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Especial ENEM: Os desafios enfrentados, segundo alunos de pré-vestibulares comunitários

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Preparação e administração do tempo são cruciais para a realização da prova. 

por João Gabriel Haddad e Rebekah Tinôco

Nos dias 13 e 20 de novembro, jovens de todo Brasil realizaram o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Dos 3,4 milhões de estudantes inscritos no exame, 2,4 milhões compareceram ao primeiro dia de aplicação da prova. O ENEM possui 180 questões com cinco alternativas de resposta cada e uma redação, que deve ter de 7 a 30 linhas. As questões de múltipla-escolha são divididas em quatro áreas do conhecimento: ciências humanas e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; linguagens, códigos e suas tecnologias; e matemática e suas tecnologias.

A prova é a porta de entrada de centenas de milhares de estudantes para o ensino superior. A nota do ENEM pode ser usada para ingresso em diversas faculdades do Brasil através do Sistema de Seleção Unificada (SiSU), do Programa Universidade Para Todos (Prouni) e de outros processos seletivos que usem a prova do ENEM como critério de seleção.

O Maré de Notícias conversou com educadores e estudantes do Complexo de Favelas da Maré para um especial de duas matérias sobre o ENEM. Nesta matéria, será abordada a perspectiva dos estudantes a respeito da prova. A primeira matéria do especial foi ao ar ontem (22/11) no Maré de Notícias, e conta com a perspectiva dos professores sobre a prova. Para ter acesso à primeira parte do especial, clique aqui.

Dificuldades para a realização da prova

Apesar de ser o maior meio de acesso às universidades de todo país, a prova do ENEM ainda possui problemas. Um dos tópicos que mais incomodam os participantes é o tempo de prova atrelado ao número e tamanho das questões. Quando questionada sobre o que alteraria no formato do ENEM, a aluna do CPV da Redes da Maré, Camila Ellen (21) mencionou que mudaria o tempo de prova: “o ENEM não é uma prova muito conteudista, é muito mais sobre resistência e organização. Ter 90 questões e uma redação pra fazer em apenas 5 horas e 30 minutos te deixa pressionado, além de todo cansaço causado pelos textos”. 

Julia Silva (20), aluna do mesmo curso, também se mostra incomodada com esses fatores. Ela avalia que a prova não é elaborada para que os participantes consigam finalizá-la e deixa sua sugestão para edições futuras: “eu diminuiria a quantidade de questões e colocaria textos mais diretos e mais curtos para ajudar na compreensão”. Julia pretende cursar Odontologia e espera que o ENEM consiga ajudá-la a ingressar na UFRJ.

Ellen Ferreira (18), aluna do curso pré vestibular CEASM, também leva em consideração que estudantes da comunidade geralmente não têm a oportunidade de preparo para uma prova do nível do ENEM, dificultando a equiparação dos mesmos com outros estudantes: “a galera da comunidade que majoritariamente não consegue ter sequer algum tipo de apoio educacional muitas vezes não consegue fazer uma prova nesse nível. Falta para os nossos, preparação e mais deles potencializando a favela pondo mais educação e nos inserindo nesses espaços que, obviamente, não é feito pros nossos.”

Os números de adesão à prova são exemplos da concretização desses problemas. Desde 2014, o ENEM possui queda progressiva no número de inscritos e participantes. Além disso, mais de 900 mil estudantes não compareceram ao primeiro dia de provas do ENEM 2022, correspondendo a quase 27% dos inscritos; desconsiderando a edição de 2020, ano em que a pandemia de Covid-19 surgiu, a última edição registrou a menor taxa de comparecimento desde 2019.

Points scoredTaxa de comparecimento ao ENEM por dia da prova e por ano, de 2019 a 2022.

*No ENEM 2020, os exames impresso e digital foram aplicados em dias diferentes; por isso, foi considerada apenas a taxa de comparecimento da aplicação física.

Desafios para os pré-vestibulandos da Maré 

Com a perspectiva de acesso à universidade, estudantes contam com obstáculos pelo caminho. Um dos fatores é a defasagem de ensino no sistema de Educação Pública. A estudante Camila Ellen relata que apesar de ter concluído o Ensino Médio em uma escola estadual bem reconhecida, não obteve uma grade curricular que a preparasse para a prova. 

Outro fator decisivo foi a chegada da pandemia de Covid-19. Ellen Ferreira conta que a adaptação ao ensino remoto não foi feita facilmente e que esse método afetou a absorção dos conteúdos acadêmicos. Além disso, a aluna Julia Silva ressalta que não teve a quantidade necessária de aulas durante a pandemia, só contando com apostilas disponibilizadas pelo governo que, na sua avaliação, não foram suficientes para seu aprendizado. A falta de professores nas escolas públicas e as constantes operações policiais, realidades no Conjunto de Favelas da Maré, também contribuíram negativamente para a defasagem do ensino. 

O psicológico dos estudantes em relação à prova

O preparo para o ENEM e vestibulares em geral é atrelado a uma rotina de estudos e organização para obter bons resultados nas provas. Mas, independentemente da dedicação dos alunos, a pressão de obter aprovação nesses exames está sempre presente. Ellen Ferreira reflete sobre o assunto e menciona que “é enraizado através da sociedade e principalmente dos mais antigos que diploma e faculdade são sinônimos de vitória e triunfo… e quando a gente é jovem essa narrativa ressoa com um peso enorme e gera outras inseguranças”. 

A pressão e a exaustão física e psicológica dos participantes durante a realização da prova são alguns dos maiores problemas mencionados pelos estudantes. Devido à sua estruturação, incluindo o número de questões e tempo de prova, os alunos acabam por não ter o rendimento desejado. “O ENEM é uma prova bem cansativa, e em alguns momentos pareciam que eu não conseguiria mais ler nenhuma palavra”, diz Julia Silva.

Além dos fatores relacionados diretamente à prova, a rotina de estudos e o psicológico dos estudantes são afetados por fatores pessoais e externos. Muitos alunos de pré-vestibulares e participantes da prova em geral acabam por não terem a vida acadêmica como única responsabilidade, também incluindo a inserção no mercado de trabalho. Ellen Ferreira menciona que começar a trabalhar provocou mudanças em sua rotina de estudos relacionada ao vestibular e que conciliar seu tempo de trabalho, estudo e descanso não é fácil. 

Julia Silva também fala sobre as dificuldades de administrar o tempo em sua rotina: “a minha rotina [de estudos] foi bem conturbada, porque além de estudar para o ENEM e fazer o pré-vestibular comunitário, eu trabalho com os meus pais na pensão que eles têm e também faço um curso técnico. E fiz 6 meses de estágio todos os fins de semana até outubro, então quase não tinha tempo para estudar fora do horário de aula do pré-vestibular, o que dificultou bastante”.

Os pré-vestibulares no ensino e na vida dos alunos

Os cursos pré-vestibulares comunitários ajudam os alunos a estruturar uma rotina de estudos e, com isso, conquistar a vaga no ensino superior. Mas, além do conteúdo, os alunos efetivamente se sentem mais acolhidos e apoiados enquanto pessoas pelo corpo pedagógico das instituições. Camila Ellen conclui: “fazer parte de um projeto comunitário preparatório não serviu apenas para estudar para o ENEM, eu senti que vivi uma experiência”.

Julia Silva reconhece que os momentos de conversa com psicólogos no pré-vestibular colaboraram para o preparo mental para a prova. Ela comenta que se sentia pressionada a entrar na universidade ao se comparar com outros alunos que passaram assim que terminavam o colégio. Julia realizou o último ano do ensino médio em 2020, e teve sua rotina de estudos afetada pela pandemia de Covid-19 naquele ano. Ela avalia que o curso contribuiu para a solução desses problemas: “o pré-vestibular comunitário […] me ajudou a ter foco para estudar e mostrou como e o que estudar”, conclui.

Baixo índice de vacinação infantil acende alerta para casos de Sarampo, Poliomielite e COVID-19

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Cobertura vacinal das crianças é a menor em 30 anos e mobiliza ações para diminuir impacto na Maré

Por Andrezza Paulo

A procura pelos imunizantes infantis enfrenta seu pior cenário desde a década de 1990 e doenças consideradas erradicadas a nível global ressurgiram com a baixa cobertura vacinal infantil. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o índice de crianças vacinadas caiu de 93,1% para 71,49% no Brasil.

No Rio de Janeiro, a taxa de crianças vacinadas com as duas doses contra o sarampo é a mais baixa em 20 anos, com uma queda de aproximadamente 35% em crianças de até 1 ano de idade,  segundo o Observa Infância, da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). A batalha contra o sarampo foi declarada vencida no país em 2014 pela OMS, mas o surgimento de novos casos preocupa os órgãos de saúde. Os dados do Observa Infância também revelam que a cobertura da poliomielite atingiu apenas 83,64% do público infantil em 2021, a menor desde 2001 no estado. A doença erradicada em 1994 pode provocar paralisia muscular grave e a única prevenção é a vacina.

De acordo com o Programa Nacional de Imunização (PNI) do governo federal, os índices de vacinação estão caindo desde 2015 e para interromper a circulação do vírus causador dessas doenças, é necessária a imunização de 95% das crianças. Parte da baixa cobertura se dá pelo sucesso do programa. Implantado há mais de 40 anos, o Programa Nacional de Imunização foi o responsável pelo plano de vacinação e erradicação de doenças como a poliomielite. Com o controle da maioria das doenças que o PNI previne, parte da população acredita que essas patologias não existam mais e diminui a busca pelos imunizantes, mas a principal fonte de prevenção continua sendo a vacinação. 

A pandemia da COVID-19 agravou a situação. O distanciamento social e o isolamento diminuíram a frequência na busca pelas vacinas. Outro fator fundamental foi a proliferação de Fake News e movimentos anti vacinas. Instituições se debruçaram sobre o tema e se dedicaram à informação e esclarecimentos sobre a importância e a necessidade das vacinas infantis contra a Covid-19 e no combate às notícias falsas como Folha de Sao Paulo, segundo maior jornal em distribuição do país e CNN Brasil, empresa licenciada do maior canal de notícias do mundo. 

Em levantamento realizado pela FIOCRUZ, apenas 5,5% das crianças de 3 e 4 anos foram imunizadas com as duas doses da COVID-19 no Brasil. Até junho deste ano, foram registrados em média 2 óbitos infantis diariamente pela doença. Desde a aprovação da Pfizer pediátrica pela Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA), o número de mortes em crianças menores de 5 anos reduziu para 26 em 60 dias.

Mobilização e campanhas de vacinação na Maré

Luna Arouca (35), coordenadora do Eixo de Saúde da Redes da Maré afirma que a vacinação infantil precisa de atenção e ações para ampliar a procura pelos imunizantes: “A vacina reduz drasticamente a possibilidade de agravamento dos casos. Isso garante muitas vidas. Precisamos investir nas campanhas de vacinação”, conta. As doenças controladas ou eliminadas estão distantes da geração atual do núcleo familiar. Em decorrência do avanço da imunização, a gravidade dessas doenças é desconhecida por parte desta população. Luna ressalta o papel dos pais e diz que é preciso focar “nas orientações dos responsáveis, no combate às Fake News e afirmar que as vacinas são seguras e fundamentais para manter nossas crianças vivas”, afirma.

A Prefeitura do Rio de Janeiro criou ações como o “certificado de coragem”. Para incentivar a imunização, cada criança vacinada ganha um certificado pelo feito. A Prefeitura também estreitou o contato com os pais para orientá-los sobre a vacina no início da imunização infantil contra a COVID-19 e continua com a ação.

As escolas da Maré receberam em setembro agentes de saúde para aplicação dos imunizantes contra poliomielite, covid-19 e atualização da caderneta de vacina das crianças nas unidades de ensino. A iniciativa busca instruir os pais sobre as vacinas através do diálogo nas escolas e diminuir o número de não vacinados. 

Isabela Moura (37), diretora escolar do EDI Cleia Santos de Oliveira, na Nova Holanda, fala da relevância da ação: “as escolas têm um papel importante para as metas de cobertura vacinal, pois tem mais alcance junto à comunidade”, contou. De acordo com a diretora da unidade, uma das funções da escola é auxiliar as famílias sobre os cuidados fundamentais para a proteção e o desenvolvimento das crianças e afirma que “lá acontece o processo educativo intencional, que atinge não só às crianças e sim os seus familiares”. Isabela diz que a parceria com a unidade básica de saúde e cuidados desenvolvidos na escola tem ajudado a levar informações verdadeiras para a população. 

A imunização para crianças de 3 e 4 anos contra COVID-19 está suspensa. A vacinação para as demais idades e contra poliomielite, sarampo e outras vacinas infantis estão disponíveis nos postos de saúde e clínicas da família, das 8h às 17h, de segunda à sexta-feira. 

Ações em escolas da Maré promovem conscientização para a vacinação

Especial ENEM: preparação dos alunos na perspectiva dos professores de pré-vestibulares comunitários

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Desafios enfrentados pelos candidatos vão além dos dois dias de prova

Por João Gabriel Haddad e Rebekah Tinôco

Nos dias 13 e 20 de novembro, jovens de todo Brasil realizaram o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Dos 3,4 milhões de estudantes inscritos no exame, 2,4 milhões compareceram ao primeiro dia de aplicação da prova. O ENEM possui 180 questões com cinco alternativas de resposta cada e uma redação, que deve ter de 7 a 30 linhas. As questões de múltipla-escolha são divididas em quatro áreas do conhecimento: ciências humanas e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; linguagens, códigos e suas tecnologias; e matemática e suas tecnologias.

A prova é a porta de entrada de centenas de milhares de estudantes para o ensino superior. A nota do ENEM pode ser usada para ingresso em diversas faculdades do Brasil através do Sistema de Seleção Unificada (SiSU), do Programa Universidade Para Todos (Prouni) e de outros processos seletivos que usem a prova do ENEM como critério de seleção.

O Maré de Notícias conversou com educadores e estudantes do Complexo de Favelas da Maré para um especial de duas matérias sobre o ENEM. Nesta matéria, será abordada a perspectiva dos professores e educadores a respeito da prova. A segunda matéria do especial vai ao ar amanhã (23/11) no Maré de Notícias, e abordará a perspectiva dos estudantes.

A importância dos pré-vestibulares comunitários

Os cursos pré-vestibulares preparam os alunos para a aplicação de provas como o ENEM e o vestibular UERJ. Os pré-vestibulares comunitários direcionam o ensino para alunos com uma renda familiar mais baixa que desejam ingressar no ensino superior. Além de preparar os candidatos para o ENEM, o papel dos pré-vestibulares comunitários e dos coordenadores e professores que atuam nessas instituições é reduzir a diferença de aprendizado entre jovens de diferentes extratos sociais.

O ambiente competitivo do ingresso nas universidades é um grande obstáculo para alunos de pré-vestibulares comunitários, segundo os professores. Muitas vezes, é a partir da entrada na universidade que os jovens se enxergam como profissionais plenos. Na avaliação do professor de História e coordenador pedagógico do CPV da Redes da Maré, Marcos Melo, a entrada de um jovem periférico no ensino superior é um ato político. “O espaço universitário sempre foi ocupado pela classe burguesa – que frequentou boas escolas, que teve incentivo familiar e todo o tipo de infraestrutura –, expressando o quão desigual é o nosso país”, salienta.

Luana Silveira, coordenadora executiva do CPV da Redes da Maré, enxerga o papel de pré-vestibulares sociais como uma forma de burlar esse sistema desigual, que nega acesso a serviços e a direitos para favelados. Com isso, o curso pré-vestibular comunitário também colabora com a quebra de visões estereotipadas e preconceituosas ao auxiliar os alunos favelados a ocuparem um espaço de alto prestígio social – a universidade.

Os pré-vestibulares comunitários também preparam os alunos para a vida dos estudantes durante o curso superior. Segundo Emmanuelle Torres, professora de História e coordenadora do pré-vestibular CEASM, uma das estratégias para preparar os pré-vestibulandos é unir os temas à realidade deles. “Conteúdos mais técnicos cobrados nessas provas […] são apresentados a partir da vivência do estudante, então é uma saída de campo que talvez vá fazer aquela pessoa compreender a história da cidade dela de uma outra forma”, explica. Segundo a professora, um exemplo que demonstra o sucesso dessa metodologia de ensino é a redação do ENEM 2022, cujo tema foi “desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil”. Com a transmissão dos conteúdos respeitando a ótica do aluno, os estudantes conseguem desenvolver a redação mais facilmente a partir dos próprios saberes.

Ambiente hostil dentro e fora do exame

Mais de 900 mil estudantes não compareceram ao primeiro dia de provas do ENEM, o que corresponde a quase 27% dos inscritos. O número de inscritos do ENEM 2022 é o segundo menor desde 2005, atrás apenas do ENEM 2021, com 3,1 milhões de inscritos. O número vem caindo desde 2014, quando 8,7 milhões de candidatos fizeram o ENEM. 

Outros fatores que podem ter influenciado a diminuição do número de alunos que aplicam ao ENEM foram a criação do Encceja (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos), que substituiu o ENEM como critério de certificação de conclusão do ensino médio a partir de 2017; a pandemia de Covid-19 e a crise econômica trazida por ela; e o encarecimento do valor da inscrição do exame, cujo preço aumentou 142% de 2014 a 2022. Nesta edição, a taxa de inscrição para a prova foi de R$ 85. É importante mencionar, entretanto, que estudantes de baixa renda podem solicitar a isenção da taxa de inscrição.

Points scored

Número de inscrições confirmadas no ENEM por ano, de 2014 a 2022.

O ambiente competitivo dos concursos para ingressar no vestibular é um dos fatores que desmotivam os alunos. Os professores e coordenadores dos cursos pré-vestibulares notam as angústias e ansiedades dos candidatos do ENEM; alguns deles chegam a desenvolver transtornos psicológicos, como crises de pânico. A equipe pedagógica promove encontros extraclasse para lidar com o problema, o que mostra que a preparação para a faculdade vai além do conteúdo lecionado em sala de aula.

O professor Marcos Melo explica que a equipe realiza um acompanhamento diário pautado no acolhimento de demandas e no fortalecimento da autoestima dos jovens. Entre algumas iniciativas, há a promoção de atendimentos psicológicos e rodas de conversa. Luana Silveira, coordenadora executiva do curso, acrescenta que há uma equipe psicossocial exclusivamente responsável pela promoção dessas medidas.

A autocobrança dos alunos também pode fazer com que os níveis de ansiedade fiquem ainda maiores. Na avaliação de educadores, o ENEM acaba impondo uma lógica de mercado de demanda por aprovação nos alunos; assim, eles buscam o bom desempenho para comprovarem o seu nível de inteligência.

Entretanto, Emanuelle Torres diz que parte da estratégia para acalmar os candidatos é esclarecer que a prova do ENEM, embora seja importante, não é a única forma de medir o nível de intelecto de alguém: “uma prova em dois dias específicos no ano inteiro não pode definir você, o seu aprendizado, a sua inteligência. […] A gente sabe de pessoas incríveis que, numa prova, muitas vezes porque não estão bem no dia, não se saem bem”.

Além disso, no caso específico de estudantes da Maré, os pré-vestibulandos ainda enfrentam outras questões rotineiras que afetam o desempenho escolar, como operações policiais, que interromperam aulas dos cursos pré-vestibulares no último ano, e a defasagem escolar causada pela falta de infraestrutura e profissionais da Rede Pública de Ensino. Os resquícios do ensino remoto, necessário para diminuir o número de casos e mortes de Covid-19 nos primeiros anos de pandemia, também contribuíram para deixar o aprendizado ainda mais defasado, lembra Luana Silveira.

O papel dos educadores

Embora seja focado em auxiliar os estudantes a passarem para o ensino superior, o curso pré-vestibular contribui para a construção do saber cidadão tanto dos alunos quanto dos próprios professores. A professora Emanuelle Torres lembra que o aprendizado acontece em todos os momentos da vida, e, portanto, a consciência crítica também está em constante transformação em todo corpo do curso pré-vestibular, até mesmo na equipe pedagógica.

A contribuição dos pré-vestibulares comunitários para a vida dos alunos, representa, também, um ensino superior mais inclusivo e diverso, com a presença de pessoas de diferentes origens, etnias, orientações de gênero e classes sociais. “É a partir desse poder intelectual que as pessoas de fato vão conseguir mudar a sociedade em que a gente vive”, conclui Emanuelle.

No caso do CEASM, cerca de 1500 alunos passaram para o ensino superior desde a sua inauguração, em 1997. Já o CPV da Redes da Maré teve 1.126 aprovados de 1999 a 2021.

A favela luta… e vence!

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Com 14 ouros, 4 pratas e 2 bronzes a equipe Maré Top Team desembarca na Maré em festa depois de disputar o campeonato mundial nos Emirados Árabes, em Abu Dhabi

por Gabriel Horsth

No mês da consciência negra, os moradores da Maré recebem um presente especial da juventude. 38 crianças, adolescentes e jovens chegaram a Abu Dhabi para representar o Brasil e a Maré em um dos maiores e mais importantes campeonatos de jiu-jitsu do mundo, Abu Dhabi World Professional Jiu-Jitsu Championship 2022. O mundial foi criado pela Federação de Jiu-Jitsu dos Emirados Árabes Unidos, que desde 2012 vem contribuindo para uma forte geração de atletas. Em sua 14ª edição a disputa foi realizada na Jiu-Jitsu Arena Zayed Sports City, de 11 a 19 de novembro. Os atletas do Maré Top Team fizeram história se tornando uma das equipes mais bem sucedidas do torneio (4º lugar no ranking mundial), garantindo 20 medalhas para Maré.

O destaque do campeonato ficou a cargo dos atletas mirins, Pedro Felipe Horsth, de 9 anos, e Rhyane Camylle, de 10 anos, que emocionaram o público presente na abertura do evento garantindo o pódio para o Brasil. “Lá a gente parecia famoso, todo mundo tirava foto. Voltar para meu lugar com o ouro é uma sensação que não sei explicar”, comenta Pedrinho que afirmou que a segunda luta não foi nada fácil. 

Para chegar a Abu Dhabi, uma das cidades mais caras do mundo, não foi tarefa fácil. Os atletas se mobilizaram através de rifas, vendas de bolos, pipocas, trufas, realização de sorteios, parcerias com estabelecimentos locais da favela e o empenho massivo de amigos e familiares. “É importante falar do Dudu que deu uma camisa da Tropa do Hulk (equipe de baile funk das antigas) e todos os meninos do Moto Táxi da Principal (Nova Holanda – NH) compraram a rifa da camisa. A DN Burgueria aqui da NH foi a primeira parceria que o Pedrinho teve na vida”, conta entusiasmada a avó do atleta, Leda Horsth (49), que se uniu a outras mães para realizar o sonho dos jovens. 

A Maré se mobilizou para arrecadação, tarefa nada fácil tendo em vista a crise econômica em que se encontra o país. Ainda assim, a luta valeu a pena, a juventude venceu nos Emirados Árabes e triunfou como campeã!  A equipe de treinadores que compõe a academia acredita no esporte como ferramenta de transformação e faz questão de agradecer a parceria da Mubadala e da Electric Films.

Campeões: da Maré para o mundo

Os 20 medalhistas da academia no Abu Dhabi World Professional Jiu-Jitsu Championship 2022, foram: Ana Rodrigues (11 anos, ouro); Caio Yarlen (15 anos, ouro); Cristiano Salustino (11 anos, prata); Erick Alexandre (13 anos, ouro); Gabriel Mussum (11 anos, ouro); Giovanna Carneiro (17 anos, prata); Jhennypher Marques (14 anos, bronze); Julia Freires (12 anos, ouro); Kauane Lima (15 anos, ouro); Kauê Henrique (13 anos, bronze); Lara Dias (14 anos, ouro); Pedro Felipe Barros (9 anos, ouro); Pyetro Emanuel (14 anos, ouro); Rebeca Medeiros (12 anos, prata); Rhyane Camylle (10 anos, ouro); Samuel Bahia (12 anos, prata); Sofia Azevedo (12 anos, ouro); Theodora Rangel (8 anos, ouro); Wallace Silva (15 anos, ouro), Yasmin Andrade (12 anos, ouro). 

Tímido nos bastidores, mas feroz no tatame  

Aos 6 anos de idade, Pedrinho foi matriculado pela avó, Leda, na academia de luta através de estímulos do primo, Guilherme. Hoje com 9 anos, ele coleciona 28 medalhas, incluindo ouro em Abu Dhabi. Não é a primeira vez que o garoto disputa um campeonato internacional. Em 2021, Pedro ganhou medalha de ouro no AJP Tour Guarapari International Pro na categoria kids, em Espírito Santo. A criança prodígio tem o primo recordista como inspiração, e apesar de tímido e acanhado, no tatame de Abu Dhabi finalizou rapidamente o atleta Sanzhar Aldabek, do Cazaquistão, e ganhou de 9 x 0 de Sonny Belcher, da Inglaterra.

O atleta foi criado pelos avós paternos e conseguiu realizar o sonho da avó de conhecer outro país. “Foi a primeira vez que viajei de avião, sempre quis conhecer outra cultura e nunca achei que isso ia acontecer comigo, que vou completar 50 anos de vida já”, disse emocionada a auxiliar de serviços gerais Leda. O garoto se orgulha da vitória dupla e afirma de forma convicta que a medalha é dela. No momento, ele outros atletas se empenham em mais uma mobilização coletiva para participação de outro mundial. O resultado nos Emirados Árabes serviu como classificatória para o Pan Kids IBJJF Jiu-Jitsu Championship 2023, nos EUA, e Pedro está animado: “eu quero estar lá, a próxima medalha será da minha tia e do meu tio”. 

Foto: Matheus Affonso | Com apenas 9 anos Pedro coleciona 28 medalhas, incluindo ouro em Abu Dhabi

Não subiu no pódio, mas levou a mãe as estrelas

“Eu não consegui fazer meu jogo como o mestre me preparou. Eu entrei bem na luta, consegui uma queda, mas deixei meu braço escapar”, lamenta Guilherme Vieira (17). Além dele, outros 18 atletas da Maré Top Team não ganharam medalha no torneio. Guilherme não desanima, afirma que a experiência de 9 dias foi incrível e ficará para sempre na memória dele e de sua mãe. Foi a primeira vez que ela conseguiu acompanhar o filho em uma luta fora do país, ele é um dos principais recordistas da academia, com 78 medalhas ao total, incluindo ouro no Pan Kids nos EUA em 2020. O mestre assume que entre os melhores do mundo, um único erro é fatal, mas isso não resume a história de nenhum atleta. Com tanta expectativa sobre sua vitória, Guilherme não trouxe o ouro para casa, mas sua mãe viu as estrelas de perto. “É um misto de emoção e gratidão, foi mágico”, conta a gerente de loja Jessica Vieira, de 32 anos.

Foto: Matheus Affonso | Guilherme Vieira e a mãe Jéssica Vieira

Vitória de muitas mãos

Levar 38 atletas, 6 treinadores e 13 mães e pais para Abu Dhabi foi possível graças a centenas de parcerias e incentivos. Uma verdadeira teia de solidariedade. Cada família fez seu corre. Quando perguntada sobre sua profissão, a dona de casa e empreendedora Juliana Oliveira, de 37 anos, respondeu rapidamente “jiu-jitsu” em tom de brincadeira, fazendo alusão ao esforço diário que ela faz para manter o filho na rotina regrada que um atleta precisa. Ela mobilizou contatos na Secretaria Estadual de Esporte e Lazer do RJ, que garantiu apoio para 9 atletas. Eles conseguiram emplacar 7 ouros ao total, incluindo o seu filho Pyetro Emanuel (14), que desfilou cheio de orgulho com a medalha durante a chegada calorosa na Maré. Juliana fala que ganhar em Abu Dhabi abre janelas para profissionalização dos atletas e lamenta não ter ajuda contínua do Governo, se referindo ao fato do jiu-jitsu não se tratar de um esporte olímpico. “É preciso visibilidade para atrair patrocinadores que estejam dispostos a investir no futuro do Pyetro no esporte”, afirma ela. 

Gabriel Mussum, teve sua história contada na televisão, através da Rede Globo, e trouxe o ouro para casa, uma importante resposta ao todo esforço de sua mãe Cíntia Ribeiro da Costa.

Julia Freires de 12 anos, conhecida como Ronaldinha, também foi ouro, sua mãe Adriana Freires da Rocha afirma que a maior dificuldade foi financeira, sinalizando sobre a garantia completa e necessária para que a filha pudesse competir com estrutura. Com 34 anos, ela conta que foi encontrando pessoas que acreditavam junto com ela e a filha para que o sonho virasse realidade. “Lutar fora do país era algo que nem imaginava ser possível, ainda mais levando a bandeira de um lugar que ao olhar da sociedade é tão discriminado, me sinto honrada em trazer o ouro, é gratificante”, conta Ronaldinha, uma das mais novas da equipe já considerada uma clack no tatame. 

Bolsa Atleta: um desafio histórico

Desde 2005 existe o Bolsa Atleta, que é um dos maiores programas de patrocínio individual de atletas no mundo, mas o jiu-jitsu não é contemplado como um dos esportes pelo programa do governo. São muitos os fatores que impedem que isso aconteça. Não ser um esporte olímpico e não ter uma federação mundial é um desses fatores – o que exigiria que o jiu-jitsu fosse praticado em 75 países e 4 continentes por homens, e no caso das mulheres, 40 países e 3 continentes. E quem avalia tudo isso é o Comitê Olímpico Internacional, que considera que o BJJ (Brazilian Jiu Jitsu, ou Jiu Jitsu Brasileiro) uma categoria derivada do judô moderno, e o comitê proíbe esportes ditos como derivados.

Mestres e atletas lutam por anos para a internacionalização. Outro importante fator são as regras: vale ou não kimono? vale ou não leg lock? As mudanças constantes em diversos campeonatos (inclusive em Abu Dhabi),  impedem uma conexão global do esporte. Enquanto isso, os atletas migram para a Luta Livre (esporte olímpico), buscando outras fontes de incentivo e ampliando os domínios das artes marciais. No mundo, o esporte brasileiro só cresce, talvez, em um futuro não tão distante, essa juventude possa viver do jiu-jitsu, um sonho coletivo.

Por outro lado, a Secretaria Estadual de Esporte e Lazer do RJ se colocou disponível para receber solicitações de apoio aos atletas. Dentro do possível, o secretário diz estar procurando ajudar da melhor maneira que pode. “As favelas do Rio de Janeiro são um celeiro de esportistas e o Jiu-Jitsu tem surgido como uma modalidade com um grande número de adeptos em todas as faixas etárias (…) E para nós é motivo de muito orgulho saber que atletas do nosso Estado estão representando o esporte fluminense da melhor maneira possível”, diz o secretário Alessandro Carracena, que parabenizou os atletas pelo grande desempenho na competição, afirmando que esse é um fato que ficará guardado na memória para sempre. 

Jiu-jitsu e favela: arte marcial brasileira

Com tantas trajetórias potentes, a gente se pergunta como o jiu-jitsu chegou nas favelas? Uma das grandes teorias que circulam afirma que o jiu-jitsu nasceu na Índia, depois migrou para China até se popularizar no Japão. No Brasil, chegou em 1914 através do Conde Koma, mestre de judô japonês. Não há muitas evidências sobre como o esporte se popularizou nas favelas do Brasil, mas a própria técnica pode nos dar pistas. O jiu-jitsu se baseia no combate e autodefesa em torno de um conceito simples: um lutador menor e mais fraco pode se defender contra oponentes mais fortes e mais pesados usando o princípio da alavanca e distribuição de peso. Isso te faz lembrar de algo? Ser favelado e negro! Se deparar constantemente com a violência da polícia, enfrentar o racismo cotidiano e estrutural, um jogo de poder injusto e desproporcional, desigualdade: falta de oportunidades. Essa é a realidade. Com um oponente tão forte e presente em nossas vidas, aprender a se defender é uma alternativa prudente, e o jiu-jitsu, assim como outras artes marciais, concede com maestria essa possibilidade. A arte do equilíbrio. Salve a capoeira, outra expressão da cultura do Brasil, uma mistura de arte marcial, cultura popular, música, esporte e dança, criada por descendentes de escravizados africanos, assim como a favela, se caracterizando por movimentos ágeis e golpes complexos, assim como o jiu-jitsu. 

O jiu-jítsu promove cidadania e liberdade através do estímulo ao equilíbrio em uma sociedade armada pelo ódio. A luta ultrapassa o tatame e os níveis de faixa dos atletas. Das faixas de menor prestígio (branca e cinza) até aquelas de maior credibilidade (preta e vermelha), neste esporte lutar não tem a ver com brigar. Autocontrole é a chave para chegar ao pódio, o lutador que finaliza seu adversário não o destrói, ao executar um golpe perfeito o oponente escapa batendo 3 vezes no tatame. Fim de luta! Vence também aquele que reconhece a perda. Venceu em Abu Dhabi a Maré, a juventude e a negritude em toda sua potência através de 38 trajetórias. Orgulho para o Brasil, orgulho para o mundo. Viva a Maré! Viva o jiu-jítsu!

Maré Top Team

A academia localizada na Maré e criada em 2015 tem como o objetivo difundir o jiu-jitsu e sua filosofia para crianças, adolescentes e jovens das 16 favelas do conjunto. Atualmente fica localizada no São Cristóvão Futebol e Regatas – Sede Náutica (Av. Brg. Trompowski, 21044 – Maré). Funcionando de segunda à sexta, com treinos a partir das 19h, às matrículas (gratuitas!) podem ser feitas pessoalmente antes ou depois dos treinos.

Número de mortes por tuberculose aumenta na Maré

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Descontinuidade do tratamento e a desigualdade social são determinantes para a letalidade da doença

Por João Gabriel Haddad* e Rebekah Tinoco*

Pela primeira vez em uma década a taxa de óbitos por tuberculose a cada 100 mil habitantes no estado do Rio de Janeiro aumentou, segundo o Boletim Epidemiológico da Tuberculose do Ministério da Saúde. No caso da Maré, especificamente, o médico de família Humberto Sauro, responsável técnico da Secretaria Municipal de Saúde que tem sob sua supervisão as 16 favelas, “o risco é semelhante e alto na totalidade do território; sempre maior para os mais pobres, com pior moradia ou sem nenhuma”. 

Embora as mortes tenham diminuído de 2020 para 2021, os casos de tuberculose no conjunto de favelas da Maré subiram, indo de 216 em 2020 para 246 em 2021. Além disso, nos primeiros seis meses de 2022, 11 pessoas morreram por tuberculose na Maré, alcançando o número total registrado de óbitos durante o ano de 2020.

Letalidade maior

Pelos  dados de 2021, o Rio de Janeiro é o segundo estado com maior incidência da doença, com 67,4 casos a cada 100 mil habitantes, atrás apenas do Amazonas, com 71,3. O aumento registrado não foi somente na taxa de mortalidade (ou seja, quantas pessoas a doença matou); a de letalidade (quantos morreram entre aqueles que adoeceram) também subiu. Isso significa que há mais chances de uma pessoa morrer ao ser contaminada pela bactéria causadora da tuberculose. Segundo o Ministério da Saúde, em 2019, a letalidade no Rio de Janeiro era de 6,58%; em 2021 a taxa subiu para 6,72%.

Quatro grupos são considerados de risco permanente: indígenas, privados de liberdade, pessoas com HIV/Aids e aquelas que vivem em situação de rua. A doença atinge em especial as regiões com menores índices de desenvolvimento socioeconômico, como explica a gerente de Doenças Pulmonares e Prevalentes da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro-SMS-Rio, Ana Paula Barbosa.

“A tuberculose é uma doença com grande determinação social, advém da pobreza e a perpetua, à medida que os grupos sociais mais atingidos são aqueles com maiores vulnerabilidades.”, diz ela. 

Negros e pobres são mais atingidos 

As condições das moradias estão intimamente ligadas à disseminação da doença. “Casas pequenas, com pouca ventilação e iluminação, e geralmente com grande número de pessoas em cada cômodo facilitam a transmissão e prevalência da doença”, diz Humberto Sauro, que também supervisiona os conjuntos de favelas do Alemão, Penha, Vigário Geral, Manguinhos, Jardim América e Cidade Alta.  

As ações específicas para cada comunidade são de responsabilidade das unidades de atenção primária da região. Elas cuidam individualmente de fatores como a adesão ao tratamento, diagnóstico da tuberculose latente e fatores decorrentes do tratamento sob influência de drogas.

As populações preta e parda não compõem somente o percentual dos mais pobres do país: nelas estão mais de 69% dos novos casos confirmados de tuberculose em 2021. A proporção desse grupo entre os casos totais vem aumentando desde a realização do primeiro relatório do Ministério da Saúde, em 2012, quando o número era de 61,9%.

 Percentual de casos novos de tuberculose pulmonar por raça/cor. Brasil, 2012 a 2021

Gráfico, Gráfico de linhasDescrição gerada automaticamente

Fonte: Boletim Epidemiológico da Tuberculose do Ministério da Saúde (2021)

Doença  “esquecida”

Os especialistas alertam para uma queda artificial na taxa de incidência da tuberculose, identificada nos anos de 2020 e 2021. “Isso provavelmente aconteceu devido à redução do acesso aos serviços de saúde, por receio da própria população em relação à covid-19”, explica Ana Paula Barbosa. Sem a busca por atendimento nos centros de saúde, pode ter havido subnotificação de casos ou pior: aqueles em tratamento contra a tuberculose não voltaram para continuar o combate à doença.

Outros problemas decorrentes da pandemia de covid-19 podem ter afetado a identificação de doentes pela tuberculose, como o remanejo de profissionais da saúde e a redução do orçamento ou mesmo a interrupção de alguns serviços de saúde. A expectativa é que, com a diminuição dos casos e mortes associados à covid-19, os registros de tuberculose voltem a subir — é o que prevê a Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro (SES-RJ).

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Doença persistente 

A tuberculose é uma doença infecciosa bacteriana, que acomete principalmente os pulmões. A enfermidade foi identificada em 1882 por Robert Koch, embora as evidências indiquem que ela estava em circulação entre a humanidade há cerca de dez mil anos. A transmissão acontece através do contato de pessoa a pessoa, a partir de gotículas expelidas pelo doente que contaminam outros indivíduos. 

Fatores como má alimentação e higiene pessoal precária podem favorecer o estabelecimento da doença. A tosse é o principal sintoma da tuberculose, e por ser associado a outras doenças de tratamento simples, como a gripe ou o resfriado, muitas vezes é negligenciada pelo paciente. 

Além da tosse persistente e seca no início da doença, outros sintomas indicativos da tuberculose são cansaço excessivo, febre durante o dia, suor abundante à noite e emagrecimento. O Ministério da Saúde recomenda que, persistindo esses sinais por mais de três semanas, a pessoa procure um centro de saúde para que seja investigada a possibilidade de ser tuberculose. Se o doente fizer parte de algum grupo de risco ou ter comorbidades a procura por ajuda médica deve ser feita antes desse prazo. 

O tratamento da tuberculose exige o uso, por seis meses, de antibióticos e outros medicamentos, distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A persistência é essencial e, muitas vezes, até mesmo vital: muitos abandonam o tratamento quando os sintomas desaparecem por acharem que já estão saudáveis. 

Segundo a SES-RJ, “essas interrupções geram aumento nos casos de resistência medicamentosa, o que dificulta ainda mais o tratamento do usuário e dos seus contatos que venham a ser contaminados, visto que há a transmissão de um bacilo já resistente a determinada medicação”. De acordo com o Ministério da Saúde, no estado do Rio de Janeiro, 14,8% dos pacientes abandonam o tratamento contra a tuberculose. A taxa é maior que a média brasileira, que é de 12,1%.

Como deter a doença

Segundo Ana Paula Barbosa, o combate à doença no município do Rio recebeu um reforço de R$19,5 milhões destinados a políticas de segurança alimentar para os pacientes em tratamento. A verba foi destinada à compra de vales-alimentação, além de ser empregada na mobilização de equipes da área de saúde, um fórum para os agentes comunitários e o lançamento da Cartilha de Tuberculose, além da atualização do atual Guia de Referência Rápida — Tuberculose.

A secretaria também inaugurou o Centro de Inteligência Epidemiológica buscando garantir transparência das informações sobre doenças. Uma das medidas do novo centro foi a publicação do Boletim Epidemiológico de Tuberculose.

(*) João Gabriel Haddad e Rebekah Tinoco são estudantes universitários vinculados ao projeto de extensão Laboratório Conexão UFRJ, uma parceria entre o Maré de Notícias e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

2ª Semana de Saúde Mental na Maré

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Programação conta com atividades e reflexões sobre o contexto da saúde mental na Maré e ações de arte e cultura

Por Samara Oliveira

Até este sábado (19), o eixo Direito à Saúde da Redes da Maré realiza a 2ª Semana de Saúde Mental no conjunto de favelas. Quem entrou no galpão do Espaço Normal, localizado na favela Parque Maré, onde está sendo realizado o evento, já deu de cara com intervenções que causam reflexões: “Viver é uma ação coletiva”, “Saúde mental não é dor de cabeça”, “Para andar do lado do medo, só sendo a coragem”, são algumas das mensagens dispostas em cartazes pendurados no galpão. Dona Ivone Lara e Nise da Silveira, dois grandes nomes na luta contra o sistema antimanicomial e com foco no cuidado à saúde mental de maneira humanizada, também tiveram suas histórias contadas nos cartazes e uma mesa para falar de suas atuações.

O primeiro debate que abriu o evento nesta quinta-feira (17), foi sobre as práticas inovadoras no cuidado em saúde mental. Eduardo Castro, um dos integrantes da mesa e coordenador do Ambulatório de Saúde Mental no Centro Municipal de Saúde Milton Fontes Magarão, fala sobre o desafio de reformular um serviço que foi inaugurado dentro de um hospital psiquiátrico. 

“O sofrimento tá no dia a dia, mas como a gente pode cuidar disso dentro de um ambulatório e fazendo um cuidado alinhado com a realidade do Brasil? A gente recebe os usuários, conhece a história desse sujeito e entende o que traz ele ali, quais são as singularidades que marcam aquele corpo e aquele sofrimento, para a partir daí começar a pensar juntos. Faço uma pergunta que às vezes deixa as pessoas surpresas que é: ‘No que você acha que podemos te ajudar? O que faz sentido para você no seu cuidado?’”, isso tira um pouco a noção de que a gente tem a resposta para o tratamento ou de que a resposta é um tratamento medicamentoso”, explicou.

Ao serem questionados em como separar o profissional do emocional ao receber casos mais complexos, a psicóloga e coordenadora do Centro de Convivência e Cultura Trilhos do Engenho Roberta Oliveira enfatizou que “se a dor do outro não te afeta, você não tem como trabalhar com a saúde mental. Não é pegar o problema como se fosse seu para resolver, mas é ter a capacidade de sentir também para ajudar a encontrar caminhos para lidar com isso”.

Além de Eduardo e Roberta, Lilian Leonel que é redutora de danos e usuária do Espaço Normal, Fernanda Vieira, psicóloga e redutora de danos na Casa das Mulheres também compuseram a mesa. 

Seguindo a programação, o segundo debate do dia falou sobre os conhecimentos sobre saúde mental no Conjunto de Favelas da Maré e as experiências dos estudos “Construindo Pontes” e “Vacina Maré”. 

A pesquisadora Miriam Ajambuja, evidenciou que o levantamento Construindo Pontes ouviu cerca de 1,4 mil moradores, de 2018 a 2020, a respeito dos impactos na saúde mental por causa da violência. Além disso, Miriam também falou da insegurança vivida pelos moradores dentro das suas próprias casas, uma vez que a pesquisa aponta que mais de 13 mil domicílios já foram invadidos nos 12 meses anteriores ao estudo.

“42 mil pessoas da Maré reconhecem que têm impacto na sua saúde mental a violência armada. É um número significativo. Mais de 70% já vivenciaram uma situação de violência e reconhecem o efeito danoso na sua saúde física e mental”, afirmou a pesquisadora com base no estudo voltado para o público adulto.

Maria Daiane, pesquisadora de campo que esteve corpo a corpo com os moradores durante o levantamento, falou sobre o trabalho para além de perguntas e respostas.

“A gente tinha lá uma lista de perguntas, que não era um diagnóstico, mas muitas pessoas falaram de ansiedade e depressão depois que a gente explicou quais comportamentos podem estar ligados a isso. Elas não conseguiam entender quais eram os determinantes que faziam com que a pessoa tivesse uma questão ou uma demanda de saúde mental”, explicou. 

Dona Ivone Lara e Nise da Silveira

Muito se ouve falar de Dona Ivone Lara enquanto cantora, compositora e sambista. No entanto, a mesa desta quinta-feira (17), evidenciou a luta da artista não só pela música, mas também pela saúde mental no país.

Enfermeira e assistente social, Dona Ivone Lara foi uma das primeiras mulheres negras assistentes sociais no Brasil. Aos 25 anos, prestou concurso e começou seu trabalho, que mais tarde seria referência, no Centro Psiquiátrico Pedro II, em Engenho de Dentro. Lá, se dedicou ao cuidado humanizado de pessoas com sofrimento mental através de práticas terapêuticas dos ateliês de terapia ocupacional, musicoterapia e a busca por familiares dos pacientes. Com este último, a enfermeira visava o reencontro e a instauração de rede de apoio dos internos. Ação hoje conhecida como reabilitação psicossocial, se tornou uma diretriz de política de saúde mental no Brasil. 

“Pouco se fala sobre a sua atuação durante 37 anos nesse espaço manicomial e toda sua contribuição no legado de Nise da Silveira. E isso tem a ver com a perpetuação com a lógica manicomial que silencia, que apaga e homogeniza. Então Dona Ivone Lara também nos aponta da necessidade de romper esse paradigma não só com aqueles que são atendidos, mas também para aqueles que sempre estiveram lá dentro sustentando essa lógica”, afirma Rachel Gouvea, uma das integrantes da mesa e pesquisadora que possui um livro falando da atuação da artista na saúde mental.

Assim como Dona Ivone Lara, Nise da Silveira rompeu com as formas violentas de tratamento na saúde mental como a lobotomia, que era uma intervenção cirúrgica no cérebro dos pacientes, e o eletrochoque. Conhecida como a psiquiatra rebelde se negou a executar procedimento de eletrochoque em pacientes enquanto trabalhava também no Centro Psiquiátrico Pedo II, tendo este ato uma representação fundamental na criação de uma psiquiatria humanizada. Nise criou a Seção Terapêutica Ocupacional com tratamento através da arte e afeto afirmando sempre que “o que curta é a alegria, o que cura é a falta de preconceito” e foi a fundadora do Museu de Imagens do Inconsciente que reúne ainda hoje as obras produzidas pelos pacientes. Suas práticas modificaram para sempre os cuidados aos pacientes com sofrimento mental.

“A gente fala muito da luta antimanicomial mas olhar para dentro, falo isso enquanto o cara que trabalha no CAPSad, que é de perceber a cura não pelo grito, mas pelo silenciamento, pela medicação, por entender que o sofrimento do cara usuário de droga numa cena de uso vai ser contornado pelo decanoato (medicamento). Quem dera se o sofrimento dessas pessoas fosse contornado pelo medicamento. Produzir silenciamento, produzir domesticação foi o que hoje produz necessariamente mortes”, afirma Raphael Calazans coordenador do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras drogas Miriam Makeba.

Além de Rachel e Raphael, Gladys Schincariol, coordenadora do Museu de Imagens do Inconsciente (MII), também compôs a mesa. 

Confira a programação completa da Segunda Semana de Saúde Mental na Maré aqui.