Home Blog Page 326

Através de Lei Aldir Blanc, projeto ‘Elenco Negro’ quer dar visibilidade e suporte a atores negros e da periferia do Rio de Janeiro

Idealizado pelos atores Fabrício Boliveira e Gabriel Bortolini, objetivo é potencializar artistas com cadastramento online para banco de dados

Por Redação, em 09/03/2021 às 10h

Assim como o trabalho exercido, há mais de três décadas, pela fundadora e presidente Zezé Motta no Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro (CIDAN), que exerce papel fundamental para a expansão do mercado para atores pretos, “Elenco Negro” traz a inquietação em forma de continuidade. Através de um cadastramento no perfil do Instagram @elenconegro, o projeto busca potencializar profissionais negros e de locais periféricos do estado do Rio de Janeiro.

“A união da minha trajetória de ator e diretor com a do Gabriel de produtor executivo e de elenco na criação desse projeto é motivada pela inquietação de algumas falas como “não tem ator preto bom nesse perfil” / “precisa ter pelo menos um ator preto” / “é sempre mais difícil achar ator preto, é mais limitado” / “essa cena deveria ter mais preto, mas não tem, esses foram todos os que achamos”.  Nosso objetivo é acabar com essa falácia e entender como melhor dar suporte e fortalecer o setor.” – Afirma Fabrício Boliveira, idealizador do projeto.

O escopo do projeto visa fortalecer atores negros, maiores de 18 anos, nos mais variados estágios da carreira, residentes no estado do Rio de Janeiro, que estão procurando se inserir e/ou se fortalecer no mercado audiovisual e criar uma rede de apoio e suporte para os artistas no mercado de trabalho. Além dessas contribuições, esse formato de cadastramento para os artistas dará mais visibilidade a esses profissionais principalmente aos que ainda não são reconhecidos no mercado audiovisual do país.

Os primeiros a se inscreverem terão acesso a serviços imediatos, de acordo com suas áreas de interesse, como  edição de vídeos, atuação de textos elaborados por dramaturgos convidados, oficina jurídica com foco no auxílio de resolução de burocracias, lives mentorias com profissionais negros dos mais variados seguimentos, ensaios fotográficos para produção de material de divulgação e apadrinhamentos para favorecer e fortalecer as trocas de experiências e o crescimento pessoal e profissional.

Apesar da população negra compor 50,7% da população brasileira (IBGE, 2010), os pretos representam apenas 20% dos atores que atuaram em papel de destaque no cinema até 2012 e tal fato contribui para a exclusão de vivências e perspectivas das minorias, impede a criação de referências positivas através de role-models, estereotipa grupos, entre outros tantos problemas. “Elenco Negro” quer atuar continuamente na contramão desses números e estereótipos e também fortalecer nomes de projetos recentes como o Coletivo Preto, que surgiu em 2016, é formado por quatro jovens atores, escritores, circenses e produtores negros: Drayson Menezzes, Licínio Januário, Orlando Caldeira e Sol Menezzes, que produzem, fomentam e divulgam trabalhos nos quais coloquem o homem e a mulher negra em papeis de protagonismo.

“Entendemos que muitas iniciativas vieram antes de nós, seja o CIDAN de Zezé Motta e “Coletivo Preto” do Drayson Menezes e Orlando Caldeira, e possíveis outros que não entramos em contato. Temos que agradecer pelo passado, o que estamos fazendo agora no nosso presente, mas também na continuidade do projeto no futuro, com novas articulações podendo atender mais e mais e de outros estados. É sobre nós fazermos pelos nossos”. – Afirma Gabriel Bortolini, idealizador do projeto.

Exposição ‘Darwin – Origens & Evolução” ganha montagem virtual com proposta de ampliar o acesso à informação científica

Sucesso de público e crítica em 2019, na temporada no Museu do Meio Ambiente, no Rio de Janeiro, a mostra “Darwin – Origens & Evolução” toma agora o cenário online, com intuito de captar um público ainda maior, aumentando a disseminação de informação científica e arte contemporânea para novos públicos. 

Em cartaz desde fevereiro, a ação convida a todos para uma imersão no mundo de Charles Darwin, naturalista inglês que revolucionou a ciência moderna ao criar a Teoria da Evolução das Espécies. 

A edição virtual da mostra ganha interface amigável, navegação intuitiva, conteúdos diversos e jogos educativos, sendo concebida para oferecer uma jornada de conhecimento, arte e diversão para públicos de todas as idades.

Personagens, fatos históricos, curiosidades e releituras artísticas da famosa teoria dão a tônica dos conteúdos da exposição, que propõe um diálogo entre arte e ciência e conta com cerca de 300 peças, entre obras de arte, imagens, jogos, animações e documentos. 

Também é possível participar de workshops gratuitos para multiplicadores (não necessariamente ser professores), com objetivo de captar qualquer individuo para além das salas de aula. A formação é gratuita e os participantes podem conferir o curso através da plataforma Zoom, nas seguintes datas:

Turma 1: Dia 10/03 (quarta) às 18 horas
Turma 2: Dia 12/03 (sexta) às 10 horas
Turma 3: Dia 15/03 (segunda) às 18 horas

Os interessados podem se inscrever no link: https://www.mostradarwin.com.br/

Vacina da Fiocruz começa hoje a produção em larga escala

0

A vacina Oxford/AstraZeneca que teve sua produção atrasada por causa da máquina de lacres, começa hoje a produzir as 3,8 milhões de doses que deverão ser entregues até o fim do mês.

Por Daniele Moura em 08/03/2021 às 17h

Foi anunciado hoje Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) o início da produção em larga escala, no Brasil, da vacina de Oxford/AstraZeneca. O imunizante fabricado com insumos importados (IFAs) da China passou nos testes de estabilidade e de consistência e com o início da produção devem ser entregues 3,8 milhões de doses ao Ministério da Saúde até o fim de março.

O assessor especial do Ministério da Saúde, Airton Soligo, disse, nesta segunda, que até junho o Brasil deverá ter 14 milhões de doses de vacina da Pfizer. “O que que o presidente da Pfizer garantiu ao presidente Bolsonaro hoje? A antecipação de 5 milhões do segundo semestre para maio e junho. Ou seja, dos nove milhões que nós tínhamos previstos, se incorporarão mais cinco milhões de doses, passando para 14 milhões”, disse o assessor especial da Saúde.

A Pfizer é a única vacina que, até o momento, possui o registro definitivo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Rio a caminho do colapso

O sistema de saúde da capital fluminense está com 96% das unidades de terapia intensiva (UTIs) ocupadas. A Prefeitura do Rio de Janeiro tenta negociar, com o governo federal e estadual, a interrupção no recebimento de pacientes do Norte do país para os hospitais do Rio. A ideia é evitar a saturação da rede pública de saúde, que contabiliza 900 pacientes internados. Até o momento, a capital carioca não têm filas para internações, mas o governo municipal já anunciou que vai adicionar 100 novos leitos nos hospitais.

A união delas faz a força

Conheça a atuação de alguns coletivos de mulheres presentes no território mareense

Maré de Notícias #122 – março de 2021

Por Thaís Cavalcante e Andressa Cabral Botelho

O mar de gente espalhado pelas 16 favelas da Maré mostra uma característica marcante no território: o número de mulheres é maior que o de homens. Elas são quase 71 mil, enquanto eles somam 68 mil, segundo levantamento do Censo Maré de 2019. Acompanhando essa maioria, os coletivos formados e liderados por mulheres se destacam não apenas pela luta histórica na conquista de direitos, como também pelo protagonismo na ocupação de espaços, iniciativas e produção de narrativas sobre o território. Mostram que, seja na temática racial, cultural, artesanal ou feminista, a busca pela união e empoderamento dessas mulheres é a mesma.

Quem cria narrativas como forma de fortalecer a população através da comunicação é a Amarévê, coletivo feminino produtor de conteúdo tocado por dez mulheres negras. Uma delas é a gestora criativa Karina Donaria, moradora do Parque União. Ela garante que esse trabalho vai além da produção: é uma narrativa afetiva com uma potência muito forte, porque conecta jovens mulheres a partir de seu lugar de vivência. “É o caminho pra gente se juntar e enfrentar questões que fazem parte da vida da mulher, como o machismo. Temos mania de dizer que somos uma grande família”, conta. O produtor de conteúdo e dançarino Raphael Vicente também pode ser visto nos conteúdos produzidos pelo coletivo. Ele é o único homem que participa eventualmente.

“Somos como o ato de criação permanente que nos acolhe, nos expande, uma constituição bem brasileira trabalhando com arte, teatro, política, memória, educação, saúde mental, cultura alimentar, ancestralidade, comunicação comunitária, direitos humanos”

Natasha Corbelino, idealizadora do projeto Coletivona

Tão importante quanto informar é debater. Para levantar temas relacionados a gênero, luta e raça, a Casa Preta da Maré Itinerante ocupa espaços como a Lona Cultural Herbert Vianna e o Centro de Artes da Maré, trazendo em suas produções grandes personalidades locais e de outros territórios periféricos. Já o projeto Mulheres Ceramistas da Maré, da Vila do João, estimula mulheres da terceira idade que vivem em vulnerabilidade social à aprendizagem artesanal da cerâmica negra, promovendo a partir do trabalho a prática do autocuidado e o empreendedorismo. Durante a pandemia, o coletivo criou um curso online para ensinar, gratuitamente, a fazer uma peça em argila.

Quem atua diretamente para a promoção de acolhimento e fortalecimento de práticas de autonomia, saúde e colaboração para mulheres pretas e faveladas é o Espaço Casulo. Entre serviços e cuidados, ele oferece a Roda de Gestantes da Maré, que apoia mulheres durante seu período de gestação. 

Outro coletivo necessário dentro da favela é a Coletivona, grupo de mulheres da cultura e de múltiplas formações que realiza encontros, oficinas online e outras ações para o empoderamento e fortalecimento feminino, com reuniões no Museu da Maré. A artista Natasha Corbelino, idealizadora do projeto, chegou até a Maré a partir de Gizele Martins, jornalista e moradora do território que também integra o grupo. 

Natasha admite que o coletivo surgiu do seu desejo por um movimento que fizesse as mulheres se conectarem mais. “O recorte de gênero aconteceu para potencializar o modo como nós, mulheres, estamos no mundo. Recortar para agirmos sem corte, inteiras em nossas potências, em nossos movimentos para que encontros e conversas aconteçam com multiplicidade e direitos respeitados”. Ela completa, ainda, que o grupo tem a cultura como motor: “Somos como o ato de criação permanente que nos acolhe, nos expande, uma constituição bem brasileira trabalhando com arte, teatro, política, memória, educação, saúde mental, cultura alimentar, ancestralidade, comunicação comunitária, direitos humanos”.

Maria Evangelista e Glória da Conceição são apresentadoras da Oficina de Cerâmica Negra online.

Protagonismo e geração de renda

Com o passar dos anos, é possível notar o processo de crescimento das mulheres enquanto geradoras de renda, e o território reflete essa realidade: dos 3.182 empreendimentos do bairro, 42,8% são geridos por elas, de acordo com o Censo de Empreendimentos da Maré, desenvolvido em 2014 pela Redes da Maré. Enxergando toda essa potência a partir do trabalho das moradoras, a Casa das Mulheres da Maré desenvolve uma série de ações voltadas tanto  para a geração de renda, como também para o bem-estar das envolvidas. A iniciativa existe desde 2016 dentro de uma casa no Parque União, gerida, frequentada e pensada para as mulheres mareenses melhorarem sua qualidade de vida, através do atendimento psicológico e sociojurídico, apoio ao enfrentamento de violências e oportunidade para a qualificação profissional. “Incentivar o empreendedorismo e a independência dessas mulheres nos faz mostrar a garra e o potencial que elas têm. É importante que elas saibam que são independentes e capazes de conquistar tudo aquilo que almejam”, observa Myllene Santos, assistente de coordenação da Casa das Mulheres da Maré.

Duas são as motivações para que pessoas comecem a empreender: oportunidade (59,4%) e necessidade (39,9%), segundo a Global Entrepreneurship Monitor/GEM Brasil 2017. Em meio à pandemia, os trabalhadores viram a sua renda diminuir e perceberam a necessidade de empreender. A Casa das Mulheres também precisou se adaptar para apoiar a Maré e oferecer geração de renda tanto às mulheres que fazem parte do programa como para outras que moram nas 16 favelas do conjunto. Com a segurança alimentar do território em risco, surgiu uma nova forma de atuação, em especial para o bufê Maré de Sabores, que atuou em uma das frentes da campanha Maré Diz NÃO ao Coronavírus

As mulheres que já faziam parte do projeto foram convidadas a produzir quentinhas para pessoas em situação de rua da cena de crack da região. Em média, foram entregues 350 refeições por dia durante nove meses. Assim, o projeto deu suporte à população local e também permitiu que essas mulheres não perdessem a sua renda nesse período.

O bufê reabriu em dezembro para o público, mas de forma ainda adaptada, por conta da pandemia. São oferecidos dois cardápios, um fixo e um sazonal, entregues em domicílio, e que podem ser acessados pelo Instagram @maredesabores.

Redes da Maré comemora mais ano de trabalho

Fundada por moradores da Maré, tem por objetivo trabalhar na construção de projetos que contribuam para a garantia de direitos dos mareenses

Maré de Notícias #122 – março de 2021

Por Flávia Veloso e Thaís Cavalcante

As ações e iniciativas por aqui  são pensadas a partir de um processo que envolve produção de conhecimento, a elaboração de projetos e ações e, ainda, um trabalho de mobilização para a incidência em políticas públicas. A Associação Redes de Desenvolvimento da Maré ou Redes da Maré, tem uma trajetória longa de atuação que vem dos anos 80, quando, alguns dos seus fundadores,  já atuavam nas lutas comunitárias por direitos. O dia 8 de março é o dia em que a instituição foi formalizada legalmente. É, também, o Dia Internacional das Mulheres e um dia de luta por seus direitos. “Temos muito orgulho de termos escolhido formalizar juridicamente a Redes da Maré esse dia. É uma escolha simbólica e política pela importância das mulheres nas lutas que temos na região historicamente”, comenta Eliana Silva, diretora fundadora da Redes da Maré.

Organização oferece desde rodas de conversa a cursos, oficinas de formação e materiais informativos, como a cartilha do Conexão Saúde com dados sobre a covid-19 na Maré – Foto: Douglas Lopes

“Em 2012, fiz um teste para a Escola Livre de Dança da Maré (ELDM), onde fiquei por seis anos. Essa formação me deu um olhar maior para o que eu queria seguir como profissão. Também me ajudou na faculdade e me deu experiência para eu fazer apresentações dentro e fora do país”, conta Jeniffer Rodrigues, hoje professora de dança. Criado em parceria com a coreógrafa Lia Rodrigues, o projeto completa dez anos oferecendo formação e atividades gratuitas (assim como todos os outros programas da  instituição). 

Ex-aluna do Curso Preparatório para o Ensino Médio, projeto desenvolvido pela Redes da Maré, Lorena Froz era frequentadora diária da biblioteca. “Participei de cursos dentro da Redes desde muito nova. Por isso, escolhi o preparatório. Considero os projetos que tem na Maré de extrema importância; em um país tão desigual e corrupto, eles são um dos poucos meios de acesso à cultura e ao pensamento crítico”. Lorena é uma das 4,5 mil pessoas beneficiadas por um dos projetos desenvolvidos pela instituição ao longo destes 24 anos. Foi justamente no caminho da educação que essa trajetória começou: o desafio de reverter o número muito baixo de moradores da Maré com acesso à universidade. Na década de 1990, quando o trabalho começou, menos de 0,5% da população da Maré tinha ingressado no ensino superior – percentual muito abaixo daquele registrado em áreas não periféricas do Rio de Janeiro.

A criação de um pré-vestibular comunitário foi o primeiro passo para mostrar o potencial dos moradores da Maré na conquista do direito ao ensino superior. Desde então, o trabalho vem produzindo números cada vez mais significativos, como aponta o último Censo Maré: 3,5% dos moradores das favelas da Maré acima de 18 anos têm ou já tiveram acesso à universidade. Apenas em 2019 a associação tornou possível a aprovação de 55 moradores para o ensino superior. Na esteira da iniciativa outras surgiram, como cursos preparatórios para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).  “Aprendemos com o tempo que, juntamente com a população da Maré, esses programas podem, de fato, garantir direitos básicos, além de ser uma espaço de luta fundamental para superarmos as representações negativas e preconceituosas de quem mora nas favelas.  A formalização, então, aconteceu já de forma amadurecida com a experiência dos anos iniciais desse e de outros projetos. Aprendemos com o tempo que, juntamente com a população da Maré, esses programas podem, de fato, garantir direitos básicos, além de ajudarem na luta para superarmos as representações negativas e preconceituosas de quem mora nas favelas”, diz Eliana Sousa Silva, cofundadora da Redes da Maré, sobre seu primeiro projeto em educação.

Alunos durante a aula do Curso Pré-Vestibular Redes da Maré, o CPV, em 2019 – Foto: Douglas Lopes

“Tudo o que a Maré conseguiu de melhoria é fruto da luta dos próprios moradores e de instituições como a Redes da Maré, através da pressão local”

Edson Diniz, diretor da Redes da Maré.

Conquista coletiva de direitos

A luta por direitos básicos das 16 comunidades que formam a Maré vem do início de suas histórias, na década de 1940, quando havia apenas a Baixa do Sapateiro, o Parque Maré e o Morro do Timbau. Fruto de um processo de ocupação da área por migrantes em busca de trabalho (principalmente de nordestinos), a região, alagadiça, carecia de quaisquer serviços públicos. Seus primeiros moradores viviam em casas de madeira, sem eletricidade e água encanada.

“Quando chegava a noite, os moradores acendiam a luz em casa e a energia caía, ficávamos todos no escuro. A água era raridade; trazíamos em barris do outro lado da Avenida Brasil. Foi tudo conquistado com trabalho de formiguinha”, contou Helena Edir, moradora da Nova Holanda desde os anos 1980, diretora da Associação de Moradores surgida na época e uma das fundadoras da Redes da Maré.

As lutas dos moradores das seis favelas (Parque União, Parque Rubens Vaz, Nova Holanda, Parque Maré, Baixa do Sapateiro e Morro do Timbau) aconteciam através da articulação comunitária em pequenos grupos: comissões foram criadas para tratar do fornecimento de energia e um grupo de mulheres se mobilizou para exigir água encanada, creche e escolas. Desse movimento é que surgiram as associações de moradores; depois, as organizações não governamentais (ONGs) e, mais recentemente, coletivos engajados na luta por direitos. “Tudo o que a Maré conseguiu de melhoria é fruto da luta dos próprios moradores e de instituições como a Redes da Maré, através da pressão local”, explica Edson Diniz, diretor da Redes da Maré.

Uma pandemia de desafios

O enfrentamento da pandemia de covid-19 exigiu mais do que o esperado pela instituição. Até o fim de fevereiro, o território, com cerca de 140 mil pessoas, era líder em casos da doença: cerca de 2,5 mil pessoas infectadas, de acordo com o Painel Unificador COVID-19 Nas Favelas do Rio de Janeiro.

 A Campanha Maré diz NÃO ao Coronavírus, realizada pela Redes da Maré entre março e dezembro de 2020, firmou parcerias entre organizações e recebeu apoio de voluntários para diminuir o impacto da doença na vida da população mareense. Seis frentes de trabalho foram fundamentais para esta atuação: atendimento à população em situação de rua; segurança alimentar; acesso à saúde (direitos, cuidados e prevenção); produção e difusão de informações e conteúdos seguros; geração de renda; e apoio a artistas e grupos culturais locais.

Foram mais de 54,7 mil pessoas atendidas diretamente; 65 mil refeições entregues para pessoas em situação de rua; mais de 17,6 mil famílias atendidas com cestas básicas e kits de limpeza e higiene. Todas as 16 favelas da Maré foram alcançadas, graças ao trabalho de 300 pessoas engajadas na campanha.

As parcerias feitas durante o período de crise sanitária foram de grande importância. Uma delas é o Conexão Saúde – De olho na Covid, projeto que desde agosto atua por meio de ações, como telemedicina, testagem e um centro de isolamento para atenção integral que beneficia moradores da Maré e de Manguinhos. A ação é uma parceria de instituições como Centro Comunitário Manguinhos, Cruz Vermelha, Dados do Bem, Estáter, Fiocruz, Redes da Maré, SAS Brasil, Todos Pela Saúde e União Rio. O Dados do Bem, organização responsável pela testagem, realizou até o dia 08 de fevereiro 9.637 testes de covid-19 na Maré. Já a Telemedicina, realizada pela SAS Brasil, iniciou as atividades no território em julho de 2020 e até o momento, realizou 2.592 atendimentos médicos e 1.309 atendimentos psicológicos, além de 610 casos de suspeita ou confirmação de covid-19.

Desde março de 2020, a instituição atua no enfrentamento da pandemia – Douglas Lopes

Sou uma árvore bonita – Desafios e perspectivas de ser uma mulher negra na contemporaneidade

Maré de Notícias #122 – março de 2021

Por Pâmela Carvalho

Aqueles homens ali dizem que as mulheres precisam de ajuda para subir em carruagens, e devem ser carregadas para atravessar valas, e que merecem o melhor lugar onde quer que estejam. Ninguém jamais me ajudou a subir em carruagens, ou a saltar sobre poças de lama, e nunca me ofereceram melhor lugar algum! E não sou uma mulher? Olhem para mim? Olhem para meus braços! Eu arei e plantei, e juntei a colheita nos celeiros, e homem algum poderia estar à minha frente. E não sou uma mulher? Eu poderia trabalhar tanto e comer tanto quanto qualquer homem – desde que eu tivesse oportunidade para isso – e suportar o açoite também! E não sou uma mulher? Eu pari treze filhos e vi a maioria deles ser vendida para a escravidão, e quando eu clamei com a minha dor de mãe, ninguém a não ser Jesus me ouviu! E não sou uma mulher?”

Em 1851, Sojourner Truth proferiu o discurso que ficou conhecido como “E eu não sou uma mulher?” durante a Women’s Convention (Convenção de Mulheres) em Akron, Ohio (EUA). Na fala, cujo trecho foi destacado acima, ela expôs que o tratamento dado às mulheres afro-americanas era bem diferente daquele oferecido para brancas. Porém, o cenário vigente nos Estados Unidos do século XIX não difere muito do que percebemos hoje no Brasil.

Para pensarmos o presente, devemos começar o caminho com Sankofa. Devemos seguir a orientação de olhar para trás e buscar o que foi deixado para, assim, seguir em frente. Quando falamos de trajetórias de mulheres negras, muito foi deixado para trás. Histórias, nomes, rostos e principalmente direitos.

Outra intelectual afro-americana contribuiu para o debate. Segundo Bell Hooks [1]:

“[…] Mais que qualquer grupo de mulheres nesta sociedade, as negras têm sido consideradas ‘só corpo, sem mente’. A utilização de corpos femininos negros na escravidão como incubadoras para a geração de outros escravos era a exemplificação prática da ideia de que as ‘mulheres desregradas’ deviam ser controladas. Para justificar a exploração masculina branca e o estupro das negras durante a escravidão, a cultura branca teve que produzir uma iconografia de corpos de negras que insistia em representá-las como altamente dotadas de sexo, a perfeita encarnação de um erotismo primitivo e desenfreado.”

Vivemos em uma sociedade que construiu papéis para justificar determinados processos de desigualdade. Muitas vezes é doloroso encarar isso. Mas precisamos compreender que as desigualdades – neste caso, especialmente as de gênero e raça – não são fenômenos inatos. Preconceitos e desproporções são construídos histórica e socialmente.

Em 2008, a cientista social Ana Cláudia Lemos Pacheco [2] escreveu um trabalho que marcou os estudos sobre gênero e relações raciais no Brasil: Branca para casar, mulata para f…, negra para trabalhar: escolhas afetivas e significados de solidão entre mulheres negras em Salvador, Bahia.

A tese de doutorado discute os significados de solidão e escolhas afetivas relacionadas a mulheres negras. A autora percebe um “excedente” de mulheres negras solitárias, quando comparadas a mulheres brancas. Essa solidão diz respeito à ausência de parceiros afetivos ou de relações afetivo-sexuais estáveis.

Já no título do trabalho, a cientista social e ativista fala sobre dois papéis sociais que são impostos a mulheres negras, quando comparadas a brancas. A estas, estaria reservado o casamento, visto em nossa sociedade como uma instituição carregada de dignidade e de valores familiares. Já para as mulatas (mulheres negras de pele clara, muitas vezes oriunda de processos de miscigenação) foi construído historicamente o lugar da hipersexualização. 

O senso comum cunhou a expressão “mulata exportação” referindo-se muitas vezes a intelectuais negras do samba, passistas de agremiações. Ela ratifica um aspecto perverso: a mulata não é vista como gente. A mulata não é ser humano. Ela é produto, e como tal deve ser exportada para “apreciação internacional”.

A terceira figura a quem o título da tese remete é a mulher negra – de pele escura. Esta ficou relegada ao local do trabalho. Mas não o trabalho visto como aquele que “dignifica o homem” e sim, o trabalho doméstico, braçal, resquício dos hábitos escravistas de uma sociedade patriarcal e racista. A personagem Tia Anastácia, que povoa o imaginário nacional a partir das obras de Monteiro Lobato, nos ajuda a compreender a figura dessa mulher negra. A babá, empregada doméstica, aquela que é “quase da família”, mas que não tem direitos básicos.

Feito esse caminho, temos um chão mais firme para pensar desafios e perspectivas contemporâneas ligadas às mulheres negras. Esse histórico nos ajuda a compreender algumas das dificuldades enfrentadas e a traçar estratégias de superação.

Começarei a pensar a contemporaneidade a partir de mim mesma. Sou Pâmela Cristina Nunes de Carvalho. Neta de dona Aparecida e do sr. Valdir. Filha de Roberto Carvalho e Vânia Maria (respectivamente, segurança e merendeira). Sou fruto de uma família negra, que acreditou na educação como mudança de narrativa. Assim, a filha da merendeira e do segurança se tornou mestra em Educação em uma das mais renomadas universidades públicas do país e, atualmente, é coordenadora em uma das mais importantes organizações da sociedade civil no Rio de Janeiro. 

Eu sou literalmente “o sonho mais bonito das minhas ancestrais”, como ouvimos falar. E a minha existência, assim como a de outras jovens negras, é a materialização do sonho, outro direito negado historicamente às mulheres negras.

Segundo dados de 2009 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), as mulheres brancas com ensino superior representavam 23,81% da população. Já entre mulheres negras, o índice era de 9,91%. Entre os homens, o percentual de brancos era de 18,7% e o de negros, 6,76%. 

De acordo com a pesquisa de 2018 Estatística de Gênero Indicadores sociais das mulheres no Brasil do IBGE [3], no grupo de habitantes entre 25 e 44 anos, homens com graduação eram 15,6%. Já as mulheres com o mesmo grau de instrução representavam 21,5%. Observando graduados a partir de critérios de raça e cor dentro da mesma faixa etária, temos os seguintes números: 23,5% de mulheres brancas e 10,4% de mulheres negras; 20,7% de homens brancos e 7% de homens negros. Há 2,3 vezes mais mulheres brancas chegando ao fim de cursos de graduação do que mulheres negras.

Comparando o quantitativo de mulheres negras formadas em 2009 com os números de 2018, é possível perceber um crescimento de 0,49%. O aumento nos índices educacionais de mulheres negras deve-se em parte a políticas públicas como o sistema de cotas, que oportuniza o acesso da população preta e parda ao ensino superior e à sua permanência na universidade.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (2016) apontam que, entre as mulheres brasileiras, as negras (pretas e pardas) são maioria: éramos 45% em 2004  e  50,9% em 2014. Isto equivale a 26,5% da população total do país. O Relatório ONU Mulheres de 2016 aponta que, naquele ano, 39,2% das mulheres negras estavam inseridas no mercado de trabalho. Porém, foi percebido que o principal cargo era o de empregada doméstica. Mulheres negras têm conseguido ocupar espaços de trabalho; ainda assim, estamos afastadas dos locais de poder e de tomadas de decisão.

Somos árvores bonitas, como canta Luedji Luna. Temos raízes fincadas na terra e galhos que nos conectam umas às outras enquanto mulheres negras. Nossa semente foi plantada em uma terra marcada pela escravidão, pelo machismo e pelas desigualdades. Isso se reflete em números que apresentam avanços mínimos quando falamos sobre direitos e poder para mulheres negras. Mas ainda assim avançamos. Entendo que a educação e a arte nos permitem trilhar caminhos mais serenos para que, assim como Sankofa, possamos seguir em frente tendo como base as dores que nos forjaram fortes, mas também a genialidade que nos tornou invencíveis.

“Hoje e todos os dias,
Sou grata pelas mulheres negras
que amam/ escrevem/ criam/ se emocionam
a partir de suas raízes
e nunca
pedem desculpas por sua magia.” (Upile Chisala [4])

Sobre a autora:
Pâmela Carvalho: educadora, historiadora, gestora cultural, comunicadora, pesquisadora ativista das relações raciais e de gênero e dos direitos de populações de favelas. É Mestra em Educação pela UFRJ. É coordenadora do eixo “Arte, Cultura, Memórias e Identidades” da Redes de Desenvolvimento da Maré. É moradora do Parque União, no Conjunto de Favelas da Maré.