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A superação na pandemia

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Empreendedores se reinventam para vencer vírus e crise

Hélio Euclides

Muitos foram os empreendedores surpreendidos com a pandemia e a crise econômica que veio junto, mas poucos foram aqueles que adotaram medidas estratégicas para superá-la. Mesmo com a reabertura de lojas, em um mercado sem dinheiro, foi preciso criar alternativas para manter a saúde dos negócios. Com boas ideias e aproveitando toda oportunidade possível, os que se adequaram à entrega dos produtos, ou seja, o popular delivery, saíram na frente. “Antes eu não trabalhava com delivery. Agora estamos tentando recomeçar, fazendo entregas para sobreviver. Ainda não está bombando, mas vamos em frente”, comenta Maria do Amparo Bezerra Lopes, proprietária do Bar Amparo, na Baixa do Sapateiro, na Maré.

 Segundo o Sebrae, os setores considerados essenciais vêm conseguindo mostrar maior resiliência, como supermercados, proteínas, farmácias, setores de serviços, como telecomunicações, serviços públicos, como saneamento e transmissoras de energia. Do outro lado, setores mais afetados pelas regras de isolamento social foram aviação, turismo, bares e restaurantes, shoppings e vestuário. O isolamento social na economia trouxe a restrição de funcionamento, piora na renda e queda na confiança, gerando resultado como a queda no consumo.

 Na Maré, onde os empreendedores não costumam ter reservas financeiras, a situação foi mais delicada. Polyanna Lourenço, da “Sabor & Arte”, estabelecimento que vende pizzas e massas na Nova Holanda, uma das 16 favelas da Maré, anda desanimada. “No começo da pandemia não atendemos com mesa, só com entrega e sempre com higienização e máscara. Foi bem difícil. Na verdade ainda está bem difícil. As mercadorias dobraram os preços, estamos em uma verdadeira crise”, diz. Ela completa que o movimento está muito fraco e responsabiliza o  aumento de preços e o desemprego. Para chamar a atenção da freguesia, passou a fazer promoções, onde comprando 10 pizzas, ganha-se outra. E teve resultado. “Ajudou a impulsionar a venda”, diz Lourenço, mais aliviada. 

Como toda crise gera oportunidade, muitos que se viram desempregados tiveram de aprender a ser empreendedores. Há duas semanas, Juliane Pantaleão e João Vitor, seu noivo, partiram para uma nova empreitada. Eles abriram o “Na Brasa”, onde vende frango assado e empadão feito na churrasqueira na calçada no Parque Maré, também na Maré. “Com a pandemia, o meu salário reduziu e além disso precisamos de uma renda extra. Não está sendo fácil, é uma correria. Realizamos as compras na noite de sexta e preparamos tudo para o sábado e domingo. Nós tínhamos uma expectativa bem maior de venda, mas estamos trabalhando na divulgação e estamos confiantes”, conta Juliane. A confiança é tamanha que eles já planejam ampliar o negócio.

Assim como o casal, a cada dez brasileiros, oito começaram a trabalhar no  comércio de rua, é o que revela levantamento feito pelo C6 Bank/Datafolha. A pesquisa ouviu 1.536 pessoas entre os dias 21 e 31 de agosto. E muitos se formalizaram neste período da pandemia. Entre 31 de março e 1º de agosto foram registrados mais de 593 mil novos microempreendedores individuais (MEIs) e 85 mil  novas micros e pequenas empresas em todo país, segundo o Ministério da Economia.  “A confecção de máscaras foi uma das grandes alternativas de renda para muitos no início da pandemia. Outros mudaram de ramo, abrindo negócios na área de alimentação, como venda de bolos e lanches. A realidade do on-line trouxe necessidade de utilizar mais as redes sociais e os aplicativos de entrega. O WhatsApp também se tornou uma grande ferramenta, com as vendas através do aplicativo”, diz Guilherme Allan, analista do Sebrae Rio que tem oferecido capacitações para os novos empreendedores.

Dados do empreendedorismo na pandemia

Entre 02 a 22 de junho, o SEBRAE RIO ouvi 435 pequenos e médios empreendedores. Veja o resultado:

Expectativa de reabertura da empresa:

84,7% empreendedores se mostram otimistas quanto à retomada.

Canais que utiliza para realizar vendas?

  • 77,9% WhatsApp
  • 72,4% redes sociais
  • 26,4% telefone

E uma outra pesquisa o Sebrae Rio ouviu 550 empreendedores entre 27 a 30 de julho de 2020 sobre os Impactos do coronavírus nos negócios:

  1. A sua empresa está funcionando neste momento?
  • 10% igualmente antes da crise
  • 56% com mudanças
  • 31% está com funcionamento interrompido
  • 3% fechamento 
  1. Como você expandiu suas vendas?
  • 41% vendas on-line
  • 17% passou a fazer delivery 
  • 26% mudou a linha de serviços
  1. Como o seu negócio está sendo afetado pelo coronavírus em termos de faturamento mensal, em relação a um mês normal?
  • 87% diminuiu
  • 4% aumentou
  • 5% continua igual

Ronda Coronavírus: Multas por aglomeração poderão chegar a R$26 mil

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Em pontos turísticos da cidade, visitantes desrespeitam as regras de ouro e aglomeram nos espaços

Como medidas para conter os casos de covid-19 na cidade do Rio, a Prefeitura anunciou que os estabelecimentos que descumprirem as regras de ouro do Plano de Retomada e permitirem aglomerações receberão multas mais severas. Para os espaços já multados, o valor pode chegar a R$26 mil e sete dias de interdição, com a possibilidade de cassação do alvará. A cidade do Rio registrou nesta segunda-feira (21) 97 novos casos de covid-19 nas últimas 24h, totalizando em 98.259 pessoas infectadas. Além disso, são 10.505 mortes, 10 confirmadas de domingo para segunda-feira e 113 em investigação.

De acordo com o Decreto nº 47.488, a Prefeitura lançou 10 regras de prevenção à covid-19 diante o momento de reabertura dos serviços. São elas:

  1. Higienização de mãos antes e depois de cada atividade;
  2. Disponibilização de álcool 70% em áreas de circulação e dispensadores de sabão líquido e papel-toalha descartável e lixeiras sem acionamento manual em banheiros.
  3. Uso obrigatório de máscara, retirando-a apenas durante as refeições;
  4. Manter distanciamento de 2 a 4m² por pessoa;
  5. Manter ambientes com portas e janelas abertas e limpar os aparelhos de ar condicionado;
  6. Providenciar equipamentos de proteção para equipes de limpeza;
  7. Cobrir o rosto ao tossir e espirrar;
  8. Afastar e encaminhar o médico funcionários que apresentarem sintomas da covid-19;
  9. Limpar os ambientes a cada 3h e ao final do expediente;
  10. Divulgar em locais estratégicos as regras de ouro e a Central 1746.

Aglomerações em pontos turísticos

Mesmo com as regras de ouro, turistas descumprem as normas nos pontos de visitação. Apesar das recomendações de funcionários, não respeitam o distanciamento e as marcações das filas e retiram a máscara do rosto para tirar fotos. O Parque Lage está com limite diário de 200 pessoas no parque e durante os finais de semana o Parque Nacional da Tijuca irá limitar para 25 pessoas por hora na trilha de acesso ao Corcovado pelo Parque Lage.

Abertura de leitos

Em razão da elevação da ocupação de leitos de UTI para 85%, a Prefeitura anunciou na última sexta-feira (18) que vai reabrir 100 leitos para casos graves de covid-19. Segundo o prefeito Marcelo Crivella, a cidade do Rio irá fazer uma parceria com o governo federal para viabilizar a abertura desses leitos.

Aumento da média móvel de mortes

O estado do Rio apresenta por quatro dias seguidos aumento na média móvel de mortes por covid-19, o que aponta uma tendência de aumento do contágio da doença. A média móvel hoje, de acordo com a Secretaria de Estado de Saúde, é de 103 mortes e 1.319 casos por dia, apresentando um aumento de 69% na média de mortes em comparação a duas semanas anteriores. Desde o início da pandemia, em março, o estado do Rio registrou 17.727 mortes e 252.046 infectados.

Covid-19 na Maré

Desde o início da Ronda Coronavírus, o Painel Rio Covid-19, da Prefeitura, registrou na Maré números de casos bem abaixo, às vezes até metade, do de bairros vizinhos, como Bonsucesso. Nesta segunda-feira, a Maré tem 920 casos confirmados e 118 mortes. Na última sexta-feira, o mesmo painel registrou 598 casos e 92 mortes por covid-19 para o conjunto de 16 favelas. Já na 20ª edição do boletim De Olho no Corona!, a Maré registrou 1.667 casos – entre confirmados e suspeitos. Bonsucesso, que sempre teve o dobro de casos, tem hoje 838 casos registrados e 122 mortes. 

Boletim De Olho no Corona!

É sabido que a subnotificação no Brasil é um problema recorrente desde o início da pandemia, principalmente devido à baixa testagem. A produção de dados através de organizações da sociedade civil, como o próprio boletim, desenvolvido pela Redes da Maré, e o Painel Unificador COVID-19 nas Favelas do Rio de Janeiro, permite ter um número mais aproximado do real, tendo em vista a proximidade dos relatores de casos com os moradores. 

Com o lançamento do projeto “Conexão Saúde – de olho na Covid” na Maré, os números de subnotificação de casos no território diminuiu, tendo em vista a oferta de testagens à população, ação que faz parte do projeto. Confira a análise completa do boletim clicando aqui.

Arroz a preço de ouro Em tempos de pandemia, onde o número de desempregados se aproxima de 13 milhões e milhares de pessoas perderam renda e precisaram dar entrada no auxílio emergencial, fazer compras tem sido sinônimo de contar moedas, diante o aumento vertiginoso dos alimentos. O arroz, em particular, é o que teve o maior aumento, podendo ser visto nas prateleiras custando R$40. Mas por que os preços aumentaram e como essa subida influencia na segurança alimentar da população? Confira no texto de Andressa Cabral Botelho para o Maré Online.

Nenê do Zap

Todos sabemos que a pandemia ainda não acabou, mas às vezes é importante dar uma voltinha em locais abertos e arejados, longe de aglomeração. Mas não se esqueça dos cuidados ao sair na rua tanto para os nenês e adultos. Confira na dica de hoje.

Por Dentro do Saneamento Básico na Maré

Jéssica Pires

Uma das principais recomendações da Organização Mundial da Saúde para prevenção do coronavírus é lavar sempre e bem as mãos. Mas tem sido um desafio tentar cumprir esta simples tarefa em meio ao descaso do saneamento das favelas. Em abril, mês que teve aumento no número de casos confirmados e suspeitos de Covid-19 na Maré, o acompanhamento “De Olho no Corona!” recebeu 11 denúncias de falta de água em diferentes favelas da Maré.  

O pouco investimento em saneamento afeta nossa saúde. Mas não só. “Os moradores podem acabar perdendo uma consulta médica, uma entrevista de emprego, aulas”, reforça o Breno Henrique, oceanógrafo, morador de Bento Ribeiro Dantas e coordenador do projeto Cocozap, sobre o quanto a estrutura de saneamento impacta, por exemplo, na mobilidade das pessoas. 

O Cocozap é uma iniciativa da organização Data_Labe, que atua na Maré e que recebe e sistematiza relatos sobre o saneamento básico do território, usando o WhatsApp. O objetivo do projeto é mobilizar moradores e mapear os desafios do cotidiano de desigualdades em termos de acesso a serviços públicos de saneamento para incidir em políticas públicas na área. Conheça mais no site do projeto. Em 2020, foram recebidas 42 queixas sobre os serviços de saneamento nas 16 favelas da Maré via Cocozap. A região que apresenta o maior número de problemas sinalizado pelos moradores é a Nova Holanda, terceira favela da Maré em número de habitantes, que concentra 42,9% de reclamações, de acordo com a equipe do projeto.

Já ouviu falar em ‘racismo ambiental’?

Mas por que algumas áreas de uma mesma cidade têm mais estrutura de saneamento do que outras? Para o líder negro Benjamin Franklin Chavis Jr, que lutou pelos direitos civis nos Estados Unidos, a resposta é o “racismo ambiental”. Segundo ele, racismo ambiental é “a discriminação racial no direcionamento deliberado de comunidades étnicas e minoritárias para exposição a locais e instalações de resíduos tóxicos e perigosos, juntamente com a exclusão sistemática de minorias na formulação, aplicação e remediação de políticas ambientais.” Em outras palavras: as condições que vivemos sobre o saneamento básico na Maré, por exemplo, é, segundo ele, um resultado de um processo de formulação de políticas que exclui o nosso território. Não é um acaso, é um projeto.

E um novo capítulo desta história está sendo escrito. Em 15 de julho, foi sancionada a reforma do marco legal do saneamento. Atualmente, os serviços de saneamento são prestados, em sua maioria, pelo setor público – como a Cedae, por exemplo. “É possível que a privatização dos serviços prejudique ainda mais a distribuição entre as regiões da cidade”, sinaliza a equipe do Boletim “De Olho no Corona!”. Na edição de número 16 do boletim, os pesquisadores reforçam que o marco legal esvazia o sentido do saneamento como um direito humano (aqui o boletim). O Data_Labe também produziu uma matéria muito importante pra gente entender mais sobre essa questão da privatização

Nossa memória e condições de saneamento na Maré

A favela mais antiga da Maré é o Morro do Timbau. Não é coincidência. Nos anos de 1940,  era uma das únicas áreas possíveis de ser habitada, já que a região era formada por arquipélagos. A segunda favela mais antiga é a Baixa do Sapateiro, ocupada originalmente por migrantes nordestinos que chegaram em busca de trabalho. A solução que encontraram foi a construção de palafitas sobre o lamaçal. Depois da Baixa, muitas outras palafitas foram surgindo no Parque Maré, Rubens Vaz e Parque União. O descarte dos dejetos nessas construções, levantadas por tocos de madeira, era feito nos próprios alagadiços. 

A garantia de água também foi um processo que contou com a participação de moradores. Muitos contam que precisavam atravessar a Av. Brasil com tonel para transportar água para a favela. As mulheres, inclusive, foram fundamentais nessa luta! No site do Maré de Notícias você encontra outras histórias interessantes sobre esse processo.

E, até hoje, as condições de saneamento da Maré refletem uma realidade de desigualdades do Brasil. Os Indicadores de Desenvolvimento Sustentável do IBGE apontam que, em 2015, 18,5 milhões de domicílios brasileiros (27%, de um total de 68 milhões) eram inadequados para moradia. No estado do Rio de Janeiro, eram quase 900 mil domicílios nessas condições. Para a pesquisa, um domicílio adequado precisa ter saneamento básico, rede de abastecimento de água, coleta de lixo e uma quantidade máxima de moradores por dormitório. Boa parte dessas habitações, definidas pela pesquisa como inadequadas, fazem parte da realidade de favelas e periferias.

De acordo com o Censo Maré, de 2013, dos cerca 47 mil domicílios estimados, 417 só têm acesso à rede de água na parte externa e 151 não têm acesso. 8.300 não usam filtro ou água mineral. Em outras palavras, boa parte dos moradores da Maré não consome água tratada. A situação mais crítica é na Nova Maré, onde um em quatro domicílios não usa filtro ou água mineral. “Coleta e tratamento de esgoto eu não sei nem por onde anda. Sei que sai da minha casa, passa por muito vazamentos, vai para o valão e depois pra baía mesmo tendo uma estação de tratamento gigantesca ao lado da maré (ETE Alegria). Sem contar o problema de alagamento, que mistura esgoto com água de drenagem, com lixo.” A fala da Ruth Osorio, moradora de 22 anos do Parque Maré, mostra um pouco do cenário do saneamento na Maré.

O lixo é outra questão importante. Do descarte à coleta. A segunda é realizada na porta de 71,5% dos domicílios. Mas como isso não acontece diariamente, a forma de jogar fora os resíduos também afeta a saúde da população. O descarte incorreto do lixo impacta diretamente na proliferação de muitas doenças, como a leptospirose, por exemplo. “O lixo ali é bem complicado. As lixeiras enchem muito rápido, os caminhões não passam todo dia. Acho que essa coleta tinha que ser todo dia”, diz Gimenez Coutinho, morador do Salsa e Merengue há 20 anos.

A estrutura do saneamento básico na Maré reflete uma situação comum a outras pautas no território: a falta de investimento do poder público em favelas e periferias. É importante que a gente continue cobrando por isso. Cada um fazendo a sua parte a gente só fortalece o legado dessa luta antiga aqui na Maré!

Direção de produção e conteúdo: Geisa Lino

Direção de Captação Audiovisual: Drika de Oliveira

Captação de imagens: Gabi Lino e Douglas Lopes

Edição: Drika de Oliveira 

Narração: Jéssica Pires

Reportagem e texto: Jéssica Pires

Revisão de texto: Jô Hallack e Andreia Blum 

Agradecimentos dessa edição: Breno Henrique, Carlos Marra, Julia Rossi, Ruth Osório, Paulo Ronaldo, Helena Edir e Atanásio Amorim (em memória).

Alimentação: direito ou privilégio?

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Alta dos preços em meio à crise da saúde destaca que alimentação é um direito que custa caro

Andressa Cabral Botelho

“A comida no estômago é como o combustível para as máquinas. Passei a trabalhar mais depressa. O meu corpo deixou de pesar. Passei a andar mais depressa. Eu tinha impressão que eu deslizava no espaço. Comecei sorrir como se estivesse presenciando um lindo espetáculo. E haverá espetáculo mais lindo do que ter o que comer?” Essa fala poderia ser de hoje, mas ela foi escrita em 1960 no livro Quarto de despejo: Diário de uma favelada, de Carolina Maria de Jesus. Sessenta anos depois, o texto permanece atual, pois aponta o quanto a pandemia do novo coronavírus explicitou o problema da fome no país, principalmente em territórios negligenciados pelo poder público.

A alimentação é um direito fundamental, como consta no artigo 6º da Constituição, assim como segurança, saúde, educação, assistência aos desamparados, entre outros. De 2013 a 2018, aumentou em mais de 3 milhões o número de pessoas em situação de insegurança alimentar. No total, são cerca de 10,3 milhões de brasileiros que viviam em 2018 sem acesso regular à alimentação básica, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A pesquisa não leva em conta pessoas em situação de rua, o que nos leva a pensar que este número é ainda maior.

Entretanto, alimentar-se tornou-se um privilégio para quem tem renda. Enquanto para muitos o alimento é combustível para manter o corpo de pé, para alguns poucos ele é mercadoria, onde o maior interesse é o lucro. Essa lógica de geração do lucro a partir de insumos básicos – seja alimentos ou itens de higiene – foi um assunto que teve bastante repercussão na mídia ao longo dos últimos seis meses.

Em março, com os decretos estadual e municipal para fechamento dos serviços não essenciais como medida de contenção do vírus, o receio da população foi um possível esgotamento dos alimentos nos mercados e centrais de abastecimentos. Cogitou-se nesse momento a necessidade de se estocar comida e itens de limpeza, que na época passaram por um aumento abusivo do valor. O álcool gel passou de produto supérfluo a item de necessidade básica e nos meses de fevereiro e março de 2020, as vendas on-line do produto cresceram mais de 4700% em comparação ao mesmo período do ano anterior, segundo o Movimento Compre & Confie. Em matéria para a edição #112 do Maré de Notícias, uma comerciante da Maré afirmou que com o aumento do valor por parte dos fornecedores e maior procura, o preço do  álcool gel  foi de R$10 para R$27,50 em seu estabelecimento.

Seis meses depois do decreto, entretanto, já com a flexibilização da quarentena e abertura dos serviços, os preços dos alimentos – principalmente os da cesta básica – passaram a assustar os consumidores. A inflação medida pelo IBGE apontou um aumento de 6,10% nos itens de alimentação. Dos alimentos básicos, a alta do arroz chega a 100% em 12 meses, de acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Universidade de São Paulo (USP). Cinco 5 kg de arroz custando  R$40 nos supermercados é algo assustador, e o pior, é que os preços podem ter queda apenas em 2021, segundo o Cepea. 

Mas quais os motivos para o aumento do preço dos alimentos, principalmente o arroz? Para economistas do Cepea são:

  • dólar valorizado em relação ao real (até o fechamento desta matéria, um dólar comercial custava R$5,28), incentivando a exportação do produto;
  • desabastecimento do mercado internacional devido à pandemia, fazendo com que países produtores de arroz fossem forçados a parar de vender para o mercado exterior, aumentando a procura pelo arroz brasileiro;
  • diminuição da quantidade de arroz armazenado ao longo dos anos (segundo dados do Instituto Rio-grandense do Arroz (IRGA), em 10 anos o volume do estoque de armazenamento de entressafra diminuiu de 2.500 para 500 toneladas). 
  • desarranjos climáticos que afetam as plantações, como poucas chuvas.

O cenário fica ainda pior quando se analisa a atual situação do brasileiro: com a pandemia, o país ultrapassou o número de 12,8 milhões de desempregados, de acordo com o IBGE. Além disso, 41,1% da população do país trabalham informalmente e sofreram diretamente o impacto da pandemia. Neste momento de fechamento de serviços e perda de postos de trabalho, 67,2 milhões de pessoas deram entrada no auxílio emergencial, segundo a Caixa Econômica Federal. Embora o auxílio financeiro tenha ajudado a muitas pessoas, foi necessário pensar em outras medidas de apoio, como ações de promoção de alimentação básica à população em situação de vulnerabilidade.

Segurança alimentar no centro do debate

“Nunca se viu tanta campanha de arrecadação e nunca se viu tanta gente passando fome. Esse quadro ressalta a potência da solidariedade, mas por outro lado a gente precisa ressaltar a importância de políticas públicas”, destaca Guilherme Pimentel, ouvidor público do estado do Rio de Janeiro. Muitas dessas campanhas vieram dos próprios territórios, como a Campanha Maré Diz NÃO ao Coronavírus, da Redes da Maré, que dentre as diversas ações, desenvolveu a frente de segurança alimentar. 

A partir desta frente de trabalho, pensou-se duas ações: produção e entrega de refeições para pessoas em situação de rua e em estratégias para arrecadação e doação de alimentos para as famílias mais vulneráveis da Maré. Cerca de 50 mil pessoas foram beneficiadas diretamente com a campanha, o que equivale a pouco mais de ? da população das 16 favelas que compõem a Maré. Ao todo, 16.796 famílias foram beneficiadas e 37.900 refeições foram distribuídas para pessoas em situação de rua.

Ações como a campanha só são possíveis de acontecer quando organizações da sociedade civil, como a Redes da Maré, LabJaca (Jacarezinho), Coletivo Favela Vertical (Gardênia Azul), entre outros, se articulam para levantar dados mais aproximados da realidade das favelas no contexto do novo coronavírus. Além dos dados sobre pessoas em situação de vulnerabilidade, essas organizações também conseguem fazer um levantamento mais real de pessoas infectadas. De acordo com a 20ª edição do boletim De Olho no Corona!, a Maré registrou 1.667 casos – entre confirmados e suspeitos, quase três vezes maior que os dados que constam no Painel da Prefeitura do Rio, que nesta sexta-feira (18) marcou 598 casos confirmados. Até o momento, o território registrou também 92 mortes confirmadas por coronavírus.

Alimentação na escola

A segurança alimentar perpassa também pela alimentação em contexto educacional. Com a suspensão das aulas, alunos de Ensino Fundamental, Médio e Superior da rede pública também ficaram sem a  merenda de cada dia. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) tem papel importante na garantia do acesso à alimentação de crianças da rede pública de Educação Básica. Para reduzir os riscos de contaminação pelo coronavírus, estados e municípios pensaram em estratégias para manter a alimentação dos alunos. 

No município do Rio, a proposta ao início da quarentena era deixar as escolas abertas apenas para a merenda, mas colocaria em risco alunos e funcionários da escola. Pensando nisso, foi instituído judicialmente que a Secretaria Municipal de Educação distribuísse o kit merenda para os responsáveis dos alunos da rede pública de ensino, seja em formato de cesta básica ou de cartões de auxílio alimentação, beneficiando 641 mil alunos. Até o final de agosto foram distribuídos mais de 700 mil kits, entre cestas e cartões no valor de R$54,25 por cada estudante matriculado na rede municipal. 

Para os responsáveis que estão com dúvidas ou problemas na utilização do cartão, a Defensoria Pública está assistindo essas pessoas através de um formulário. Basta acessar o link e repassar à Defensoria quais as demandas para que elas possam ser atendidas.

Projeto Entidade resgata histórias LGBTs da Maré

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Lançado em setembro, plataforma pretende reunir memórias de moradores LGBTQIA+ do território

Thaís Cavalcante

“Naquele tempo, não existia Parada Gay, mas existia show gay. A rua enchia muito. Todo mundo gostava, todo mundo respeitava. Falavam: ‘Ah, mas ela não pode ver um palco!’ Era uma coisa divertida e bem alegre”. O depoimento fala sobre a “Noite das Estrelas”, evento em que transexuais se apresentavam nos anos 80 nas ruas da Nova Holanda, para dar visibilidade ao movimento. Essa história é parte do Projeto Entidade, plataforma on-line lançada neste mês de setembro junto com a 10ª Parada LGBTQIA+ da Maré, a primeira virtual em decorrência da pandemia. O projeto trabalha a escrita territorial com foco nas narrativas de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros, Queer, Intersexo e Assexuais (LGBTQIA+) das 16 favelas da Maré. 

Com a invisibilização que essas pessoas sofrem na família e até no próprio território, o projeto inédito traz a oportunidade de encontrar vivências espalhadas pela Maré. “Estamos reunindo pessoas a partir da sua história, não apenas pela sua sexualidade. Tudo que você é conta nesse contexto”, diz Jaqueline Andrade, atriz e uma das criadoras. “Quero que muita gente se identifique e perceba que não estão sozinhas. É especial por isso, poder se ver no outro”, completa.

Wallace Lino e Paulo Victor são irmãos e artistas, Wallace e Jaqueline atuam na Cia Marginal e Paulo no grupo ATIRO. Juntos, os três decidiram encontrar formas de valorizar a importância histórica de construir narrativas LGBTs de favela. Um time ainda maior soma com as produções para a internet: profissionais de comunicação, tecnologia, pesquisa, audiovisual, educação, entre outros. O formato de conteúdo digital foi motivado pelo cenário atual. “A internet trouxe mais proximidade e conectividade às pessoas durante a pandemia, por isso o projeto pode ser experimentado de casa”, conta Paulo.

Experimento afetivo e interativo

A experiência on-line do Entidade é afetiva: leva o ouvinte a descobrir histórias e se emocionar junto com quem as conta, despertando na pessoa sentimentos diversos, como saudade, alegria e até curiosidade ao ouvir as histórias. “É uma experiência muito sensível, então é importante ter um tempo para se dedicar e acompanhar o passo a passo do experimento para chegar até o final. Nele, colocamos muito afeto e cuidado para que as pessoas vivam a Parada LGBT como a gente viveu e construiu”, destaca Jaqueline.

Gilmara Cunha, diretora executiva do Grupo Conexão G de Cidadania LGBT de Favelas, foi a primeira entrevistada do projeto. A ideia é que outras instituições, movimentos e eventos, como a Parada Gay da Maré, estejam conectados e sejam mais visibilizados dentro e fora do território, assim como as histórias dos próprios moradores. 

Sobre o futuro do projeto, Paulo Victor conta que pretende fazer uma cartografia da Maré a partir das histórias e dos experimentos. “É uma construção de narrativas. Ela nunca vai estar pronta”. Pensar de forma colaborativa fez o resgate de memórias ser transformado em intensa produção local. Não à toa, Entidade foi um dos ganhadores da Chamada Pública: Novas formas de fazer Arte, Cultura e Comunicação nas Favelas 2020, realizada pela Redes da Maré, em parceria com a People’s Palace Projects, Itaú Cultural e patrocínio do Banco Itaú.

Por que o nome Entidade? 

Para além da religiosidade, Entidade significa aquilo que constitui a existência de algo real; essência.

Entre em contato para contar a sua história!

Clique aqui ou envie mensagem no WhatsApp 21 96542-6216 para contar a sua história e também receber a primeira experiência afetiva do projeto, que mostra a potência da Parada LGBTQIA+ da Maré.

Facebook: @entidademare

Instagram: @entidademare

 Site: www.entidademare.com

Forma pioneira de distribuição de jornal completa um ano

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Iniciativa coletiva do Maré de Notícias com Espaço Normal permite que todos os moradores recebam o veículo de porta em porta

Daniele Moura

Desde a primeira edição do jornal Maré de Notícias até agosto do ano passado a distribuição dos 50 mil exemplares era feita em conjunto com as Associações de Moradores da Maré. Cada associação recebia um lote determinado de fardos do jornal e era responsável pela entrega nas casas dos moradores de cada uma das 16 favelas da Maré. A parceria deu certo, mas tinha algo em que era fundamental avançar: a interação entre a redação e os moradores. Os editores do veículo tinham pouco retorno da população sobre o conteúdo do jornal e o interesse dos leitores. Como encarar esse desafio?

Em maio de 2018 nasce, por meio da Redes da Maré, o primeiro espaço de referência no atendimento da população de rua e usuária de drogas em um território de favela. O objetivo do Espaço Normal, nome dado em homenagem a um usuário de crack morto em 2017, é pautar uma agenda positiva sobre práticas de redução de danos para pessoas que usam crack, álcool e outras drogas. Tudo isso a partir da convivência e da articulação de uma ampla rede de cuidado no território, estimulando a criação de vínculos, diálogos e narrativas alternativas para denunciar os efeitos da guerra às drogas. Um dos projetos do Espaço Normal é o Entre Bicos, uma forma de oferecer geração de renda com trabalhos pontuais e que ajuda a reinserção social da população de rua e usuários e ex-usuários de crack e outras drogas.

Um ano e três meses depois desta inauguração, surge a ideia da parceria com o Espaço Normal para a distribuição do jornal impresso. Ora, como não levar em conta o conhecimento desta população que viveu e vive na rua sobre o território? Afinal, existe objetivo maior de um jornal comunitário do que tornar pública as demandas da comunidade? Mas como saber em detalhes essas demandas? Só gastando sola de sapato para percorrer e dialogar com os 140 mil moradores das 16 favelas que compõem a Maré. E como fazer isso? Com eles! Assim, há um ano começou um modelo pioneiro de distribuição de jornal impresso. 

Com o Entre Bicos, 4 pessoas atendidas pelo Espaço Normal são contratadas durante seis dias no mês. Por dia, durante 5 horas, eles têm a função de percorrer ruas, becos e vielas – que por muitas vezes foram usadas como abrigo – para entregar o jornal. Mas eles não estão só.

Os distribuidores se misturam entre os quatro atendidos pelo Espaço Normal, e mais 8 moradores, incluindo jovens de um outro projeto da Redes da Maré chamado de CRIA, articulação de jovens das 16 favelas para a luta de direitos da juventude no território. O processo da distribuição começa com a leitura do jornal para que cada distribuidor saiba na ponta da língua o conteúdo que está entregando aos moradores. Editores e repórteres do jornal fazem parte da leitura das 16 páginas e discutem com os distribuidores o conteúdo ali retratado. Após a leitura, é hora de botar o pé na pista. Dois grupos são feitos e cada um deles tem uma coordenação. Cada grupo é dividido em trio ou em dupla e ali começa o grande diferencial deste trabalho. A cada casa entregue, o distribuidor, já identificado com camisa do Maré de Notícias, tenta conversar para apresentar o conteúdo do jornal. A cada 50 casas, um morador responde e o distribuidor anota, grava e até fotografa as demandas ouvidas.

Legenda: Foto da equipe em dezembro de 2019 para edição #108 do jornal, que pode ser lida neste link – Foto: Arthur Viana

Desde que esse processo começou há um ano, o jornal ganhou novo conteúdo, nova forma de abordar os problemas e ficou mais próximo de cada mareense. Muitas matérias – incluindo capas – foram sugeridas pelos moradores durante a distribuição. Isso sem contar com a força da inserção social desta população invisibilizada que, a partir desse processo, ganha casa, celular e respeito. Não foram poucos os casos de distribuidores que viviam na rua e que a partir do trabalho da distribuição, conseguiram dividir um aluguel, comprar um celular usado e voltar a ter mínimas condições de cidadania. 

Valdemir Cunha é catador de latinhas e fazendo esse trabalho não dorme mais na rua e se transformou em defensor do veículo, que hoje é a maior oferta de informação para os moradores da Maré. “Se eu vejo alguém pegando o jornal do vizinho para usar para embrulhar coisas e não ler vou logo falando que está errado, que não pode tirar a oportunidade do vizinho de saber das coisas da Maré. Hoje informação não tem preço”, diz o ex-morador de rua. Lucas Brandão, também atendido pelo Espaço Normal, é outro que critica, sugere e defende pautas e fotos do Maré de Notícias. “Essa foto do esgoto a céu aberto na capa ficou tão impactante porque mostra como o governo esquece das favelas”, diz o distribuidor, que faz parte desde o início da parceria.

Ao fim de cada distribuição, há outro encontro para que se possa reunir todas as demandas da população, e acertar alguns “ponteiros” do processo de distribuição. Um encontro de muitas vozes, muito acolhimento, aprendizado e força.

Devido à pandemia, a distribuição foi suspensa por cinco meses, o que causou muita preocupação. Mesmo sabendo que a suspensão aconteceu pela preservação da vida de moradores e distribuidores, havia uma tensão sobre como ficaria a questão alimentar e psicológica destas sensíveis pessoas. Com doações financeiras para a campanha Maré Diz Não ao Coronavírus, da Redes da Maré, quentinhas e cestas básicas foram entregues para os mais necessitados da equipe. Outras doações vieram diretamente para os distribuidores do Maré de Notícias, como o caso da Agência Lupa, que assegurou o pagamento do mês de março dos distribuidores.

No dia 08 de setembro foi retomada a distribuição do jornal impresso com os 12 distribuidores já conhecidos e mais dois novos membros. Não houve atraso ou falta e sobrou entusiasmo, como relata Lucas. “Ficamos quase seis meses parados e retomamos com a mesma vontade que na primeira edição que fizemos esse trabalho. Até os novos distribuidores que chegaram estavam enturmados. Formou uma corrente só”. Corrente que pode ser espalhada como modelo de redução de danos e de inserção social de uma população historicamente invisibilizada pela sociedade brasileira. Que venha a próxima edição!