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Um laboratório de memórias na Maré?

As memórias do passado, produzidas no presente, podem transformar o futuro

Por Mariane Rodrigues em 08/12/2020 às 17h45 Editado por Edu Carvalho 

Em meio a pandemia da Covid-19, nossa atenção tem se voltado aos grandes laboratórios que andam buscando vacinas possíveis para o controle da doença. Vivemos um momento extremamente difícil, onde as desigualdades e problemas estruturantes se fazem ainda mais presentes em nossas vidas. Nesse sentido, a busca por uma solução e a necessidade de viver um novo futuro, se tornam urgentes.

O Laboratório de Memórias Ambientais da Maré foi um espaço de experimentações desenvolvido nos meses de outubro à dezembro de 2020 e que reuniu 13 jovens mareenses, entre 18 a 27 anos, de diferentes origens, perfis e vontades para que pudessem pesquisar suas memórias relacionadas ao território, família e afetos.

Assim como para produzir a cura para uma doença é necessária profunda pesquisa, para registrar e criar memórias também é preciso investigar. 

As nossas histórias são poderosas, e quando elas ganham espaços seguros para crescerem e fazerem parte da memória de alguém, também podem curar diversos males no mundo.

Mas afinal, o que é memória ambiental?

Elas são as histórias que narram as transformações do espaço em que vivemos e seu entorno, a partir dos problemas causados pelas mudanças climáticas, que acabam afetando a vida da população local. Já as mudanças climáticas são as alterações causadas, principalmente, pela humanidade, através da emissão dos gases do efeito estufa.        Como resultado disso, estão o aumento da temperatura e nível do mar, grandes chuvas e inundações, períodos de extremo calor e seca, e por aí vai.

E o que isso tem a ver com a gente? Tudo! Somos natureza, vivemos e sofremos as transformações juntos. A Maré, como a maioria dos territórios periféricos, sofre grandes impactos ambientais. Como nossos mais velhos bem sabem, a comunidade nasceu nas águas da Baía de Guanabara, fruto de um aterramento que, até hoje, luta pelo saneamento básico e vidas dignas. O saneamento proporciona ruas e rios limpos, sistema de esgoto adequado e saúde para todos. 

Essas situações foram objeto de pesquisa dentro de nosso projeto, observando muitos avanços, mas também um território com cada vez mais gente, com menos espaços seguros para andar e brincar, menos árvores e mais lixo.

Outro ponto muito importante e relatado pelos jovens do laboratório foi a falta de espaços verdes na Maré. Muitos foram atrás de suas memórias de infância ou dos vizinhos mais antigos da rua para entender como era no passado. Eles relataram os poucos lugares de lazer, a diferença no clima e a falta de locais para plantar. Esses desequilíbrios estão relacionados com o crescimento de novas doenças e seus grandes desafios para a ciência, é importante estarmos atentos a nossos hábitos, nossas políticas públicas, as ações das grandes empresas e aprendermos com as experiências do passado, afinal, a pandemia do coronavírus não é a primeira que a humanidade vivencia.

Investigações que vem de dentro. 

Ao invés de manipular um vírus, desativá-lo e tentar criar anticorpos, no Lab, nosso objetivo era sensibilizar as pessoas para que pensassem sobre suas memórias, incentivar a vontade de criar suas próprias narrativas e conectar histórias, pessoas, coletivos e lugares, com a procura por algo em comum.

O comum de todos os participantes foi a busca pelo bem viver, a busca por aprender, a partir da conversa, com mais velhos e mais novos, a coragem de confiar nos próprios saberes e formas de produzir conhecimento e a possibilidade de sonhar com uma Maré melhor, mais conectada com seus diversos tempos.

Em meio a pandemia, entendemos que faz parte do processo de cura olhar para si mesmo e para as histórias que nos constroem. Só observando o passado é que construímos identidades, nos fortalecemos no presente e podemos mudar o nosso futuro. 

É por isso que todos os laboratórios que se conectam com a vida são importantes, porque, são dentro deles que criamos ferramentas de cuidado. Cada um tem seu formato e métodos de investigação específicos. 

O nosso, aqui na Maré, tem a forma da coletividade que é guiada pela metodologia de profundo respeito pelos nossos saberes e formas de viver.

O projeto surgiu da plataforma  memoriaambiental.org, em parceria com a Redes da Maré e o Data_Lab. Visite o site e descubra as memórias que estão registradas por lá. 

Também queremos saber: qual é a sua memória ambiental?

Mariane Rodrigues é moradora da Maré, arte educadora, pesquisadora, designer regenerativo e integrante do projeto Maré Verde da Redes da Maré.


Propaganda: um dos segredos da gastronomia na Maré

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São mais de 3 mil empreendimentos no território e muitos usam da criatividade para conquistar seus clientes.

Por Thaís Cavalcante em 08/12/2020 às 08h Editado por Edu Carvalho

Em um cotidiano recém-chegado do isolamento social, basta circular pelas ruas mais movimentadas da Maré aos finais de semana para perceber que não há limites para a criatividade gastronômica da favela. Além de ser rentável, é uma das maiores apostas dos empreendedores dentro do território. É o que diz o levantamento do Censo de Empreendimentos Econômicos da Maré. Entre as atividades econômicas mais frequentes do território, estão os bares, beleza e estética, roupas, mercados e lanches. São empreendimentos para todos os gostos, estilos e em diferentes favelas da Maré.

Os negócios recriam marcas, apostam em tendências de mercado e usam de toda a criatividade para fazer dinheiro nas favelas da Maré e de todo o país. De acordo com a pesquisa “Economia das Favelas – Renda e Consumo nas Favelas Brasileiras”, feita pelos Institutos Locomotiva e Data Favela, a população que vive em favelas brasileiras movimenta R$119,8 bilhões por ano.

A diversidade das necessidades se traduz em feiras de rua, lojas fixas e barraquinhas. No total, são 3.182 empreendimentos na Maré, entre setores do comércio, serviços e indústria. Como se tivesse um negócio para cada 42 moradores. Atividades que se importam não só com a quantidade e qualidade, mas também na forma de divulgação e no uso da propaganda, que é um conjunto de ações que buscam anunciar um produto ou serviço para o público.

Outbêco: vai uma costela com fritas?

Empreendedora Natália inaugurou o Outbêco no Parque União em novembro. Foto: Matheus Affonso

Para fazer diferente e chamar a atenção vale até fazer paródia. Outbêco – Strokehouse é uma das novas sensações que domina as favelas do Rio e surpreende por onde passa. Já são 20 franquias espalhadas pela zona norte carioca. O empreendimento que chegou na Maré recentemente – Parque União em novembro e na Vila do Pinheiro em dezembro – chamou a atenção da população mareense pelo nome inusitado e pelo sabor delicioso. Outbêco é uma paródia do Outback – Steakhouse, uma das maiores empresas de jantar casual do mundo que oferece comidas australianas.

A ideia veio de Dani Félix, professor e cria da Baixada Fluminense. Ele foi desafiado em uma reunião e dali em diante, apostou na sua ideia e a colocou em prática em agosto deste ano. “Meu sonho era colocar franquias dentro das comunidades para estimular pessoas a serem empreendedores. Investir no negócio é relativamente barato e o empreendedor ainda aprende sobre comportamento, marketing e finanças”, conta Dani. Ele acredita que a resiliência é o que faz tudo girar, mesmo em tempos tão difíceis quanto à pandemia de covid-19.

Natália Soares apostou no Outbêco no Parque União porque acredita que o maior movimento financeiro está na favela. Ela conta que seu negócio tem boas características: preço acessível e um produto de qualidade. “Esses primeiros dias de trabalho têm sido intensos, divertidos e de muito aprendizado pra mim. O trabalho supriu minhas expectativas quanto à venda, estamos trabalhando muito. Eu nunca atuei no ramo de restaurantes, mas comecei desde cedo vendendo trufas”, conta.

Bar da Amparo: Culinária Brasileira dentro e fora da favela

Bar da Amparo oferece delivery de seus preparos dentro e fora da Maré. Foto: Douglas Lopes

O Bar Amparo é um charmoso gastrobar, localizado na Baixa do Sapateiro e feito para reuniões em família, encontro de amigos e confraternizações de trabalho. A comida brasileira oferecida é feita pelas mãos da pernambucana Amparo, dona do restaurante junto com a família e moradora da Maré. Para que essa culinária brasileira pudesse ser ainda mais conhecida – assim como o cheiro de sua comida bem temperada – o Bar passou a apostar em posts produzidos nas redes sociais, atendimento personalizado no WhatsApp e no delivery para as favelas da Maré e para bairros da zona sul e centro, por exemplo.

O restaurante ficou tão famoso que foi parar no programa de televisão Cozinheiro vs Chefes, do SBT em outubro. Foi uma das três finalistas mostrando que talento e afeto se misturam e podem se espalhar de um jeito fácil. “Minha carne é bem suculenta e feita com amor”, garante Amparo. Carne assada e feijoada são os pratos favoritos de seus clientes que ganham, além do sabor, o afeto que começa desenhado nos corações do cardápio da semana.

Divulgação online, nova estratégia de negócios

Grupo de compra e venda reúne quase 300 mil no Facebook.

Um espaço gratuito e importante para a divulgação de anúncios e famoso entre os mareenses é o grupo de Facebook “Bom Negócio da Maré – Rj”, com mais de 294,2 mil participantes. Ali, é uma grande feira virtual em que é possível encontrar diversas publicações diariamente com a divulgação de lojas, comércios, serviços, troca de produtos, venda e até aluguel de imóveis. Os moradores também aproveitam o espaço para pedir recomendações de produtos.

Rafaela França, moradora do Complexo do Alemão é empreendedora do Make in Favela e administradora do grupo junto com Joyce Gonzaga, cria da Maré. Rafaela passa tanto tempo na Maré que já se considera parte.

Administrar um grupo desse tamanho dá trabalho, literalmente. Rafaela admite que sua atividade online envolve publicações sobre empreendedorismo, filtragem de posts de golpe, moderação de participantes, fazer vídeos ao vivo de divulgação da feira, dicas para os comerciantes e muito mais.

“O Bom Negócio é o meu carro chefe de vendas. Acho que a gente tem que se ajudar e se apoiar. Por isso, além dos anúncios, fazemos até vaquinha em casos de saúde, por exemplo. Um trabalho de formiguinha, mas importante e que faz muito sucesso”, diz.

O nome do grupo é bem conhecido por todos, pois faz referência à antiga empresa de classificados online “Bom Negócio”, hoje comprada pela OLX. Criado em 2015, os anunciantes têm estratégia para publicação até no horário certo. As publicações à noite, por exemplo, ficam por conta dos restaurantes e comércios de lanche que fazem delivery em promoção para entrega dentro da favela e nos bairros do entorno. Grupos específicos para desapego e para venda e aluguel de casas no Conjunto de Favelas da Maré também bombam nas redes.

Seja na divulgação boca a boca ou pelas redes sociais, as oportunidades para conquistar os clientes continua sendo percebidas a partir da criatividade e da necessidade de empreender. A população dá o recado: é ativa na economia, demonstrando seu poder de compra e sua disposição para fazer investimentos.

Ações no Rio marcam 1000 dias sem Marielle Franco e Anderson Gomes

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Vereadora e motorista foram assassinados brutalmente em 14 de março de 2018

Por Edu Carvalho, em 07/12 às 20h15
Editado por Andressa Cabral Botelho

“Tem sido uma mistura de indignação, de tristeza, mas também de luta”. O sentimento da deputada estadual, amiga e mareense Renata Souza resume o sentimento de muitos hoje sobre a vereadora Marielle Franco (PSOL). Às vésperas de completar mil dias de sua execução, e do motorista Anderson Gomes, que a acompanhava no dia 14 de março de 2018, uma série de atos estão marcados para lembrar o episódio que chamou atenção mundo afora. ONGs, partidos e ativistas em diversos países estarão unidos para organizar ações nas ruas e redes sociais neste dia 08 de dezembro, exigindo respostas para a resolução do caso, ainda em investigação. O início da publicação de cartazes, fotos e poemas começa à meia-noite e irá até às 22h desta terça-feira.

Mesmo com a ausência física da vereadora, o seu legado sobrevive em cada pessoa que confiou nela o seu voto e que teve a sua vida atravessada por sua presença e palavra. Uma dessas pessoas é Simone Lauar, moradora do Salsa e Merengue e co-idealizadora do blog Garotas da Maré junto a sua irmã Anna Cláudia Neves, página de comunicação que aborda temas da atualidade. “Marielle foi uma luz que tentaram apagar. Só que o eco que ela deixou foi tão grande que impacta até hoje. Eu sou a prova disso. Foi ela, na primeira entrevista que fiz na vida, quem disse que eu seria uma ótima jornalista. Marielle, para mim, sempre será luz. A luz que ela acendeu em mim não se apagará”, observa. Simone lembra também que a atuação de Marielle foi fundamental para a criação do veículo comunitário. “Se hoje o Garotas da Maré está aí nas redes sociais, ela é sem dúvida uma das grandes responsáveis. Um jornal só feito por mulheres da favela… Ela me ensinou isso. Ela me motivou pra isso. E enquanto viver, vou lutar por justiça pelo assassinato dela e de Anderson”, conclui.

Nesta terça-feira, 08, o calendário brasileiro celebra o Dia da Justiça, momento importante para recordar o caso e exigir o andamento do mesmo. Investigadores do Ministério Público (MP) acreditam ter chegado na pessoa suspeita de clonar o carro que foi usado na emboscada da execução. Segundo a investigação, Eduardo Almeida de Siqueira clonou um carro entre janeiro e fevereiro de 2018 com as mesmas características do carro usado pelos executores do crime – um Cobalt 2014. Em depoimento à Delegacia de Homicídios (DH) em 2018, Siqueira admitiu já ter clonado outros veículos. Apesar da informação já constar no inquérito há dois anos, somente agora ela chamou atenção dos investigadores porque o advogado de Siqueira, Bruno Castro, também defende Ronnie Lessa, sargento reformado da Polícia Militar acusado de atirar em Marielle e Anderson.

Ações ao longo do dia 08

A Anistia Internacional e o Instituto Marielle Franco lançam a ação “Despertador da Justiça’’. Amanhã, dia 08, às oito da manhã, 550 relógios terão seus alarmes disparados simultaneamente, bem em frente à Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, na Cinelândia. Do alto, será possível ver a frase no chão: “1000 dias sem respostas”. 

A mobilização continua ao longo do dia nas redes sociais, nos perfis das organizações com a presença de influenciadores como Camila Pitanga, Leandra Leal, Bruna Linzmeyer, Leoni, Preto Zezé, Rene Silva e Raull Santiago usando a hashtag #1000DiasSemRespostas. 

Às 21h30 da noite, buscando simular o efeito de um jogral, em que um fala e todos repetem, amplificando o alcance das palavras, uma sequência de transmissões ao vivo estão marcadas. Você encontra aqui o texto do jogral: http://bit.ly/jogralpormarielle

Veja também: Em sua homenagem, rua da Maré pode ganhar nome de Marielle Franco

Vítima de ação policial na Maré tem alta

Após 40 dias internada, Maiara da Silva voltou para casa. A jovem de 19 anos perdeu o bebê após ser atingida por tiros numa operação policial na Maré. A ação aconteceu no dia 27 de outubro e reuniu cerca de 300 agentes da Polícia Civil, 5 blindados e dezenas de viaturas.

Pela Redação em 27/10/2020 às 19h20, atualizada em 07/12/2020 ás 19h32

Era por volta de 5h da manhã do dia 27 de outubro, terça-feira, quando 300 agentes da Polícia Civil em dezenas de viaturas e cinco blindados estacionaram na Avenida Brasil. Minutos depois, o grupo entrou numa das favelas da Maré, o Parque União. Segundo moradores, houve registro de tiros. Havia viaturas estacionadas na Avenida Brasil desde a passarela 8, na altura da Baixa do Sapateiro, até depois da passarela 10, altura do BRT, estação Maré, o que fez com que a via fosse interditada no sentido Zona Oeste.

A ação também aconteceu nas favelas Rubens Vaz, Nova Holanda e Parque Maré. Às 11 horas houve uma incursão pela Baixa do Sapateiro e Morro do Timbau, e registros de tiros na Rua do Serviço no fim da manhã e na Vila dos Pinheiros no meio da tarde. A operação terminou por volta das 17h, durando por 11 horas, de maneira silenciosa, com poucos registros de tiros. Em coletiva de imprensa, foi explicado que a operação policial foi consequência de uma força tarefa da inteligência da Polícia Civil, que envolveu cinco delegacias e uma investigação de três meses, que mapeou 100 pessoas com mandado de prisão supostamente escondidos na Maré. Segundo a nota da assessoria de imprensa da Polícia Civil, foram apreendidos fuzis, granadas, silenciadores, e carros e motos que seriam roubadas. Dezenove pessoas, entre adultos e adolescentes, foram presas/apreendidas na operação.

Foto: Douglas Lopes

Um dos mandados, segundo a polícia, foi para o suposto autor do assassinato do menino Leônidas Augusto da Silva Oliveira, de 12 anos, que morreu após ser atingido na cabeça um confronto na Avenida Brasil, no dia 09 de outubro. A polícia não apresentou nenhum registro  que comprove a informação do autor da morte do menino.

Apesar da operação policial ter sido realizada junto ao setor de Inteligência da Polícia, os moradores da Maré continuam sofrendo com os impactos da ação. O Maré de Direitos, projeto da Redes da Maré que oferece atendimento sociojurídico, identificou seis invasões a domicílio, quatro danos ao patrimônio e um caso de subtração de pertences, onde, segundo a moradora, os agentes da Polícia Civil furtaram R$300,00 de sua casa.

Maiara Oliveira da Silva estava feliz com a gravidez de seu primeiro filho.
Foto: Reprodução das redes sociais

Duas pessoas ficaram feridas, incluindo uma jovem de 19 anos grávida de 4 meses que foi atingida na barriga no Parque União. Segundo relato dos moradores, a jovem saía de casa quando foi atingida por um grupo de policiais que estavam na laje de uma casa vizinha. A jovem foi encaminhada para o Hospital Municipal Evandro Freire, passou por uma cirurgia, ficou internada no Centro de Terapia Intensiva (CTI) em estado grave por dias. A bala atingiu o pulmão, rim e bexiga. A jovem Maiara Oliveira da Silva estava com quatro meses de gestação do seu primeiro filho, que morreu no dia 28 de outubro, no dia seguinte da operação.

Nesta segunda, 07 de dezembro, depois de 40 dias de internação, Maiara teve alta e foi recebida com alegria pelos moradores.

Maiara chegando em casa após 40 dias internada.

Operações policiais e pandemia

Mesmo com a pandemia de covid-19, os agentes durante a operação, não usaram Equipamentos de Proteção Individual. Após votação no Supremo Tribunal Federal, em agosto de 2020, uma das medidas da Arguição De Descumprimento De Preceito Fundamental 635 (popularmente conhecida como ADPF das Favelas) foi a suspensão de operações policiais durante a pandemia devido à crise sanitária que a população vive. As operações poderiam acontecer em casos excepcionais mediante justificativa por escrito pela autoridade competente e sendo comunicada ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. A ADPF 635 prevê também que um promotor de plantão acompanhe a operação. A equipe do Maré de Direitos entrou em contato com o Ministério Público, mas até o momento não foi informada a identificação do promotor que acompanhou a operação de hoje. 

Durante a operação policial, as Clínicas da Família CF Augusto Boal, Diniz Batista dos Santos  e Jeremias Moraes da Silva não funcionaram.

No final de julho foi lançado o Conexão Saúde – De Olho no Covid-19, que é um projeto em parcerias com diversas organizações para o enfrentamento da pandemia na Maré e em Manguinhos. O projeto oferece o acesso à testagem, telemedicina e ao programa de isolamento seguro. Devido à operação policial do dia 27, pelo menos 110 testes para covid-19 deixaram de ser realizados no Centro de Testagem da Maré. Da mesma forma, pessoas com casos de covid-19 ativo acompanhadas pela Redes da Maré no Programa de Isolamento Seguro e que necessitam de auxílio alimentação para a garantia do isolamento domiciliar durante o período de infecção não puderam receber o Kit alimentação disponibilizado pelo programa.

Além da Maré, aconteceram operações policiais em Acari e no Jacarezinho no final de outubro. Também no dia 27, duas pessoas foram mortas durante operação no Complexo do Lins.

Direitos Humanos para todos os humanos

Diferentemente do que é dito, a Declaração de Direitos Humanos defende  todas as pessoas.

Maré de Notíciais #119 – dezembro de 2020

Por Andressa Cabral Botelho

Em 10 de novembro de 1948, foi promulgada, pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), a Declaração dos Direitos Humanos, normas básicas para a boa convivência de toda e qualquer pessoa na sociedade, sem nenhum tipo de distinção. Entretanto, com a onda conservadora que temos vivido, ouvimos com certa frequência que os Direitos Humanos são para um grupo específico e não para toda a humanidade. Mas afinal, o que são os Direitos Humanos?

Direitos Humanos são direitos indispensáveis para que qualquer pessoa possa viver, independentemente de classe social, raça, gênero, religião, orientação sexual ou nacionalidade. Eles tratam de questões básicas e fundamentais para a sobrevivência humana, como direito à vida, alimentação, moradia, liberdade, entre outros. “Os Direitos Humanos passaram a ser garantidos no Brasil graças à Constituição Federal de 1988. Por serem direitos constitucionais, o Estado deve garanti-los, também, como forma de pôr fim às desigualdades sociais, de gênero e raça”, destacou Paloma Oliveira, advogada, membra da Comissão de Igualdade Racial OAB Leopoldina e pós-graduanda em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global pela PUC-RS.

O documento surge após o trauma da Segunda Guerra Mundial, que vai desde a morte de milhares de combatentes até o genocídio de mais de seis milhões de civis no holocausto e nos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki. A declaração marcou uma das primeiras ocasiões em que os países que faziam parte da Assembleia chegaram a um acordo por um bem comum: igualdade de direitos a toda humanidade.

Na declaração, a ONU definiu 30 direitos e liberdades que não podem ser tirados de nós ou transferidos a outras pessoas. Eles não podem ser negados a nós, e é nosso dever conhecer e lutar diariamente para que os nossos direitos sejam respeitados. Afinal, Direitos Humanos são para todos os seres humanos.

“Os Direitos Humanos servem para reprimir condutas violentas, e com a força e importância que a legislação dá a esse assunto, o Estado deve garantir a dignidade humana, a não discriminação, a liberdade, a proibição de tortura, a igualdade entre as pessoas, etc.”

Paloma Oliveira, advogada, membra da Comissão de Igualdade Racial OAB Leopoldina.

O debate no Brasil

Diante das desigualdades, percebe-se que o Estado brasileiro não cumpre o seu papel de garantir tais direitos, deixando uma lacuna, preenchida por instituições e pela própria sociedade civil. Esses grupos lutam pela garantia dos direitos humanos por entenderem que estes deveriam contemplar todas as pessoas, mas essa não é a realidade atual. O ano de 2020 e a crise sanitária do novo coronavírus deixaram essa questão em evidência: na falta do Estado, foram as pessoas e instituições que se articularam, para distribuir cestas de alimento, exigiram a proibição das operações policiais, solicitaram cartões de alimentação referente à merenda escolar, por exemplo. 

O Brasil tem sido um local perigoso para quem defende esses direitos. Em 2019, pelo menos, 23 defensores de Direitos Humanos foram mortos no país, de acordo com o relatório anual publicado pela organização Frontline Defenders. No mundo, o país é o quarto mais violento para quem defende ativamente tais direitos. “Os Direitos Humanos visam reprimir condutas violentas, e com a força e importância que a legislação dá a esse assunto, o Estado deve garantir a dignidade humana, a não discriminação, a liberdade, a proibição de tortura, a igualdade entre as pessoas, etc.”, lembra Paloma.

É importante sempre lembrar de Marielle Franco, que lutou por melhores condições de vida para mulheres, pessoas negras, LGBTQIA+ e favelados. O seu legado é para que qualquer pessoa, não apenas os ativistas, possa lutar diariamente para diminuir as desigualdades sociais.

Você acha que todas as pessoas deveriam ter direito: 

  • à vida?
  • à alimentação?
  • à segurança?
  • à educação gratuita de qualidade?
  • à liberdade de ir e vir?
  • à liberdade de expressão e opinião?
  • a serem tratados de forma igual?

Se você respondeu SIM a essas perguntas, você é um defensor de Direitos Humanos.

Você já leu a Declaração dos Direitos Humanos? Confira aqui.

Moradores da Maré se organizam e arrecadam alimentos durante a pandemia

Pessoas, projetos e grupos de torcidas organizadas têm realizado ações de solidariedade pelas 16 favelas da Maré

Por Hélio Euclides, em 07/12/2020, às 18h
Editado por Andressa Cabral Botelho

O Brasil é o sétimo país mais desigual do mundo, de acordo com o último relatório divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Segundo o IBGE, a desigualdade aumentou no Brasil em 2018. De toda a renda do país, 40% estão concentrados nas mãos de 10% da população, cerca de 104 milhões de brasileiros. A metade mais pobre da população vivia em 2018 com apenas R$ 413 mensais, considerando todas as fontes de renda. A pandemia deixou ainda mais explícita essa desigualdade social. Mas com ela, vimos também diversas empresas e instituições que trabalharam neste período com responsabilidade social, a solidariedade foi a ação mais potente nas favelas e periferias. 

Pessoas simples arregaçaram as mangas e tentaram mudar a situação de seus territórios. Na Maré não foi diferente: diversos foram os casos de mareenses que se doaram para ajudar o vizinho ou pessoas que nem conhece dentro da favela. Luiza Aguiar foi uma dessas pessoas que percebeu que era necessário fazer algo. Assim nasceu o Projeto Beleza Solidária, que toda terça-feira oferece serviços no salão de cabeleireiro localizado na Vila do João, uma das favelas da Maré, em troca de quilos de alimentos. O que é arrecadado é doado para pessoas que não tem comida em casa. O sinal vermelho acendeu quando percebeu que os clientes estavam afastados, pois faltava emprego e dinheiro. “A Joana Dark Braga, dona do salão, veio com a ideia da ação solidária, e abracei a proposta. Queríamos ajudar com dinheiro, mas não tínhamos. Então, resolvemos trocar serviço por alimentos. O projeto é algo pequeno, mas podemos ajudar várias famílias”, diz Aguiar. A dupla começou a divulgar nas redes sociais e recebeu apoio de diversas pessoas.

Uma instituição da Ilha do Governador deu a partida com cestas básicas e depois os próprios moradores se sentiram incentivados a participar da iniciativa. O salão oferece tratamento no cabelo de escova e corte, pintura de unhas e cuidados com a sobrancelha. “Quando começamos a efetuar as entregas das cestas, percebemos realmente que aquela pequena ajuda estava sendo uma luz para muitas famílias. Do outro lado, algumas pessoas se sensibilizaram e vinham deixar comida mesmo sem querer os serviços prestados”, diz a cabeleireira. Cada edição da ação consegue em média 40 quilos de alimentos. 

Para ela, o ato é uma mistura de sentimentos, como gratidão, esperança e felicidade. “Poder levar um sorriso para as pessoas é muito satisfatório. Também recebemos fraldas para duas crianças, que em troca nos ensinam o valor da vida”, comenta. A dupla já conseguiu cerca de 140 cestas. Algumas dessas cestas são doadas para motoristas de transporte alternativos que, durante o fechamento dos shoppings, ficaram sem trabalho. 

Muito além do alimento

Para alguns, a solidariedade já vem de muito tempo, mas se intensificou na pandemia. Mônica Galeno sempre foi envolvida em causas sociais como colaboradora. “Na pandemia, especificamente, vi muitas pessoas com grande necessidade de ajuda não só em alimentos. Com auxílio de outras pessoas que abraçaram a causa, ajudamos uma grande quantidade de pessoas nesses meses”, diz. Ela oferece tratamento no cabelo para quem não tem como pagar, no seu salão de cabeleireiro na Vila dos Pinheiros.

A mobilização conseguiu cestas básicas, kits de higiene e escovação, direcionamento para tirar documentos, roupas e doação de sangue. “A causa é a solidariedade, ajudar sem questionamentos. Vimos muitas necessidades dentro da própria comunidade. Nós somos as formiguinhas que fazem um trabalho silencioso. Mesmo com ações solidárias, ainda precisamos de mais união para conseguir um propósito. Não dá para esperar o governo, precisamos fortalecer a favela”, expõe. Galeno realiza o seu trabalho em conjunto com o Maré Solidária, grupo que realiza ações solidárias no território, e o Fla Maré, grupo de amigos torcedores do Flamengo. 

A parceria com o Maré Solidária aconteceu em um momento muito difícil na vida da cabeleireira e demonstra que não é só gentileza que gera gentileza. Solidariedade também gera solidariedade “Conheci o Rafael, do Maré Solidária, quando minha casa pegou fogo no início deste ano, e ele me estendeu a mão. Digo que o que jogamos para o universo tem um retorno. A minha casa ficou muito deteriorada, não foi nenhuma grande empresa ou governo que me ajudou, mas os moradores. Cada um deu um material para a reforma, isso fez a diferença para a construção”, comenta. Ela agora está mobilizada para ajudar uma família que o lar pegou fogo na Vila do João.

Muito além do futebol

Alguns estão na solidariedade como mobilizadores. Victor Hugo Soares é um desse que agitam os colaboradores. Além de estudar para se tornar barbeiro, ele trabalha em conjunto com torcidas locais e o Maré Solidária. Além dos cortes de cabelo nas ações sociais, há coleta para pagamento de enterro. No final do ano, consegue com ajuda de amigos da Via C/11, na Vila dos Pinheiros, doações para um abrigo na Avenida Brasil. “Com esses projetos a gente segue ajudando com pouco quem não tem nada. Precisamos de uma corrente de projetos bons. Nossa comunidade é difícil de ter ajuda do governo, então nós temos que nos se agarrar uns nos outros e ajudar quem mais precisa”, resume.

“O coletivo vem quando tem alguém que precisa. Outro dia com o Paixão Fla Maré fizemos um mutirão, conseguimos mais de três cestas básicas e compramos um botijão com kit completo para uma moradora que precisava. Outra vez uma casa pegou fogo na Nova Maré e conseguimos colaborar com a família”, expõe. Agora em conjunto com o Fla Bagdá tentamos conseguir alimentos e móveis para duas famílias que perderam as casas em um incêndio na Vila do João. 

Quem desejar colaborar com as ações solidárias:

Projeto Beleza Solidária – 96586-8728 / 98078-3133
Mônica Galeno – 99082-8227
Victor Hugo Soares – 97969-2245 / 97563-4936