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Seis anos é tempo demais!

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Para a resolução de qualquer crime

Jéssica Pires*

Família, amigos, companheira, eleitores, seguidores ou aqueles que não concordavam com aquele corpo ocupando aquele espaço, quem desejava que sua voz ecoasse mais, ou quem quiz a calar: ninguém imaginava. 

Já no dia seguinte do crime, que interrompeu a vida de Marielle e de Anderson Gomes, esse movimento se deu e o retrato disso é aquela icônica imagem da Cinelândia e ruas próximas ocupadas por pessoas que gritavam indignação. 

Perguntas sem respostas

No entanto, se tão pouco acreditava-se na possibilidade de um crime dessa natureza ocorrer, em pleno 2018, em plena cidade do Rio de Janeiro; não imaginava-se também esse movimento se criar. Ainda mais difícil de compreender é o fato de seis anos terem se passado e todas essas pessoas ainda não terem respostas sobre diversas perguntas.

Quem mandou matar Marielle? Qual a motivação do mandante do crime? Por que ainda não se avançou na investigação sobre a autoria intelectual do crime? Quem desligou, como e a mando de quem as câmeras de segurança do trajeto de Marielle e Anderson percorreram? Por que não existe uma atuação coordenada das instâncias em níveis estadual e federal sobre a elucidação do caso de Marielle e Anderson? Houve tentativa de fraude nas investigações? Por quem? 

Essas são algumas de uma série de perguntas sistematizadas pelo Instituto Marielle Franco, organização fundada pela família de Marielle como meio de lutar por justiça, defender sua memória mas também fortalecer outras mulheres que seguem movimentando estruturas e lutando por uma sociedade mais justa; mas também ecoadas por diversas pessoas e organizações que não naturalizam uma barbárie como essa. 

Acesso à Justiça

O acesso à justiça de famílias e vítimas da violência no Rio de Janeiro e no Brasil é historicamente alarmante. Infelizmente, o ano do assassinato de Marielle coincidiu com o crescimento representativo de uma onda conservadora que naturaliza a violência, tanto no campo institucional como em resultado de práticas de políticas públicas.

Quando olhamos para os dados das favelas e periferias o cenário é pior. No Conjunto de Favelas da Maré, só este ano já aconteceram sete operações policiais. Nessas, três pessoas foram assassinadas. Nos três casos, apenas em um — quando o jovem Jefferson Costa foi assassinado com um tiro à queima roupa às 11 horas, em plena Av. Brasil — foi realizada perícia no local. O que já evidencia a impossibilidade do acesso à reparação dessas famílias.

No caso de um crime político, como o de Marielle e Anderson, a demanda por justiça e reparação se faz ainda mais urgente, pela óbvia manutenção da democracia e o recado de intolerância dado junto à esse assassinato cruel.

A violência cometida contra mulheres, sobretudo mulheres pretas, que estão em cargos públicos, de 2018 pra cá, infelizmente não parou de crescer. São diversos casos, como os constantes e diversos ataques à Benny Brioli, vereadora de Niterói e primeira travesti eleita no Estado do Rio (PSOL).  

Lembrando que esse contexto coexiste com a Lei de Enfrentamento à Violência Política sancionada (Lei 14.192/2021), que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher durante as eleições e no exercício de direitos políticos e de funções públicas. 

O Instituto Marielle Franco e outras organizações da sociedade civil também têm pensado ações e projetos pelo enfrentamento a violência política contra mulheres negras.

Sementes de Marielle

Quando Marielle foi eleita e dois anos depois assassinada, apenas outras duas mulheres negras e de favela — Jurema Batista e Benedita da Silva — haviam ocupado assentos equivalentes na câmara municipal do Rio de Janeiro. 

As mulheres, sobretudo as pretas e de favelas ou periferias, são protagonistas de lutas por justiça e direitos, e não é de hoje. Porém após esse crime que ganhou repercussão internacional, tanto na política institucionalizada quanto na frente de organizações, coletivos e movimentos sociais, muitas vozes, corpos e cores surgiram e se fortaleceram pela luta de direitos. 

Como iniciamos falando, ninguém imaginava o movimento que se criaria, porém ainda sem respostas, e ainda vivendo desafios na garantia de direitos para mulheres, pessoas pretas, LGBTQIAPN+, de favelas, quilombos, indígenas seguimos na urgência de pautas e práticas antirracistas, antiLGBTfóbicas, feministas e populares, inspiradas no legado de Marielle Franco. Justiça e reparação nesse março de 2024. 6 anos é tempo demais!

*Jéssica Pires é jornalista e colunista do Maré de Noticias

Festival 14M celebra legado e pede justiça por Marielle e Anderson

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Hoje completam seis anos desde que a vereadora foi morta junto com Anderson, seu motorista. Festival na Praça Mauá reúne público numa homenagem cultural

O Festival Justiça por Marielle e Anderson acontece nesta quinta-feira (14), na Praça Mauá, a partir das 17h, no dia em que completam seis anos da morte da vereadora e seu motorista Anderson. O evento é gratuito e reúne diversos artistas sendo alguns deles do Conjunto de Favelas da Maré, local de origem de Marielle.

Kaê Guajajara, Dance Maré, Preta QueenB Rull compõe o grupo de artistas da Maré que vão se apresentar numa programação que se estende até as 22h. Além deles, a line-up do evento conta com DJ Duhpovo, Thiago El Niño, Delacruz, Evy, Yóun, Marcelle Motta e Teresa Cristina, Os Garotin, Ebony e Urias. Clique aqui para conferir os horários e a programção completa.

Em paralelo às atrações no palco, o evento conta com o Espaço Coruja Abdias, Carolina Maria e Marielle, no Museu de Arte do Rio, que tem como referência um dos principais projetos de lei da vereadora: a criação do Espaço Infantil Noturno no Rio, uma solução imediata a realidade de milhares de mães e pais que estudam ou trabalham à noite e não tem com quem deixar suas crianças pequenas. Para além de uma homenagem cultural, o festival celebra o legado de Marielle, luta por justiça, memória e reparação.

BRT Transbrasil: novo corredor promete facilitar a chegada dos mareenses ao centro da cidade

Após quase dez anos de obras e três mandatos da Prefeitura do Rio de Janeiro, BRT Transbrasil inicia fase de testes

Maiara Carvalho*

O Terminal Intermodal Gentileza (TIG) foi inaugurado em fevereiro, com cerimônia idealizada pelo prefeito Eduardo Paes e participação do presidente Lula, além de outras autoridades federais e municipais. Localizado no antigo Gasômetro do Rio de Janeiro, próximo à Rodoviária Novo Rio, o projeto busca integrar três tipos de serviço de transportes públicos: ônibus, VLT e o novo corredor de BRT Transbrasil.

A promessa é que o espaço consiga facilitar o acesso à Zona Central da cidade, conectando bairros de todas as partes da capital. No entanto, a operação acontece de forma gradual, e nesta primeira fase, o corredor Transbrasil não funcionará em sua totalidade. Já o VLT receberá mais uma linha que funcionará, assim como as antigas, ligando diversos pontos da região, além das linhas de ônibus que funcionarão dentro do Terminal.

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BRT Transbrasil

A primeira fase de operação do Transbrasil se estende, segundo a Prefeitura do Rio, até o dia 30 de março, na qual o novo corredor servirá apenas de passagem para o Terminal Gentileza. Saindo da estação Penha, com paradas em Ibiapina, Olaria, Cardoso de Morais e Santa Luzia, os ônibus articulados seguem até o terminal, sem paradas, a cada dez minutos, entre 12h e 14h.

Após a fase inicial, o BRT Transbrasil começa a funcionar de Deodoro até o TIG, com paradas em todas as estações do percurso, de 10h às 15h.  Até lá, as estações seguem sendo inutilizadas, mas com monitoramento aéreo das mesmas e das faixas seletivas que vão ser usadas, em breve, na Avenida Brasil. 

Maré e a espera ao BRT

O projeto BRT Transbrasil foi iniciado em 2015 e a proposta era que sua entrega acontecesse no fim de 2017. Contudo, as obras duraram quase dez anos, passando por três mandatos da Prefeitura do Rio de Janeiro. Em diversos momentos as atividades afetaram diretamente o trânsito de uma das principais vias de mobilidade da cidade, e consequentemente, a rotina dos moradores da Maré, que em sua maioria, utilizam diariamente a via para se locomover. 

As favelas que compõem o Conjunto de Favelas da Maré podem contar com seis estações do corredor Transbrasil, próximas aos pontos de ônibus do território (algumas já finalizadas, outras em andamento). A proximidade contribui positivamente para o uso do meio de transporte que está em implementação. Na fase inicial, os horários não atendem a quem precisa usar o serviço durante os períodos de maior demanda, o que se espera que seja modificado brevemente, após as fases de teste. 

Será que vai dar conta? 

Como já se sabe, os moradores de Campo Grande não foram incluídos no projeto de Eduardo Paes, e em caso de optarem pela agilidade prometida pelo prefeito para chegar até a parte central da cidade, terão que pegar uma condução até o Terminal Deodoro, seguir até o Gentileza e fazer baldeação até o Centro, totalizando três meios de transporte. Por um lado, há o benefício de não precisar passar por um possível engarrafamento na Avenida Brasil, por outro, há o cansativo processo para chegar até o destino, e o receio de que a frota não dê conta da demanda de passageiros que vão utilizar o serviço.

Pensar na possibilidade de que, após anos de espera, o Transbrasil não suporte o fluxo de pessoas dependentes do novo corredor e se torne mais um problema de mobilidade urbana da cidade, pode ser frustrante para os cariocas. 

Para o pesquisador Juciano Rodrigues, do Observatório das Metrópoles, a problemática do novo corredor se inicia pela falta de diálogo mais aprofundada com a sociedade, em decidir se o BRT Transbrasil seria, de fato, uma boa solução para interligar os dois pontos da cidade em que percorre os mais de 58 quilômetros de uma via fundamental da cidade. No entanto, quando perguntado sobre o Terminal Gentileza, ele acredita que o bairro escolhido foi pensado de forma estratégica para revitalizar e reestruturar a Zona Portuária,  e consequentemente, valorizar o mercado imobiliário.  Diz ainda que,  para os novos serviços (TIG e Transbrasil) funcionarem de forma eficaz, além do nível de oferta de transportes, é necessário também políticas de micro acessibilidade que possibilitem o uso dos meios de forma segura. 

“A princípio, é de se esperar que o acesso por ônibus para a área central melhore satisfatoriamente para a população da Maré e dos demais bairros adjacentes à Av. Brasil.”

*Maiara Carvalho é estudante de Rádio e TV da Universidade Federal do Rio de Janeiro e faz parte do projeto de Extensão Conexão UFRJ com o Maré de Notícias.

Caso Michael: trabalhador foi morto na sétima operação policial da Maré 

O jovem paraibano veio para Maré realizar sonho de ser operador de som

A sétima operação policial em 2024 na Maré, realizada na última quarta-feira (6), deixou mais uma vítima: o padeiro Michael Schumacher, de apenas 29 anos. Oriundo da Paraíba, o jovem veio para Maré aos 15 anos, com a perspectiva de conseguir melhores condições de trabalho e realizar o sonho de se tornar operador de som automotivo. Michael saiu como de costume às 4:20h da manhã do Salsa, uma das favelas do Conjunto de Favelas da Maré, para trabalhar.  Ele cruzava o Rio de Janeiro para chegar até a padaria na Zona Sul, emprego que ele mantinha desde que chegou no estado. Infelizmente, naquela madrugada, Michael foi atingido por disparo de arma de fogo, se tornando mais um trabalhador que perde a vida de forma violenta durante ações policiais no território.

Como se já não bastasse ter o maior dos direitos ceifados, o corpo do padeiro ficou estirado ao chão, sem socorro, sem reconhecimento e sem perícia: 

“A pior parte foi a polícia não ter prestado socorro. Deixaram ele no chão, jogado e os próprios moradores tiveram que levar ele pro UPA. Se tivessem prestado socorro, será que ele teria morrido?” questiona Luciana, cunhada da vítima.

Emocionada, Núbia, a irmã de Michael conta que os pais, que moram na Paraíba, estão muito abalados: “Meu pai está muito doente, minha mãe está à base de medicamentos e estão muito abalados. Eles não têm condições de vir pra cá. Vamos dar um jeito de levar pra lá, juntar os amigos, os familiares e cada um dá um pouquinho pra ele descansar onde nasceu”, diz. 

Em relato exclusivo ao Maré de Notícias, a família do jovem informa que a única evidência do ocorrido é a mochila do rapaz com a perfuração que a bala deixou. O material foi entregue à família em uma sacola pela Unidade de Pronto Atendimento da Vila do João.

Para identificar o rapaz, a família precisou abrir a mochila coberta de sangue e pegar os documentos que ele carregava ao lado da carteira de trabalho: “Só entregaram. Disseram que eram os pertences que estavam com ele e que não acharam os documentos. Tivemos que revirar a mochila e achamos a carteira encharcada de sangue e com a identidade”, conta Luciana. O corpo de Michael ficou cerca de sete horas na UPA aguardando a remoção pela Defesa Civil. 

Inicialmente, a Polícia Militar declarou que não havia registro de óbito durante a referida operação. No entanto, ao ser questionada novamente no dia seguinte, a resposta foi que “as investigações sobre o fato estão sob responsabilidade da Polícia Civil, e a SEPM [Secretaria de Estado da Polícia Militar] está colaborando integralmente com os procedimentos.” Sobre a omissão de socorro, o órgão não respondeu.

O eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré e o Maré de Notícias seguem acompanhando o caso de Michael Schumacher.

‘Cinema Nosso’ exibe filme em homenagem a Marielle Franco

Ação é em apoio à 8ª Campanha dos 21 Dias de Ativismo contra o Racismo

A instituição sociocultural Cinema Nosso preparou uma série de atividades especiais e gratuitas para marcar sua participação na 8ª Campanha dos 21 Dias de Ativismo contra o Racismo, no mês de março. A última delas, o Cine Debate especial em homenagem a Marielle Franco, com a exibição gratuita do filme “Sementes: Mulheres Negras no Poder”, dirigido por Éthel Oliveira e Júlia Mariano. Fora o longa, o público assistirá o primeiro episódio da série “Sob Traçantes”, de Luís Lomenha, que conta a história dos familiares da vereadora Marielle. O evento acontecerá nesta quinta-feira (14), às 18h30, data que marca os seis anos do assassinato da parlamentar.

A sessão será aberta ao público, com prioridade para mulheres negras, trans, indígenas e/ou refugiadas e acontecerá presencialmente no Cinema Nosso (Rua do Rezende, 80 – Centro). O objetivo das ações é promover reflexões sobre questões de gênero, raça e empoderamento, além de homenagear figuras importantes da luta contra o racismo e pela igualdade de direitos. As atividades foram cuidadosamente planejadas para envolver e inspirar o público. As inscrições podem ser feitas pelo formulário on-line até quarta-feira (13).

Maria Amélia: trajetória da líder comunitária que ainda inspira resistência e luta na Maré

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Maria Amélia construiu uma história junto a movimentos políticos de base comunitária, que culminou na gestão da Associação de Moradores da Nova Holanda

Por Andreza Jorge e Henrique Silva

Edição #158 – Jornal Impresso do Maré de Notícias

Maria Amélia Castro e Silva Belfort, que hoje dá nome à uma escola municipal localizada no Campus Maré, foi uma líder comunitária, empreendedora, compositora, ativista e mãe de seis filhos. Foi removida compulsoriamente de casa na extinta favela Praia do Pinto (na zona Sul do Rio) no final dos anos 60 para a favela Nova Holanda.  Mas, ainda como moradora da Praia Pinto, já atuava como ativista nas lutas populares. 

Ao chegar na Nova Holanda, construiu uma trajetória junto a movimentos políticos de base comunitária, que culminou na gestão da Associação de Moradores da Nova Holanda. A organizada, denominada Chapa Rosa, contava com Eliana Sousa Silva, hoje diretora da Redes da Maré,  como presidente. A associação foi responsável por reivindicar políticas públicas fundamentais para o território.

Inspiração

Em entrevista para a pesquisa: A Nova Expressão das Mulheres da Periferia, realizada em 2009, pelo Centro de Atividades Culturais, Econômicas e Sociais (CACES), Eliana Sousa Silva destacou a importância de Maria Amélia no processo de mobilização comunitária e na construção de sua própria trajetória como liderança feminina de favela.

“Havia um grupo de mulheres através do qual tinha se consolidado uma forte tradição: toda luta daqui passou pelas mulheres. Tinha uma mulher chamada Maria Amélia Castro e Silva Belfort, que foi com quem aprendi e entendi muito sobre a necessidade de nos organizarmos como moradores. Ela me inspira no trabalho que faço ao longo dos anos. Ela foi fundamental e fez muita coisa acontecer aqui. Ela fazia parte de um grupo chamado: Grupo de Mulheres que lutava exatamente pelas necessidades mais básicas dos moradores. Então, a água que a gente tem hoje é fruto da luta dessas mulheres, assim como a creche.”, explica.

A força de Maria Amélia era um exemplo, pois chegava a lugares impensáveis para mulheres pobres, faveladas, mães. Como parte estruturante da ética feminista, o reconhecimento e fortalecimento de lideranças mais jovens é fundamental para continuidade da luta pelas mulheres por transformação social coletiva. 

Carta ao presidente

No ano de 1979, Maria Amélia redigiu uma carta ao recém-empossado presidente João Figueiredo, que tinha anunciado o Projeto RIO para o Conjunto de favelas da Maré. O conteúdo da carta reflete uma abordagem centrada na aproximação, partindo de uma narrativa comunitária.

Rio de Janeiro, 23 de julho de 1979,
Excelentíssimo Sr. Presidente dos estados unidos do Brasil: João Batista Figueiredo

Não vou pedir nada a vossa senhoria em particular. Como brasileira que sou, creio que o momento é, não de individualização, sim de comunitarismo, creio que todos os cidadãos devem pensar em termos de pátria, nação! Coletividade.”
(Fonte – Arquivo Nacional)

Mobilização cultural

Maria Amélia, nos brinda com diversos exemplos da atuação política dela, como a participação na organização do 1º Encontro Popular pela Saúde, realizado na Cidade de Deus, em 1980. No evento foi apresentado um documento produzido pelo Grupo de Mulheres sobre os problemas enfrentados na Maré e ela escreveu um samba como registro criativo e poético marcando essa  participação:

Lutando contra o azar
Unidos sempre a cantar
Soubemos organizar
O primeiro encontro popular 
Foi tímido foi temido
Mostramos a muita gente
Que não somos formados de bandidos 
Sem confusão… Sem confusão
Sem pires na mão, sem pires na mão

Maria Amélia

Compreendendo a importância das práticas culturais, Maria Amélia também estava implicada coletivamente com outros grupos do território, como o Bloco Carnavalesco Mataram meu Gato. Havia um desejo de mobilizar os moradores para a participação política e, a aproximação do Grupo de Mulheres com  a quadra de samba, foi crucial para o reconhecimento desse grupo como ator político do território. Em entrevista para o jornal Favelão – A voz dos favelados, em 1982, Maria Amélia declarou:

“Como não conseguia mobilizar o pessoal para formar uma associação que é uma necessidade, consegui mobilizar para o bloco, que agora tornou-se um lugar familiar. O bloco ‘mataram o meu gato’, é praticamente o único lazer em Nova Holanda. Conseguimos mesmo, este ano, que o samba que seria cantado no carnaval, não fosse escolhido no gabinete, e foi escolhido na quadra.”

Feminismo favelado

Há uma urgência em resgatar essas ações e lançá-las sob a luz do agenciamento existente nos feminismos favelados que emergem de um olhar concreto na vivência diária e na opressão que atravessa cotidianamente esses corpos, ainda que de forma diferente e desproporcionais. Não existe um feminismo universal!

Ainda, na entrevista ao jornal FAVELÃO – A voz dos favelados, em 1982, quando perguntada sobre: “O que representou o Dia Internacional da Mulher?”, Maria Amélia respondeu:

“Não representou nada para a mulher favelada, é um dia comercial. Na vida comunitária pode ser um dia, quando nos juntamos não para tirar o sutiã em praça pública, mas para reivindicar os nossos direitos”.

Seguindo este mesmo pensamento, Maria Amélia foi uma figura crucial no 3º Encontro Feminista Latino-Americano, que aconteceu na cidade de Bertioga, no Estado de São Paulo, em 1985. Ela compareceu ao evento  em um ônibus fretado, cheio de lideranças femininas de favelas do Rio de Janeiro, como forma de protesto, reivindicando a participação e denunciando a ausência de mulheres faveladas no Encontro.

Todas essas ações foram fundamentais para uma efervescência de liderança e mobilização comunitária que culminou na luta por reconhecimento desse território como um bairro.


Seguimos aprendendo com as que vieram antes de nós e abriram caminhos para sonhos maiores. Enaltecer os 30 anos de bairro Maré é celebrar a luta das mulheres e suas insurgências e seus feminismos favelados. É uma celebração plural, cheia de mãos e corações. É celebrar Maria Amélia e sua força criativa e insistente, enaltecendo quando na vida comunitária precisamos nos unir pela garantia do Direito a vida, contra o genocídio dos homens e meninos de nossa comunidade, contra a desumanização e reivindicação de nosso direito de existir.