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Precisamos falar sobre saúde mental na Maré

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Redes da Maré e universidades realizam pesquisa sobre os impactos da violência na saúde mental dos mareenses

Maré de Notícias #101 – junho de 2019

Thaynara Santos

Só em 2019, já são 10 dias sem aulas nas escolas da Maré, 11 dias sem acesso aos serviços públicos de saúde, 16 operações policiais que impossibilitaram moradores de voltarem ou saírem de casa para o trabalho, faculdade ou mesmo a passeio. Isso sem falar na insuficiência de espaços culturais, como bibliotecas, lonas, museus, arenas e cinemas em um território que concentra milhares de pessoas.

 O medo constante de ser ferido ou morto, a necessidade de estar sempre alerta quanto à presença do “caveirão voador” – helicóptero que dispara tiros a deus dará – na comunidade e o risco de sair de casa e não poder voltar devido às operações policiais que podem durar horas a fio afetam, diretamente, a saúde mental e física de quem vive na Maré. Esses fatos não podem ser naturalizados – ainda mais quando alteram o dia a dia de 140 mil pessoas. Os números são do último Boletim “Direito à Segurança Pública na Maré” (2018) e só aumentam.

Por que uns e não outros?

 A Maré resiste a um longo histórico de operações policiais e conflitos entre grupos armados que impactam quase que diariamente na vida de crianças, adultos e idosos. O preconceito, a ausência de serviços públicos de qualidade, a escassez de espaços de arte e lazer, a violência e as mortes destinadas ao território periférico são “justificados” pela guerra às drogas.

 Essa política de guerra às drogas ignora a vida de milhares de famílias que moram no conjunto de favelas da Maré e o cotidiano de seus moradores, pessoas que estudam, trabalham, se divertem e têm sonhos, pelo argumento de que é necessário entrar na comunidade de forma violenta em busca de drogas ilícitas – não permitidas por lei – e de armas.

Em um território que sofre com a desigualdade social e econômica, ter acesso a alguma forma de expressão cultural ou artística só é possível pelo esforço dos próprios moradores em mostrar que a comunidade também tem potência e alegria.

 São inúmeras apresentações de teatro, dança e poesia, mas discutir saúde mental e os danos que a violência causa nos moradores para a construção de um local de cuidado ainda é difícil, seja por medo do desconhecido ou pela falta de informação.

A favela que adoece

 Existem diferentes meios para cuidar do corpo e da mente. Buscar serviços privados de Psiquiatria ou Psicologia ainda são os meios tradicionais, mas nem sempre o valor da consulta é acessível para quem mora na comunidade, mesmo quanto o atendimento oferece preços populares. “Quando a gente fala sobre saúde mental, estamos falando de um tipo de cuidado que, muitas vezes, as pessoas não têm acesso. As pessoas acham que não precisam ir no psicólogo ou psiquiatra, porque não são loucas. Quebrar a ideia sobre o que é ser louco e tirar o estigma criado sobre quem, realmente, tem uma questão agravada de saúde mental é muito importante”, explica Luna Arouca, coordenadora do Espaço Normal.

 Somente duas unidades públicas de saúde que trabalham com transtornos mentais atendem a uma população de 140 mil moradores da Maré. O CAPS II Carlos Augusto da Silva (Magal) oferece atendimento para adultos com transtornos mentais e o CAPSad III Miriam Makeba auxilia pessoas com transtornos associados ao uso de drogas – legais ou ilegais – como álcool, crack e outras substâncias.

 Os CAPS e o CAPSad são centros de acolhimento nos quais pessoas atendidas e seus parentes podem fortalecer os laços familiares e comunitários, por meio do acompanhamento clínico, trabalho e lazer. Esses espaços sofrem com o sucateamento e o descaso, e com a má administração de verbas para manter seu funcionamento. “A ausência e sucateamento das unidades atrapalha muito no trabalho. Se tivesse mais estrutura, mais médicos, mais profissionais, eu acho que teria como realizar um trabalho melhor e abraçar os usuários da cena, após algum momento de violência que eles passaram”, conta Vanda Santos e Sousa, redutora de danos do Espaço Normal.

 Os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) e CAPSad (Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas) são unidades de saúde compostas por equipes de médicos, assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras, entre outros, destinadas a pessoas que sofrem transtornos mentais. “A equipe realmente precisa estar preparada com um número maior de profissionais. Atualmente, o CAPS trabalha com uma equipe de sete pessoas da Maré, que se dividem durante a semana, por isso fica uma equipe bem pequena e não consegue fazer um trabalho como deveria ser feito, ajudando essa pessoa nas questões que ela traz, como a violência que sofre no território, o consumo de drogas”, completa a redutora.

Construindo pontes

Esses centros de cuidado e outras organizações que pautam drogas, saúde e território, como o Espaço Normal, trazem à tona a importância da discussão sobre saúde mental, promovendo encontros e seminários sobre o tema.

 O Espaço Normal é um local de convivência para quem busca acolhimento, cuidado, trocas e precisa suprir necessidades básicas, como as de alimentação, higiene e respeito. Idealizado pela Redes da Maré, o espaço é fruto de quatro anos de ações e pesquisas realizadas em áreas abertas de consumo de crack, álcool e outras drogas, especificamente na cena de uso da Rua Flávia Farnese, na Maré.

 Uma das três frentes de atuação do Espaço Normal é a produção de conhecimento sobre o uso de drogas na Maré e os efeitos no cotidiano dos moradores. Em uma parceria entre Redes da Maré, UFRJ, UFRGS e Queen Mary University of London (Reino Unido), a pesquisa “Construir Pontes: Fatores associados às experiências de violência e à saúde mental no conjunto de favelas da Maré” será realizada nas 16 favelas que formam a comunidade.

 A pesquisa pretende identificar os impactos da violência e da desigualdade social na saúde física e mental dos moradores, além de avaliar de qual forma o acesso a expressões artísticas e culturais pode auxiliar no bem-estar dessa população. Além disso, entender as demandas em saúde mental dos moradores e pessoas que se encontram em situação de rua e que fazem uso de drogas.

 Seis entrevistadores irão conversar com moradores da Maré e frequentadores das cenas de uso de drogas. A pesquisa será feita de forma comunitária com as associações de moradores e organizações que atendem ao território.

 A pesquisa não exclui a violência sofrida pelas outras comunidades do Rio de Janeiro, porém, a Maré apresenta um cenário complexo em sua forma geográfica e social, com uma grande concentração de pessoas em situação de rua e usuárias de drogas, que são alvo de preconceito e estigma, vivem em espaços destinados à moradia e, muitas vezes, nas chamadas “cracolândias”, além de moradores que têm seu cotidiano interrompido pela violência e assombrado pelo medo.

Se precisar de ajuda, visite esses espaços

CAPS II Carlos Augusto da Silva (Magal)

Área de atendimento: Manguinhos, Maré, Benfica e Tuiuti (AP 3.1)

Avenida Dom Hélder Câmara, 1.390, fundos – Manguinhos

Tel.: 2201-0180/ 97002-1427

CAPSad III Miriam Makeba

Área de atendimento: Bonsucesso, Ramos e Maré (AP 3.1)

Rua Professor Lacê, 485 – Ramos

Tel.: 3889-8441

Espaço Normal

Rua das Rosas, 54 – Nova Holanda 

Oferece: Espaços para higiene pessoal e repouso

Espaço de convivência: de segunda a sexta-feira, das 14h às 18h

Atendimento sociojurídico: quartas e sextas, das 14h à 18h

Tel.: 3105 – 4767

Recomeçar é possível

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Cursos para Jovens e Adultos auxiliam os que querem trilhar novos caminhos

Maré de Notícias #101 – junho de 2019

Jéssica Pires

“Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda”. O pensamento do educador e filósofo Paulo Freire, que é referência para muitos que constroem a Educação no Brasil, reflete de forma cristalina o cenário da educação nos territórios periféricos do País. Sobretudo para aqueles que se afastaram do processo de aprendizagem, que enfrentam muitos desafios e têm poucos incentivos para recomeçarem o percurso escolar. Na Maré, questões que são motivos conhecidos para a evasão e o afastamento das salas de aula, desde a infância, são somadas aos desafios específicos de territórios periféricos e favelados. Contudo, há uma que marca na maioria das narrativas: a necessidade prematura de garantir a renda própria ou da família. Com o passar dos anos e a necessidade do retorno, seja para reinserção no mercado de trabalho, permanência nele, ou ainda a busca por direitos que não foram garantidos durante a vida, a volta às salas de aula passa por desafios ainda maiores e estruturais: a necessidade de garantia de renda permanece, falta incentivo familiar, demandas do lar e parentais, falta de tempo, pouca proximidade das escolas e dificuldade de circulação na cidade.

Estratégias falhas

Se as políticas públicas para a Educação Básica visivelmente não são eficazes, considerar que elas deem conta da reinserção e permanência de jovens e adultos no sistema de ensino é uma estratégia falha. É preciso entender as especificidades. “Você deixa de ver esse sujeito como alguém que vê o mundo de uma forma específica e passa a comparar com outros sujeitos que têm formas específicas de ver e agir, até por conta de suas experiências com a própria aprendizagem, e passa a comparar e ensinar da mesma forma que se ensina para crianças. Isso me preocupa muito”, diz Edvânia Ferreira Bezerra, Coordenadora Pedagógica pela UFRJ do Escreva Seu Futuro, projeto de alfabetização de mulheres e uma parceria entre a Redes da Maré – Casa das Mulheres da Maré, Universidade Federal do Rio de Janeiro (URRJ) e a marca de cosméticos L’Oréal – Lancôme. 

A grande questão, segundo Edvânia, é que a Educação de Jovens e Adultos ainda não é, de fato, considerada e tratada como um segmento da educação, e não tem políticas públicas para atender às necessidades específicas dos estudantes. A EJA ainda é tratada como uma alternativa para “escoar” jovens e adultos com baixo rendimento escolar ou ainda existe como projeto de organizações da sociedade civil, como é o caso da Redes da Maré.

Dificuldades

A disponibilização de Centros de Educação de Jovens e Adultos, com acessibilidade, facilidade de acesso da população de diferentes bairros, acesso à internet banda larga, entre outras ferramentas de apoio, é uma disposição da Lei Municipal nº 5.977, de 23 de setembro de 2015. Porém, não é o que vemos. De acordo com Alciclea Ramos dos Santos, moradora da Nova Holanda, educadora de jovens e adultos há nove anos e professora do projeto Escreva Seu Futuro, as escolas que oferecem turmas de educação para jovens e adultos não conseguem garantir a flexibilidade, o olhar individualizado e métodos de ensino que consigam garantir a permanência dessas pessoas.

 “É importante refletirmos também para qual perfil que o incentivo à educação se constitui. É um perfil muito específico de pessoas que estão nesse quadro de evasão. Quem são essas pessoas? Onde moram? Então existe um desinteresse em considerar as especificidades desse perfil”, reflete Alessandra Pinheiro, tecedora da Redes da Maré e coordenadora geral do projeto Escreva Seu Futuro.

 Segundo Alessandra, essas dificuldades são muito maiores para as mulheres. “Elas se tornam muito mais vulneráveis a essa evasão por conta dessas responsabilidades domésticas assumidas apenas pelo fato de ela ser mulher”, diz.

Alfabetização de Mulheres na Maré

Vania da Costa Silva, tem dois filhos e é nascida e criada na Nova Holanda. As dificuldades surgiram bem cedo para ela e aos 9 anos de idade parou de estudar. Foram questões familiares e de saúde que impediram Vania, ainda na infância, de dar continuidade à sua formação. Maria do Carmo de Araújo, tem 3 filhos e veio do Nordeste com 14 anos. Ainda com essa idade havia apenas frequentado algumas aulas do Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral). Ao chegar ao Rio, a necessidade de trabalhar e as dificuldades de acesso à escola foram os motivos para o estudo ser deixado de lado.

As duas mareenses fazem parte da turma da professora Alciclea Ramos no projeto de Alfabetização de Mulheres. “Eu gosto de fazer curativos, faço em quem precisar, meu sonho é ser Técnica de Enfermagem. E também estou fazendo o curso de Gastronomia para ser chefe de cozinha”, revela Vania. Para Maria do Carmo, era muito constrangedor não conseguir preencher documentos com dados pessoais e, hoje, é motivo de orgulho para ela e toda a família o seu retorno às salas de aula. Seu desejo é fazer graduação em Biologia.

De acordo com Edvânia Bezerra, são muitas as mudanças percebidas no campo da subjetividade e da autoestima de mulheres – e também de homens – que reingressam para o ambiente escolar: “O sonho deixa de estar estagnado na sua mente, para estar em ação com o seu aprendizado”, diz.

Educação para Jovens e Adultos na Maré


                Em 2017, foram 35 dias em que as escolas da Maré tiveram suas atividades suspensas devido às operações policiais. Em 2018, foram 10 dias sem aulas. Além de todas as questões comuns a territórios periféricos, a dinâmica dos conflitos armados e operações policiais na Maré também dificultam a permanência de quem está disposto a retomar o desafio de estudar.

                Vitor Felix Ferreira Bezerra é nascido e criado na Maré, concluiu o Ensino Médio em uma escola de formação de professores, inclusive pela dificuldade em acessar as únicas duas escolas que oferecem esta etapa de ensino na Maré. O jovem, como muitos mareenses de sua geração, é o primeiro – e por enquanto único de sua família – a ingressar em uma faculdade pública. Segundo Vitor, foi se aproximando mais desse mundo da educação que começou a enxergar sua identidade como docente na Educação de Jovens e Adultos e isso foi um divisor de águas em sua trajetória. “Acredito muito no ensino público e no poder que ele tem de mudar nossa sociedade na base”.

Vitor é um perfil comum na Maré não apenas pela trajetória de ser o pioneiro no acesso ao Ensino Superior na família. Ele, assim como Alcicleia Ramos, retorna para a Maré para retroalimentar essa ideia de que um apoia o outro, ou seja, a lógica de quem sobe um degrau estende à mão para o que está no degrau de baixo. E assim segue, até onde todos estejam no lugar em que queiram estar.

Você sabia?

Está no artigo 205 da Constituição Federal de 1988: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. E também na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que afirma que a educação constitui direito fundamental da pessoa, do cidadão. O acesso à educação efetivo permite a um indivíduo ir muito além do desenvolvimento de habilidades técnicas. A educação leva ao raciocínio lógico e à consciência cidadã que podem garantir ao indivíduo, inclusive, o acesso a direitos básicos.

Dois projetos, inúmeros frutos

Projeto Escreva Seu Futuro

*Projeto de alfabetização de mulheres

*Patrocinadores: Redes da Maré – Casa das Mulheres da Maré, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e L’Oréal – Lancôme.

* 122 alunas inscritas.

* Início março de 2018.

*São realizadas em seis pontos da Maré: Associação de Moradores de Marcílio Dias, Associação de Moradores do Conjunto Esperança, Centro de Referência de Mulheres da Maré (Vila do João), Lona Cultural Herbert Vianna (Baixa do Sapateiro), Sede da Redes da Maré (Nova Holanda), Casa das Mulheres da Maré (Parque União).

*Acompanhe as redes sociais da Redes da Maré para ficar por dentro do processo de inscrição para as próximas turmas!

 Projeto EJA da Redes da Maré

*Projeto de Educação de Jovens e Adultos

* Parceria da Redes da Maré e a Fundação Roberto Marinho, com apoio do Instituto Somos e Instituto Humanize

* 14 turmas na Maré na metodologia do Telecurso.

* 470 jovens e adultos atendidos.

*Acompanhe as redes sociais da Redes da Maré para ficar por dentro do processo de inscrição para as próximas turmas!

Ataques à vista

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Cortes na educação prejudicarão, especialmente, negros e pobres, estudantes mais dependentes de programas sociais e de inclusão

Maré de Notícias #101 – junho de 2019

Jorge Melo

No dia 15 de maio, o Brasil viveu uma jornada de manifestações. No Rio de Janeiro, mais de 200 mil pessoas reuniram-se na Candelária, no centro da cidade. Em mais de 200 cidades brasileiras houve protestos. Ao comentar as manifestações, o presidente Jair Bolsonaro disse que se tratavam de “idiotas úteis”. No mesmo dia 15, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, tentou explicar, na Câmara dos Deputados, o bloqueio de 30%, (R$ 7,4 bilhões) dos recursos para as universidades, escolas técnicas e de Ensino Médio federais, medida que originou os protestos. O ministro disse que se a reforma da Previdência fosse aprovada poderia rever o bloqueio. Culpou os governos Dilma Rousseff e Michel Temer. “Não somos responsáveis pelo desastre da educação, não votamos neles”, disse, na ocasião.

 No dia 22, Weintraub voltou à Câmara. Dessa vez, para a sabatina na Comissão de Educação. Apenas repetiu o que já havia dito. Nesse mesmo dia, o Ministério da Economia anunciou que liberaria cerca de R$ 1,5 bilhão para a Educação. Mesmo assim, o corte ainda ultrapassa os R$ 5 bilhões. Antes disso, no dia 20, Weintraub se reuniu com os reitores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (USRN); da Universidade Federal do Semi-Árido (Ufersa) e do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) e sugeriu que os estudantes, em função dos cortes, assumissem funções dos funcionários terceirizados, entre elas a limpeza das universidades.

Alunos pobres serão os mais afetados

Iamara Viana é professora da PUC-RJ e do Instituto de Educação Carmela Dutra. Graduou-se em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fez Mestrado e Doutorado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e, graças a uma bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal (Capes), vinculada ao Ministério da Educação, fez estágio na École de Hautes Études en Science Sociales, em Paris/França. Segundo ela, um corte desse porte inviabiliza as instituições universitárias e – certamente – atinge com mais precisão e contundência negros e pobres, estudantes historicamente mais dependentes de bolsas e programas de incentivo para se manterem nas universidades. “Posso afirmar que para esses grupos, do qual faço parte, será praticamente impossível desenvolver pesquisas científicas”.

Os números confirmam os temores da professora. Pesquisa da Associação dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), realizada em 2018, revela que a maioria dos alunos das universidades federais, ao contrário do que se é amplamente alardeado, vem de famílias com renda per capita de até 1,5 salários mínimos. E são pardos ou negros. Segundo o reitor da UFRJ, Roberto Leher, em aula-pública proferida nas manifestações de 15 de maio, “65% dos nossos estudantes concluíram o Ensino Médio em escolas públicas e a renda familiar é de R$ 1328,00; são estudantes que requerem uma universidade pública, capaz de assegurar condições objetivas de permanência”. Na ocasião, Leher disse ainda que a maioria dos que abandonam a universidade o fazem para trabalhar, prover seu próprio sustento e o da sua família.

Balbúrdia

Os ataques à Educação começaram antes de o atual governo assumir o poder.  Suas promessas de campanha miravam – sem dó nem piedade – as instituições de ensino público. Mas os ataques não ficaram sem respostas. Paulatinamente, as manifestações estão crescendo.

Apesar de apreensiva, Iamara Viana, que também coordena um curso de Pós-Graduação da PUC, no polo Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, está otimista. “É fantástico ver como alunos do Ensino Médio e de várias universidades e professores das redes pública e particular estão se posicionando contra os cortes”.

Uma dessas manifestações aconteceu no dia 8 de maio, na Universidade Federal Fluminense (UFF). O ato foi organizado pelos sindicatos de professores e funcionários, com apoio das entidades estudantis. E contou com a participação de mais de 5 mil pessoas. A UFF tem nove campi; 43 mil estudantes matriculados, 130 cursos de Graduação, 8 mil alunos de Pós-Graduação e 3.373 docentes. E estava na mira do ministro da Educação. No dia 30 de abril, ele anunciou o bloqueio de 30% dos recursos destinados a três universidades que, segundo ele, promoviam “balbúrdia” (discussões políticas e manifestações). As outras universidades promotoras de tais “balbúrdias” são a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA). Como foi alertado de que a medida era ilegal, o ministro decidiu ampliar o bloqueio para todas as federais.

Samantha Viz Quadrat é professora do Curso de História da UFF há 13 anos e docente há 25, progredindo do Ensino Fundamental à Pós-Graduação. É uma das mais importantes pesquisadoras da ditadura civil-militar (1964-1985), com uma produção acadêmica volumosa, com artigos, livros, participação em seminários e simpósios, no Brasil e Exterior. “A UFF teve um impacto enorme na minha vida. As oportunidades de crescimento pessoal e profissional que a educação pública me deu fortalecem meu compromisso em dar um retorno ao País e à sociedade brasileira”, afirma.  

Educação na linha de tiro

Não pairava dúvida de que a Educação não seria uma prioridade do governo e que os professores e as universidades públicas seriam os alvos. Em agosto de 2018, em entrevista ao Jornal das Dez, da Globonews, Jair Bolsonaro afirmou que retiraria recursos das universidades e que “o jovem brasileiro tem tara por formação superior”. Sugeriu que os estudantes procurassem cursos técnicos profissionalizantes. “Vamos tirar mais recursos de cima [do ensino superior] e jogar mais no ensino infantil, fundamental”, disse o então candidato.

A promessa foi parcialmente cumprida: se por um lado o ensino superior se vê ameaçado, como advertia o então candidato, as promessas de investir na Educação Básica e Secundária não foram nem de longe cumpridas. O que se vê é exatamente o contrário – o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que promove políticas públicas para a Educação Básica e Secundária, sofreu um corte de 47%.

Raphael Alberti tem 33 anos e é professor há nove. Formou-se em História na UFRJ e concluiu recentemente o mestrado na Fundação Getúlio Vargas. Atualmente, trabalha em Caruaru, Pernambuco, no Ensino Médio. “Desde o governo Michel Temer, as políticas públicas relacionadas à Educação têm sido feitas sem um debate amplo, com a participação de estudantes, professores e comunidade escolar. Em um País com curta tradição democrática, assistimos preocupados à escalada de um regime autoritário eleito democraticamente. Tudo bem contraditório assim”, diz Alberti.

Estudo mostra que 65% dos alunos das universidades públicas têm renda familiar de R$ 1.328 | Foto: Douglas Lopes

O direito das favelas

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Projeto da Defensoria possibilita aos moradores das favelas denunciar violações de direitos

Maré de Notícias #101 – junho de 2019

Jéssica Pires

A Intervenção Federal na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, que durou de fevereiro a dezembro de 2018, imputou às populações pobres e periféricas uma série de violações, a maioria decorrentes de suas ações truculentas – algo que os moradores dos territórios favelados jamais esquecerão. Essas operações geraram também indignações, que se transformaram em mobilizações de pessoas e organizações que lutam por direitos, sobretudo o direito à vida. Uma dessas instituições, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, foi além e criou o “Circuito de Favelas por Direitos”.  

 “Estar próximo aos territórios populares, reconhecendo nestas localidades a necessidade de criar um ambiente de proteção e promoção de direitos”. Este é o objetivo do Circuito Favelas por Direitos, descrito no Relatório 2018, divulgado no site da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Em outras palavras: a ideia é aproximar a Defensoria Pública das favelas para que aconteça um diálogo e uma escuta real entre a instituição e os moradores dessas comunidades. Assim, será possível – para a Defensoria – colher relatos dos próprios moradores sobre como acontecem as operações policiais e as tantas violações de direitos consequentes delas.

Basta de violações

Depois dessa escuta e registro, a Defensoria encaminha as denúncias de violações para os órgãos de Justiça responsáveis, como a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) ou para a Ouvidoria da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, que também participam do circuito. “A negação dos direitos passa pela invisibilização e pelo silenciamento das violações dos direitos e das reivindicações, mas também pela insensibilidade. Daí que, essa aproximação e vocalização das demandas reprimidas por direitos e justiça desempenham uma função reveladora e de sensibilização e, por isso, é tão relevante”, esclarece o defensor Daniel Lozoya, no Relatório Final do Circuito Favelas por Direitos.

Um dos resultados da metodologia do Circuito é a identificação dos tipos de violação, que variam desde as que envolvem domicílios até à abordagem. “A gente conseguiu identificar 30 tipos de violações recorrentes, que dividimos em cinco categorias de violações e essas violações com algumas variáveis. E aí a gente identificou isso, criou um fluxograma, prestou – a partir dos órgãos da Defensoria -, assistência para os casos individuais, em que as pessoas queriam assistência. E, em termos coletivos, a gente fez algumas movimentações”, disse Daniel.

 “Essa foi a motivação do Circuito: saber que em territórios favelados, em territórios pobres, a população sofre com a violação de direitos por parte dos agentes de Segurança e que ela não é ouvida sobre isso, não tem repercussão. Têm repercussão, muitas vezes, apenas, as mortes. E não é à toa, porque a morte é a pior das consequências, a pior tragédia, mas há violações cotidianas que a gente sabia que acontecia, mas não sabia exatamente quais eram, como se davam, quais aconteciam mais”, completa Priscila Oliveira, assessora da Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.

 Em 2019, a Maré e mais duas outras favelas (Salgueiro, em São Gonçalo e Parque das Missões, em Duque de Caxias) passaram a ter monitoramento regulares. “A gente sempre teve muito apoio. E isso vem crescendo” concluiu Priscila.

Mas afinal, qual é o papel da Defensoria Pública na Maré?

A Defensoria Pública é uma instituição pública que tem o objetivo de oferecer, de forma gratuita, assistência e orientação jurídica aos cidadãos que não possuem condições financeiras de pagar as despesas desses serviços. Alguns projetos e áreas de atuação da Defensoria também lutam pela defesa dos direitos humanos, individuais e coletivos e de grupos em situação vulnerável. Lembrando que a assistência jurídica gratuita a pessoas que não têm condições de pagar pelo serviço é um direito e uma garantia fundamental de cidadania, previsto no artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição da República.

 A Redes da Maré é uma das organizações que apoiam as ações do Circuito Favelas por Direitos na Maré, juntamente com outras organizações da sociedade civil locais, associações de moradores e o Fórum Basta de Violência Outra Maré é Possível. Diante da importância desse e de outros projetos da Defensoria, que buscam a garantia de direitos humanos e direitos civis de forma gratuita, fala-se se sobre a importância da existência de um núcleo da Defensoria Pública para atendimento direto na Maré. “A ideia de haver um núcleo da Defensoria Pública na Maré é uma maneira direta de promover o acesso à Justiça e um importante e urgente reforço à luta pela garantia de direitos aos moradores. Nasci e cresci na Maré e desde cedo aprendi que acessar direitos era algo que podia ser muito custoso, distante e muito demorado para quem morava longe do centro da cidade, especialmente quem vivia em favela”, diz Levi Germano, morador do Parque União, estudante e estagiário de Direito do Eixo Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré.

Caveirão voador e violações recorrentes

As operações policiais que vêm marcando 2019, com o uso do caveirão voador em favelas do Rio de Janeiro, têm levado medo e pavor pela maior letalidade já identificada nas operações que contam com a presença do helicóptero. 

*20 de junho de 2018: sete execuções na Maré, uma delas do menino Marcos Vinícius da Silva, de 14 anos, que estava uniformizado e a caminho da escola.

* 6 de maio de 2019: oito mortos.

* 27 de março de 2019: dois mortos

A operação do último 6 de maio, que atingiu as favelas Conjunto Esperança, Vila do Pinheiro, Vila do João e Salsa e Merengue, assustou pela letalidade e pelas violações aos domicílios de moradores. Um dia depois, as Defensorias Públicas do Estado e da União, e a Ouvidora da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro estiveram no ponto crítico da ação, o Conjunto Esperança, onde aconteceram as execuções. A visita foi parte do Circuito Favelas por Direitos. Nela, foram ouvidos relatos que serão incorporados à Ação Civil Pública (ACP) da Maré, que já corre na Justiça desde de 2017.

Na ACP, há a determinação de um plano de redução de danos do Estado às comunidades que convivem com as violências policiais, além de prever o uso de ambulâncias e GPS nas viaturas das polícias durante as operações. “O que a gente tem visto é um aumento de letalidade dos agentes de Segurança pública não só no Rio, mas no Brasil, fruto de uma política que legitima esse tipo de intervenção. É importante que a gente destaque sempre que o papel da Segurança pública é a preservação da vida, e não colocar vidas em risco, independente de quem seja”, afirmou Pedro Strozemberg, ouvidor da Defensoria Pública do Rio, durante a visita.

Altos gastos, muitas mortes

Confira um breve levantamento do resultado da Intervenção Federal na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro

– Duração 10 meses (320 dias), de fevereiro a dezembro de 2018.

– Só para a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro foram destinados e pagos R$ 16,8 milhões, de acordo com dados do Relatório Final do Observatório da Intervenção, produzido pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec).

– 42% dos homicídios na Maré (10 pessoas mortas) ocorreram em operações que contaram com a atuação das Forças Armadas.

Fique ligado em seus direitos

Você pode saber mais sobre os locais de atendimento, programas e serviços da Defensoria, acessando o site www.defensoria.rj.def.br; ligando para o Atendimento ao Cidadão pelo número 129 e seguindo as redes sociais:

 facebook.com/defensoriapublicadoriodejaneiroyoutube.com/ASCOMDPGERJ

Para mais informações, acesse também os seguintes links:

http://www.defensoria.rj.def.br/uploads/arquivos/714cb4c987214566b88001472e6b83f9.pdf

http://redesdamare.org.br/media/downloads/arquivos/BoletimSegPublica2018.final.pdf

Talento que ultrapassa fronteiras

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Jovens da Maré, formados na ELDM, ganham o mundo com sua arte e técnica apurada

Maré de Notícias #101 – junho de 2019

Hélio Euclides

No Maré de Notícias, Edição 68, de agosto de 2016, um dos textos mostrava dois dançarinos formados pelo Núcleo 2 de Formação Intensiva e Continuada, da Escola Livre de Dança da Maré, criada e dirigida por Lia Rodrigues Companhia de Danças, em parceria com a Redes da Maré: Rafael Galdino, morador do Parque União, e Gustavo Glauber, cria da Nova Holanda. Eles integraram, por três anos, a turma do Programa Training Cycle da Escola PARTS (Estúdios de Investigação e Formação em Artes Performativas) da Bélgica. Agora, os jovens estão prestes a se formar em uma das mais renomadas escolas da Europa e do mundo. A vez agora é de Luyd Carvalho, e Marllon Araújo, ambos da Nova Holanda, que estão fazendo as malas para passarem o próximo triênio como alunos dessa escola de dança contemporânea.

Luyd e Marllon fizeram audições para a PARTS há três anos, mas acertaram na trave. Isso não abalou o trabalho. Ao contrário. Enche-os de garra e motivação. Assim, dedicaram-se ainda mais, estudaram ainda mais e, este ano, realizaram o sonho de ficarem entre os 45 escolhidos de um total de 1.196 inscritos – gente de todos os cantos do planeta que sonha o mesmo sonho dos meninos da Maré. “A ida deles mostra um resultado de muito esforço para alcançar o que buscamos:  profissionalização e continuidade. Essas aprovações vêm dar legitimidade e reforça todo o nosso trabalho. Isso renova a esperança de que é possível viver da dança e que nunca devemos desistir”, exalta Gabriel Lima, coordenador da Escola de Dança da Maré. Os dois jovens atualmente fazem licenciatura em dança pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Coração de estudante – e de bailarino – da favela

Luyd de Souza começou na dança aos 14 anos, com o hip hop no Centro de Artes da Maré. Depois, passou pela dança urbana e, em 2014, deu os primeiros passos na dança contemporânea, integrando o Núcleo 2. “A Escola de Dança da Maré tem uma formação muito boa, dá de 10 a 0 em muitas. Ela me deu muito material para compor o que sou, foi uma vivência”, destaca. Ludy já participou de turnê internacional, mas agora é diferente, será uma estada. “É uma escola com professores e coreógrafos renomados. Vou de coração aberto para receber essa formação”.

Marllon Araújo iniciou sua vida artística cedo, aos 8 anos, dançando em festas. Em 2011, ingressou na Escola de Dança da Maré, com a prática da dança contemporânea. “É como se fosse minha segunda casa. A partir daí, conheci outros espaços, com um relacionamento com o mundo, realizando vários intercâmbios, com seis viagens pela Europa”, lembra.

A futura temporada em Bruxelas faz o jovem pensar no futuro. “Agora quero saltar alto para chegar lá. O diferencial é que vou estudar dança sem medo dos tiros e do caveirão. A dança me deu experiências, mas não me mudou, sou o mesmo favelado, que pretende voltar para essa favela”, conclui.

Ludy e Marllon viajam no dia no dia 4 de julho, inicialmente para aulas de reforço em inglês. Só depois disso é que começará a formação em dança. O único problema é o dinheiro – Ah! Esse vil metal… Os alunos precisam de recursos para arcarem com as despesas. Eles vão tentar ser contemplados com a bolsa, que vai ajudá-los na inscrição do curso que é de 4,5 mil euros, e a temporada de formação é de 12 mil euros. Os gastos cotidianos referentes a um ano em Bruxelas ficam em cerca de 18 mil euros…

Para realizar seu sonho, Ludy, Marllon, suas famílias e amigos estão realizando inúmeras atividades para arrecadar dinheiro. Todos podem ajudar aos meninos da Maré (essas duas forças da natureza do território!). Para auxiliá-los, basta contribuir com qualquer quantia a partir de R$ 25, por meio da página: http://www.vakinha.com.br/vaquinha/557236. Contribua! Você não vai se arrepender de apostar nesses talentos!


ELDM: muito mais que uma escola de dança

Um espaço de arte, educação, dança, formação e cidadania

Em agosto de 2008, o Centro de Artes da Maré passou por reformas e adaptações para as atividades de criação da Lia Rodrigues Companhia de Dança. Uma parceria da Redes da Maré com a Companhia, que proporcionaria oficinas de dança e expressão corporal abertas à comunidade e a outras atividades. Essa junção já dura oito anos, desde outubro de 2011, com o objetivo de democratizar o acesso dos moradores à arte e à dança, articulando ações de educação e profissionalização, formação de plateia e práticas socioeducativas.

A escola funciona com um núcleo de oficinas abertas ao público e o Núcleo 2, dedicado à formação de 20 jovens. “Ela cria possibilidades, não pensamos num único perfil; se o aluno se tornar biólogo e o que aprendeu servir para sua carreira, já valeu. Queremos formar pessoas por meio da dança. No Núcleo 2 não se aprende só dança, tem aula de inglês e música. Há também palestras sobre temas que envolvam o território. Isso não acontece em outros locais de dança”, conta Gabriel Lima, coordenador da Escola de Dança da Maré.

Atualmente, a escola tem cerca de 300 alunos em sete diferentes oficinas. Depois dessa trajetória, outros parceiros agregaram à escola, como Hermès, fundação francesa e Price Claus, holandesa. De acordo com Gabriel Lima, o foco não é apenas a dança, mas o território. “Nós sobrevivemos e existimos, mas quem atira de helicóptero não sabe disso. Estar aqui é um desafio, e não dá só para falar de dança, enquanto as pessoas se abrigam em banheiros para se proteger de tiros”, relata.

Para Isabella Porto, coordenadora do eixo arte cultura da Redes da Maré, o trabalho de formação soma com a de ser dançarino. “Este ano, a ênfase do trabalho é uma reflexão sobre os eixos da Redes da Maré. Partimos para uma formação cidadã, algo além da dança. Esse é um projeto já consolidado, com uma trajetória de conquistas”, destaca. Ela acredita que um fato importante é a proximidade com a Lia Rodrigues, que inspira e motiva os bailarinos. Detalhe importante: este ano a Lia Rodrigues Companhia de Danças completa 29 anos de trabalho – uma trajetória dedicada à dança e à Maré.

“A primeira vez que eu pisei no Centro de Artes da Maré foi quando eles inauguraram o espaço em 2009; até então o Galpão era apenas tomado por um único palco. Eu cresci naquele lugar. Eu tinha apenas 13 anos de idade, quando uma amiga me convidou para fazer aulas avulsas de dança contemporânea, que até então eu não fazia ideia do que fosse. Vi pessoas indo e vindo, construções e mais construções para que, então, se tornasse a Escola livre de Dança da Maré. Tive contato com pessoas incríveis. Coreógrafos e espetáculos renomados. Foi lá que conheci grande parte dos meus amigos, que com o passar dos anos, se tornariam a minha família. Basicamente foi a minha segunda casa!” (Gustavo Glauber, bailarino, ex-aluno da Escola de Dança da Maré, prestes a se formar na Escola PARTS, na Bélgica).

O dom de ser enfermeiro/a

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Profissional da Maré fala do seu trabalho, que exige, como “habilidade essencial”, a capacidade de amar e cuidar do próximo

Maré de Notícias #101 – junho de 2019

Hélio Euclides

Apesar das particularidades de cada carreira, é imprescindível que o enfermeiro goste de gente e que considere seu maior prêmio a recuperação de um paciente. Mais que cuidar das feridas, das dores e das doenças, a Enfermagem restaura a integridade e a dignidade humana. Apesar do não reconhecimento que merece, é um agente transformador, que luta pela redução das injustiças sociais, a partir de seu trabalho. Atualmente, não existe hospital que possa fazer medicina de ponta se não contar com um corpo de Enfermagem bem-preparado.

Álvaro dos Santos, de 44 anos, além de ser morador de Marcílio Dias, é um dos oito enfermeiros que trabalham na Clínica da Família Jeremias Moraes da Silva, na Nova Holanda. “Fui vendo o trabalho das parteiras e acabei amadurecendo a ideia de atuar na Saúde. Em 1998, fiz o curso de Técnico de Enfermagem e gostei”, conta. Seu primeiro trabalho foi com os Médicos sem Fronteiras em 2004. Depois, em 2007, no Centro Municipal João Cândido, ambos como Técnico e na favela onde mora. Foram 12 anos de trabalho em Marcílio Dias.

Ele detalha que não é fácil se formar em Enfermagem, pois são cinco anos de estudos, e depois vem a Pós-Graduação, que Álvaro fez em Saúde da Família e Obstetrícia. “Na faculdade, a adesão ao curso é pequena. A minha turma começou com 60 alunos e terminou com 20. No meu caso, foi cansativo, trabalhava de dia e estudava à noite. Agradeço à minha mãe, que foi meu porto seguro, me deu um superapoio”, lembra. Álvaro só lamenta que se formou em dezembro de 2016 e a mãe faleceu um mês depois. “Eu via a dificuldade de minha mãe, então estudei para cuidar dela, que era cardiopata”, confessa.

Depois que concluiu os estudos, Álvaro foi trabalhar no Ciep Samora Machel. “Foi um desafio, com pessoas diferentes, mais atribuições e responsabilidades. Quando cheguei aqui encontrei um mundo novo, pois vinha de um local pequeno. Me assustei e me perguntei: O que eu vim fazer aqui? Me acostumei e hoje gosto muito da Maré, e não vejo dificuldade em trabalhar aqui. Na colação de grau fiz um juramento de ser fiel à profissão e todo dia me lembro disso”, exalta. Para ele, o profissional precisa se identificar com a carreira, trabalhar com vontade, fazer o que gosta.

 É importante também que todos saibam as atribuições do médico e as dos enfermeiros – questão que, por vezes, leva a mal-entendidos. “Temos os nossos limites. Nós transcrevemos as receitas, fazemos um exame físico e avaliamos a medicação. Tendo algum problema, ele volta para o médico”, explica. Ele só fica chateado com os comentários de que o enfermeiro almeja ser médico. “Respondo que fiz minha escolha e desejo ser enfermeiro até o último dia da minha vida. É linda a profissão, até o nome soa bonito. Nós trabalhamos com pessoas, sem o enfermeiro não há atenção básica. Atuamos no indivíduo e não na doença”, exalta. Ele comenta que o agradecimento na Enfermagem, muitas vezes, vem com um sorriso ou como fez o Arlindo Cruz, que compôs uma canção, em 2016. Arlindo, que é filho e irmão de enfermeiros, fez a música atendendo a um pedido de sua madrinha, Beth Carvalho. A música foi finalizada durante os 45 dias em que o artista esteve internado em função de uma operação no joelho. Confira.

Anjos de Branco

Autor: Arlindo Cruz

Anjos de branco,

Sempre abençoadas sejam suas mãos.

Irmãs de santos, irmãs de Calcutá,

Freiras companheiras

Anjos de branco,

Mensagem de esperança e fé.

Mas que encantadas,

Sempre dedicadas, são guerreiras.

Nem tudo são flores,

No caminho que Ana Neri ensinou.

De cabeça erguida,

Secando feridas,

Salvando vidas com amor.

Você sabia?

ODia Internacional da Enfermagem e do Enfermeiro é comemorado em 12 de maio. Trata-se de uma homenagem a Florence Nightingale, que nasceu neste dia, em 1820. Florence foi uma destacada enfermeira, que atuou em guerra e criou a primeira Escola de Enfermagem da Inglaterra. No Brasil, a Enfermagem tem em Ana Néri (1814-1880) sua pioneira. A enfermeira prestou serviços voluntários nos hospitais militares durante a Guerra do Paraguai, que durou de 1864 a 1870.