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No Mapa Cultural do Rio: Vem aí o Viradão Cultural da Rocinha!

Iniciativa reúne mais de 50 projetos da favela e representa um marco na conscientização do potencial sociocultural

Nos dias 6 e 7 de julho, vem aí o Viradão Cultural da Rocinha! O evento multicultural é realizado pelo Fala Roça, uma organização de comunicação sem fins lucrativos sediada na Rocinha, que atua no desenvolvimento social através do fomento à comunicação e cultura há 11 anos. O evento cultural será realizado na Biblioteca
Parque da Rocinha C4, localizado na estrada da Gávea, nº 454. A entrada é gratuita e qualquer pessoa pode participar.

O Viradão Cultural visa promover a visibilidade dos pontos culturais identificados no Mapa cultural da Rocinha, plataforma colaborativa criada pelo Fala Roça. “Vamos reunir mais de 50 iniciativas locais identificadas para fortalecer a raiz cultural da Rocinha, mas também para conectar os projetos culturais aos moradores das favelas do Rio de Janeiro”, afirma Monique Silva, diretora de gestão de projetos.

Das 10h às 21h, da manhã de sábado (6/7) até a noite de domingo (7/7), o evento ocupará os quatro andares da Biblioteca Parque Rocinha – conhecida também pelos moradores como C4, que significa Centro de Convivência, Comunicação e Cultura. A programação será diversificada, incluindo debates, apresentações de teatro, música, dança, exposições de artes, grafites, fotografias, artesanatos, exibição de curtas e
documentários, como a Via Sacra da Rocinha.

A programação do Viradão Cultural da Rocinha também terá palestras sobre o apoio do comércio e turismo para a cultura local, acessibilidade e inclusão cultural nas favelas, captação de recursos, entre outros assuntos. Inclusive, o evento contará com ações de acessibilidade, que incluem interpretação em LIBRAS nos debates, para garantir a inclusão de pessoas com deficiência (PCD). Ainda, terá pontos de
hidratação, com apoio da concessionária Águas do Rio.

Para além da importância cultural e do entretenimento oferecido, o Viradão Cultural da Rocinha visa proporcionar um impacto socioeconômico no território, fomentando a economia criativa local. Para isso, contará com 30 barracas com comidas de empreendedores dos projetos culturais do Mapa Cultural da Rocinha, que hoje tem 124 iniciativas cadastradas.

Por isso, oferecerá remuneração para as 50 iniciativas do Mapa Cultural da Rocinha cadastradas e que foram selecionadas para participar do evento. “Nosso objetivo é incentivar a formação de redes de conhecimento e parcerias entre grupos culturais e conectar os moradores com essas iniciativas”, explica Michel Silva, diretor institucional do Fala Roça.

O evento tem apoio do Governo do Estado, através da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro, que administra a Biblioteca Parque Rocinha C4. Também conta com apoio do Governo Federal a partir da Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar 195, de 2022), via Ministério da Cultura. A lei foi elaborada para garantir a distribuição eficiente dos recursos e a execução de projetos em todo o território nacional.

O Viradão Cultural da Rocinha busca evidenciar a rica produção cultural da favela, fortalecendo a raiz cultural do território. Além disso, o evento anseia contribuir para a retomada da cultura no território periférico, incentivando à participação, integração e, até colocar a Rocinha no calendário de eventos culturais do Estado do Rio de Janeiro. O evento tem apoio institucional da Secretaria Nacional de Periferias, via Ministério das
Cidades e da plataforma Mapa das Periferias, e da União Pró-Melhoramento dos Moradores da Rocinha (UPMMR). Apoiam ainda o Viradão Cultural da Rocinha, os comércios locais: Via Trattoria, Mirante da Rocinha, Firma Telecom e Gráfica NG.

Monitoramento da Redes da Maré expõe desrespeito à ADPF das favelas em operações policiais

Às vésperas do lançamento do 8º Boletim Direito à Segurança Pública na Maré, uma operação iniciada na terça-feira, que durou mais de 32 horas, deixou seis pessoas mortas, sete feridas e 140 mil em pânico, prova a importância do levantamento de dados para o controle social da atividade policial. Em 2024, chegamos ao triste total de duas pessoas mortas por mês no Conjunto de Favelas da Maré em operações policiais. O número já é maior que o do ano passado, onde ocorreram oito mortes durante 34 operações.

Os dados anuais do boletim relativos a 2023, mostram que o desrespeito à ADPF 635, ou ADPF das Favelas, é uma conduta do Estado. No ano passado, a polícia descumpriu sistematicamente seis preceitos da ação; só na operação desta semana, foram desrespeitadas cinco recomendações.

Um dos destaques foi a ausência no uso de câmeras corporais pelos agentes da segurança pública, importante dispositivo para combater ilegalidades durante as operações. Em 2023, somente em sete das 34 operações policiais foi observado o uso de câmera de vídeo nos uniformes dos agentes. A ausência de perícia em situações de morte também chama a atenção.

Em nenhuma das oito mortes ocorridas foi realizada a perícia e, em quatro delas, houve indício de execução. Apenas uma das cinco mortes ocorridas na operação desta semana passou por perícia, ocorrida no local onde o policial morreu. Prova de que a ausência desse importante elemento para eventuais processos de responsabilização não é um caso isolado.

O Estado cometeu 211 violações de direitos humanos durante as incursões dos agentes de segurança pública no conjunto de 15 favelas da Maré ao longo de 2023. A mais recorrente foi a invasão de domicílio, que aconteceu em 77% das operações, seguida de dano ao patrimônio. Em terceiro lugar, vem o furto de pertences e em quarto lugar, ameaça. Existe maior incidência de violações de direitos em operações policiais planejadas, o que denota um modus operandi que desrespeita o morador e que não segue qualquer tipo de protocolo de controle e uso da força por parte do Estado.

Esses são alguns dos dados apresentados no levantamento anual feito pelo Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré. Um dos relatos de uma vítima dessas violações obtido pela equipe retrata o processo de criminalização da pobreza, que considera suspeito todo e qualquer cidadão que viva naquele território. Nesse caso, uma profissional teve seu estabelecimento invadido pela polícia durante uma operação, o material de trabalho destruído e pertences furtados.

“Vi uma cena de terror! Tudo o que conquistei com muito suor foi destruído. Quebraram a porta, armário, teto de PVC, geladeira, jogaram meus materiais de trabalho na rua. Minhas espreguiçadeiras quebradas, e o estoque de guaraná, coca-cola, entre outras bebidas, tomaram tudo. Levaram o som, a sanduicheira e alguns produtos de bronzeamento”.

Os dados mostram redução de 70% no número de mortes na comparação com 2022 em contraste ao aumento no número de operações: foram 20 a mais do que no ano anterior. Esse quadro segue a tendência do estado do Rio de Janeiro, que registrou redução de 34% na letalidade policial em operações. Por outro lado, a presença ostensiva da polícia no território gera outros tipos de violência aferidos pelo monitoramento, bem como afeta o acesso da população a direitos básicos, como saúde e educação.

Estudantes perderam um quarto do semestre letivo de 2023 devido ao fechamento de escolas durante operações. No acumulado do ano, a população ficou 26 dias sem atendimento no sistema de saúde por interrupção no funcionamento das unidades em dias de atuação policial. O levantamento também mostra que sete em cada 10 vítimas de algum tipo de violência são pessoas negras, apresentando prevalência de violações sobre as pessoas pretas, pois estas compõem mais de um terço das vítimas, superando o número de vítimas pardas, que é o perfil majoritário nas favelas da Maré.

Atendimento a LGBTQIAP+ nos serviços públicos de saúde

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Formação e sensibilização dos profissionais de saúde é essencial

Edição #161 – Jornal Impresso do Maré de Notícias

“Você sabe de algum lugar que tenha atendimento psicológico gratuito?”, pergunta Matheus Henrique Lopes, de 25 anos, morador da Baixa do Sapateiro, no nosso primeiro contato durante uma entrevista. Homem trans, negro, cria da Nova Holanda, ele diz que “sente muito, o tempo todo”, e que a transfobia é uma realidade paralisante em sua vida. “O que eu posso fazer é só procurar ajuda”, afirma. 

Há cinco anos Matheus começou a transição de gênero e, o primeiro acolhimento que teve, foi dos irmãos. Eles são sete, ao todo, cinco por parte da mãe e dois do pai. Matheus é o mais velho e conta que, pouco tempo depois do início da transição, os irmãos já estavam brigando na rua para que ele fosse respeitado.

Ele conta que a pergunta sobre o atendimento foi um pedido de ajuda devido a tantas situações que havia vivido e, não sabia mais o que fazer. “Isso [transfobia] ocorre o tempo todo. É como uma música que a gente não acha mais graça e nem tem vontade de dançar”, lamenta.

Matheus explica que evita sair na rua por se sentir julgado pelas pessoas. Inclusive, ele já se sentiu assim até em unidades de saúde. “No começo da minha transição, isso acontecia direto em espaços de saúde, em clínicas da família. Eu usava o meu nome social, mas visivelmente, eu ainda não parecia ser um homem. Então, passavam pessoas na minha frente para serem atendidas, às vezes, pessoas que tinham acabado de chegar. Isso doía bastante, não que ainda não doa, mas é menos do que antes, entende?”.

Hoje, ele faz o acompanhamento no Hospital Universitário Pedro Ernesto, em Vila Isabel, unidade que tem um ambulatório referência em transdiversidade. Há um ano sem dinheiro para continuar o tratamento, ele relata que isso está afetando sua autoestima. “Eu ter uma vagina não me incomoda, não ter renda para comprar um hormônio, isso sim me incomoda”.

Menos acesso a saúde

Muitos homens trans, assim como Matheus, acabam não usando as unidades de saúde por medo de sofrerem transfobia. Segundo dados do relatório Violação dos direitos e episódios de violência contra pessoas LGBT+ de favelas 2023, 49% das mulheres trans e travestis procuram as unidades públicas de saúde, enquanto o percentual de homens trans é de 40%.

O boletim também aponta relatos de transfobia por parte dos funcionários de  clínicas da família, tanto em relação a homens trans, que precisavam de atendimento para ginecologia, quanto às mulheres trans, que procuravam atendimento para urologia.

Segundo o relatório, o Sistema Nacional de Regulação (SisReg), impede trans masculinos com nome e gênero retificados, ou seja, já corrigidos para o gênero que se identificam, deles fazerem exames “destinados às mulheres”. A pesquisa conta ainda que, outro motivo que leva homens trans a não acessarem as unidades básicas de saúde, é a falta de remédios usados para a hormonização.

Outro apontamento do relatório é em relação às redes de apoio criadas pelos próprios homens trans, com objetivo de trocar informações sobre hormonização e cuidados da saúde. O Hospital Pedro Ernesto também tem grupos da população trans masculina e foi através de um desses grupos que conhecemos Matheus.

Para Diana de Oliveira, mestre em Ensino em Biociências e Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), um atendimento humanizado é o primeiro passo para a garantia dos direitos sexuais. “É importante que toda a sociedade receba informações sobre as temáticas ligadas à saúde sexual e reprodutiva, seja através de iniciativas de educação em saúde, seja através de serviços de saúde que devem atender toda a sociedade de forma digna”, pontua.

Assuntos relacionados

Invisibilidade na saúde pública

Camila Felippe, de 26 anos, moradora da Vila do João, conta que percebe que não há uma “saúde pública pensada para os nossos corpos, a sensação é de invisibilidade da população LGBT+”. A estudante de odontologia na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), afirma que durante o curso, não é abordada a saúde da população LGBT+ nas aulas, há apenas “um seminário que falou sobre infecções sexualmente transmissíveis”.

Em relação ao atendimento recebido nas unidades públicas de saúde, Camila diz  ser bem atendida e que respeitam a sua decisão de apenas ter consultas com  ginecologistas mulheres.  Porém, ressalta que sente falta de informações sobre prevenção contra infecções sexualmente transmissíveis (ISTs).

“Nunca passei por uma situação de violência. Apesar de ser negligenciada nos meus direitos em relação ao acesso a informação de prevenção quanto uma pessoa LGBT+.”

A estudante desenvolve um trabalho de acolhimento na coletiva Resistência Lésbica voltado às mulheres lésbicas e bissexuais. Ela explica que as meninas acolhidas são levadas para realizar consultas nas clínicas da família, um papel de acolhimento e acompanhamento que poderia ser feito pela família. 

“Não tem como falar nesse assunto sem passar pela educação, a família tem um caminho a desbravar, pesquisar, sentir e dialogar”, opina. 

Combate à LGBTfobia

A superintendente de Atenção Primária do Município do Rio de Janeiro, Larissa Terrezo, afirma que, havendo alguma situação de LGBTfobia, a orientação é que a pessoa  vítima da violência, fale diretamente com a gerência ou diretoria da unidade. 

“A Secretaria Municipal de Saúde e a Atenção Primária do município do Rio combatem toda e qualquer manifestação de preconceito. Então, há muito interesse em apurar todos esses casos. Denúncias também podem ser feitas para o canal de ouvidoria no 1746”, orienta.  

A superintendente ainda destaca que, assim que são contratados para trabalharem em unidades básicas, os profissionais de saúde passam por uma formação de uma semana. Eles também têm acesso a cartilhas voltadas para o atendimento à população LGBT+, que tem alta adesão. Entretanto, Larissa reconhece a dificuldade de alcançar os cerca de 20 mil profissionais da rede municipal.

“A gente tem que pensar, primeiramente, que essas pessoas se sintam confortáveis e sintam que a unidade de atenção primária é um espaço de acolhimento, e não mais um lugar onde elas vão sofrer qualquer tipo de violência”, pondera. 

A superintendente também garante que as unidades de saúde estão abertas para conversas, e que os usuários LGBT+ podem propor ideias de temas para palestras e projetos em que são atendidos.

Festas juninas colorem as ruas da Maré e marcam a vida dos moradores

O Censo Maré (2019) aponta que mais de 25% dos atuais moradores nasceram na região nordeste do Brasil, onde as festas juninas são eventos de grande porte

Andrezza Paulo

Junho chegou, e com ele, a alegria contagiante das festas juninas, que celebram a cultura nordestina e a fé popular no território. O cheiro de canjica e pamonha se misturam ao som do forró, enquanto as bandeirinhas coloridas enfeitam as ruas das favelas da Maré.  As festas juninas são símbolos da resistência cultural, da preservação das tradições e da união dos mareenses. 

História e grandiosidade

Da mesma forma que acontece em grande parte do Brasil, as festas juninas na Maré estão intimamente ligadas à religiosidade católica, homenageando Santo Antônio, São João e São Pedro, celebrados nos dias 13, 24 e 29 de junho, respectivamente. No território, 47,2% dos moradores se declaram católicos, mas as celebrações ultrapassam as fronteiras religiosas e unem pessoas de diferentes crenças. 

O Censo Maré (2019) aponta que mais de 25% dos atuais moradores nasceram na região nordeste do Brasil, onde as festas juninas são eventos grandiosos. O São João de Campina Grande, na Paraíba, considerado o maior do mundo, em 2024, acontecerá durante 33 dias seguidos e tem expectativa de público de mais de 3 milhões de pessoas. 

A saudade da terra natal contribuiu para semear e enraizar a tradição das festas juninas na Maré. São gerações de filhos, netos, vizinhos e entusiastas, que envolvem as ruas de alegria, gastronomia típica, quadrilhas, camisa xadrez, vestido caipira e muito forró.

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Festa junina alegra os fins de semana na Maré
Tempo de festa junina: arraiais unem a comunidade e estimulam a cultura local

Tradição das Festas Juninas para as crianças 

Para manter a cultura viva, é preciso começar pelos pequenos. Foi o que pensou Jacqueline Souza, professora de reforço escolar para crianças e moradora da Maré há 30 anos. “Eu queria que as crianças tivessem um tempo juntas, mas que isso fosse além do momento de aula, um momento em que pudessem se sentir livres, felizes e acolhidas”.

Há mais de 8 anos o Arraiá da Tia Jack acontece na Nova Holanda, com decoração e brincadeiras voltadas exclusivamente para a experiência de meninos e meninas.

Em média, 80 crianças participam da festa, entre alunos, ex-alunos e outras crianças das ruas vizinhas. Jacqueline tem o apoio de mais sete pessoas na produção e, as famílias, também ajudam nos custos. Ela se diz contente com o alcance: “Algumas crianças, mesmo não fazendo parte do reforço, fazem questão de estar sempre participando das festas, porque é algo feito para elas”, conta.

Casamento de verdade

O Arraiá dos Amigos da C8, na Vila dos Pinheiros, há 13 anos reúne moradores e amigos para celebrar a tradição nordestina. O que começou como uma pequena festa familiar, se tornou um evento grandioso, que em 2023 reuniu mais de 170 pessoas. 

A idealizadora da festa, Letícia Santos, de 32 anos,  relembra o início de tudo: “A princípio a festa era somente para a família, mas quando nos reuníamos dava em torno de 30 pessoas. Todo ano, vizinhos e amigos perguntavam se no ano seguinte poderiam participar e, como não sei dizer ‘não’, sempre aumentava a quantidade de pessoas”, revela.

Ela conta que com o crescimento do evento, vieram também os desafios de produção, que é feita  por apenas 12 pessoas e, é financiada com a contribuição dos moradores. “Preparar uma festa de rua para 170 pessoas não é nada fácil. Já montamos palcos com porta de guarda roupa, já fizemos barracas de caixote e bandeirinhas de tecido de sofá. Investimos em coisas que ficam para os anos seguintes, como tendas, tecido, decoração. O desafio era improvisar o máximo, chegar no dia do arraiá e ver que todo esforço valeu a pena”, afirma.

Letícia também fala que, ao longo desses anos de produção, um momento se tornou mais que especial, um marco na vida dela. 

“Todo ano fazemos um casamento na festa. Em 2021, eu casei na festa junina e no ano seguinte casamos no civil, depois de 12 anos de união.  Estamos juntos o mesmo tempo de arraiá, então, o casamento de mentira no ano seguinte se tornou um casamento de verdade”, conta.

Ministro do STF recebe representantes da Redes da Maré em Brasília

Edson Fachin recebeu o 8º Boletim Direito à Segurança Pública na Maré e um relatório detalhado sobre os descumprimentos da ADPF das Favelas

Maria Teresa

O vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin, recebeu em Brasília, na última quinta-feira (20), Liliane Santos e Lidiane Malanquini, representando a Redes da Maré. O encontro foi para falar sobre o sistemático desrespeito ao que é preconizado na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como ADPF das Favelas, entre 2020 e 2024. Liliane coordena o Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça e Lidiane Malanquini coordena a área de incidência política da Redes da Maré. A votação final da pauta sobre a ADPF no Supremo, que tem Fachin como relator, deve acontecer nas próximas semanas.

“Ser recebida pelo ministro nesse contexto de inseguranças no território traz esperanças de dias melhores. Ele demonstrou estar aberto ao diálogo, à escuta e a encaminhamentos concretos sobre as demandas entregues em forma de relatório produzido por nós”, avalia Liliane Santos, coordenadora do Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça.

O ministro recebeu a edição impressa do 8º Boletim Direito à Segurança Pública na Maré, lançado na semana passada, e que traz dados de 2023, a partir do monitoramento de violência armada realizado pelo projeto “De olho na maré”. Além disso, Liliane e Lidiane apresentaram um relatório detalhado sobre os descumprimentos das medidas cautelares da ADPF 635 no conjunto de Favelas da Maré entre 2020 e 2024. Neste documento, há detalhes das violações ocorridas nas três últimas operações, a primeira delas que durou mais de 32 horas, resultou na morte de 6 pessoas, entre elas dois policiais do Bope, além de 7 feridos por arma de fogo, e as ocorridas nos dias 13 e 15 de junho. Um dos policiais mortos chegou a ser socorrido, passou por cirurgia, mas não resistiu e morreu no início desta semana.

Por causa da violência vista nas operações da semana passada, Fachin pediu esclarecimentos ao governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, atendendo a um pedido do PSB (Partido Socialista Brasileiro) e da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Na solicitação, dois elementos previstos na ADPF teriam sido desrespeitados nas operações: a presença de ambulâncias para atendimento de feridos e o uso de câmeras corporais nas fardas dos policiais ativadas de modo ininterrupto.

Tanto o boletim com dados de 2023 quanto o documento específico sobre o descumprimento da ADPF mostra uma conduta questionável por parte do Estado em operações policiais e, sobretudo, de que não se tratam de casos isolados ou pontuais, mas sistemáticos. A ausência de perícia em casos de mortes, detectada no levantamento de 2023, vem se repetindo. Nas operações ocorridas na semana passada, de seis mortes, apenas uma foi periciada. A invasão à domicílio, violação campeã no ano passado, segue com prevalência: nas operações da semana passada, foram registradas 12 invasões de residência por parte dos agentes policiais. 

Liliane explica o papel da Redes da Maré para garantir melhorias na qualidade de vida dos moradores da região. “Isso inclui pensar a política de segurança pública de forma ampliada e articulada a outras políticas e não apenas a partir do aparato bélico”.

Para ela, a articulação da Redes com o Ministério Público e o STF é fundamental numa perspectiva de monitoramento conjunto das graves situações de violações de direitos dos moradores no contexto de operações policiais. “As instituições têm um papel fundamental na preservação do estado democrático de direitos mediante pleno gozo da cidadania por toda a população brasileira, incluindo os moradores do conjunto de favelas da Maré”, conclui.

Entenda o Projeto de Lei que equipara aborto em casos de estupro a homicídio 

Na proposta, meninas e mulheres vítimas de estupro podem pegar até 20 anos de prisão caso realizem o procedimento

Por Andrezza Paulo e Andreza Dionísio

O Projeto de Lei 1904/2024, apelidado de “PL da Gravidez Infantil”, “PL do Aborto” ou até mesmo de “PL de Incentivo ao Estupro”, busca equiparar o aborto realizado após a 22ª semana de gestação ao crime de homicídio e desampara as vítimas de estupro e seus direitos reprodutivos. A medida visa punir a mulher e o profissional de saúde que realiza o procedimento com pena mínima de seis anos, podendo chegar a 20 anos de reclusão. A urgência da proposta legislativa foi votada e aprovada na Câmara dos deputados no Brasil no último dia 12.

Desde 1940, o aborto é permitido no Brasil em casos de estupro. A legislação também prevê que ações libidinosas com meninas de até 14 anos é considerada estupro de vulnerável em qualquer situação.  Deste modo, compreende-se que qualquer gravidez até essa idade pode ser considerada fruto de estupro, o que significa que esse público (meninas de até 14 anos) teria o direito ao aborto garantido. Hoje o aborto é permitido no Brasil também em casos de risco à vida da gestante e anencefalia ou malformação congênita do feto. 

Um dos pontos principais do Projeto de Lei 1904/2024 é a alteração deste código penal que não estabelece limites para a interrupção da gestação, atribuindo a tipificação de crime às vítimas que realizarem o procedimento após a 22ª semana de gravidez. Em casos de risco de morte materna, a criminalização não se aplica. 

O projeto de lei acrescenta os seguintes parágrafos ao código penal:
“Quando houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, as penas serão aplicadas conforme o delito de homicídio simples previsto no art. 121 deste Código”

“Se a gravidez resulta de estupro e houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, não se aplicará a excludente de punibilidade prevista neste artigo.”

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“PL do Aborto” tem urgência incomum na câmara

Diferente do processo tradicional que os projetos de lei costumam passar, com a aprovação de Arthur Lira, presidente da câmara, este projeto não passaria pelas comissões temáticas do parlamento, que fariam as análises mais detalhadas, permitindo que houvesse um debate público mais amplo. 

A advogada Gabriela Rondon, da Anis – Instituto de Bioética, fala ao Maré de Notícias sobre a importância da mobilização social nas etapas deste processo: “Um projeto como esse poderia passar pela Comissão Temática da Saúde, também passaria pela Comissão de Constituição e Justiça, que é onde se faz a análise sobre a pertinência da proposta, se ela não viola de maneira muito óbvia a Constituição. Passando por essas comissões era possível, inclusive, que sua tramitação fosse interrompida antes de chegar ao plenário, que é o lugar onde poderá ser aprovado. Foi justamente isso que se impediu que acontecesse quando, em apenas 23 segundos se aprovou no plenário da câmara o regime de urgência, o que significa que ele não passa por comissão nenhuma”, conta.

Caso o Senado faça alguma alteração, o projeto volta para avaliação da Câmara, mas se o Senado aprovar sem alterações, a lei vai para a sanção ou veto do Presidente da República. Neste momento, o Presidente Lula pode vetar o projeto mesmo sem ter passado pelas comissões.

Gabriela Rondon explica a importância da pressão popular sobre o projeto de lei: “A pressão popular está sendo vitoriosa em adiar. Os deputados que propuseram o regime de urgência votaram neste semestre, antes do recesso de julho, tanto na Câmara quanto no Senado, justamente com uma medida bastante autoritária de tentar mostrar força com um tema como esse”. Com a repercussão, o presidente da Câmara recuou e indicou que a votação deve acontecer no segundo semestre.

Repercussão como “PL da Gravidez Infantil”

Em diversos estudos, pesquisas e levantamentos, os números mostram que a maioria dos estupros no Brasil ocorrem em crianças e adolescentes. Relatórios do Sistema Único de Saúde (SUS) de 2022, revelam mais de 14 mil gestações em meninas de até 14 anos no país.

Dados do Instituto de Segurança Pública registraram em 2023 quase nove mil vítimas de estupro apenas no estado do Rio de Janeiro. Das 8.836 denúncias, 40% delas eram de crianças com até 13 anos. Os registros mostram ainda que 67% destas crianças eram negras ou pardas e a maioria das vítimas era formada por meninas.

O Instituto Patricia Galvão realizou em 2022 uma pequisa acerca da Percepção Nacional sobre o Aborto em Casos de Estupro. Segundo o levantamento, para 86% dos entrevistados os corpos e mentes de meninas ainda não estão preparados para uma gravidez.

Em estudo da Unicef, apenas 7 a cada 100 casos de estupro chegam à polícia, ou seja, menos de 10%. Segundo especialistas, as crianças não entendem o que aconteceu, são vítimas ameaçadas e até a conivência de outros familiares são barreiras para a denúncia e acessos aos serviços de saúde. 

Mobilização Social

O PL 1904/24 repercutiu em todo território nacional e a mobilização social é intensa. Diversas entidades, figuras públicas e movimentos sociais se posicionaram contra a proposta, considerando-a inconstitucional, ineficaz e prejudicial à saúde pública e aos direitos das mulheres.

“Vítimas seriam responsabilizadas pela consequência dos atos de um agressor, do seu estuprador”

Gabriela Rondon

A advogada complementa: “Enquanto a pena do sistema criminal regular seria aplicada para as mulheres acima de 18 anos, as meninas abaixo dessa idade, seriam submetidas a um regime da justiça juvenil com a aplicação medidas socioeducativas para um crime, no caso um ato infracional análogo ao crime de homicídio, que é o mais grave que pode haver. Inclusive gerar medidas mais gravosas de internação por vários anos para essas meninas que são as vítimas dos estupros”, reforça Rondon.

‘Tirar a pena da vítima [do estupro] você não abre mão?’

Em recente entrevista para o Fantástico, da Rede Globo, o autor do projeto de lei, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL/RJ) foi questionado se aceitaria mexer no texto até a votação, retirando a pena da vítima. No entanto, o parlamentar defende a proposta e os anos de condenação: “Eu não gostaria e não vou aceitar que exista ajuste para minimizar o que a gente está fazendo”, afirma o deputado.