos (para empreendimentos novos) a contar a partir da entrega das unidades. 

Projetos de construções residenciais ou de uso misto terão ainda liberação de taxas de licenciamento de obras, além de redução de ITBI para a primeira compra. As regras urbanísticas para esses empreendimentos ficam também mais flexíveis.

É prevista ainda a utilização da Operação Interligada para dinamizar reconversões de prédios comerciais para residenciais e produzir soluções de habitação social. Segundo a Prefeitura, quem executar novos empreendimentos e projetos de retrofit no Centro poderá se beneficiar da aquisição de potenciais construtivos na Zona Sul, Grande Tijuca e Zona Norte.

Já para incentivar a produção de habitação social, empreendimentos que destinarem pelo menos 20% de suas unidades para o programa de Locação Social, por um prazo de pelo menos 30 anos, poderão se beneficiar de acréscimo de até 20% na Área Total Edificada. As unidades destinadas à Locação Social terão isenção de IPTU e serão sorteadas antes da concessão do Habite-se do prédio, para evitar diferenças de qualidade de obras entre as unidades residenciais de um mesmo empreendimento.

De acordo com a Prefeitura, com o objetivo de incentivar o diálogo com a sociedade em geral, um gabinete foi criado antes mesmo da aprovação do Plano. Ao reunir representantes de associações de moradores, comerciantes e empresas, o objetivo do  Gabinete do Centro é apontar as necessidades específicas de cada localidade. 

“A recuperação e conservação contínua do calçamento, mobiliário urbano, monumentos, iluminação pública também são regras, assim como a recuperação e a contínua conservação da infraestrutura verde urbana. O plano urbano tem uma plataforma digital participativa onde os interessados podem acompanhar a dinâmica da revitalização do Centro”, aponta o texto da Prefeitura sobre o Reviver Centro.

Questionamentos

Na época da discussão do Plano na Câmara Municipal, representantes do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ) e do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU/RJ) enviaram para a Prefeitura uma análise técnica das propostas para cobrar mais esclarecimentos. O documento questionava a ausência de debates com a sociedade civil em audiências públicas e de discussões no Conselho Municipal de Política Urbana (Compur).

Os especialistas cobravam a apresentação de inventário arquitetônico detalhados das edificações protegidas na área abrangida pelo programa, além da demonstração do potencial de arrecadação da Operação Interligada, uma vez que parte dos recursos serão utilizados para a conservação dos bens protegidos.

“A oferta de habitação no Centro é um ponto chave do programa Reviver Centro, mas que não está bem definido para arquitetos e urbanistas. A proposta é promover moradia com diversidade socioeconômica para reduzir o déficit habitacional. Contudo, os mecanismos propostos tendem a ter efeitos para atendimento de famílias da classe média, com retrofits, enquanto o déficit habitacional está concentrado nas famílias de baixa renda. Para o presidente do CAU/RJ, Pablo Benetti, a política habitacional deve ser entendida como a oferta de um cardápio de soluções que deve levar em consideração: a renda dos beneficiários, as formas de financiamento, as formas de acesso (compra, aluguel, locação social)”, diz o texto publicado no site do CAU/RJ.

Em nota, a Secretaria de Planejamento Urbano reitera que o Plano tem como principal objetivo atrair moradores de diversas faixas de renda e, desta maneira, trazer vitalidade urbana e econômica para a região central. O órgão municipal reitera ainda que o Reviver Centro prevê concessão de benefícios mais amplos a empreendedores que destinarem unidades habitacionais para locação social, além de benefícios a quem promover a recuperação de imóveis históricos com finalidade de moradia.

Sobre a Operação Interligada, a Secretaria argumenta que o mais importante é seu potencial para estimular os investimentos na região do Centro. “Estudos mostram que o impacto urbanístico da Operação nos bairros da Zona Sul onde ela poderia ser usada (Ipanema, Copacabana e Grande Tijuca) seria de apenas 1% do volume construído em toda a região, percentual que os bairros poderiam absorver sem prejuízo de sua infraestrutura já instalada. Os recursos advindos da Operação Interligada serão ainda aplicados em habitação de interesse social, além da conservação de monumentos e de ações de melhorias do espaço urbano da região”, diz a nota.