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Ciclovia da Maré. Uma grande ideia que derrapou
Jorge Melo e Hélio Euclides
Em agosto, Douglas Lopes, morador da Maré, de 25 anos, que é fã incondicional da magrela e a utiliza como principal meio de transporte, deu um passeio pela Ciclovia da Maré e encontrou uma série de problemas. Falta de sinalização, placas danificadas, pintura desgastada, pintura completamente apagada em muitos trechos, buracos e piso irregular. O passeio deu origem até a uma reportagem sobre a Ciclovia da Maré, publicada pelo Datalabe, um laboratório de dados e narrativas. Em novembro, três meses depois, ele repetiu o passeio, prestando atenção a cada detalhe do percurso. A conclusão é desanimadora. A situação piorou, porque com tempo os problemas se agravaram, “a obra foi interrompida e não há manutenção”, conclui Douglas.
A ciclovia era um sonho da maioria dos moradores da Maré, que utilizam diariamente bicicleta para se deslocar pela comunidade e, até mesmo, para outros pontos da cidade, próximos ao Complexo, como o bairro de Bonsucesso, por exemplo. Cercado de muita expectativa e lançado com “pompa e circunstância”, o projeto prometia mais mobilidade e conforto.
A ideia da ciclovia na Maré surgiu em 2014, durante o Maré que Queremos, fórum permanente que existe desde 2009 e reúne associações de moradores e a Redes da Maré. “No projeto, a gente já vinha discutindo os impactos e legados que as obras (BRT e Transcarioca) deixariam para a população, principalmente do ponto de vista da mobilidade, conta Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré.
A ciclovia é a primeira construída em uma favela e as discussões com a Prefeitura duraram mais de um ano. A população da Maré também definiu o traçado da ciclovia e os locais onde seriam instalados os bicicletários, a partir da experiência de milhares de pessoas que utilizam bicicletas nas 16 comunidades.
Uma das principais promessas do projeto era a ligação entre a ciclovia e as estações do BRT Transbrasil e Transcarioca e também ao Campus do Fundão, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), onde, segundo levantamento da própria Prefeitura, trabalham 25% da população da Maré. Segundo Douglas, “não há nada que facilite o acesso de quem usa bicicleta às estações do BRT, sem contar que são raros os bicicletários na favela, outra promessa não cumprida”.
A ciclovia da Maré, estimada em 7 milhões de reais, fazia parte do programa Rio Capital da Bicicleta, e previa 22Km de ciclovias nas 16 comunidades do Complexo. O lançamento, no dia 11/11/2015, contou com a presença do então prefeito Eduardo Paes (PMDB) que, em entrevista publicada pelo Jornal O Globo, disse que “a ciclovia é simbólica, só existia para burguês da Zona Sul ter o seu lazer. Estamos invertendo essa lógica, dando ciclovia para o trabalhador”.
A crise e a falta de dinheiro golpearam o projeto. As obras foram paralisadas em janeiro de 2016. O orçamento, de 7 milhões de reais, foi cortado em dois milhões de reais, quase 30% do previsto inicialmente. Mas, segundo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, responsável pela obra, pelo menos 18 Km da ciclovia foram construídos.
Segundo estimativas da Prefeitura, o Rio de Janeiro tem 450 km de ciclovias, mas há muito questionamento sobre a qualidade. E esse questionamento tem razão de ser. A ciclovia Tim Maia, que liga o Leblon a São Conrado, está interditada há um ano. Parte da pista desabou quatro meses após a inauguração e fez duas vítimas fatais. A obra não resistiu ao impacto de uma ressaca.
Segundo a Primeira Mostra sobre Mobilidade na Maré, realizada em 2014 pela Redes da Maré, Observatório das Favelas e CEIIA (Centro de Excelência e Inovação na Indústria do Automóvel), um em cada quatro moradores teria interesse em usar bicicleta caso as condições objetivas fossem favoráveis, em particular porque seria mais ágil, rápido, saudável e econômico. A pesquisa mostra que o potencial de uso da bicicleta pode ser ainda maior, caso o poder público tenha uma política mais efetiva de construção de ciclovias. “Mas construir apenas não é suficiente; é preciso construir bem, com qualidade e fazer a manutenção”, afirma Douglas que, apesar das dificuldades do caminho, não pretende abrir mão da sua bike.
Leia a matéria do DATALABE na internet: http://datalabe.org/narrativa/capital-da-bicicleta-para-quem/

Orquestra Maré do Amanhã Mirim
Alunos viram mestres e ensinam música para outros moradores
Foto: Marco Brendon
Hélio Euclides
A Orquestra Maré do Amanhã é coisa nossa. Já teve destaque pelo Maré de Notícias, na Edição 49, de janeiro de 2014, quando mostrou seus primeiros passos. E hoje, volta, quase quatro anos depois, para mostrar que o Grupo cresceu com a criação da orquestra mirim. Trinta jovens músicos que ensinam a outros 165. “Fizemos um acordo com a Secretaria Municipal de Educação e começaram as aulas. A minha ideia é que a ação seja unificada numa escola, na Escritor Bartolomeu Campos de Queirós, como modelo de trabalho. Quando se fala em música, já se pensa em batucada. É igual ao esporte. Fala-se em esporte e vem logo à mente o futebol. Eu preciso mostrar outras opções”, comenta Carlos Prazeres, fundador e coordenador do projeto. Apesar desse pensamento, o coordenador mostra que as diretrizes do trabalho são mais amplas. “O objetivo é abrir um horizonte no aluno, pois ele não necessita seguir sendo músico, mas precisa não pensar ‘pequeno’ na vida. É um projeto de longo prazo, no futuro vamos ver os frutos, bons profissionais, uma revolução silenciosa, por meio da música. Mas já se percebe mudanças no cotidiano do aluno na escola, com as notas boas, a concentração e a socialização”, explica Carlos.
Muitos alunos sonham em se tornar profissionais na área: “pretendo ser músico, pois é minha paixão”, resume Moises Magalhães, de 12 anos, aluno do projeto há três meses.
O projeto mirim tem apenas seis meses e já se apresentou no Teatro Municipal, junto com os antigos membros. Na apresentação, os familiares foram em 16 ônibus. “Os pais ficaram encantados e querem ajudar nessa transformação da Maré”, conta o coordenador. Kauã da Costa, de 12 anos, é aluno, toca viola e ficou emocionado. “Senti muito orgulho na apresentação do Teatro Municipal”, relata.
Para fortalecer o trabalho, a sede do Grupo está sendo reformada, um galpão na Rua da Proclamação, mas o trabalho não vai sair das escolas. “Recebemos propostas para trabalhar em outras escolas da cidade, mas temos um carinho pelos moradores daqui. O nosso cordão umbilical se encontra na Maré. Queremos que a Maré abrace ainda mais esse projeto, para mudarmos juntos a realidade. Não é possível que a violência impeça as aulas e nossos ensaios, queremos paz”, conclui Carlos.
Os alunos que viraram mestres
Para Matheus Silvestre, de 18 anos, o momento é de retribuir o que aprendeu. “A orquestra deu um rumo na minha vida, me prepara para o futuro. É fantástico vê-los tocando, seguindo os mesmos passos meus. Foi fascinante tocar no Teatro lotado, uma sensação inexplicável. Naquele momento, a Maré não foi mencionada pela violência e, sim, pela motivação e inspiração da música”, esclarece. Seu colega, Douglas Marins, de 20 anos, está há quatro na orquestra e fica contente com a nova fase. “É emocionante ver as crianças se espelhando na gente. Quando comecei era mais difícil, era novo. Não existia esse apoio”, acrescenta.
Seguir com o projeto não é fácil. Algumas vezes é necessário comprar instrumentos usados, pois o valor dos novos é caro. A manutenção também tem um custo elevado, por exemplo os jogos de cordas, que duram no máximo um ano. Carlos ressalta que o importante é o carinho que os alunos têm com o instrumento. O maestro Filipe Kochem acredita que esse carinho fez com que a orquestra se multiplicasse. “Vivemos um amadurecimento, com mais experiência e com um nível ainda melhor. São sete anos conhecendo tanta gente boa… impressiona o apoio e o carinho. Apesar das dificuldades, os pais querem o melhor para os filhos, estão batalhando e são vencedores”, exalta.
Alguns integrantes da orquestra já estão cursando a Faculdade de Música. “São profissionais que mostram vocação. Eles já fizeram turnê pelo Nordeste, em todas as capitais. Foram para a Venezuela, como ouvintes, mas acabaram tocando no final. E na visita ao Papa, no ano passado, fizeram concertos na praça pública”, revela Carlos.
A mulher no esporte
Direitos iguais para o lazer
Hélio Euclides
“Homem fazendo pole dance é igual mulher jogando futebol, não tem graça”, disse Arnaldo Saccomani. “Também não acho graça na mulher jogando bola, pois futebol é muito bruto”, respondeu o apresentador Carlos Massa. Essa foi a conversa ocorrida no Programa do Ratinho, de 30 de outubro, em rede nacional. Esse caso mostra que, em pleno 2017, a mulher ainda precisa conquistar o seu espaço na sociedade. Uma dessas áreas, na qual a mulher sofre muito preconceito, é o esporte, principalmente o futebol. Ele se evidencia na falta de investimento, nos estigmas e na seriedade com que tratam esses segmentos.
Alexandre Pichetti, popular Pichetti, professor de futebol, relata que sua escolinha feminina terminou, porque as meninas casaram e saíram.
Entende que possa ter falta de apoio dos companheiros, algo que as desmotiva. No mundo masculino acontece o contrário, o homem, mesmo casado, não abandona as “peladas”. Alessandra Antunes, de 33 anos, joga futebol desde os 20, hoje bate-bola numa quadra da Nova Holanda. A jogadora lembra que, no início do casamento, seu marido não gostava. “Ele me conheceu jogando, então aceitou. Aqui na favela há discriminação e já ouvimos muitas gracinhas e críticas, mas o que fica são os elogios. Se não fosse o preconceito, o futebol feminino estaria lá em cima. Queremos ser valorizadas, aqui e em outros lugares. Desejamos a igualdade, somos capazes. O futebol não foi feito só para os homens”, destaca.
Alessandra tem o mesmo sobrenome do craque Zico e, na quadra, se inspira em Marta e companhia. Ela jogou na Portuguesa e no São Cristóvão, mas se sente realizada tocando bola na comunidade onde mora. “Apesar de tudo, nunca deixei de ser do futebol feminino na Nova Holanda, sou uma das antigas. Futebol é o esporte que gosto”, revela ela, que tem duas filhas e uma neta. A mais antiga da escolinha é Jaqueline Conceição, de 46 anos, que não pretende parar. “Quando novinha, joguei no Bonsucesso. Depois vim para cá, onde jogo até hoje, porque tenho garra e distrai a mente”, afirma. Ela também relata discriminação. “Existe o preconceito, nos chamam de homossexual, mas nunca esquentei. O que precisamos é de apoio, pois faltam coletes, caneleiras, bola, meiões, chuteiras e protetores para os seios”, reclama.
O professor dessa turma de 40 meninas adultas e 12 adolescentes é Flávio Luiz dos Santos, que credita à escolinha Vida em Excelência o título de escola de futebol feminino mais antiga, com 26 anos. “Tem escolinha feminina que acaba, porque não tem raiz. Eu vejo o dia a dia das atletas, entendo elas, pois umas são casadas e chefes de família. Trabalhei 17 anos na Vila Olímpica, onde aprendi o que ensino. Também fiz curso de primeiros socorros, por isso sei que se estão com febre, não podem jogar para evitar uma convulsão”, detalha. Ele, igualmente à aluna, reclama da falta de recursos. “Não cobro taxa. Por outro lado, não tenho dinheiro, e não é difícil ver algumas jogando descalças. Aqui só tem uma bola, se furar vai dar ruim”, confessa. Para manter a escolinha e sobreviver, Flávio atua no ramo de som para festa. “Fiz prova para salva-vidas e passei, só não segui carreira para não deixar a escolinha”, desabafa. “Quando jogo, me sinto melhor, não tem como explicar a sensação. Uma pena que no Brasil, para ser profissional, é preciso ter sorte e conhecimento. Se fôssemos homens, teríamos mais espaço e oportunidades”, diz Joelle Pereira de Azevedo, que conheceu a companheira no campo e elas só ficam separadas quando disputam a bola. “Sonho em ser jogadora, receberia até salário mínimo. Aqui no Brasil falta espaço”, diz Carolaine Ferreira Scola.
As Destemidas correm na frente
Um encontro entre a jornalista Carol Barcellos e a instituição Luta Pela Paz proporcionou o nascimento do projeto-piloto Destemidas. Com essa união, foi possível implementar esse projeto de corrida, que tem como objetivo fortalecer a imagem feminina e diminuir a desigualdade de gênero, visando desconstruir o estereótipo da mulher frágil e submissa existente em nossa sociedade. Além da promoção da prática esportiva, o projeto procura trabalhar questões de gênero, com palestras sobre direitos sexuais e reprodutivos, preconceito, mercado de trabalho e violência contra a mulher.
O projeto reúne preparador físico, nutricionista, psicólogo e ortopedista. São 30 atletas, de 14 a 29 anos, que são preparadas para um alto rendimento específico para corridas profissionais. “Os treinos são no Luta pela Paz, Vila Olímpica e Marina da Glória. Uma pena que falta área de lazer na Maré, para a prática de corrida”, lamenta Ana Caroline Belo, coordenadora do Projeto Atletas da Paz.
“Antes, não corria, pois pratico judô e tinha medo de desgastar o joelho. Tive o incentivo e saí da zona de conforto. Hoje percebo que a corrida melhorou o meu desempenho, e já fui campeã de judô”, avalia Raissa Souza de Lima, de 21 anos, aluna e estagiária. Ela conta que há encontros mensais com a Carol, num ambiente de amizade. “É um mito que muitas mulheres juntas só fazem fofoca. Aqui se tornou um grupo de amigas, que incentiva uma a outra”, avalia. “Somos destemidas, mulheres fortes, que enfrentam provas que nos inspiram, o que mostra que nunca é tarde para superar os obstáculos e as dificuldades do corpo, o importante é o esforço, afirma Gabriela de Souza Vidal, de 18 anos que, além da corrida, é aluna de Muay Thai.
Uma regra para a harmonia
A Vila Olímpica da Maré também tem o seu futebol feminino, que foi possível pela parceria com a Fundação FC Barcelona. Ele começou em 2014, com o projeto FutbolNet, que não trabalha só o ponto de vista técnico, mas inclui o aspecto social. O vencedor não é escolhido pelo alto rendimento e, sim, por critérios socioeducativos. Na Maré, são sete pessoas na equipe, três professores, um estagiário, dois jovens aprendizes, um coordenador administrativo e um coordenador metodológico.
“O objetivo é a integração para trabalhar juntos. Para isso, usamos os cinco valores que o Barcelona utiliza: respeito, trabalho em equipe, humildade, esforço e superação. Discutimos a questão de gênero e resolução de conflitos, por meio do diálogo. O foco, aqui na Maré, é a diminuição da violência”, expõe Rayana Santuchi, professora e assessora metodológica. No projeto, as alunas ainda praticam outros esportes, como natação, rugby e ginástica olímpica.
Antes de tudo, as alunas escolhem regras que facilitam o jogo, deixam a partida mais justa e mais limpa. Se cria uma autonomia. Não há árbitro e, sim mediadores, que fiscalizam as regras que elas criaram. A partida é realizada em três tempos: diálogo, reflexão e uma visão de todos. “Ao final, não vale só a pontuação, mas a soma do respeito e das regras. Quem tem valores é quem ganha, uma relação do jogar com a vida”, observa Juliana Lima, estagiária.
Camila Crispin, de 16 anos, é aluna, e resume o projeto com a palavra respeito. “Na minha casa sempre havia agressão. Agora vejo as coisas e não quero discutir, aprendi a ouvir. No campo, antes, segurava muito a bola, agora trabalho em equipe. Eu competia e vivia estressada, agora me divirto”, admite. As aulas acontecem de terça a sábado, mas o treino feminino ocorre nas quartas e sextas, às 16 horas. Ainda são poucas meninas, apenas dez, então é necessário fazer um misto”.
Esse Natal será igual àquele que passou?
Como os comerciantes da Maré estão enfrentando a crise perto do Natal
Jorge Melo
Crise. Palavra temida que acompanhou os comerciantes cariocas nos dois últimos natais. E também naquelas datas em que o comércio vende mais, como o Carnaval, o Dia das Mães, o São João, o Dia dos Pais e o Dia das Crianças. Apesar de uma expectativa de melhora, a maioria dos comerciantes ainda está com um pé atrás em relação ao movimento de compras do Natal.
A expectativa é um aumento das vendas 3% maior que no ano passado, segundo pesquisa realizada pela Fecomércio-RJ – Federação do Comércio do Rio de Janeiro e a Ipsos, empresa de pesquisa e inteligência de mercado. Três por cento não é muito, mas se confirmados permitirão tocar o barco e recuperar o otimismo. A pesquisa envolveu 2 mil estabelecimentos comerciais de oito regiões do Estado do Rio de Janeiro.
Seguindo essa tendência de pé no chão, dez mil empregados temporários devem ser contratados para trabalhar nas festas de fim de ano e no verão, de acordo com pesquisa do Centro de Estudos do Clube de Diretores Lojistas do Rio de Janeiro, que ouviu 500 empresas. Mas esse número é 16% menor que o do ano passado. Com certeza, será um Natal mais modesto e econômico, com menos presentes ou presentes mais baratos.
Além da crise econômica, que é nacional, durante todo o ano de 2016 o Rio de Janeiro enfrentou a crise do Governo do Estado. Mais de 175 mil funcionários públicos estaduais e aposentados ficaram sem salário e pensões ou recebendo em parcelas. Até outubro, o 13º salário de 2016 ainda não havia sido pago. Esse quadro afetou ainda mais o desempenho do comércio e, seguramente, terá reflexos nas compras de Natal. No Rio de Janeiro, os funcionários públicos representam uma importante parcela do público consumidor.
O Natal na Maré
Na Maré, ainda não existe pesquisa sobre o desempenho do comércio, mas o que se percebe conversando com os comerciantes é que ninguém
espera recordes de vendas, muito pelo contrário, o movimento não deve ser muito diferente do que foi no Natal do ano passado, portanto, nada de promoções ou grandes investimentos em estoque. Um exemplo é Luzanira Pereira de Farias, proprietária de uma tradicional loja de roupas femininas e acessórios na Maré, a Lu Fashion. Com 20 anos de comércio, já passou por altos e baixos e aprendeu a driblar as dificuldades: “esse ano deve ser igual ao ano passado, que não foi bom”, diz a comerciante.
Luzanira esperou até o fim de novembro para encomendar o estoque para o Natal, pois queria ter uma ideia melhor do movimento. Não fez grandes investimentos. O movimento durante o ano foi o termômetro, “diminuiu o número de clientes e as que permaneceram, compraram menos”. A maior parte das vendas foi feita no crediário, cerca de 60%. Os cartões de crédito corresponderam a 30% das vendas. E transações à vista, apenas 10%. “Eu sou conhecida, vendo produtos de qualidade e tenho freguesas fiéis. E mulher sempre compra uma coisinha, uma blusa, uma biju”. Para Luzanira, o Natal de 2017 não será daqueles natais para se lembrar daqui há alguns anos.
A força do comércio na geração de empregos
Um movimento menor no comércio tem influência em todo o conjunto de favelas da Maré. É no comércio que está a maioria dos empregos gerados na região. O primeiro Censo de Empreendimentos Econômicos da Maré, finalizado em 2013, revelou a existência de mais de 3.500 empreendimentos que geraram 9.371 empregos, 76,4 % dessas vagas eram ocupadas por moradores da Maré. Na pesquisa foram entrevistados 3.182 empreendedores.
O comércio responde por 66% dos negócios na Maré e, consequentemente, pela maioria dos empregos, algo em torno de seis mil vagas. Uma característica interessante levantada pelo Censo é que 40,2% dos estabelecimentos vendem “fiado”, ou seja, garantido apenas na relação de confiança entre cliente e comerciante. Coisa difícil de ver longe das favelas.
O aperto em época de crise
Comerciante há dez anos e dona de uma loja de utilidades domésticas, brinquedos e papelaria, o Bazar Cobina. Sheila Santos Araújo da Silva registrou uma redução de 50% no movimento, “tinha duas lojas na Maré, uma de utilidades domésticas e outra de papelaria e brinquedos; em 2015, por causa da crise, tive de fechar um ponto, demiti funcionários e juntei os negócios numa loja só, para economizar”. Este é o terceiro ano de vacas magras para Sheila: “o que posso dizer é que 2017 foi péssimo”. Por isso, Sheila não vai arriscar nada de especial para o Natal, “teremos o que temos normalmente e só”, conclui Sheila.
Pensando no futuro
Mas apesar do quadro de incertezas, há notícias boas. Quando o Censo foi realizado, em 2013, constatou-se que apenas 24% dos empreendimentos no Complexo da Maré estavam formalizados, ou seja, pagavam impostos que permitiam aos proprietários os benefícios da regularização: aposentadoria, auxílio-doença, salário maternidade, possibilidade de fornecer para os governos e obter financiamento.
Em pesquisa realizada o ano passado, com 1.400 empreendedores do Parque União, Vila do João, Nova Holanda e Vila dos Pinheiros, que concentram cerca de 60% dos empreendimentos do Complexo da Maré, constatou-se que 43% deles estavam formalizados. Este é um indicador que mostra maior estabilidade dos empreendimentos. Segundo a mesma pesquisa, os negócios com mais tempo, entre cinco e dez anos, apresentam maior índice de formalização.
Uma outra pesquisa realizada pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, EBAPE, nas maiores comunidades da cidade do Rio de Janeiro, inclusive na Maré, identificou que o acesso à orientação, consultoria, cursos, oficinas e workshops tem efeito positivos no comportamento dos microempreendedores individuais, MEIs, dessas comunidades.
Os atendimentos oferecidos pelo Sebrae ajudam a planejar as diversas fases do negócio e mostram a importância de estar em dia com as obrigações. O estudo tomou como base o período entre março de 2012 e novembro de 2015, quando foram feitos 20.191 atendimentos. A pesquisa indica que o atendimento, em especial as sessões de orientação, reduziu a taxa de inadimplência da contribuição mensal do MEI, 15% em média no período das orientações e estes efeitos foram duradouros e se mantiveram mesmo após o atendimento.
Nos últimos anos, o Sebrae/RJ vem produzindo informações sobre o perfil de empreendimentos e de micros e pequenas empresas situadas nas comunidades e atendendo os empreendedores dessas localidades. O foco principal são os empreendedores ou aqueles que podem se tornar microempreendedores individuais (MEI) e microempresas (ME), ou seja, jovens de 15 a 24 anos com potencial de empreendedorismo e lideranças institucionais e empresariais. Nos locais de atuação são realizados plantões de atendimento, com orientações sobre formalização, alvará; nota fiscal; oficinas e cursos sobre gestão que ajudem nas questões do dia a dia. Na Maré, o atendimento é feito na sede do Redes da Maré, na Rua Sargento Silva Nunes, 1012, Nova Holanda, às terças-feiras, das 9h às 15h.
Minha escola tem um nome e eu sei quem é
A identificação das pessoas que dão nome as escolas da Maré
Hélio Euclides
Quando nascemos, já recebemos um nome. É a nossa identidade. Isso acontece também com as escolas, creches e Espaços de Desenvolvimento Infantil (EDIs). O aluno começa a se identificar com a unidade escolar, professores, diretores, funcionários, colegas e com o nome da Instituição de Ensino. Para a escolha da denominação das novas escolas, o Coletivo Maré que Queremos, que reúne as 16 associações de moradores, indicou alguns nomes. A Maré conta hoje com 45 unidades, uma ainda aguardando inauguração, no Salsa e Merengue. São 18 escolas regulares, seis Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), sete creches, 13 EDIs e um Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA).
Denise Souza é mãe de Rian Silva, que está no 6º ano. O primeiro colégio do seu filho foi o Paulo Freire, onde foi feita uma apostila para falar da história do homem que deu nome à escola. Esse ano, o seu filho já frequenta outra Unidade. “Agora meu filho estuda no Bartolomeu, apesar de a escola ser acolhedora, não sei quem foi ele. Acredito que seja importante saber, pois tudo é conhecimento. Ajuda o aluno a tomar gosto pela escola”, afirma Denise.
O desejo de ensinar na Maré
Andreza de Souza Alves é professora do CIEP Hélio Smidt. Ela trabalhou na Maré e saiu para dar aulas na Ilha do Governador, mas não aguentou a saudade e voltou. “Para trabalhar aqui tem de ser engajado, abraçando a escola”, confessa a mestre, que ainda diz que é valioso trabalhar a história. “No aniversário do CIEP trabalhamos a identidade e a história da escola e da moradia”.
Sua colega de profissão, Jozélia de Souza Cabral, atua no EDI Cremilda da Silva Santos. Quando a escola comemorou cinco anos, foi explicado quem foi a Cremilda. “Penso que isso é importante, saber quem foi a pessoa que dá nome à escola, na minha infância não tinha esse pensamento. É indispensável que o aluno se sinta parte integrante da escola. Entenda que a escola faz parte da vida dele e de seus familiares”, avalia.
Outro caso de identidade com a Maré é Nicilene Alexandre da Silva, com 18 anos de magistério, sendo 17 dedicados à Escola Teotônio Vilela. “Estudei aqui e escolhi essa escola, pois é minha segunda casa. Tenho raízes aqui. Em 1985, minha mãe foi para a Avenida Brasil pedir a abertura da escola, que não tinha mobiliário. Logo depois funcionou. Outro caso é o meu irmão, que estudou aqui e hoje é diretor da Escola Genival Pereira de Albuquerque”, revela. Ela entende que o nome da escola tem a sua importância. “Já trabalhamos aqui o patrono da escola, uma pena que o nome desta escola não foi a comunidade que escolheu. Minha preocupação é que não se tem arquivo da escola, então a história se perde”.
A educadora acha que os pais precisam acompanhar os seus filhos. “Tivemos a Semana da Família. Dos 700 alunos, só 50 responsáveis compareceram. Faltou valorizar os filhos e a escola”, reclamou. Para melhorar essa situação, ela tenta conscientizar seus alunos. A escola precisa se tornar do aluno, com acolhimento. Eu mostro a importância da preservação. A escola é um ato de resistência. Aqui sonhamos com um futuro, mostramos que o estudo abre portas”, ressalta.
Natássia Gonçalves é diretora do CIEP Hélio Smidt há seis anos. “Passo mais tempo aqui do que na minha casa. A vontade de trabalhar é maior que as dificuldades. Precisamos transformar a realidade, mostrar oportunidades”, diz. Um dos funcionários do CIEP, Rafael da Silva Clementino, atua há sete anos como agente de preparo de alimento, revela: “acredito que é uma grande oportunidade de trabalhar numa escola boa, não quero sair daqui. Na Maré é uma pena ter gente que ainda depreda a escola. Acredito que a solução é ter mais projetos e atividades”, avalia. A diretora acrescenta que a educação é o caminho. “Atuamos com vidas, e o papel da educação é de transformação. A sociedade que queremos depende do Magistério. Nossa sociedade está doente, e a educação é o remédio”, afirma.
Clique aqui para ver a tabela com os nomes das escolas em seu tamanho original.
