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Uma universidade à deriva

Universidade Federal do Rio de Janeiro, próxima à Maré, pode suspender atividades em outubro

Maré de Notícias #126 – julho de 2021

Por Edu Carvalho

Não é a primeira vez nem será a última que você lerá sobre cortes de verbas das universidades públicas do país. Mas agora o estrago pode ser maior. Os recursos disponíveis em 2021 encolheram 37% nos últimos 11 anos, já corrigidos pela inflação. Houve um corte de 18,16% no orçamento de todas as 69 universidades federais, o que poderá afetar o andamento de mais de 70 mil pesquisas e o funcionamento das unidades de ensino, pesquisa e atendimento ao público.

 Por conta dos orçamentos reduzidos de áreas essenciais como saúde e educação, reitores de 30 das 69 universidades públicas alertaram que não conseguiriam chegar ao fim do ano com verba suficiente para suprir os chamados gastos discricionários, que são as despesas correntes como água, luz, segurança, limpeza e manutenção de espaços e equipamentos, além da compra de insumos para pesquisas e o pagamento das  bolsas para alunos de mestrado e doutorado.


Vizinha da Maré

Uma das instituições de ensino que pode suspender suas atividades é a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Com a maior parte de suas unidades instaladas na cidade universitária na Ilha do Fundão, vizinha à Maré, ela foi considerada mais uma vez a melhor instituição de ensino superior do país, segundo o ranking global QS World University Rankings 2022. A UFRJ não se resume às suas faculdades: estão sob sua direção o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/HUCFF (onde muitos mareenses são atendidos e tratados inclusive de covid-19) e outras nove unidades de saúde, além de um parque tecnológico, bibliotecas, laboratórios e museus – incluindo o Museu Nacional, a instituição científica mais antiga do Brasil, hoje em processo de reconstrução depois do incêndio que o destruiu em 2018.

‘’A situação é muito grave. Eles desbloquearam uma parte do orçamento, o que garantirá nosso funcionamento até setembro. Hoje nós temos verba para pagar luz, água, contrato de terceirizados e seguranças, o que é fundamental para a continuidade do funcionamento da universidade. Quando a gente pensa que o Ministério da Ciência e Tecnologia não está com orçamento para os laboratórios de pesquisa, a situação é ainda mais grave’’ diz a reitora da UFRJ, Denise Pires de Carvalho em entrevista exclusiva ao Maré de Notícias.

Denise Pires de Carvalho reitora da UFRJ

Denise enfatiza que, mesmo com as atividades remotas na graduação e pós-graduação, a universidade só conseguiu economizar em suas contas 20% com a pandemia. O restante foi gasto com os laboratórios de pesquisa, que não puderam parar. ‘’A UFRJ tem uma vacina prestes a entrar em testes clínicos, sem que tenhamos tido verba para isso. Olha como a universidade se reinventou. Ninguém estudava esse coronavírus, e hoje somos uma das instituições que mais registra avanços em pesquisas sobre o vírus no mundo. Isso tudo a gente faz, mas precisamos de recursos. Esses laboratórios gastam água, luz, precisam de investimento’’. 

A universidade montou uma estrutura para dar assistência aos alunos, permitindo a continuidade dos estudos e evitando a evasão. Um plano com auxílio emergencial foi traçado em 2020 para estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, incluindo disponibilizar 12 mil chips com internet e verbas para dispositivos como celulares. ‘’Esses alunos se dedicaram muito para conseguir uma vaga na UFRJ, e nós queremos que eles terminem o curso. O ensino superior causa mobilidade social, diminui a desigualdade’’, avalia a reitora. 

Para dar conta de funcionar com muito menos verba que o necessário, a Reitoria teve de remanejar os gastos para não causar o corte de bolsas, seja retirando o dinheiro dos contratos para limpeza ou diminuindo a frequência da manutenção dos jardins e canteiros. ”A grama está sendo cortada com menos frequência e o mato está subindo um pouco mais – tudo isso para que a gente possa garantir a continuidade dos alunos. Nossa equipe quer manter a assistência estudantil, pelo menos no patamar de 2020. Mais uma vez, são estudantes que estão de parabéns e a gente quer contribuir para que eles terminem seus estudos’, diz Denise.

Segundo ela, um alívio nas contas se dá através do repasse, para o HUCFF, de recursos via Ministério da Saúde, que desde o início da pandemia sustenta a contratação de pessoal. Denise revela que a verba resolve a questão da falta de pessoal (um dos grandes gargalos da universidade; o segundo está relacionado à compra de insumos).

Hoje, o HUCFF aumentou sua capacidade para quase 340 leitos por conta da pandemia, e a intenção é chegar a 400 leitos – a ampliação, porém, não está garantida. “Se o Ministério da Saúde deixar de pagar o pessoal (especificamente aqueles contratados por conta da covid-19), depois da pandemia teremos que fechar leitos pois não teremos verba para manter esse pessoal. Somos uma autarquia federal, não podemos ter contratos através de mais de um ministério. Para manter os leitos e esse pessoal, vamos precisar encontrar outra solução.”

UFRJ Cidadã

Em relação à despoluição da Baía de Guanabara, que de certa forma impacta a Maré, Denise se mostra otimista. Em 2020, deveria ter acontecido o lançamento do programa UFRJ Cidadã, com o envolvimento de toda a comunidade do entorno na limpeza da areia e programas educativos para evitar o descarte de plásticos e materiais não recicláveis no mar. ‘’Tudo isso estava previsto em uma ação do Fórum Ambiental da universidade, da Prefeitura Universitária e da Reitoria. Nós só conseguimos, de forma tímida, lançar junto à Associação de Pescadores o programa de limpeza do mar’’, diz ela. 

Há iniciativas aguardando o controle da pandemia para serem implementadas. ‘’Meu sonho é que, até o término do mandato, a UFRJ possa ser um grande centro de conscientização sobre a importância do meio ambiente e de como nós, seres humanos, podemos impactá-lo o mínimo possível. Estou confiante de que essa pandemia vai passar. Sem dúvida, precisamos de todos da região, sobretudo os jovens, para conscientizarmos os seus filhos e as futuras gerações sobre a importância de reduzir lixo, reciclar e educar’’. 

O Hospital Clementino Fraga Filho, gerido pela universidade, é referência para o atendimento dos mareenses – Foto: Ana Marina Coutinho

Maré de Notícias e UFRJ juntas em podcast

A pandemia impactou de forma diferente as favelas e periferias no Brasil, e como jornal comunitário e periférico que é, o Maré de Notícias teve grande responsabilidade na divulgação de notícias que pudessem mitigar as enormes consequências sentidas em territórios periféricos. 

Durante os primeiros seis meses de 2020, publicamos a Ronda Coronavírus no site, um espaço dedicado aos dados da covid-19 na Maré, na cidade e os seus impactos. Em novembro, ela se tornou semanal e virou a Ronda Maré de Notícias, ampliada com assuntos culturais, econômicos, políticos e sociais. E agora, esse conteúdo pode ser ouvido, através de uma parceria com o Conexão UFRJ, que produz podcasts.  ‘’A ideia surgiu da necessidade de dialogar com a comunicação que é produzida fora da universidade. A UFRJ tem centenas de projetos de extensão na Maré e estamos próximos fisicamente, então começamos a buscar veículos estruturados e que fazem jornalismo que quisessem partilhar conosco sua rotina produtiva’’, conta Vanessa Almeida, diretora de conteúdo da Coordenadoria de Comunicação da universidade.

Para Vanessa, é importante que o conhecimento produzido dentro da Academia chegue até a favela, possibilitando diálogos com quem faz parte de coletivos comunitários de comunicação. A universidade coloca-se como ator para construir novas pontes com outras entidades e instituições presentes na região e em todo o Rio. ‘’Pode ser que nós, que temos acesso direto a várias fontes, tenhamos também algo a contribuir com o Maré de Notícias. O objetivo é que seja sempre uma via dupla de construção de conhecimento’’. Todos os episódios estão no site do Maré Online e também no Spotify.

“A gente quer comida, diversão e lazer”

Campos de futebol, praças e parquinhos sofrem com falta de manutenção na Maré

Maré de Notícias #126 – julho de 2021

Por Hélio Euclides

A Constituição Cidadã de 1988, em seu artigo 6º, assegura o direito ao lazer para todos os cidadãos brasileiros, enquanto o artigo 217º menciona que o poder público incentivará o lazer como forma de promoção social. Porém, andando por praças nas favelas, é comum ver balanços sem as cadeirinhas, escorregas sem degraus e gangorras com madeiras quebradas. São brinquedos que ficam ao relento, expostos ao  sol e à chuva e, por isso, precisam de manutenção constante – algo que não ocorre em todas as áreas da cidade.

Dandaiana de Freitas mora em frente ao parquinho da ciclovia do Conjuntos Pinheiros, na Maré, alvo de promessas de uma grande obra de recuperação. É nessa pracinha que ela leva sua filha de quatro anos para brincar. “Pena que está abandonada. A última vez que o lugar recebeu brinquedos novos foi há mais de quatro anos. Desde então, há bastante lixo espalhado, brinquedos quebrados, lâmpadas queimadas e muitos espaços inutilizados”, desabafa. 

Ela e o marido botaram a mão na massa para melhorar as condições do parquinho. Onde não tinha mais balanço, utilizaram cordas novas e pneu para fazer um novo. “É um ambiente muito bom para as crianças brincarem porque é espaçoso e fechado. Mas a Prefeitura não manda nem limpar. Na minha opinião, é preciso reconstruir mesmo. Dá para colocar mais brinquedos e fazer uma jardinagem. Tudo bem elaborado”, conta. Dandaiana e outros frequentadores varrem o lugar para diminuir a quantidade de folhas e de lixo.

Apesar da degradação, o ambiente reúne famílias e acabou virando um lugar onde as mães se encontram e se tornam amigas. Dandaiana conheceu no local Gracinete Souza, moradora da Vila do João, que também tem uma filha de quatro anos. A pequena brinca no espaço desde quando tinha seis meses de vida. “Todas as crianças adoram o parquinho, porque é um bom espaço, dá para correr e aprender a andar de bicicleta, skate e patinete. Hoje o que vejo é balanço, gangorra e escorrega quebrados. Nossas crianças merecem uma praça decente, com mais brinquedos”, reivindica.

Outra coisa de que Gracinete reclama é a presença de lixo. Ela cortou o dedo em um dos mutirões de limpeza do espaço. “Nunca vi uma boa limpeza. Deveria ter lixeiras no local. Em meio a pandemia, eu e mais duas mães varremos a área. O grande perigo é que tem muitas garrafas quebradas. Nós precisamos de uma área de lazer limpa para os pequenos poderem curtir a infância”.

 Há 23 anos, a Escolinha do Mário funciona no campo de futebol localizado na ciclovia do Conjunto Pinheiros. São 250 crianças, de cinco a 12 anos, que se encontram nas tardes das terças e quintas e nas manhãs de sábados para aprenderem futebol. “Eu colocaria o dobro de crianças se o campo estivesse melhor. É preciso reformar alambrado, baliza, além de melhorar a coleta de lixo e a limpeza do valão, para diminuir o cheiro ruim. No campo de barro colocamos areia nos buracos para amenizar os desníveis”, denuncia Mário Alves, professor e treinador de futebol.

Favelas diferentes, problemas semelhantes

Do outro lado da Maré, em Marcílio Dias, os dois parquinhos da favela estão com brinquedos quebrados. As áreas precisam ser revitalizadas, tanto na praça da entrada da comunidade quanto na que fica próximo ao campo de futebol, que está com o alambrado caindo. Adriane Gerônimo, moradora de Marcílio Dias, tem uma filha que utiliza os brinquedos das praças na favela. Para ela, as pracinhas seriam melhores se a Prefeitura fizesse sempre manutenção e os moradores conservassem o espaço. 

Muitos moradores têm no futebol a única atividade de lazer na favela. E é no campo onde estão muitos dos problemas de manutenção, como os postes dos refletores, que estão rachados e com ferros expostos, podendo causar acidentes sérios. “Faz oito anos que foram colocados, sem reforma. O alambrado eu fiz remendo, mas já não adianta, a ferrugem tomou conta”, revela José Carlos, responsável pela administração do campo de futebol local. Para amenizar a situação, ele construiu os vestiários sem a ajuda dos órgãos competentes. Mesmo com todo o esforço, quando chove fica impossível jogar, pois falta o nivelamento e não há drenagem adequada. 

A situação precária dos balanços que ficam amarrados para não machucarem as crianças – Foto: Matheus Affonso

Preservar e ampliar o lazer no território

Carlos Alberto, mais conhecido como Carlinhos, gerente executivo local da 30ª Região Administrativa, avalia que há poucas áreas de lazer na Maré. “Falta balanço, gangorra, escorrega, pois lazer não é só campo de futebol. Como pode em Rubens Vaz não ter uma praça, ou no Parque União ter apenas um pequeno espaço de lazer? A Maré precisa também de mais academia para idosos”. 

Entre campos de futebol, quadras, praças e parquinhos, são 41 equipamentos de lazer na Maré. ”Seja na Zona Sul ou aqui na Maré, as áreas de lazer se deterioram, mas não se pode dizer que o povo destrói: é o uso. O problema é que lá se reforma de um dia para o outro e aqui, não”, conclui. O gerente deve buscar parcerias com instituições e associações de moradores para achar soluções, como aconteceu em Bento Ribeiro Dantas. O local, que era ponto de descarte de lixo, se transformou em uma pracinha com brinquedos por meio de uma parceria com uma empresa de contêineres. Isso pode acontecer na revitalização do Parque Ecológico, obra que Carlinhos afirma ser prioridade.

Lazer é direito de todos

Segundo a Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb), há sempre planejamento e execução de serviços de revitalização e reparo em brinquedos e mobiliário urbano nas praças e espaços de lazer da cidade. Em relação especificamente à Maré, este ano a companhia fez a revitalização na Praça da Rua Sargento Silva Nunes, na Nova Holanda, no campo de futebol que fica na Rua Celso de Maia Fonseca, no Conjunto Esperança, e no campo de futebol localizado na Via B-Nove, na Vila dos Pinheiros. Pelo cronograma, acontecerão algumas intervenções da Comlurb em outros espaços de lazer na Maré, mas não foi divulgado o prazo para que isso aconteça. A empresa também ressalta que os garis comunitários realizam regularmente a limpeza em todas as praças da região.

A Secretaria Municipal de Esportes e Lazer esclareceu que não tem o mapeamento dos equipamentos esportivos da Maré, mas garantiu saber que existem diversos projetos em muitas das comunidades da Maré. A Secretaria Municipal de Urbanismo e Cartografia do Instituto Pereira Passos informou não ter um mapeamento específico sobre os equipamentos de lazer da Maré.

A Secretaria Especial da Juventude Carioca (JUVRio) declarou que mantém projetos como o Favela Inova, o Fala Juventude e o curso “Promover para Prevenir”; além disso, deve divulgar em breve um novo programa. A Secretaria Municipal de Cultura informou que há mais de R$ 54 milhões no orçamento para projetos culturais, sendo que os patrocínios acima de R$ 500 mil terão, pela primeira vez, que reservar 20% de vagas para projetos do subúrbio. 

Em Marcílio Dias a praça foi tomada por carros. Moradores utilizam o espaço para estacionar veículos, impedindo o uso – Foto: Matheus Affonso

A Maré é um celeiro de escritores

Autores mareenses mostram a força da favela em livros 

Maré de Notícias #126 – julho de 2021

Por Hélio Euclides

Maria Carolina de Jesus, Ferréz, Sérgio Vaz, Rodrigo Ciríaco e Conceição Evaristo são alguns dos autores que sempre lutaram pelo reconhecimento da literatura da periferia como um segmento importantíssimo para a sociedade. Eles inspiram novos escritores a reproduzir via literatura a voz da favela e suas vivências. Na Maré, escritores mostram a força do território mas, apesar dos avanços, eles ainda lutam para superar dificuldades, como problemas financeiros e a falta de espaço no mercado editorial. 

“Esses escritores têm uma importância enorme pelo lugar a que pertencem”, defende o professor Rodrigo Alexandre, supervisor do Setor de Literatura Portuguesa da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Para ele, os escritores precisam que sua obra também seja absorvida fora da favela. “Acredito que é essencial existir a união de forças. Para isso, a universidade precisa acolher esses escritores; só assim ampliam-se as vozes. O grande problema é que o mercado editorial não abre as portas. É preciso entender que se existem livros de Carolina de Jesus e Conceição Evaristo não é porque essas empresas são boazinhas“, explica. Alexandre acredita que é preciso aprimorar os escritores, mostrar estratégicas e ensinar técnicas por meio de oficinas –e esse trabalho precisa ser desenvolvido em cursos de extensão da universidade. 

Uma das ferramentas de destaque para evidenciar a literatura periférica é a organização de eventos como o Congresso de Escritores da Periferia de São Paulo; a Festa Literária das Periferias (FLUPP), que acontece no Rio e já está na nona edição, com produção literária da geração de escritores favelados; e o Festival Favela Literária, cuja única edição ocorreu em 2019, também no Rio, organizado pela Central Única das Favelas (CUFA).

Segundo Alexandre, não se pode aceitar que uma criança saia da escola pública sem conseguir ter plena compreensão do que lê. “É necessário reforçar a educação para mostrar os invisíveis e, assim, termos uma nova escola. A biblioteca não pode ser o lugar do castigo, ler um livro e escrever um resumo dele não deve ser uma punição. Hoje, se troca a leitura pelas redes sociais. Ela não pode ser apenas por interesse, tipo passar no ENEM. O momento por que o país passa também atinge os escritores. O Brasil ficou mais pobre de saber, por não ter investimento em educação. Há um ministério que deseja taxar livros, um governo que corta verbas para bolsas científicas. O país tem um governo que só deseja movimentar a economia, nunca o cérebro”.

Marcos Diniz

A voz nas páginas de um livro

Para quem escreve, fica a dúvida: será que ficou bom? A desconfiança faz com que muitos escritores deixem as suas produções arquivadas. Marcos Diniz começou na escrita ainda na infância. Ele sempre guardava tudo o que produzia, o que só mudou em 2016, quando participou do seu primeiro edital, incentivado por um amigo. “Comecei a entender que alguém tinha gostado do que escrevo. Vi que ser escritor não é só ser famoso e sim, o exercício da escrita”, conta. Ele já acumula 20 antologias e mais um livro publicado.

Para Diniz, escrever é o ato de criar mundos, histórias, personagens, de tocar outras pessoas. “Desejo escrever profissionalmente, o que é algo libertador. Sou um autor da Maré, incentivo o consumo de cultura da favela. A fala na favela se fortalece e nos faz conhecer o território”, relata.

Adriana Kairos

Adriana Kairos, moradora do Parque União, tem seis livros escritos e criou o projeto A Literatura dos Espaços Populares Agora (Alepa), que estimula a produção poética e ficcional de autores oriundos de periferias. Ela reclama que o maior problema do autor periférico é a falta de recursos para a publicação de novos trabalhos. Para Adriana, a voz da periferia é necessária e precisa ser ouvida porque, durante muito tempo, outras vozes vinham de fora para dentro. “O que falta para que registros de memória e ficção de autores periféricos sejam escritos e publicados é uma política pública na área da educação e cultura”, avalia. Ela acredita que um incentivo seria a realização de eventos como saraus ou slams que, infelizmente, não são divulgados – muitos não são nem mesmo documentados. 

Matheus Araújo

Outro escritor mareense é Matheus de Araújo, morador do Rubens Vaz, que lançou em 2018 o livro Maré Cheia, numa edição da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP). De lá para cá, veio a pandemia e Matheus interrompeu a carreira de escritor pela necessidade de contribuir com a renda familiar. “Queria ter estabilidade financeira e psicológica, mas não somos escritores ricos que podem acordar cedo e ficar no quintal de casa ou na rede escrevendo num bloquinho de nota. Nós escrevemos quando estamos voltando para casa no ônibus, quando conseguimos sentar”, diz o autor, acrescentando que o retorno à atividade é um desafio, mas o momento é de paciência.

Vitor Felix

Desde que aprendeu a ler e escrever, Vitor Felix não largou mais os livros. “A minha escolha em ser um escritor começou no fim do Ensino Médio, num concurso de redações. Foi ali que descobri que a escrita podia ser levada a sério”, revela. Ele acredita que é desafiador ser autor em favela, pois isso vai na contramão do que a sociedade espera. ”Quando eu escrevo, também marco a presença da favela nesse lugar da inteligência”, diz. Felix dá dicas para quem quer escrever, como correr atrás de espaço em revistas literárias, saraus e construir uma rede de leitores aos poucos. Ele ressalta, porém, que esse é um trabalho de resultados a serem colhidos no longo prazo.

Sara Alves

Muitos escritores escrevem sobre o que presenciam no território. Sara Alves, moradora da Vila do João, tem dois livros publicados e sabe que é preciso muita luta: pobres sempre escreveram, só não são valorizados. “Temos o excepcional exemplo de Carolina Maria de Jesus. Minha escrita é mais que terapia, é uma maneira de expor meu olhar, minha indignação, tristeza, lutas e direitos. Diante da complexa realidade em que vivo, com o contexto sociopolítico e econômico, a escrita foi surgindo como uma forma de desabafo”, conta a autora, enfatizando ser indispensável o incentivo à leitura e o direito à educação.


Iniciativas que incentivam novos escritores

Crianças usuárias das bibliotecas Lima Barreto e Jorge Amado exibem os livros que escreveram em atividades nas salas de leitura – Arquivo Biblioteca Lima Barreto

O projeto Livro Labirinto nasceu em 2017, numa parceria entre a Caju Conteúdo e Projetos e a Redes da Maré. Uma das atividades realizadas é o clube de leitura da Biblioteca Lima Barreto, na Nova Holanda. Em tempos pandêmicos, as leituras coletivas têm acontecido de forma remota. No momento, as crianças estão lendo o livro Amoras, do cantor e compositor Emicida, enquanto os jovens iniciam o ciclo sobre Torto Arado, de Itamar Vieira Jr., e Memórias da Plantação, da artista e pensadora Grada Kilomba.

Outra iniciativa acontece no Espaço de Leitura Jorge Amado, que fica na Lona Cultural Municipal Herbert Vianna. São atividades literárias, como encontro com autores e rodas de conversas, onde as crianças são estimuladas a escrever e produzir suas próprias histórias. Em parceria com o projeto Escritor Para o Futuro, foi possível produzir livros, nos quais as crianças são protagonistas, escritores e ilustradores das histórias que elas mesmas criam. Os livros são Maré de Alegria e Maré Herança Ancestral. “Quando leio, aprendo coisas novas. Quero mostrar como é a Maré, falar das coisas boas, que muitas pessoas não veem”, diz Marina de Souza, de 10 anos, moradora da Nova Holanda.

Alunos e professores mobilizam-se para retorno de CIEP na Vila dos Pinheiros

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CIEP Ministro Gustavo Capanema está fechado desde 2019 para obras

Por Hélio Euclides, em 05/07/2021 às 07h. Editado por Edu Carvalho

“O tesouro da Maré é a criançada”, disse Darcy Ribeiro quando esteve no conjunto de favelas na década de 1980. O antropólogo e vice-governador. na época, discursou para mostrar o que era o projeto dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs). Desde a sua criação, em 1985, até hoje, muita coisa mudou. O projeto inicial dos “Brizolões” foi abandonado. A situação ainda é pior no CIEP Ministro Gustavo Capanema, localizado na Vila dos Pinheiros, que há dois anos se encontra fechado, após o início de uma obra que não chega ao fim. Para mudar essa situação, alunos e professores se uniram em uma aula pública para pedir o fim da restauração e o retorno das atividades na escola. 

O CIEP Ministro Gustavo Capanema, que tem cerca de 500 alunos, completou 36 anos e nem de longe lembra o projeto desenhado pelo arquiteto Oscar Niemeyer. No dia 14 de novembro de 2019, o Diário oficial do município trazia a boa notícia da obra de restauração do CIEP, no valor de R$ 3.294,161,21. A obra tem como responsabilidade a Secretaria Municipal de Infraestrutura Habitação e Conservação (SMIHC), por meio do contrato nº 172/2019. No processo nº 07/005.220/2019 tinha ainda como interveniente a Empresa Municipal de Urbanização (Rio-Urbe), que é responsável pela fiscalização. Os servidores, que têm o papel de acompanhar a execução da restauração é Vicente Carpintier Trilha, Renan Ricardo Rodrigues Nogueira Pinto e Miguel Simões de Lima.

O que seria a realização de um sonho, virou um pesadelo. A empreiteira Irmãos Haddad Construtora Eireli receberia o dinheiro em três parcelas, para a reforma no prazo de 180 dias. A empresa recebeu apenas a primeira parte, já que a Prefeitura alegou que a obra não foi realizada como deveria, pois só foi concluída a troca do telhado e a recuperação dos portões e corrimões. A construtora, por divergência de opinião, interrompeu a obra. A direção da escola enviou um dossiê para a Secretaria Municipal de Educação (SME) que admitiu que a obra foi suspensa pela gestão anterior e que só retornaria no próximo ano.

Aula pública no CIEP Ministro Gustavo Capanema, na Vila Pinheiros.
Foto: Hélio Euclides

A escola que queremos

Na noite de quinta-feira (30/06), alunos e professores estiveram na unidade escolar e com a utilização das luzes dos celulares visitaram os dois andares, que se encontram as escuras, com a parte elétrica danificada. Os presentes entraram nos corredores e salas de aulas que estão com paredes sem acabamentos e janelas com vidros quebrados. Alunos lembraram que a escola passou por ação do tempo, depredação, realização de bailes e por fim, uma obra interrompida, que foi a gota d’água para a degradação. 

Mãe de dois filhos que estudaram na escola, Francisca Aparecida, moradora da Vila dos Pinheiros, é também aluno da unidade no Peja II, referente do sexto ao nono ano do ensino fundamental. Ela lembra que estudava num prédio que tinha a limpeza adequada, lanche e iluminação. “Me assustei com o estado precário que encontrei a escola, entregue às baratas. O prefeito precisa retribuir os votos que recebeu, com investimento na educação. Queremos o CIEP de volta, por isso estamos aqui para abraçar a causa da reconstrução da escola. O CIEP é nossa segunda casa”, comenta.

Na segunda parte da aula, todos assistiram a um vídeo intitulado: “E aí, vamos sonhar juntos?” Que mostrou em três minutos a história do colégio. Depois a professora Fátima Barros, coordenadora da 4ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) mencionou que trabalhou no colégio e por isso tem um carinho especial pela unidade. Também lembrou que a obra foi uma conquista, que foi uma ação de muitas gestões. “Foi luta na unha. Essa interrupção é um desrespeito. Devemos cobrar, pois o que foi feito não vale um milhão. Para piorar, com o abandono daqui a pouco vai ser necessário um novo telhado. Acredito que esse ato é importante, pois o povo organizado tem força”, diz. Ela avisou que haverá uma reunião entre o secretário de educação e uma comissão do CIEP na manhã de quinta-feira (08/06). 

Ao final, os presentes fizeram falas em defesa do retorno às aulas no prédio do CIEP. “O ensino que tive aqui me acompanha na vida pessoal, social e acadêmica. Lembro que o meu pai, quando veio da Paraíba, ajudou na construção da escola. Outro fato marcante foi o documentário Brizolão que fizemos em 1992 (https://nuvela.vercel.app/), que defende o Ciep, pois educação é um direito. Hoje estou aqui num reencontro comigo mesmo, algo que contribui para o meu futuro”, destaca Leonardo Melo, ex-aluno.

Alunos enfatizaram a responsabilidade da Prefeitura e o papel da comunidade escolar, sobre a demora na obra ao qual contribui para a perda da identidade das crianças pelo CIEP. Eles ainda questionaram quando vão retornar ao prédio. Desde o início do restauração, os alunos do diurno estão estudando de forma compartilhada na Escola Municipal Vereadora Marielle Franco, que fica no Salsa e Merengue. Já os alunos do turno noturno estão estudando na Escola Municipal Paulo Freire.


Secretaria de Saúde do Rio investiga suspeita de aplicação de vacinas fora da validade; até o momento, nenhuma unidade aplicou doses vencidas

Ao todo, 741 pacientes foram investigados e outros 15 permanecem sob avaliação

Por Edu Carvalho, em 05/07/2021 às 7h

No último sábado (03/7), a Secretaria Municipal de Saúde do Rio informou que, após uma verificação dos dados de todos os 756 casos de vacinação com suspeita de aplicação de doses fora da validade, constatou que nenhuma de suas unidades aplicou doses vencidas.

O comunicado foi feito nas redes sociais da Secretaria, que desde a tarde de sexta-feira (02/7) vem recebendo mensagens sobre vacinas que poderiam tem passado da validade, como publicou a Folha de São Paulo, que identificou pelo menos 26 mil doses vencidas de oito lotes da vacina AstraZeneca aplicadas em diversos postos de saúde do país até 19 de junho. A campeã no uso de vacinas vencidas é Maringá, que aplicou em 3.536 pessoas uma dose da AstraZeneca fora da validade

Ainda segundo a Saúde, foram contactados 741 pacientes e em nenhum desses casos houve aplicação de dose fora da data de validade do imunizante. ”Os registros desses casos continham erros no sistema e a grande maioria já foi corrigida. Os demais estão em processo de ajuste”, traz a publicação.

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), responsável por produzir a vacina AstraZeneca no Brasil, afirma que os lotes citados no texto não foram produzidos pela Fundação. Leia abaixo o comunicado da instituição:

”Parte dos lotes (com numeração inicial 4120Z) é referente aos quantitativos importados prontos do Instituto Serum, da Índia, chamada de Covishield, e entregues pela Fiocruz ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde (MS) em janeiro e fevereiro deste ano. Os demais lotes apontados foram fornecidos pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/OMS).

Todas as doses das vacinas importadas da Índia (Covishield) foram entregues pela Fiocruz em janeiro e fevereiro dentro do prazo de validade e em concordância com o MS, de modo a viabilizar a antecipação da implementação do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, diante da situação de pandemia. A Fiocruz está apoiando o PNI na busca de informações junto ao fabricante, na Índia, para subsidiar as orientações a serem dadas pelo Programa àqueles que tiverem tomado a vacina vencida”.