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Os sintomas da imobilidade urbana

Introduzindo uma série de matérias sobre “mobilidade urbana” no Rio de Janeiro e no Conjunto de Favelas da Maré, o Jornal Maré de Notícias apresenta os principais problemas enfrentados pelos moradores, para transitar na  cidade.

Flávia Veloso

A Lei brasileira entende como mobilidade urbana o deslocamento de pessoas e cargas em um espaço urbano. De acordo com a Lei da Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/de 2012), para que os municípios brasileiros alcancem o ideal em termos de mobilidade, é necessária uma série de medidas que não visam, somente, ao ir e vir. São colocadas, em pauta, a qualidade da acessibilidade, questões ambientais, segurança, planejamento, para  melhor locomoção e, ainda, muitos outros fatores que têm o objetivo de garantir o bem- estar do cidadão. A partir desta compreensão, é que vemos como o município do Rio de Janeiro ainda está muitodistante de ser uma cidade em que a mobilidade urbana seja prioridade.

Os sinais da falta de mobilidade  no Rio de Janeiro  podem ser  vistos, inclusive,  em números. Uma pesquisa realizada pelo aplicativo Moovit – plataforma sobre mobilidade urbana que oferece informações dos transportes públicos da cidade – apontou que o carioca é quem mais gasta tempo dentro do transporte público. Na Região Metropolitana do Rio, uma pessoa passa, em média, 67 minutos (mais de uma hora) numa  condução, para chegar ao local de destino

E antes fosse somente o tempo gasto dentro dos transportes. É recorrente que o carioca reclame – e com razão – de outros problemas, como a falta de higienização dos ônibus, linhas extintas ou reduzidas e sem climatização e tudo isso quando se promete, desde 2012, que 100% da frota estariam com ar-condicionado. Desde então, a tarifa já foi aumentada cinco vezes e é a 8ª mais cara dentre as 26 capitais do País, mas a cidade não tem mais que 75% da frota climatizada.

Menos opções de ônibus

Karolina Paulino é moradora da Vila do João e trabalha de segunda a sexta-feira na Barra da Tijuca. Para chegar ao trabalho, Karolina pega o ônibus 315, na Avenida Brasil, pela manhã. Mesmo vindo cheio, ela conta que o transporte passa em intervalos de 10 minutos, quando então consegue pegá-lo com facilidade. O problema maior, na verdade, é na hora de voltar para casa, que os intervalos chegam a meia hora e, às vezes, os motoristas nem param, pois os ônibus já estão lotados.

Um levantamento feito pelo Jornal O Globo mostrou que mais de 1.200 ônibus foram tirados de circulação do município do Rio de Janeiro nos últimos anos. Algumas das linhas extintas passavam em partes das favelas da Maré, como as  linhas 955 e 957, que iam até a Barra da Tijuca, e serviam como opção para Karolina, que poderia fazer o caminho de ida e volta do trabalho  para sua casa com mais conforto e sem  esperar tanto tempo.

No caso das favelas da Maré, além das linhas que não existem mais, há também os ônibus que tiveram seus trajetos diminuídos e  não circulam  pela região, que tem uma população de  140 mil habitantes. Na realidade, a situação ficou bastante crítica, já que  os moradores tiveram seus acessos dificultados em locais como Centro, Zona Sul e Baixada Fluminense. E pensar que as favelas da Maré estão localizadas entre as principais vias de acesso à cidade do Rio de Janeiro – Avenida Brasil, Linha Vermelha e Linha Amarela.

A Secretaria Municipal de Transportes (SMTR) justifica a redução da frota pela fato de haver muitas  irregularidades com os carros  em circulação, além  da  baixa procura dos usuários. De acordo com a SMTR, sua equipe faz constantes fiscalizações em terminais, garagens e ruas, para verificar as condições dos carros e se os contratos estão sendo cumpridos.

Acessibilidade dificultada

Lorrayne Gomes relata dificuldades para deslocamento em transportes coletivos e passarelas | Foto: Douglas Lopes

Com um filho de 13 anos, Isaac, que necessita de cadeira de rodas para se locomover, Lorrayne Gomes, moradora da Vila do João, já desistiu de tentar transitar pela cidade de ônibus, metrô ou trem. Ela não consegue trabalhar fora de casa, pois a demanda para  cuidar do filho é muito grande. Ela tem sobrevivido com uma ajuda de custo do Estado. Boa parte desse auxílio vai para pagar carros particulares para levar o filho a consultas médicas e exames. Para conseguir sair da Vila do João para outros bairros, ela e o filho precisam enfrentar calçadas estreitas, sem rampas, cheias de barreiras e até quebradas. Passados esses obstáculos, ainda tem de contar com a “sorte” de pegar ônibus com elevadores adaptados para cadeiras de rodas que funcionem e motoristas que saibam operar o maquinário.

A Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Tecnologia (SMDT) não tem, nas suas funções, nenhum  poder de fiscalização do funcionamento dos elevadores ou da operacionalização feita pelos condutores. Seu trabalho é buscar parcerias para promover campanhas de conscientização, como foi o caso da “Rio + Acessível”, que realizou com a Secretaria Municipal de Transportes. Em 2019,  foram feitas  blitzes  em vários pontos da cidade, para fiscalizar se os carros estavam com seus elevadores em pleno funcionamento.

Outro problema enfrentado por  Lorrayne para se movimentar  com seu filho na cidade é quando precisa usar  a passarela  para acessar o outro lado da Avenida Brasil. A passagem que fica mais próxima da sua residência é de ferro e madeira e só tem degraus. Esta era para ser provisória, mas já dura quase 10 anos,  inclusive o assunto foi pauta do Jornal Maré de Notícias nos anos de 2011 e 2012. [Para ler, acesse o www.mareonline.com.br]

O que você paga dá conta?

 “O valor das passagens de ônibus são direcionados aos custos e investimentos em operação, compra e manutenção de carros e garagens, pagamento de pessoal, combustíveis entre outras coisas”, explica Rosangela Luft, professora do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os gastos com manutenção e melhorias de ruas e calçadas são de responsabilidade do poder público, então, o valor da tarifa não entra nessa conta.

É previsto no contrato de concessão entre as empresas de ônibus e a Prefeitura que o dinheiro arrecadado das passagens de ônibus cubra integralmente os gastos com a frota, mas essa é uma conta que o carioca desconhece. As empresas de ônibus não disponibilizam suas contas ao público, o que dificulta  saber para como os recursos são utilizados para o serviço de transporte, que é um dos direitos de toda a população. Essa questão,  sobre  o valor justo a ser pago por uma passagem, é um das muitos temas  levantados pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Ônibus, que tem como responsabilidade garantir  a transparência na gestão das empresas que controlam as linhas no município.

Soluções para “desafogar” o tráfego

Rosangela Luft lista diversos caminhos para melhorarar a situação dos transportes. Ela começa citando a restrição para o uso de  veículos individuais,  o que reduziria  espaços para estacionamento. Poderia ser feito a partir da cobrança de taxas para uso em determinados locais, dias e horários, por exemplo. Rosângela ainda aborda uma questão bem mais complexa, que são as centralizações de áreas econômicas em determinados lugares do Rio. Para ela, as atividades econômicas, residenciais e sociais devem ser distribuídas por toda a cidade, diminuindo a necessidade de longos deslocamentos.

Outro ponto abordado pela professora é o de integração de meios de transporte e de tarifas, uma solução partilhada por Jailson de Souza e Silva, professor universitário aposentado, fundador do Observatório de Favelas e do IMJA (Instituto Maria e João Aleixo).  Em entrevista ao Maré de Notícias, em dezembro de 2016, Jailson aponta, como possíveis medidas para melhorar a situação do transporte urbano no Rio de Janeiro,  a expansão das linhas de metrô, sua integração com os trens e investimentos em ciclovias e nas barcas: “O direito à mobilidade não é uma preocupação dos governantes, afirmou. Seria fundamental estudar possibilidades para o estado: o metrô para Itaboraí e adjacências, o modal alternativo que seriam as ciclovias, as hidrovias, como uma barca de São Gonçalo à Praça XV. E por fim, a transformação dos trens em metrô e, nesse segmento,  criar mais linhas de metrô por superfície.”

Passarelas da Avenida Brasil, que há pelo menos 10 anos são provisórias, dificultam acessibilidade | Foto: Douglas Lopes

Siri não anda para trás

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Mestre-sala e porta-bandeira de Ramos se destacam e são premiados

Hélio Euclides

O mestre-sala e a porta-bandeira do Grêmio Recreativo Escola de Samba Siri de Ramos não andam para trás e nem para o lado, seguem em frente e sambam para alavancar a agremiação. A apresentação aconteceu na terça-feira de carnaval, na Avenida do Povo, como é conhecida a Estrada Intendente Magalhães, em Campinho. A escola ficou em quarto lugar, com 267, 6. O destaque da agremiação, localizada na favela Roquete Pinto, na Maré, foi o segundo casal de porta-bandeira e mestre-sala, Patrícia Machado e Gabriel Coleto.

Os dois foram premiados na oitava edição do “Samba na Veia”, prêmio que valoriza e reconhece o carnaval das escolas de samba da Intendente Magalhães. Patrícia, de 45 anos, se sentiu surpresa com a homenagem. “Uma felicidade grande, especialmente para alguém que ficou afastada por 18 anos, receber esses dois prêmio, foi muito compensador e prazer em dobro, porque eu fiz os meus dois figurinos um dia antes do desfile”, conta ela, que também foi premiada pela atuação no Acadêmicos do Dendê. A agremiação da Ilha do Governador ficou em quarto lugar no Grupo de Avaliação, antigo Grupo E, o que garante em 2021 desfilar no Grupo de Acesso da Intendente, antigo Grupo D.

Este ano foi a primeira vez que ela desfilou pela Siri de Ramos, e a segunda do parceiro de passos, o mestre-sala Gabriel. A modelista, costureira e empresária de uma marca de moda infantil diz que esse amor pelo carnaval se mostrou aos sete anos. “Eu pegava uma toalha e amarrava no cabo de vassoura e ficava tentando ser uma porta-bandeira. Um dia, nos ensaios, repeti a façanha, e o diretor de harmonia da Dendê me ensinou a arte e pela primeira vez desfilei na Rio Branco, defendendo o pavilhão. Realizei um sonho”, comenta. 

O estudante Gabriel, de 18 anos, começou no samba como passista no bloco de enredo Tigre de Bonsucesso. Na época tinha cinco anos e veio na ala das crianças. Em 2017, foi aprovado para ser passista da Alegria da Zona Sul. “Realizei o sonho de desfilar pela primeira vez na Sapucaí e descobri pelos amigos do meu pai que eu tinha um riscado de mestre-sala”, explica. Ele entrou na escola de mestre-sala do mestre Dionísio. Com a arte da elegância, desfilou no Aprendiz do Salgueiro e duas vezes pela Mangueira. 

Ao assistir uma final de escolha de samba do Siri de Ramos, encantou-se pela escola e se integrou à agremiação. Também recebeu o convite para bailar na Acadêmicos do Dendê. “Na escola da Ilha do Governador conheci essa pessoa tão amável, que é a minha porta-bandeira. Mas tenho um grande amor por essas duas agremiações. Me tratam com carinho surreal e meu sentimento é de ser filho das duas escolas”, conta. Gabriel comemora esse primeiro prêmio. “Eu me sinto muito feliz, é sinal que estou no caminho certo”, conclui. 

Carnaval de 2021 ainda não está definido. 

Março começou, mas três agremiações brigam pelo direito de subir para a Série A. Porém, só existem duas vagas, garante a Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Lierj), que administra as agremiações que desfilam na sexta-feira e sábado na Sapucaí. 

Para a Liga Independente das Escolas de Samba do Brasil (Liesb), sobem Lins Imperial e da Em Cima da Hora, respectivamente, campeã e vice-campeã do desfile organizado por ela. Só que a dissidente Liga Independente das Verdadeiras Raízes das Escolas de Samba (Livres), reivindica uma das vagas para a Tradição. Em janeiro, a Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro (Riotur) afirmou que tanto a Liesb quanto a Livres compartilhariam os desfiles carnavalescos. Que todas as filiadas, de ambas as Ligas, desfilarão, em dois momentos diferentes, iniciando o desfile da Liesb, às 18h e a Livres, às 23h.

“O combinado não foi respeitado, as nossas escolas entraram para desfilar às quatro da manhã, com término depois das nove horas. Mesmo assim fizemos desfiles com dignidade e garra”, falou Rafhaela Nascimento, presidente da Livres, em apuração no Terreirão do Samba, ao Jornal Maré de Notícias. Ela promete tomar medidas cabíveis para que a Tradição desfile em 2021 na Sapucaí. A Livres reúne seis escolas: Arame de Ricardo, Unidos de Lucas, Tradição, Siri de Ramos, Vizinha Faladeira e Alegria da Zona Sul.

Outra reclamação foi a mudança no carnaval da Intendente. Em 2018, os desfiles eram divididos em Grupo B, C, D e E. O Grupo B tinha apenas 13 escolas. Esse ano a Liesb realizou a fusão do Grupos B e C, fundando o Grupo Especial da Intendente, com 20 escolas. O Grupo D foi batizado de Grupo de Acesso da Intendente. Já o Grupo E foi definido como Grupo de Avaliação. No ano de 2021, a promessa é que o Grupo Especial da Intendente terá 26 escolas. A medida dificulta o compartilhamento da terça-feira de carnaval com a Livres, como foi feito este ano.

Políticas de álcool e outras drogas é tema de seminário na UERJ

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Fórum Permanente Sobre população Adulta em Situação de Rua e Fórum Interinstitucional de Atenção ao Uso de Álcool e Outras Drogas promovem encontro para discussão sobre avanços, retrocessos e possibilidades neste campo

Jessica Pires

O seminário reuniu cerca de 400 pessoas no Teatro Odylo no Campus Maracanã da UERJ, na terça dia 10, para um intenso debate sobre o cenário, avanços e retrocessos sobre as políticas de álcool, outras drogas e a população de rua envolvendo assistentes sociais, estudiosas e usuárias da rede de apoio, e no público muitos estudantes e profissionais da área. 

A primeira mesa do seminário, “Perspectivas do cuidado em saúde mental e uso prejudicial de álcool e outras drogas”, chamou atenção para o trabalho de pesquisa e produção de dados sobre quem são, e quantas são, as pessoas que fazem o uso abusivo de álcool e outras drogas e em em situação de rua. A condição de gênero e raça também foi um fator abordado. De acordo com Rita Cavalcante, assistente social, doutora pela UFRJ e professora da Escola de Serviço Social da UFRJ, o uso de drogas contribuem para atenuação do sofrimento e por isso a reflexão sobre gênero e raça são importantes. Às necessidades de pessoas LGBTQI+ também foram citadas no debate por Beatriz Brandão dos Santos, doutora em Ciências Sociais pela PUC Rio e pesquisadora do Ipea na Pesquisa Nacional sobre Metodologias de Cuidado a Usuários Problemáticos de Drogas.

Já no segundo debate “A vida na rua e as experiências em Redução de Danos”, os desafios do cuidado do trabalho da redução danos em pessoas em situação foram abordados por Valeska Holst, médica pela PUC/RS que atua na estratégia de saúde da família/ Consultório na Rua, Lorrani Sabatelly, travesti, agente de promoções de saúde e redutora de danos, e Lídia Marins, psicóloga do Caps AD III Miriam Makeba. Valeska, que também apoia a gestão da Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde, enfatizou às deficiências das políticas públicas do campo, e a forte ameaça que a rede vem sofrendo devido à falta de investimento.

“Eu sou modelo do que o trabalho da redução de danos feito num CAPS pode fazer com uma pessoa em extrema vulnerabilidade social”, finalizou Lorrani Sabatelly, ao compartilhar a trajetória que foi de pessoa em situação de rua e no uso abusivo de drogas. O seminário foi encerrado com homenagens à mulheres que marcaram a luta por direitos no campo da saúde mental, gênero e muitas outras questões como Marielle Franco e Nise da Silveira.

O Fórum Permanente Sobre População Adulta em Situação de Rua e Fórum Interinstitucional de Atenção ao Uso de Álcool e Outras Drogas promovem atuam há mais de 20 anos no Rio de Janeiro e reúnem organizações da sociedade civil que se interessam pelo debate de políticas públicas sobre este tema. O Espaço Normal, espaço da Redes da Maré, referência no atendimento à população em situação de rua e usuários de crack e outras drogas na Maré também faz parte dos dois fóruns.

O Atenda, uma ação coletiva que reúne organizações para atividades de acolhimento na cena de uso de drogas da passarela 9 na Avenida Brasil, também foi mencionada no seminário. A ação é realizada nas tardes das segundas-feiras e conta com a participação do Espaço Normal, CAPS AD III Miriam Makeba, CAPS Carlos Augusto Magal, Consultório na Rua e Centro POP (Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua). O objetivo é integrar o atendimento das frentes da rede de apoio e construir reflexões sobre as experiências atendidas e ouvidas na ação.

O Espaço Normal fica na Rua das Rosas, 54 na Nova Holanda, na Maré , telefone 3105-4767

Rede de Saberes: atividade de boas-vindas do pré-vestibular 2020 foi de troca entre estudantes e profissionais

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Na recepção oficial de alunos, falas reforçaram a importância da inserção do favelado na Universidade e de se valorizar a Educação pública e gratuita

Flávia Veloso

A aula inaugural oficial de 2020 do curso pré-vestibular (CPV) da Redes da Maré foi realizada na noite do dia seis de março, no Centro de Artes da Maré. O evento reuniu os alunos das três unidades: Vila do João, Vila dos Pinheiros e Nova Holanda.

Introduzindo as falas da noite, a coordenadora do projeto, Luana Silveira, apresentou ao público a equipe do CPV: coordenadores administrativa, pedagógico e do Eixo de Educação da Redes, além de assistente de coordenação, psicóloga e professores.

O curso pré-vestibular da Redes é o principal projeto da instituição, tanto por ser o primeiro, iniciado em 1998, quanto por ter o compromisso de aumentar o ingresso de mareenses na Universidade. Mesmo vizinha de uma das maiores universidades federais do país, a UFRJ, dados indicam que somente 2,4% de moradores da Maré entraram no ensino superior, e somente 1% concluiu a faculdade.

Kelly Marques, coordenadora do Eixo de Educação, ressaltou a importância do compromisso que o aluno deve ter com o CPV, considerando a dificuldade que é acessar o ensino superior, principalmente em um contexto de desmonte da Educação pública, sobretudo para o favelado.

Professor da disciplina de Movimentos Sociais e Atualidades, Daniel Remilik fez uma fala sobre o significado do nome ‘Redes da Maré’, explicando aos estudantes que eles também tecem essas redes: “Temos que ouvir mais, trocar mais e fazer novas conexões, e vocês também fazem parte dessas conexões. Somos todos tecedores.”

“Embora a Universidade esteja mais aberta a receber pessoas diferentes das classes média e alta, ainda está muito enraizada em comportamentos e assuntos elitizados. Cabe a cada um de nós continuar levando as demandas da favela, é assim que essa Universidade vai se abrir cada vez mais e sair daquele modelo do início do século XX”, falou o coordenador pedagógico e professor de Língua Portuguesa, Vitor Félix.

Ex-alunos do curso encerraram a noite contando suas experiências de entrar na faculdade. Aconselharam aos alunos que persistissem em seus objetivos, mesmo não passando na primeira, segunda ou até terceira tentativa. E acrescentaram um alerta: estar atento aos seus limites e respeitá-los.

Algumas dicas de estudo também foram incluídas às pautas da aula inaugural, como evitar faltar às aulas, seguir indicações de materiais, filmes séries e livros dos professores, prestar bastante atenção às aulas e mais ainda às de matérias específicas do curso superior desejado. Não menos importante, ajudar os colegas de classe com os estudos e também dando apoio emocional.

O espaço universitário não é pensado para a favela, tanto pela peneira que barra a entrada de estudantes periféricos quanto pelos problemas que eles enfrentam ao conseguir ingressar: questões econômicas, de conteúdo acadêmico e psicológicas. Por mais um ano, o CPV espera ajudar a inserir mais favelados na Universidade, para que eles possam ditar o rumo para uma verdadeira Educação democrática.

O curso pré-vestibular da Redes da Maré já ajudou a inserir mais de 100 pessoas em universidades públicas. As inscrições abrem todo final de ano, e são gratuitas. Siga a Redes na Maré nas redes sociais e acompanhe as novidades sobre este e mais projetos.

“Vaquinha” on-line para ex-aluna do CPV, graduando em Odontologia

Camila Felippe passou em 2019 para Odontologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e precisou criar um financiamento para custear os materiais que precisa comprar para os oito períodos do curso. Para ajudar a Camila, acesse o link.

Novas regras para o churrasquinho de rua

Decreto cria regras para o funcionamento de churrasquinhos  e garantir  algumas   normas sanitárias. Mas tem  comerciante insatisfeito

Maré de Notícias #110 – março de 2020

Flávia Veloso

Assinado em janeiro de 2020 pelo atual prefeito do Rio, Marcelo Crivella, o Decreto nº 47084 estabelece normas regulatórias para a venda de churrasquinhos de rua, principalmente em cuidados com a higiene e manipulação de comidas e utensílios. A autorização de comércio ambulante no município é prevista em Lei desde 1992 e a venda de churrasquinhos em calçadas é considerada profissão desde 2015. Embora a regulamentação valha, em teoria, para toda a cidade, o desafio será  aplicar essas regras nas favelas, já que não há  nenhum acompanhamento da Prefeitura,  como em outras partes do município.

Qualidade que não deixa a desejar

Luciana Ribeiro dos Santos e seu esposo Jailson Jovêncio, que trabalham vendendo churrasquinhos há mais de dois anos na esquina da Rua B1 com a Rua B8, na Vila dos Pinheiros,  nunca precisaram de autorização para trabalhar. Sempre trabalharam na rua e nunca tiveram qualquer diálogo ou regras para cumprir, a partir de órgãos  da Prefeitura.

“Eu trabalhava em outro lugar, mas resolvi sair. Com o dinheiro que recebi da rescisão do meu outro trabalho, comprei essa carrocinha. Fui muito insistente para que desse certo. Eu abria todos os dias e trabalhava até de madrugada. O pessoal foi conhecendo meu serviço, fui fazendo clientes, e aí consegui diminuir o ritmo. Então,  hoje, trabalho de terça a sábado”, contou Luciana,que sustenta dois filhos e paga o aluguel onde mora a partir da renda que ela e o marido tiram da venda de churrasco e de seu famoso baião de dois.

Luciana Ribeiro dos Santos e seu esposo Jailson Jovêncio no Churrasquinho da Via B1, Vila do Pinheiro. Foto © Douglas Lopes

Mesmo sem qualquer alvará de funcionamento, Luciana diz que  não descuida das regras de higiene do local, mantendo seus produtos bem-guardados e manuseados. Mas se a regulamentação fosse aplicada no comércio dentro das favelas da Maré, provavelmente, ela teria de abrir mão de alguns serviços e produtos que oferece.

Na pista é outra história

Francisca Val vende churrasquinhos no Centro há 20 anos e vê a regulamentação como positiva | Flávia Veloso

Francisca Val trabalha na esquina da Avenida Presidente Vargas com a Rua Miguel Couto, há 20 anos. A cearense, moradora do Morro da Conceição, no Centro, há 25 anos, acredita que o Decreto de regulamentação do churrasquinho de rua é algo positivo. Ela começou a adaptar seu trabalho às novas normas: “Já li todo o Decreto, fiz o curso com a Vigilância Sanitária exigido pela Prefeitura e só estou esperando o Carnaval passar para que eu traga a nova barraca e comece a trabalhar conforme a regulamentação, com luvas, touca e todas as regras de higienização e armazenamento de alimento necessárias.”

Val tentou, por 10 anos, conseguir sua licença para vender churrasquinhos na calçada. Os anos sem autorização fizeram com que a Guarda Municipal levasse sua carrocinha e seus materiais duas vezes, o que gerou prejuízos de milhares de reais para a comerciante. Ela espera que agora – autorizada a vender e regularizada junto às normas sanitárias da Secretaria Municipal de Saúde –  seu negócio tenha segurança e não seja tirado dela novamente.

O medo de Val não é infundado. O Decreto considera que a autorização do uso de espaço público pode ser revogada a qualquer momento,  mesmo pagando corretamente uma taxa anual para que seu comércio funcione normalmente. Isso gera uma preocupação grande por essa a sua única  fonte de renda.

MAIS INFORMAÇÕES:  http://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=305374  (Lei de 2015, autorizando venda de churrasquinho);  http://smaonline.rio.rj.gov.br/legisconsulta/60309DECRETO%20RIO%2047084_2020.pdf (Decreto de regulamentação)

Absolvição unânime: impunidade

Tribunal militar absolve cabo que deixou morador da Maré paraplégico

Hélio Euclides, Thathiana Gurgel e Dani Moura

“Acordo e durmo pensando no que aconteceu naquele dia, pensando que eu vivo hoje e que, em fevereiro, poderiam ser cinco anos de luto, ao invés de cinco anos de luta.” Vitor Santiago Borges teve sua vida transformada pelo Estado brasileiro, quando estava com 29 anos, no conjunto de favelas da Maré, Zona Norte do Rio, onde nasceu e cresceu.

O caso aconteceu durante a ocupação militar quando Vitor voltava para casa com quatro amigos, após a comemoração de uma partida de futebol. O carro em que ele estava foi alvejado pelos militares. Cinco anos depois da noite do crime, o cabo do Exército Diego Neitzke, que atirou contra Vitor deixando-o paraplégico e com uma perna amputada, foi absolvido por unanimidade.

Legítima defesa imaginária

Inicialmente, o Ministério Público Militar denunciou o cabo por lesão corporal gravíssima contra Vitor e lesão corporal leve contra seus amigos que estavam no carro, mas depois sugeriu suavizar a pena. O promotor militar alegou que o soldado agiu em “legítima defesa imaginária” e que ele deveria ser absolvido da acusação de lesão corporal gravíssima. O conceito faz parte das propostas de lei enviadas pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso, com o objetivo de aumentar as circunstâncias em que militares podem matar sem serem punidos, mesmo nos casos que tramitam na Justiça comum.

Vitor conta que não sabe o que é legítima defesa imaginária, mas que após a noite do crime, nada do que aconteceu em sua vida é imaginário: “Eu vivo na carne, eu vivo na pele, tudo o que aconteceu naquele dia, naquele 12 de fevereiro de 2015. Se esse cabo for absolvido, os casos daqui para frente podem até piorar. Isso dá brecha para militar entrar aqui, polícia entrar aqui e fazer o que quiser, a hora que quiser e se esconder atrás da lei.”

No caso de Vitor, o cabo agiu amparado na chamada “excludente de ilicitude”, que não configura crime uma ação, mesmo que fatal. Mesmo sem ter sido aprovado no Congresso ainda, o projeto já é colocado em prática: desde 2010, nenhum militar foi condenado por morte ou lesão em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLOs). Desde o final de 2017, os membros das Forças Armadas que cometeram crimes passaram a ser julgados pela Justiça Militar. E foi nela que o cabo, que deixou Vitor paraplégico, foi absolvido por unanimidade.

  A decisão — tomada em conjunto por quatro oficiais militares e pela juíza federal Marilena Bittencourt, da 4ª Auditoria do Fórum de Justiça Militar do Rio — seguiu posicionamento do Ministério Público Militar (MPM), que havia pedido a absolvição do cabo. O promotor Otávio Bravo defendeu a inocência de Neitzke, com base na teoria da legítima defesa putativa, ou seja, o militar atirou, porque imaginou que estava sob risco.

 Aos 34 anos, Vitor afirma que não foi um acidente e que o crime se enquadra em tentativa de homicídio: “Eu não estava na hora errada e no lugar errado. Simplesmente abriram fogo contra o carro e é um absurdo uma pessoa dessas ficar livre, enquanto eu preso nas minhas limitações para o resto da vida.  No final das contas, eu fui alvejado e tive a vida modificada completamente por quem deveria ter trazido segurança pra cá, por quem um dia eu confiei, mas parece que Segurança Pública e Inteligência não cabem na mesma frase…”, declarou Vitor, que ficou 98 dias internado no hospital e teve uma perna amputada, além  de estar paraplégico.

Os militares alegaram que o carro em que Vitor estava não parou e não obedeceu aos sinais de alerta dos militares. O motorista, amigo de Vitor, foi denunciado por desobediência.  “Os militares dizem que estavam à vista, mas se encontravam abrigados. Os civis vinham de jogo, sem armas, e já tinham parado na entrada da favela. Não viram o sinal dos militares e podiam estar distraídos. Também não acredito que o carro iria para o lado esquerdo, para cima da tropa”, comenta o promotor.

O promotor ainda citou que o cabo portava um fuzil 762, no módulo automático, que dispara 10 tiros por segundo. “Nem sabemos, ao certo, quantos tiros foram disparados, pois não teve perícia no local”, explica. Ele referiu que o acusado deu a justificativa de legítima defesa, mas que não houve agressão eminente. “O cabo não deve ser punido, pois foi legítima defesa imaginária. O militar cometeu um erro, prova disso é o Vitor quem mostra. Tomei a decisão de pedir a absolvição, o que é uma injustiça para Vitor. A minha posição você, Vitor, vai entender, pode não aceitar. Peço a absolvição pela minha consciência de que foi uma política de segurança incompetente”, expõe. Para Otávio, os militares não tiveram treinamento policial, já que soldado é treinado para a guerra.

Cláudio José, advogado de defesa do cabo, também alegou legítima defesa: “Quem luta pela Segurança não pode ser acusado de crime”, disse. Ele acrescentou que o Estado reconhece a falha operacional, com uma indenização, que o pedido de perdão vai vir no campo civil. Por fim, Marilena Bittencourt, juíza da Justiça Federal, disse não existir prova suficiente para a condenação, lamentou a tragédia ocorrida e afirmou que nem sempre a Justiça atinge a todos.

Se perde a batalha, mas não a guerra

Vitor Santiago, que acompanhou na primeira fila o julgamento, estava contrariado com o resultado. “Foi corporativismo militar, passaram a mão na cabeça. Eu que estou preso, quando desejo subir um degrau ou na dificuldade de tomar um simples banho. A Justiça é para os poderosos. O que eu sei é que não estava no lugar errado, nem na hora errada, mas perdi minha perna”, comenta.

Irone Santiago, sua mãe, também estava presente e mencionou que a tragédia já resultou em dois aneurismas cerebrais. “Tinha de ser julgado na Justiça comum. O resultado foi: quem pagou foi o meu filho, que ficou paraplégico”, resume.

Vitor segue aguardando a sentença sobre sua ação indenizatória e sua defesa pede à União casa e carro adaptados; compensação por danos morais e estéticos; a continuidade da pensão por invalidez e do fornecimento de materiais médicos, que ele já recebe em tutela de emergência.  Mas para ele, a indenização não é suficiente. “Queria a condenação, para servir de exemplo para outros casos. O cabo fez parte do fato, não foi um erro mecânico. Volto chateado e com o sentimento de ausência de uma Justiça justa para todos”, avalia. Vitor é pai de uma menina de 7 anos.

Vitor conheceu a Redes da Maré, por meio do projeto Maré de Direitos, que presta acolhimento sociojurídico para os moradores vítimas de violações de direitos e busca encaminhar e acompanhar essas pessoas no acesso à Justiça e a outros direitos. No caso de Vitor, a Redes acompanha desde o início, dando suporte, acolhimento sociojurídico e articulando com a rede de saúde para que seu processo de reabilitação seja feito.

Relembre o caso

Na noite do dia 12 de fevereiro de 2015, Vitor tinha acabado de assistir ao jogo do Flamengo na Vila do João com mais quatro amigos e estava voltando para casa, de carro, na Vila do Pinheiro, também na Maré, quando o veículo foi alvejado por seis tiros de fuzil pelo Exército. Aos 29 anos, ele foi atingido por dois tiros: um na coluna, deixando-o paraplégico, e o outro atingiu a perna direita e saiu na esquerda, resultando em sua amputação e mais 98 dias de internação no hospital, 10 dias em coma, internações em CTIs, fisioterapia respiratória, motora, hemodiálise, transfusão de sangue e cirurgia no pulmão.

O carro de Vitor foi fuzilado durante a ocupação das Forças Armadas na Maré, em 2015. As tropas ocuparam o conjunto de favelas de abril de 2014 a junho de 2015. Por dia, foram gastos 1,2 milhão de reais, totalizando quase R$600 milhões em 15 meses. Segundo pesquisa da Redes da Maré sobre o período de ocupação do Exército, a sensação de insegurança continuou para 69,2% dos moradores entrevistados.