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O ponto a que chegamos

(Artigo originalmente publicado no jornal O Globo do dia 09 de fevereiro de 2018)

Por Eliana Sousa Silva

Confrontos armados com alta taxa de letalidade tornaram-se corriqueiros no Estado do Rio. A escalada da violência tem gerado perplexidade e revolta. Somos tomados por um sentimento de incapacidade coletiva ao não enxergarmos perspectivas de reversão, em curto prazo, do ponto nevrálgico onde estamos.

Como em outros momentos, cabem algumas indagações: quais as origens e os pressupostos que sustentam, historicamente, o padrão de confrontos entre agentes da segurança pública e integrantes de grupos armados em favelas e periferias no Rio? Por que um segmento significativo da sociedade acredita e referenda uma forma de atuação do governo, a partir da atuação das polícias, que desconsidera os direitos de quem mora em favelas e periferias? O que fazer para que se estabeleçam protocolos de respeito e princípios, num estado de direito democrático, para o conjunto da população?

São muitas as questões que podemos relacionar ao olharmos a perda de sensibilidade e o distanciamento que nos acomete sobre o valor da vida no Brasil. Somos um país que registra mais de 61 mil homicídios ao ano, sendo 6,2 mil desses no Rio de Janeiro — imensa maioria em decorrência de disparos de armas de fogo. De maneira recorrente, estes assassinatos seguem um padrão étnico-racial, etário e de estrato social: a maioria dos assassinados é jovem, negra moradora de favelas e de periferias. Talvez isso nos diga muito sobre as razões pelas quais ainda não nos mobilizamos, de verdade, como sociedade, para exigir que o estado bélico em que vivemos não nos represente (ou deveria representar?).

Ao olharmos uma porção específica na cidade do Rio — as 16 favelas da Maré —, nos deparamos com um quadro que ilustra bem o estado crítico de violência. Os dados de 2017 sobre confrontos armados na região sistematizados no Boletim pelo Direito à Segurança Pública na Maré, elaborado pela Redes da Maré, são os seguintes: ano passado houve 42 homicídios e 57 feridos. Os conflitos fizeram com que escolas fechassem 35 dias; os postos de saúde deixaram de funcionar 45. Diante deste apanhado, é impossível deixar de perceber que os moradores de favelas e periferias têm sido expostos a um nível de sofrimento e desrespeito que precisa ter fim.

Se fizéssemos a cartografia dos homicídios no Rio, iríamos identificar que os quase 6,2 mil homicídios ao ano acontecem nas áreas consideradas periféricas. É nessas circunstâncias que identificamos, infelizmente, que a política de segurança pública no estado é pautada pela ideia de que vivemos uma guerra e, portanto, há um exército inimigo: os moradores de favelas e periferias. É inegável que os agentes da segurança pública não fazem distinção entre a população que reside nessas áreas e pessoas que estão em atividades ilícitas, atuando, em algumas situações, em grupos armados.

O Estado justifica a alta taxa de violência bélica e as violações que atingem os moradores de favelas e periferias pela necessidade de repressão a grupos armados que controlam pontos de drogas no varejo. O que vemos, com isso, é a demanda cada vez maior de armamentos pesados com alto grau de letalidade, tanto pelas forças de segurança quanto por estes grupos. Cada vez mais, reforça-se o predomínio de um pensamento imposto pela lógica da famigerada “guerra às drogas”. Ora, não passamos da hora de olhar para o juízo que temos sobre a questão das drogas? Não urge, neste momento, refletirmos sobre os efeitos nocivos decorrentes da falta de priorização dessa agenda, no tocante à descriminalização e à legalização das drogas? Como nos libertarmos dos nossos preconceitos em relação a esse ponto, que nos divide como sociedade?

Se começássemos a nos abrir para a reflexão, talvez pudéssemos olhar para outra constatação: o grau de letalidade que as armas provocam. Esse é um tráfico que movimenta muito dinheiro e cujo ponto de venda não se encontra nas periferias. Na realidade, é para lá que são levadas. Por que não temos inteligência para desmontar essa rede? Não passou da hora de a Polícia Federal, a Rodoviária e a Guarda Costeira se articularem para agir em conjunto e reduzir a entrada de armas no Estado do Rio?

Sem olhar algumas das questões aqui expostas, dificilmente poderemos mudar a rotina que vem sendo implementada, no Rio de Janeiro, pelos agentes da segurança pública, de somente atuar nas favelas e periferias por meio de idas esporádicas nas chamadas operações policiais. Essas incursões, que mobilizam diferentes estruturas das polícias Militar e Civil, têm significado um alto gasto de munição e resultam, quase sempre, nas mortes de moradores e policiais, num quadro que gera desesperança, medo e falta de respeito à dignidade humana.
A que nível de barbárie precisaremos chegar para que essa violência acabe?

Eliana Sousa Silva é diretora da ONG Redes da Maré

‘Maré Cheia’ traz poesia criada na Maré

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Matheus de Araújo Fonseca, de 20 anos, lança primeiro livro de poesia

O poeta Matheus Araújo, morador do Parque Rubens Vaz, lançou, na noite da última sexta-feira, no Centro de Artes da Maré; o livro de poesias Maré Cheia. O jovem poeta, que também é músico, distribuiu autógrafos e seu apresentou com a Afrontaria, banda que integra.

Matheus também convidou amigos poetas, para uma roda de poesia. Cerca de setenta pessoas estiveram presentes no local curtindo os versos, que foram declamados, e prestigiando o trabalho de Matheus.

Com duas irmãs e um irmão, Matheus conta que foi “criado como todo morador da favela, com bastante dificuldade, mas com o privilégio de ter um pai, uma mãe, e as condições necessárias para chegar onde cheguei”. Formado em Mecânica, pelo Cefet- Centro Federal Tecnológico-RJ, teve o primeiro contato com a poesia aos 18 anos, numa reunião da Curadoria da Festa Literária das Periferias, FLUP, na Vila Autódromo, em 2016;  quando aconteciam as remoções para as obras do Parque Olímpico.

Na roda de conversa, Matheus conheceu a escritora Jeniffer Nascimento e se encantou com o universo literário. A partir de então, passou a frequentar batalhas de poesia e se identificou cada vez mais com o meio.

Em 2017, escolheu o Curso de Letras da UFRJ-Universidade Federal do Rio de Janeiro,  como prioridade no Vestibular, foi aprovado e já está no segundo período de Literaturas em Língua Portuguesa.     

Maré Cheia é o primeiro livro de Matheus. Ele diz que que escreveu com o intuito de expor que “a gente pode fazer o que quiser, independente de ser morador da Maré”. O livro traz histórias inspiradas no cotidiano do autor, incluindo a diferença de tratamento que ele recebe dentro e fora da favela. Ele aborda também, em suas poesias, a ”diversidade, a simplicidade e esperança das pessoas daqui”.

Por que Maré Cheia?

“Somos um oceano que naturalmente deveria chegar em algum lugar, mas por conta dos aterros, que são os preconceitos e predefinições, que nos atingem, precisamos redescobrir nossa história, obter conhecimento e, com isso,  encher a maré até ultrapassarmos esses obstáculos.

O Livro segue à venda. Telefone para contato: (21) 98311-5371

 

O poeta Matheus de Araújo | Foto: Douglas Lopes

O Rio de Janeiro sob pressão

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A cidade é campeã em números de hipertensos do País

Jorge Melo

O Rio de Janeiro é a capital com o maior percentual de hipertensos do País, com 31,7%, segundo dados do Ministério da Saúde, que realiza anualmente uma pesquisa conhecida por Vigitel – Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico.  A hipertensão arterial acontece quando a nossa pressão está acima do limite considerado normal, que, na média, tem máxima de 12 e mínima de 8. Mas valores inferiores a 14 por 9 podem ser considerados normais, a critério médico.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, um bilhão de pessoas em todo o mundo têm pressão alta, mas um terço não sabe que tem a doença. A hipertensão arterial é causada por diversos fatores, como má alimentação, consumo excessivo de sal, estresse, tabagismo, obesidade, sedentarismo, diabetes e também histórico familiar. Entre os sintomas estão dores de cabeça, tonteira e enjoo. Se não for controlada, a pressão alta pode causar ao longo do tempo insuficiência cardíaca, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral (AVC) e insuficiência renal. Estima-se que metade da população com diabetes também sofra de hipertensão, precisando de acompanhamento médico para as duas doenças.

Segundo a médica Claudia Ramos, coordenadora de Linhas de Cuidados das Doenças Crônicas não Transmissíveis, da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, “a maior parte dos casos não tem sintomas. Muitas vezes, as pessoas hipertensas só descobrem a doença quando apresentam uma complicação como um derrame ou infarto; daí a importância de verificar a pressão, independente de sintomas”. Um hipertenso que não se cuida pode ser vítima de infarto. É o caso de Sônia Maria Fernandes, de 54 anos, moradora da Maré. Na fila para o atendimento na Clínica da Família Adib Jatene, na Vila do Pinheiro, ela espera para conseguir os remédios de que necessita. Ela teve um infarto, pela segunda vez, no dia 20 de novembro de 2017; o primeiro foi em 1995.

Sônia passou mais de 20 dias internada no Hospital Federal de Bonsucesso. Diz que seu problema é o estresse. Não está acima do peso, não fuma. E “por sorte” não teve sequelas. Ainda em processo de recuperação e abalada pelo que aconteceu, elogia a capacidade dos médicos que a operaram no Hospital de Bonsucesso, mas não ficou satisfeita com o tratamento que recebeu no pós-operatório: “me senti abandonada e maltratada depois de uma operação difícil”. Sônia não é um caso isolado. Uma pesquisa realizada em 2011, pelo Datafolha e o Laboratório Astrazaneca, em seis capitais brasileiras, revelou que 20% das pessoas que sofreram um infarto no Brasil não mudaram seus hábitos. “Todas as pessoas com hipertensão ou que precisem verificar a pressão para fechar um diagnóstico podem procurar uma Clínica da Família ou um Centro Municipal de Saúde. Todas as unidades municipais de atenção primária podem fazer o diagnóstico e o tratamento [unidades da atenção primária são as clínicas da família ou centros de saúde]. Os médicos de família podem fazer o diagnóstico e tratamento dos casos de hipertensão”, alerta Claudia Ramos.

A Clínica da Família Adib Jatene é um exemplo de como a hipertensão vem atingindo os cariocas. Numa fila de 11 pessoas que esperam atendimento médico, três são hipertensas. Manoel Pereira de Lima, de 77 anos, é uma dessas pessoas. É visível que está acima do peso. Manoel admite que deixou de fazer exercícios, na própria Clínica, onde são oferecidas gratuitamente atividades físicas com o objetivo de contribuir com a recuperação dos pacientes e prevenir doenças. Manoel veio em busca de remédios; toma pelo menos quatro, para a hipertensão e outros problemas de saúde.  Mas não faz uso da academia, infelizmente.

Rosileide Barros, de 57 anos, também é hipertensa e vai em busca de remédios na Adib Jatene. Também não faz os exercícios recomendados pelo médico, embora os tenha à disposição na Clínica. E também não faz dieta. Um pouco sem jeito diz que, apesar de não fazer dieta nem controlar a alimentação, “eu evito comer certas coisas”.  É possível perceber que Rosileide está acima do peso.  Assim como Manoel, Rosileide reclama que, às vezes, não encontra na Clínica da Família alguns remédios de que necessita, e percebe que “isso atrapalha o tratamento”.

As pesquisas mostram que, no Brasil, 51% da população está acima do peso, desses, 17,4% são obesos. Aproximadamente 70% dos homens e 61% das mulheres com hipertensão são obesos. O excesso de peso, principalmente quando a gordura corporal se localiza no abdômen, está ligado ao aumento da pressão arterial. Valores de circunferência de cintura acima de 80cm para mulheres e 94cm para homens já indicam aumento do risco de hipertensão. “As mulheres mais jovens estão mais sedentárias e praticam menos exercícios que os homens, daí a hipertensão tem sido maior no caso delas. E mulheres acima de 50 anos perdem a proteção dos hormônios femininos e isso também faz com que tenham mais hipertensão arterial. As medidas de incentivo à alimentação saudável e à prática de atividades físicas podem contribuir para que a hipertensão seja controlada e deveriam ser adotadas por todas as mulheres”, alerta mais uma vez a médica.

Adriana Lourenço, para manter a pressão sob controle, vai ao médico regularmente | Foto: Elisângela Leite

Adriana Lourenço é um caso exemplar. Várias pessoas na família são hipertensas. Adriana nasceu e cresceu na Maré; tem 44 anos, a maior parte deles enfrentando problemas cardíacos. Por causa dos problemas no coração já foi operada três vezes, em 1992, 2011 e 2012. Há dois anos está de licença médica do trabalho. No caso dela a hipertensão é uma consequência. Para manter a pressão sob controle vai ao médico regularmente, na Maré; toma quatro remédios e mede a pressão diariamente.  Adriana está acima do peso, mas não consegue fazer exercícios físicos e reconhece que não controla a alimentação como deveria, “é muito difícil”. Mesmo assim cumpre a tarefas domésticas, “eu faço tudo no meu tempo”.

Além dos remédios prescritos pelos médicos, quem é hipertenso deve adotar um estilo de vida saudável, com a prática de exercícios físicos e alimentação balanceada, com frutas, verduras e legumes, carnes magras. Evitar doces, gorduras, refrigerantes e bebidas alcóolicas. Segundo Claudia Ramos, “se não tratada, a hipertensão pode levar a um derrame, a um infarto, à insuficiência renal e essas complicações podem ser fatais”.

No site da Sociedade Brasileira de Hipertensão [www.sbh.org.br] é possível encontrar todas as informações sobre a doença: o que é hipertensão, perguntas frequentes, como tratar, sintomas e como medir a pressão arterial. O site tem uma cartilha com informações úteis para os hipertensos e também disponibiliza, gratuitamente, um aplicativo com orientações sobre a alimentação mais adequada para os hipertensos.

 

Além da Universidade

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Diego e Jeniffer são dançarinos do CAM e estudantes de Dança na UFRJ

Felipe Rebouças

Apesar do mar de dificuldades que separa o cenário artístico nacional entre sonhadores e realizadores, há quem se aventure em busca da concretização dos desejos. Prova disso são os jovens Diego da Cruz, de 25 anos, e Jeniffer Rodrigues, com 24, que se conheceram há cerca de 9 anos no Ensino Médio do Colégio Municipal Herbert de Souza, no Rio Comprido, e desde então trilham suas trajetórias norteadas pelo amor em comum à dança. Enquanto ela, moradora da Maré, deu seus primeiros passos na Vila Olímpica, o rapaz começou a dançar num projeto em Vila Isabel. O envolvimento com a dança os manteve próximos após o término do Ensino Médio, em 2011. No ano seguinte, Diego estava desempregado e atuando em projetos de dança, e Jeniffer sofreu um problema de saúde e precisou abandonar o trabalho social que exercia. Por acaso, a primeira audição da Escola Livre de Dança, no CAM, foi convocada e o contato frequente entre os dois promoveu o convite dela a ele: “fiquei sabendo da audição através de alguns conhecidos, chamei o Diego, ele topou e desde então estamos aqui”, relembrou a dançarina.

O teste foi uma apresentação de dança contemporânea, em março de 2012, e ambos foram aprovados. Desde então, Diego e Jeniffer compõem, acompanhados de outros 18 alunos atualmente, o Núcleo II da Escola Livre de Dança da Maré. A distinção de núcleos se faz necessária por conta da ampla abertura às práticas realizadas pelo Núcleo I [cerca de 300 integrantes] e pelo caráter profissional do Núcleo II. Além das eventuais apresentações, os dançarinos estão presentes no Núcleo de segunda a sexta, das 14h às 17h30.

Responsável pela Cia de Dança, a coreógrafa Lia Rodrigues, reconhecida internacionalmente, ajudou a dupla. Diego contou que não se sentiu seguro para cursar uma graduação, e Jeniffer se inscreveu no pré-vestibular da Redes da Maré em busca de uma vaga na Universidade. A coreógrafa estimulou o dançarino, o fez acreditar em si mesmo e nos seus próprios sonhos. Ela o ensinou os passos que não se elaboram nos palcos. E como numa coreografia sincronizada, os dois ingressaram no curso de Dança da UFRJ.

Divididos entre a vida acadêmica e artística, os dançarinos mesclaram as aulas de anatomia, antropologia, sociologia, filosofia, história da arte e outras — disciplinas que englobam o estudo do corpo — com as viagens da Escola Livre de Dança. Embora tenha sido árduo conciliar os dois objetivos, a formação profissional como dançarinos se fez de maneira ampla. A troca realizada na Maré os proporcionou experiências enriquecedoras, as quais o academicismo explora com defasagem. “Aqui é um ambiente plural e diverso, trocamos com vários profissionais da área que vêm até nós para disseminar suas experiências”, explica, Jeniffer.

Hoje, Diego e Jeniffer se organizam para entregar suas teses e concluir a graduação, enquanto aguardam o retorno às atividades no CAM, marcado para o Núcleo II no início de fevereiro, data que define o início dos ensaios para o próximo espetáculo, a releitura de May b – peça de dança contemporânea criada pela coreógrafa Maguy Marin em 1981. Agendada para rodar os palcos franceses a partir do fim de março, a releitura é dirigida por Lia Rodrigues, que foi uma das dançarinas da versão original na década de 1980, processo que só será possível com o apoio da Fundação Hermes.

Gratos pelas pessoas que cruzaram seus caminhos, eles pretendem se aprimorar na dança, seguirem dando aula como fazem nos projetos paralelos ao CAM e progredirem como intérpretes de dança. Diego sonha em se mudar para o exterior e trabalhar com arte voltada para o desenvolvimento social, enquanto Jeniffer almeja tornar-se uma grande professora de dança. A perseverança de ambos os trouxe até aqui e tudo leva a crer que seguirão enfrentando os desafios que a vida lhes apresentar.

Colégio Santa Mônica sai da Maré

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Hélio Euclides

Em 2002, o Colégio Santa Mônica abriu uma Unidade no 2º andar da Paróquia Jesus de Nazaré, na Baixa do Sapateiro. Durante esses 16 anos, crianças e adolescentes foram alunos dessa escola particular, que oferecia também bolsa de ensino, do 1º ao 5º ano, com possibilidade de continuidade do segundo segmento na Unidade Bonsucesso. Mas no fim do ano passado, os pais foram avisados de que o colégio encerraria suas atividades, pegando todos de surpresa.

Cícero Leite, morador da Maré, hoje diretor do Centro Educacional Universo do Saber, foi funcionário do Colégio Santa Mônica, conta: “lembro que cogitou-se realizar um trabalho social, e conversei para que o projeto viesse para cá. Numa parceria com a Igreja Católica, que na época era dirigida pelo Padre Francisco Ribeiro, começaram os trabalhos”. Na Unidade Maré, Cícero foi coordenador. “Sou feliz por ter feito parte desse projeto, e o que aprendi implantei na minha atual instituição”.

 “Fiquei muito triste quando soube do fechamento. Contudo, é válido lembrar que, mesmo com isso, a escola continua dando assistência em outras filiais”, afirma a mãe de uma estudante que foi para a Unidade Bonsucesso. Os alunos do Colégio Santa Mônica Assistencial Maré foram encaminhados para as unidades Bonsucesso e Caxambi, para cursarem o ano letivo de 2018.

 

Construindo a história da Maré

Rosimar da Silva, mais conhecida como Pedrita, é mãe do ex-aluno Victor Renan, de 19 anos. “Nós pais nos integramos ao trabalho. O ensino era ótimo”, destaca. Em alguns casos, toda a família fez parte do Colégio, como é o caso de Luís Andrade, que estudou lá com outros dois irmãos. “O ensino me ajudou a ganhar uma bolsa em um outro projeto, que estou até hoje. Com o encerramento das atividades, muitas crianças vão ficar prejudicadas por terem de ir e vir de Bonsucesso. Sorte que a Maré ganhou muitas escolas públicas novas”.

Uma mãe, que preferiu não se identificar, disse acreditar que a escola tenha algum problema financeiro. Ela explica: “o que deu sinal de que algo não vinha correto foi o término da doação de material escolar e uniforme, em 2016. E no ano passado a redução de bolsas integrais, alguns alunos ficaram com 50% na Unidade de Bonsucesso”.

Surpresa maior tiveram as famílias que já tinham inscrito suas crianças para fazer a prova de admissão. Elas foram avisadas, por telefone, que o processo seletivo seria cancelado. “Faltando dois dias para a prova, ligaram avisando que o exame estava cancelado. A explicação foi de que o ano eletivo de 2017 foi ruim, com poucas aulas e que faltava patrocínio. Fiquei triste pela perda da oportunidade”, conta Alessandra Santana.

 

O encerramento repentino

Na Unidade Maré eram matriculados 220 alunos, atendidos por 20 funcionários. “Acho que a violência foi a gota d’água. Mas não foi só isso. Profissionais com muitos anos de serviço foram dispensados, então a questão financeira também pesou”, declara um ex-funcionário.

O Padre Jorge Lutz Mazzini lamentou a mudança: “embora triste com o encerramento desse convênio, ficamos gratos por tantos alunos que atualmente vivem com dignidade e trabalham honestamente, muitos tendo um grau Superior. Tenho a esperança de que um dia essa instituição possa voltar e servir à Maré”.

A informação que os diretores do colégio repassaram para os pais é que, com pesar, devido à situação de crise que se vive no País, depois de um longo discernimento, decidiram não dar continuidade ao funcionamento da Unidade.

Sonho de cervejeiro

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Na Maré, cerveja artesanal está ligada à alimentação saudável

Jorge Melo

“Vamos tomar uma cerveja?” Quantas vezes essa frase é repetida diariamente?

A cerveja, sem dúvida, é parte da nossa cultura. Uma gelada é o complemento perfeito para muitos momentos: o papo sem compromisso, a resenha depois da pelada, comemorar uma conquista; o churrasco do fim de semana, a praia no verão, ou mesmo, aliviar uma dor de cotovelo.

Cerveja no Brasil é coisa séria.  Somos o terceiro maior produtor do mundo, ficando atrás apenas da China e dos Estados Unidos.  No entanto, o povo que mais consome cerveja é o tcheco. A média na República Tcheca é de 140 litros per capita por ano. O brasileiro é apenas o décimo sétimo da lista. No Brasil, os números impressionam: 14 bilhões de litros/ano; mais de dois milhões e setecentos mil empregos, diretos e indiretos, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria da Cerveja.  Esses são os números das cervejas produzidas industrialmente. No Brasil, a mais vendida é a Skol, que também é a quinta mais consumida do mundo.

Nos últimos tempos, no entanto, surgiu uma novidade nesse “território de gigantes”: a cerveja artesanal, uma moda ou tendência, como preferem alguns, está estimulando paladares e mercados. Na realidade não é tão novidade assim, já que nos primórdios da cerveja a produção era totalmente artesanal. Produzidas em pequenas quantidades, as cervejas artesanais permitem maior controle da qualidade e a seleção mais apurada dos ingredientes, o que não é possível na produção industrial. Além de permitir muitas experiências e misturas diferentes, que vão da pimenta ao chocolate.

O processo aparentemente é simples, mas cheio de detalhes que exigem um extremo cuidado. Definida uma receita, vem a moagem do malte. Depois é realizada a brassagem, que é o cozimento dos grãos de malte de cevada para a produção do mosto.  Depois, a fermentação, que dura em média dez dias – o que no processo de produção das cervejas artesanais é natural, e não ocorre na indústria, em que a fermentação é acelerada. Mas os grandes diferenciais são o aroma e o paladar, alcançados com combinações criativas e acompanhamento cuidadoso de todas as fases. Cada uma das fases tem os seus mistérios.  Se você se interessou, a maioria dos cervejeiros amadores e até alguns profissionais gostam de dar dicas e a internet está repleta de informações. E só pesquisar.

Cerveja artesanal na Maré

Seguindo a tendência, a Maré também tem a sua cerveja artesanal, chamada Caetés. Foi desenvolvida pelo Coletivo Roça Rio, que trabalha com produtos agroecológicos de pequenos produtores do Estado do Rio de Janeiro, vende produtos orgânicos, além de abrir o seu espaço, no Morro do Timbau, para atividades culturais e comunitárias. O nome Caetés é uma homenagem à rua onde está instalada a lojinha do Coletivo.

A cerveja Caetés foi criada pela brasileira Geandra Nobre e pelo alemão Timo Bartholl. Ele se apressa em dizer que o fato de ser alemão não tem nenhuma relação com a criação da cerveja, pois “na Alemanha nem consumia muito e nem imaginava que um dia iria produzir uma cerveja”.  A produção é pequena, são 240 litros por mês de Caetés que, embora tenha uma receita básica, está sempre mudando, “é sempre uma cerveja nova”, diz Geandra. Dois bares, no centro do Rio de Janeiro, já vendem a Caetés, que também, dependendo da quantidade e do bairro, pode ser entregue em domicílio.

Geandra e Timo são moradores da Maré e adeptos dos conceitos de autogestão, economia coletiva e comércio justo. Segundo Geandra, a ideia da cerveja surgiu num Encontro de Economias Comunitárias, a partir de um curso gratuito, dado pelo cervejeiro André Nader, um dos mais conhecidos cervejeiros do mercado artesanal. Do curso participaram pessoas das favelas da Babilônia, Acari, Alemão e Morro dos Macacos. Timo diz que “produzir a própria cerveja artesanal tem tudo a ver com a nossa proposta de produtos mais naturais, mais saudáveis, mais próximos de quem consome, com mais qualidade; o principal objetivo da produção da Caetés é mostrar que um produto de qualidade, no caso a cerveja artesanal, sem transgênicos, pode ser vendido a um preço que qualquer cidadão pode pagar.

Não existem ainda dados precisos sobre a participação das artesanais no mercado das cervejas, mas os produtores acreditam que deve estar em torno de 1%. No entanto, novos fabricantes artesanais surgem todos os dias, quase como uma febre. Segundo dados da ABRACERVA – Associação Brasileira de Cervejas Artesanais, o Brasil pode chegar ao fim de 2018 com, pelo menos, mil fábricas.  A produção, por enquanto, está concentrada nas regiões Sul e Sudeste.

A união dos produtores artesanais

Em setembro de 2O17 foi criada, com 50 sócios-fundadores, a Associação das Microcervejarias Artesanais do Rio de Janeiro. De acordo com a nova entidade, existem aproximadamente 170 produtores artesanais na cidade, entre fábricas e “cervejarias ciganas”, aquelas que produzem em plantas de terceiros.  A primeira meta da Associação, que ainda está se organizando, é realizar um levantamento para saber exatamente quantas são as cervejarias artesanais e a situação delas no Rio de Janeiro.

O Complexo do Alemão foi a primeira favela a ter a sua própria cerveja artesanal.  Animado pela presença de turistas, atraídos pelo projeto das UPP – Unidades de Polícia Pacificadora e pela inauguração de um teleférico, Marcelo Ramos investiu num bistrô, o Estação R&R e na produção da cerveja artesanal. O projeto das UPPs fracassou e o teleférico vive parado, mas a Cerveja do Complexo do Alemão continua fazendo sucesso e atraindo admiradores de todas as regiões da cidade.

Um pouco de História

A cerveja chegou ao Brasil no distante ano de 1637, com a Invasão Holandesa em Pernambuco. Você se lembra daquela aula de História?  Pernambuco, na época, era o maior produtor de açúcar do mundo. Com Maurício de Nassau, um aristocrata culto e moderno para os padrões do século XVII e encarregado de administrar a conquista, veio um cervejeiro, que montou uma pequena fábrica em Recife. Mas pouco se sabe sobre a produção e a qualidade da cerveja.

Por volta de 1830, com os alemães, as coisas começaram a tomar forma. Os imigrantes fabricavam para o próprio consumo e essa era uma tarefa das mulheres. As primeiras fábricas surgiram no Rio de Janeiro, São Paulo e Sul do País, na segunda metade do século XIX.  Daí em diante a cerveja, sempre gelada, ganhou o coração dos brasileiros, até chegar às megafábricas e voltar ao princípio com o sucesso das cervejas artesanais. Quem pretende ir além do simples consumo pode consultar vários livros, a literatura é vasta. Sugerimos dois, “Os primórdios da Cerveja”, de Sérgio de Paula Santos, curtinho e bem informativo. Quem for mais exigente, pode comprar “Larrouse da cerveja”, de Ronaldo Morado, mas o preço é de vinho francês, um pouco caro. Mas lembre-se de beber com moderação. E nunca dirija após ter bebido cerveja, seja artesanal ou não, ou qualquer outra bebida alcoólica. A Lei Seca, que tem tolerância zero no nível do teor alcoólico, também está bem cara.

ONDE ENCONTRAR

Roça Rio

A Roça Rio fica na Rua dos Caetés, 82. Morro do Timbau – segundas, quintas e sextas, a partir das 16 horas. – [email protected]

Associação das Microcervejarias Artesanais do Rio de Janeiro: www.abracerva.com.br

Estação R&R

www.bistroestacaorr.com.br

Travessa Jalisco, 32. Ramos – quartas e quintas, das 18h à meia-noite; sextas e sábados, das 18h às 2h.