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”Todo Trem da SuperVia tem um pouco de Navio Negreiro”

O racismo também está impregnado nas políticas de mobilidade envolvendo transporte público. Que impactos isso causa na população preta, pobre e periférica da Baixada?

Por Fabio Leon, por Fórum Grita Baixada em 18/02/2021 às 10h
Esta matéria é parte da série de matérias do projeto antirracista do RioOnWatch.  Para contribuir com essa pauta, clique aqui.

O racismo possui várias variáveis, está presente em praticamente todos os campos do conhecimento e da sociedade. Tratar o racismo de mobilidade é impossível apenas do ponto de vista racial. É necessário traçar um breve histórico sobre uma política pública que afeta a vida de milhares de pessoas diariamente, especialmente as compreendidas nos 13 municípios da Baixada Fluminense, há décadas convivendo com uma malha ferroviária que tenta, de forma ineficaz, trazer “modernidade” a esse conjunto de territórios. Erros, (d)efeitos, demagogias e até violações de direitos fazem parte da rotina de mais de 3 milhões de pessoas, a sua grande maioria pretas e pretos, pobres e periféricos. Optamos em narrar as desventuras por quem usa o ramal mais extenso da concessionária SuperVia: a linha Central do Brasil-Japeri.

Falar da Baixada Fluminense do ponto de vista dos trens, é retornar à infância do desenvolvimento econômico do país. Durante toda a primeira metade do século XX, o surgimento da malha ferroviária foi o berçário de dezenas de estações das quais foram nascendo povoados, aldeias e cidades. Municípios como Nova Iguaçu, Duque de Caxias e Itaguaí, por exemplo, não existiriam se não fossem as estradas de ferro. A partir da grande revolução urbana que começou a ocorrer por volta da década de 1950, quando iniciou-se um movimento irreversível do campo para a cidade, essas cidades próximas dos grandes centros aceleraram seu crescimento. Surgem as “cidades-dormitório”, consequência da falta de empregos locais e por consequência forte dependência da capital.

“Em algum momento, os trens que ligavam essas cidades passaram a ser chamados de trens de subúrbio e seus passageiros passaram a ser as massas de trabalhadores deslocando-se diariamente de casa para o trabalho e vice-versa em viagens cada vez mais distantes e mais demoradas”, escreve José Cássio Ignarra em sua dissertação de mestrado intitulada “O processo de descentralização e estadualização dos sistemas de trens metropolitanos no Brasil e seus impactos nos instrumentos de gestão e coordenação das políticas públicas metropolitanas”, pela Fundação Getúlio Vargas.

Lilian Barbosa é nascida e criada em Japeri. Assistente social, pesquisadora, poeta, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social na UFRJ, sabe muito bem o que sofreu para obter a tão sonhada graduação, além de trabalhar, e sempre necessitando dos trens da concessionária para seus deslocamentos. Com uma população estimada em mais de 105.000 habitantes, segundo dados coletados no último censo realizado pelo IBGE no ano de 2010, o município de Japeri só possui uma linha de ônibus e o ramal de trem como os únicos modais de transporte público para se chegar na cidade do Rio de Janeiro. São exatos 61,75 km que separam as duas cidades, percorrendo 17 estações e com uma duração média de mais de duas horas de viagem. A ineficiência do sistema de transporte de Japeri já resultou em vários transtornos que afetaram diretamente o cotidiano de Lilian.

“Eu fiquei reprovada em um semestre devido a hora que eu chegava na universidade, por causa dos atrasos dos trens no início dos anos 2000. Eu sofria preconceito, inclusive de colegas que falavam que eu deveria acordar mais cedo para chegar à universidade. O que aquelas pessoas não sabiam era que eu já embarcava no primeiro trem. Fazer universidade fez com que eu me tornasse a pioneira na família. Sendo mulher negra, pobre e periférica contrariei a estatística. Todavia, ir para a Baixada, considerando a sua extensão territorial, a diversidade e a distância de seus municípios, faz com que as viagens tornem cansativas”, diz Lilian.

A exaustão também é uma palavra presente no vocabulário da assistente administrativa Kelly Martins, também moradora de Japeri. Aos 36 anos de idade, ela já passou metade da vida dependendo dos trens da SuperVia. Cansaço físico, emocional, principalmente em função da distância, são alguns dos fatores que a sobrecarregam. A pandemia da Covid-19 implicou numa piora da sua saúde mental. Lidar com pessoas que estão o tempo todo negligenciando os protocolos de segurança dentro dos vagões, como usar máscaras, a estressa bastante. Kelly identifica também ao racismo no sistema ferroviário.

“Esse é um modelo de transporte público em que o racismo está em todos os lados. Desde os passageiros, até os trabalhadores ambulantes informais. São quase todos negros. E você pode fazer uma analogia com a escravidão. Há um certo tempo, os trens tinham um instrumento que impossibilitava a gente de cair no chão, que eram as ‘chupetas’ (grandes argolas metálicas com as quais os passageiros em pé se seguravam e tentavam se equilibrar durante os solavancos das longas viagens). Aquilo, pra mim, é a própria senzala. Se você considerar que está num trem lotado, sem se movimentar direito, com pessoas esbarrando em você depois de um dia cansativo de trabalho, muitas vezes morrendo de calor sem o conforto de um ar condicionado, não difere muito de um navio negreiro. Não consigo enxergar muita diferença”, afirma Kelly.

Mas será que essa analogia é um exagero? É possível uma comparação, ainda que metafórica, entre a rede ferroviária de transporte público do Rio de Janeiro e uma das mais perversas formas de diáspora (dispersão forçada de um povo de seu território de origem) conhecidas pela humanidade? Se fomos nos concentrar em um olhar mais contemporâneo dos trens da Supervia, é possível que uma melhoria ou outra possa ser considerada “satisfatória”, nos dias atuais. Os trens estão mais limpos, as portas até conseguem se fechar, por exemplo. Porém, vamos nos concentrar em um dos indicadores mais evidentes dessa polêmica: a superlotação.

Estação Engenheiro Pedreira, distrito de Japeri. Dez da manhã e o desembarque na cidade já apresenta superlotação. Foto: Fábio Leon

É evidente que a dimensão de todas as formas de crueldade impostas às populações escravizadas vindas dos países africanos a partir do século XV é de revirar o estômago em termos de proporcionalidade de danos físicos e psíquicos. Entretanto, quando se fala sobre a “otimização de espaço” em navios negreiros, as semelhanças são mais plausíveis. Se nos navios negreiros, famílias inteiras eram submetidas a aberrações ambientais degradantes isso se devia, dentre tantas maldades, às condições mínimas para caber o maior número possível de escravizados.

42,5% das mortes causadas por atropelamentos ferroviários no Brasil em 2018 ocorreram na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (91 casos). Dentre estas vítimas, 82,4% eram negros.

José Cássio Ignarra em sua dissertação de mestrado intitulada O processo de descentralização e estadualização dos sistemas de trens metropolitanos no Brasil e seus impactos nos instrumentos de gestão e coordenação das políticas públicas metropolitanas, pela Fundação Getúlio Vargas.

A SuperVia nunca acorrentou, torturou ou atirou aos trilhos, passageiros moribundos durante o percurso de seus trens como acontecia nesses navios da morte (agredir com chicote, sim). Mas é evidente que durante décadas antes da privatização, em 2007, o cenário era dramaticamente caótico e perigoso. Basta pegar qualquer imagem de arquivo antes da concessionária administrar a estrada de ferro e verificar que, metáforas à parte, corpos negros apinhados rumo ao trabalho, era parte da rotina. Em 2013, seis anos depois da malha ferroviária pertencer a uma empresa, matéria do Jornal Extra noticiava, por exemplo, que “um homem caiu de um trem da SuperVia, na manhã desta sexta-feira, na Estação da Vila Militar, Zona Oeste do Rio. A composição seguia superlotada. O homem—que teria embarcado em Padre Miguel—estava pendurado na porta e não conseguiu se segurar”.*

Racismo, ‘Desenvolvimento’ e ‘Industrialização’

A falta de investimentos públicos na manutenção e expansão fez com que o transporte ferroviário da SuperVia perdesse bastante força nos anos 1990. Com a prioridade da época focada nos ônibus e com o forte lobby político, amplamente conhecido e investigado por diversas ilegalidades (e responsável pela eleição de vários prefeitos em vários municípios), o sistema ferroviário passou a entrar em uma profunda crise. A Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), que, em 1984, chegou a transportar um milhão de passageiros por dia, sofreu uma degradação que chegou a ponto de afetar a segurança das operações gerando acidentes, a pontualidade, a confiabilidade das viagens, a segurança e a limpeza das estações e composições. Isto resultou na queda constante e brutal do número de passageiros que, em 1996, chegou a apenas 145.000 passageiros por dia.

Entretanto, quando nos voltamos aos investimentos injetados durante o processo de privatização da malha ferroviária, os dados parecem sobrepujar a nossa percepção de desenvolvimento. Ao todo, entre os governos Sérgio Cabral e Luis Fernando Pezão, foram adquiridas 142 composições a partir de 2007, financiadas com recursos remanescentes de um empréstimo de US$600 milhões (R$3,20 bilhões em valores atuais), recebido junto ao Banco Mundial e uma parceria público-privada entre a SuperVia, na época tendo como sócia majoritária, a Odebrecht TransPort e o Governo do Estado do Rio.

À esquerda: Carlos Evandro, do Mobiliza Japeri e padre Jacques Kwangala (à direita): “as periferias não discutirem políticas públicas também é uma forma de escravizar”. Foto: Fábio Leon

Com tantos zeros à direita, a cidade do Rio e a Baixada Fluminense deveriam ser abastecidas com um dos melhores sistemas de transporte ferroviários do mundo. O que deu errado, então? Uma possível resposta talvez esteja em um apontamento produzido pelo filósofo e jurista Silvio Almeida em seu livro Racismo Estrutural, obra que se tornou um clássico instantâneo por explicar de forma didática as várias facetas que constroem a sociedade racista da qual fazemos parte.

Ao abordar o tema do racismo e do desenvolvimento econômico, Silvio Almeida escreve: “A industrialização não resultou em distribuição de renda e bem-estar para a população. Sem distribuição de renda, a industrialização e o aumento da população, tornaram-se expressões de uma ‘modernização conservadora’ que, em nome da manutenção da desigualdade e da concentração de renda, exigiram a supressão da democracia, da cidadania e a ocultação dos conflitos sociais, inclusive os de natureza racial. A ideologia de uma falsa democracia racial teve papel fundamental nesse processo. O racismo não é um mero reflexo de estruturas arcaicas que poderiam ser superadas com a modernização, pois a modernização também é racista”. 

Uma Empresa com ‘Permissão de Matar’

A Casa Fluminense é uma organização civil que defende políticas e ações públicas para melhorar a qualidade de vida na região metropolitana do Rio de Janeiro. É também coordenadora do Mapa da Desigualdade 2020, conjunto de dados, estatísticas e indicadores socioeconômicos—dentre eles os de transporte público—do Estado do Rio de Janeiro. No Mapa, os territórios que compõem a Baixada Fluminense apontam algumas das mais gritantes discrepâncias sobre a realidade da região.

Para Guilherme Braga, integrante da Casa e um dos que capitanearam a composição do Mapa, mesmo após o anúncio de vultosos investimentos na rede ferroviária fluminense, a sensação de insuficiência na qualidade do serviço é gritante: “Desde o anúncio dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, os trens urbanos foram os que receberam menos investimentos entre os modais de transporte público, embora o montante investido tenha ultrapassado quase R$1 bilhão. Ou seja, há uma perpetuação de um estereótipo dos territórios do subúrbio do Rio de Janeiro e das cidades periféricas da Baixada nos últimos 30 anos pra cá, considerando que são majoritariamente negras e pobres, de que padrões de normas técnicas para se garantir qualidade no transporte não são obrigatoriamente uma regra. É um planejamento excludente, classista e racista. Um grande indicador dessa perda de qualidade são os vãos que separam as plataformas e as composições. Os do metrô, que é um modal de transporte pensado para a classe média branca, é padronizado. Na SuperVia, os vãos entre trem e plataforma em determinadas estações são verdadeiros abismos. Uma pessoa pode cair naqueles vãos e morrer”.

E, de fato, pessoas morrem nas estações da SuperVia. O Mapa da Desigualdade 2020 também coletou dados que comprovam a necropolítica existente no sistema de transporte público do Rio de Janeiro. Apoiado em números oferecidos pelo DataSUS, 42,5% das mortes causadas por atropelamentos ferroviários no Brasil em 2018 ocorreram na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (91 casos). Dentre estas vítimas, 82,4% eram negros.

Uma das vítimas foi a estudante Joana Bonifácio Gouveia, de 19 anos, jovem, negra, universitária e moradora de São João de Meriti, morta no dia 24 de abril de 2017, na estação de Coelho da Rocha, no ramal Belford Roxo. Ao tentar entrar no trem, a estudante prendeu uma das pernas na porta do vagão. Desequilibrou-se e caiu no vão entre o trem e a plataforma, morrendo atropelada logo em seguida. Ela estava a caminho da universidade em Campo Grande, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde cursava biologia. O itinerário dela de trem levava cerca de duas horas e vinte minutos para chegar à faculdade. Ao longo do tempo, a causa do acidente foi mudando, segundo o que diziam as fontes oficiais. Na primeira nota em resposta ao acidente, a SuperVia afirmou que Joana havia cometido suicídio. Mais tarde descobriu-se que esse era um argumento comum em casos semelhantes e se é recorrente, não é acidente.

Mais um ano depois da morte de Joana, o ritmo de investigação prosseguia. Em uma reportagem da Agência Pública, o Instituto de Segurança Pública (ISP), órgão ligado ao governo do Estado, coletou outros dados referentes a essa modalidade de morte nos trilhos da SuperVia. Apenas observando os casos de atropelamento ferroviário que ocorreram em municípios cortados pelos trens da concessionária, percebeu-se que, em 2017, ano em que Joana morreu, foram 66 casos, 30 a mais do que em 2016 e 41 a mais do que em 2015. No total, de 2008 a 2017, foram 285 casos de homicídio culposo provocado por atropelamento ferroviário e 138 casos de lesão corporal culposa provocada por atropelamento ferroviário nos municípios que são cortados por trens da SuperVia.

Teresa Cristina olha um grafite com a imagem da filha Joana atropelada por um trem em 2017.Foto: Larissa Amorim/Casa Fluminense

Em Japeri, Mobilidade Urbana Não Atende à População

Apresentando-se como uma extrema antítese a toda poderosa concessionária da malha ferroviária fluminense, um coletivo de moradores humildes de Japeri, preocupados em dar um caráter mais humanitário ao transporte público da população local, articula, desde 2015, melhorias junto à prefeitura da cidade. Carlos Evandro, junto com outras quatro pessoas, fundou a Associação Mobiliza Japeri que, já no ano seguinte à sua fundação, havia realizado um seminário, que contou com a participação das associações de moradores de bairros periféricos da cidade e com a cooperação do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), cuja missão é promover o transporte ambientalmente sustentável e equitativo em todo o mundo.

Na época, um dos assuntos em pauta tratava de mudanças no Plano Diretor da cidade, dentre elas, requalificar as estações ferroviárias de Engenheiro Pedreira e Japeri baseado no conceito de Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS). Fora do conjunto de premissas que englobam o DOTS, Japeri, assim como tantos outros aglomerados urbanos do país, apresenta um modelo de crescimento urbano espraiado e disperso, setorizando diferentes áreas da cidade. O resultado desse modelo são cidades segregadas socialmente, que impacta negativamente no desenvolvimento socioeconômico das mesmas.

“Não temos uma quantidade de linhas de ônibus que atendam à periferia da cidade. Como a maioria das estradas que levam aos bairros não são asfaltadas ainda, os veículos sofrem avarias, há mais demora e atrasos, o que dificulta a vida dos moradores pobres de irem para os seus empregos bem longe daqui. Além disso, ficamos muito dependentes de moto-táxis. Nada contra esses trabalhadores, mas esse modelo de transporte não é confortável e seguro. Limita muito o deslocamento, principalmente para os idosos”, explica Carlos Evandro.

Kelly Martins, administradora: “o trem é a própria senzala”.  Foto: Fábio Leon

Uma outra mudança no Plano Diretor que poderia facilitar a vida dos moradores de Japeri, mas que, ao mesmo tempo, expõe as entranhas de uma cidade sem lei, seria a instalação de uma passarela no centro de Engenheiro Pedreira, distrito da cidade, onde hoje existe uma cancela. Após alguns acidentes automobilísticos e atropelamentos de transeuntes, a SuperVia determinou o fechamento da mesma, murando-a dos dois lados. A prefeitura se comprometeu em construir um viaduto no lugar da passagem de nível.

Patrícia Alves, outra representante do Mobiliza Japeri, explica o que houve: “O problema é que o viaduto foi construído há quase 1km do lugar combinado, no bairro São Jorge, e a cancela foi sendo destruída aos poucos e consertada pela SuperVia sucessivas vezes. Até que foi reaberta, de forma clandestina, com um trator na calçada, a noite, [mas] a concessionária desistiu de consertar mais uma vez. Hoje, sem controle algum, carros de pequeno porte, moto-táxis e pessoas trafegam livremente em um trecho que não há sinal sonoro de aviso de aproximação dos trens. Os maquinistas soem os apitos para que se evite uma tragédia”.

De acordo com o padre Jacques Kwangala, coordenador da pastoral afro e vigário da Igreja do Senhor do Bonfim de Engenheiro Pedreira, as lógicas colonial e escravagista, que se perpetuaram até os dias atuais, obtêm expressivas vantagens na construção da “ignorância” da periferia em enfrentar seus próprios problemas junto ao poder público. Devido a essa falta de compreensão sobre como políticas públicas deveriam ser melhor discutidas e contar com uma participação mais ampla da população pobre, preta e periférica, Jacques disse:

“Quando estamos em uma sociedade baseada numa monocultura europeia, que não valoriza a cultura negra, que é baseada em privilégios infligidos pela branquitude e que nega constantemente sua diversidade racial e sua pluralidade econômica, não se construirão apenas trens, mas se construirão caixões de ferro com pessoas negras vivas dentro delas. Se persistirmos em pensar apenas com a nossa individualidade, continuaremos a sermos escravizados pelo atraso”, conclui Padre Jacques.

Sobre o autor: Fabio Leon é jornalista, ativista dos direitos humanos e assessor de comunicação no Fórum Grita Baixada.

Sobre a artista: Raquel Batista é artista visual e trabalha como fotógrafa e ilustradora. É estudante na Escola de Belas Artes da UFRJ, mulher negra e moradora da Zona Oeste do Rio. 

Deputado Daniel Silveira é preso por crime contra a Constituição Federal

Vídeo mostra o deputado defendendo o fechamento do STF e apologia ao AI-5

Por Hélio Euclides, em 17/02/2021 às 12h
Editado por Andressa Cabral Botelho

O deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) foi preso em flagrante na noite desta terça-feira (16) após publicação de um vídeo em suas redes sociais fazendo apologia ao AI-5, mais duro instrumento de repressão da ditadura militar. No mesmo vídeo, o deputado defendia o fechamento do Supremo Tribunal Federal e fazia ataques e xingamentos aos ministros do Supremo Tribunal Federal, em especial o ministro Edson Fachin, que recentemente fez críticas à interferência de militares no Judiciário. O deputado foi preso em flagrante em sua residência, em Petrópolis, Região Serrana do Rio de Janeiro, e encaminhado para a Superintendência da Polícia Federal.

Na decisão assinada pelo ministro Alexandre de Moraes, foi determinada a efetivação da prisão em flagrante delito por crime inafiançável. Além disso, foi determinado que o YouTube remova de imediato o vídeo publicado pelo deputado, sob pena diária de R$100 mil.

No pedido de prisão, o juiz citou a Constituição Federal, que não permite a propagação de ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático, nem tampouco a realização de manifestações nas redes sociais visando o rompimento do Estado de Direito. Moraes destacou que a conduta do parlamentar é um ato grave. Apesar de crime inafiançável, a prisão de um deputado federal precisa passar pelo crivo da Câmara. O vice-líder do PT na Câmara, deputado Rogério Correia (MG), afirmou que entrará nesta semana com uma representação contra Daniel Silveira no Conselho de Ética da Casa devido às declarações.

O parlamentar ainda é investigado no inquérito que mira o financiamento e organização de atos democráticos em Brasília. Em junho, ele foi alvo de buscas e apreensões pela Polícia Federal e teve o sigilo fiscal quebrado por decisão do ministro Alexandre de Moraes.

Quem é Daniel Silveira

O deputado Daniel Silveira ficou conhecido em 2018, durante a sua campanha eleitoral. Dividindo palanque com deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL-RJ) e o governador afastado por corrupção Wilson Witzel (PSC), Daniel quebrou uma placa com o nome da vereadora Marielle Franco, assassinada a tiros em março do mesmo ano.

Carnaval Rio 2021: feriado marcado por homenagens e aglomerações clandestinas

Na sexta-feira (12) prefeitura prestou homenagem aos profissionais da saúde e às vítimas de covid-19

Por Hélio Euclides, em 16/02/2021 às 17h
Editado por Andressa Cabral Botelho

Esse ano não teve desfile dos blocos pela cidade. As agremiações não levaram suas enormes alegorias para a Apoteose. Do outro lado, a Intendente Magalhães não recebeu as escolas do povão, os índios do Cacique de Ramos ficaram na Tamarineira e nem Bonsucesso teve a sua aglomeração de foliões. Na sexta-feira de carnaval (12), aconteceu o tradicional evento da passagem das chaves da cidade no Sambódromo, mas além do prefeito e do Rei Momo, outras pessoas foram as protagonistas na abertura do carnaval.

Eduardo Paes (DEM) entregou a chave da cidade para profissionais da saúde, como forma de respeito a quem arrisca a própria vida para cuidar de quem contraiu o novo coronavírus. “Não vai ter Carnaval porque a gente quer salvar vidas. Não vai ter Carnaval porque a gente precisa preservar vidas. Não vai ter Carnaval porque quem amamos e até os que não conhecemos não podem ficar expostos a essa doença que, infelizmente, matou no mundo uma quantidade enorme de pessoas. Essa também é uma homenagem a todas essas vidas perdidas”, lembrou o prefeito.

No segundo momento, foi inaugurada a iluminação especial do Sambódromo, que traz as cores das agremiações que desfilam na passarela do samba. A iniciativa da Prefeitura do Rio, por meio da Riotur, homenageará as vítimas da covid-19 e, em especial, as do mundo do samba. A iluminação ficará até o sábado (20.02), quando se realizaria o Desfile das Campeãs. A Marquês de Sapucaí ficará iluminada todas as noites da semana até meia-noite.

Maria Avelino, moradora da Baixa do Sapateiro, acha importante a homenagem aos profissionais de saúde e às vítimas do novo coronavírus. “Os profissionais são muito importantes, porque estão na linha de frente e trabalham com amor ao próximo. Esse vírus invisível já tirou tantas vidas… Perdi uma vizinha, uma parente e tantos outros conhecidos que não voltaram para sua família”, diz. Para ela, a homenagem deveria se estender aos cientistas, que trabalharam na criação da vacina. “Tomei a vacina e estou me sentindo muito bem. Meu sentimento é de alívio e espero que todos recebam a vacina, não só o Brasil, mas o mundo todo”, conclui.

Fiscalização de eventos clandestinos

Mesmo com a suspensão dos desfiles de blocos de rua e escolas de samba para evitar aglomerações e a disseminação do novo coronavírus, a cidade continua a registrar aglomerações ao longo do feriado, embora haja fiscalização conjunta da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop), Guarda Municipal e Instituto de Vigilância Sanitária, com o apoio da Polícia Militar. Na segunda-feira (15), a prefeitura impediu a realização de três festas – dois na Zona Norte e um na Oeste, além de atuar na dispersão de pessoas na Praia de Ipanema, apreendendo três caixas de som. 

Do dia 12 até o momento, foram realizadas 62 inspeções sanitárias, 47 autos de infração, 24 interdições e 12 apreensões. Dos 100 ambulantes fiscalizados, 18 foram multados.

Sambar sem apagar a identidade de um povo

Maré de Notícias #121 – fevereiro de 2021

Por Carlos André – Cazé

O samba é uma das expressões máximas da nossa cultura. A gente chora, faz churrasco, enterra um ente querido, ou simplesmente comemora a vida com uma gelada, e sempre vai ter aquele sambinha acompanhando cada momento. Se ele faz parte do conjunto de características que nos definem, a sua história é uma frequente luta contra preconceitos e tentativas de aniquilamento. 

O samba carioca nasceu na casa da Tia Ciata. Baiana do Recôncavo, cozinheira e Mãe de Santo do Candomblé iniciada em Salvador, ela chegou ao Rio de Janeiro no final do século XIX e foi morar na região central do Rio, entre a Pedra do Sal e a Praça Onze, área chamada até hoje de Pequena África. Era respeitada em toda a cidade; se tornou símbolo de resistência da cultura negra e uma das grandes incentivadoras do nosso ritmo. Para se ter uma ideia, na sua casa aconteciam macumbas, festas e batuques que duravam dois, três dias. Lá foi escrito o primeiro samba gravado em disco, “Pelo telefone”, composição do Donga e Mauro de Almeida.

Isso tudo aconteceu em plena Primeira República, entre 1889 e 1930, com a Lei de Vadiagem em vigor – a tal que era sistematicamente aplicada contra manifestações religiosas e culturais da população negra no pós-abolição. A repressão era intensa; a justificativa para tal violência era que tais práticas feriam os “bons costumes” da sociedade da época. Segundo historiadores, essa era mais uma forma de banir o que estava em formação nos guetos do Rio de Janeiro, e que a elite da época sistematicamente tentava apagar – tradições e costumes africanos ou qualquer outra referência do período escravocrata.

Por conta disso, o samba foi duramente reprimido das mais diversas formas. Desde limitação da hora e do espaço para acontecer até uma lista dos instrumentos que poderiam ou não ser usados nos eventos. Teve muita roda de samba encerrada no meio e muito sambista apanhando da polícia e indo preso sob a alegação de “repressão da vadiagem”. 

Não apenas o samba, mas outras manifestações culturais ligadas à tradição e à cultura negra passaram por esse processo de criminalização, como a capoeira e o funk, até caírem nas graças da elite e, aos poucos, passar por um processo de embranquecimento.

“Respeitam-se muitas tradições, mas aquelas protagonizadas pelos negros e negras dessa terra são desconsideradas. Mas assim como seus criadores, o samba resiste, e resiste com muita força.” Carlos André – Cazé, Bacharel em Direito

Hoje a luta continua pelos direitos

Se no passado foi papel da dita lei e de outros instrumentos o seu apagamento, hoje vemos um processo de elitização do samba e do carnaval, com o ritmo perdendo a sua origem do morro enquanto espaço de troca de saberes e convívio comunitário através da capitalização do carnaval e das agremiações, a destruição dos lugares de memória, o distanciamento das suas origens e o afastamento forçado daquele que mais se identifica e contribui emocionalmente com as festas carnavalescas: o povo preto e pobre. 

Hoje tem roda de samba com ingressos caros. O acesso ao sambódromo acolhe mais o turista do que a população local. As escolas de samba que estão longe dos holofotes, como as da Maré, amargam dívidas e somam a falta de estrutura com o desinteresse por parte dos órgãos oficiais de cultura. Nos grêmios recreativos mais famosos não há lideranças ou artistas negros no comando; à frente das baterias são poucas ou inexistentes as mulheres pretas.

O samba de avenida agora é feito no escritório, tem bloco ou fanfarra desconstruída; tocam tudo, menos samba. Nos últimos anos, o poder público voltou a bater nos sambistas e a demonizá-los em nome da fé. Respeitam-se muitas tradições, mas aquelas protagonizadas pelos negros e negras dessa terra são desconsideradas. Mas assim como seus criadores, o samba resiste, e resiste com muita força.

Sobre o autor:

Cazé

Carlos André, o Cazé, é negro de 45 anos, Bacharel em Direito e morador de Niterói. Atua na Redes da Maré como Gestor de Projetos e faz parte da Casa Preta da Maré, projeto que atua na produção de conhecimento sobre questões raciais e racismo.

Através da música, projeto Inmyhood mostra a cultura de cada bairro periférico do Rio

Dois bairros terão sua arte em documentário

Por Hélio Euclides e Thaís Cavalcante ,em 16/02/2021 às 10h
Editado por Andressa Cabral Botelho

Viver na Maré é entender que cada uma das 16 favelas que a constitui tem a sua particularidade, história e forma de se expressar, assim como acontecem com diversos bairros da cidade. Foi pensando dessa forma que nasceu o projeto Inmyhood, iniciativa que rodou por bairros do Rio de Janeiro apresentando um artista local como seu representante. Com registros compilados em clipes, dois deles foram escolhidos para se criar um documentário local.

A ideia Inmyhood nasceu em 2018, quando Max Soares Santos, criador e diretor do projeto, estava terminando a faculdade de Cinema. O Trabalho de Conclusão do Curso (TCC) falava de cinema imediato, a aplicação de um modo técnico de criar os filmes na forma de clipes e documentários. O nome Inmyhood saiu de uma música do cantor de hip-hop 50 Cent. O clipe conta com uma música e depoimento dos MCs sobre o território onde nasceram. 

“Eles falam dos aspectos, mas com uma pegada musical diferente para cada um MCs. Tem clipes agressivos e outros mais cordiais. O projeto destaca as belezas e os problemas dos bairros. Tiramos o foco de Ipanema e Copacabana para mostrar a grandiosidade de Irajá, que pode não ter praia, mas tem uma história única, por exemplo”, conta.

Com o passar do tempo, o trabalho independente teve a ajuda de quatro amigos da faculdade. Na segunda fase do projeto, surgiu a criação de um novo modelo de contar a história do território, por meio de documentários, ou como Max denomina: o Making Doc. O projeto parou em 2020, por causa da pandemia, mas agora está sendo retomado. A primeira ação deste ano será na Baixa do Sapateiro, onde se pesquisa o lado histórico. “O trabalho é feito a partir de uma forma jornalística do local, onde ouvimos os mais velhos, os crias de mais de 60 anos. Além de dialogar com um projeto social do território”, diz. 

Os Bairros e artistas do Inmyhood são: Cachambi – Pid; Água Santa – Júlio Maia; Manguinhos – Faixa de Gaza; Maria da Graça – Upani; Bento Ribeiro – Carlos Mcs; Tijuca – Barão Rec; Campinho – Libonati; Méier – Lil Dez; Parada de Lucas – Juju Rude; e Oswaldo Cruz – Madly. Já os Making Doc foram em Parada de Lucas e Oswaldo Cruz. Os clipes chegam a ter mais de nove mil visualizações cada. 

Assista ao Inmyhood – Oswaldo Cruz – Madly:

Para 2021, depois da Maré será a vez de Vista Alegre. Agora todos os territórios terão viés musical e documentário. “Desejo conseguir lançar, pelo menos, dois Inmyhood e dois Making Doc por mês, trabalhar mais na divulgação e tentar um alcance maior. Quero aproveitar as gravações da Baixa do Sapateiro para um novo braço do projeto, que é o Serviço Hip Hop, que é tirar partes do documentário que fala das necessidades sociais ou que aponta alguma falha governamental e incluir em outras redes, como Instagram, Facebook, Twitter e tentar reverter algumas dessas situações”, conclui. O grupo também tenta apoio financeiro para continuação do projeto.

Na Maré, o artista da Baixa do Sapateiro, uma das favelas do território, será Madiba Mc, da gravadora Black Owl Records. Na favela Salsa e Merengue os trabalhos estão em fase de produção, com o artista Nizaj. Nascido em Angola e cria da Maré, Nizaj é músico, rapper, percussionista e integrante da Black Owl. Ele admite a importância da valorização da memória e da cultura local.

“Para mim, é muito gratificante fazer parte de um projeto em que eu possa representar o bairro no qual eu cresci. Porque quando a gente é novo, a gente vive e sonha. Hoje, na maioridade, a gente está realizando as coisas que a gente sonhava. É muito bom ver que você está representando a sua favela através da arte que você exerce”, destaca o artista.

Saiba mais nas redes sociais do projeto: 

Instagram: @volumevisualent
Facebook: volumevisualE no canal
Youtube: http://youtube.com/channel/UCE69Z1wEX-WZwE_8dtQ50Y

Essa matéria foi uma sugestão enviada a nossa equipe. Se você também deseja nos mandar alguma sugestão, crítica e/ou elogio, entre em contato com a gente pelo nosso Facebook, Instagram, Twitter ou mande um e-mail para [email protected] .

Estado do Rio permanece em bandeira amarela

Mapa de risco da covid-19 mostra baixo risco em oito das nove regiões do estado

Por Hélio Euclides, em 15/02/2021 às 15h30
Editado por Andressa Cabral Botelho

A medida de cancelamento de atividades no carnaval 2021 é para minimizar o risco  de transmissão na pandemia no estado do Rio. Segundo a 17ª edição do Mapa de Risco da Covid-19, oito regiões encontram-se em bandeira amarela: Baía da Ilha Grande, Médio Paraíba, Centro-Sul, Metropolitana I, Metropolitana II, Serrana, Baixada Litorânea e Norte. Apenas a Região Noroeste permanece na bandeira laranja, com risco moderado. 

A análise compara a semana epidemiológica 04, que vai de 24 a 30 de janeiro, com a 02, de 10 a 16 de janeiro de 2021. Cada bandeira representa um nível de risco e um conjunto de recomendações de isolamento social, que variam entre as cores roxa, de risco muito alto, vermelha, de risco alto, laranja, de risco moderado, amarela de risco baixo e verde, com risco muito baixo.

O Rio de Janeiro apresentou uma redução de 44% do número de óbitos e de 45% no número de casos de internações por síndrome respiratória aguda grave na comparação do período analisado. As taxas de ocupação de leitos no estado se mantiveram baixas. No último levantamento, apresentado na sexta-feira de carnaval, 12 de fevereiro, esse índice estava em 60,7% para leitos de UTI e em 43,2% para leitos de enfermaria. Os resultados dos indicadores devem auxiliar na tomada de decisão dos gestores públicos, além de informar a necessidade de adoção de medidas restritivas, conforme o nível de risco de cada região.

Pela quarta semana consecutiva, a cidade do Rio de Janeiro encontra-se no status de alto risco de contágio para a covid-19. A cidade é a que possui o maior número de casos e mortes do estado, com mais de 195,3 mil casos e quase 18 mil mortes pela doença. 

A distribuição da vacina

Para o enfrentamento do coronavírus, a Secretaria de Estado de Saúde (SES) informa que até o momento recebeu do Ministério da Saúde (MS) 1.040.320 doses da vacina contra a covid-19, sendo 855.320 da CorovaVac e 185 mil da Oxford/AstraZeneca. Vânia Correia, moradora da Vila dos Pinheiros, tomou a vacina e afirma que o sentimento é de alívio e esperança que logo tudo voltará ao normal. “A vacina me trouxe esperança que logo poderemos nos abraçar e voltar a ter uma vida normal, se Deus quiser. Não vejo a hora que todos tomem a vacina”, diz. 

Até o momento, foram entregues 842.890 doses aos 92 municípios. Dessas, 242.060 foram destinadas à segunda dose da CoronaVac, para atender a população que recebeu as doses enviadas no primeiro lote, a partir do dia 20 de janeiro. O balanço da vacinação é atualizado diariamente e pode ser acompanhado pelo Portal Covid: http://vacinacaocovid19.saude.rj.gov.br/vacinometro

Na cidade do Rio 249.846 pessoas foram vacinadas na cidade até o dia 14 de fevereiro. Entretanto, conforme foi informado pelo prefeito Eduardo Paes (DEM), a cidade só tem doses suficientes até terça-feira, dia 16 de fevereiro, quando pessoas de 83 anos serão vacinadas. A previsão é que novas doses do imunizante do Instituto Butantan cheguem à cidade na próxima semana e que a vacinação retorne imediatamente.