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12ª edição da FLUP na Maré em dezembro

Evento reunirá as maiores competições de Slams das Américas, celebrando a escuta radical e a poesia falada. A programação ainda conta com mesas de debate em homenagem às obras de Lima Barreto, transmissão dos jogos do Brasil e shows

Por redação

De 5 a 11 de dezembro, a Festa Literária das Periferias, Flup, desembarca no Centro de Artes da Maré, Zona Norte do Rio, com as maiores competições de slams – batalhas de poesia falada – e performances das Américas, reunindo poetas periféricos nacionais e internacionais em chaves, semifinais e finais, celebrando a escuta radical e as narrativas que dialogam para além dos livros. A Festa recebe, pela primeira vez no Rio de Janeiro, o SLAM BR, maior evento nacional de poesia falada que acontece em São Paulo desde 2014, valendo vaga para o Abya Yala Poetry Slam, a Copa América das batalhas. Além da final do Slam Coalkan, primeiro slam indígena mundial da história, que reúne poetas das três Américas e celebra a visibilidade e vozes dos povos originários. A programação completa pode ser conferida em flup.net.br. Durante o evento, a Festa ainda irá realizar a Copa Flup, com transmissão ao vivo dos jogos do Brasil na Copa do Mundo.
“A palavra falada se tornou a plataforma por excelência das periferias globais”. diz Julio Ludemir , fundador da Festa Literária das Periferias junto com escritor e produtor cultural Ecio Salles (1969*2019). E complementa: “mas a potência dessas vozes e corpos dissidentes precisa de uma escuta igualmente sensível e radical. Essa produção poética, que você encontra tanto no Bronx quanto na Baixada Fluminense e Havana, se alimenta de sua plateia como num jogo de espelhos, numa relação dialética e dinâmica em que ambas as partes sempre saem renovadas”.
Seguindo com as homenagens à história e presença do escritor Lima Barreto na literatura, ao subúrbio, às periferias, à escuta e vozes das mulheres, a Festa irá receber grandes escritoras como Conceição Evaristo e a haitiana Yanick Lahens, as poetas Luna Vitrolira e Jarid Arraes, que é também escritora e vai contar sobre seu romance de estreia, “Corpo Desfeito”, além de Geovani Martins e Jessé Andarilho, dois dos principais talentos revelados pelos processos formativos da Flup, e o pernambucano Marcelino Freire. Realizada na Maré de Marielle, a 12ª edição da FLUP ainda contará com o lançamento do livro de memórias “Minha Irmã e Eu”, de Anielle Franco, escrito em homenagem à irmã vereadora, assassinada a tiros em março de 2018 no Rio de Janeiro.

A abertura oficial da Festa acontece no dia 5, com a tradicional revoada dos balões a partir das 12h, e uma cerimônia de saudação aos Orixás e boas vindas com Eliana Souza, da Redes da Maré, e Dani Salles, porta-voz da Flup, das 18h30 às 19h30. A programação segue com o lançamento da biografia do livro “Pai Santana – O Orixá do Futebol”, lendário
massagista do Vasco da Gama, último livro escrito por Ecio Salles. Dani Salles, viúva de Ecio, irá autografar o livro. A partir das 20h30, o clima da Copa promete tomar a Maré com shows dos artistas Evy, Kamy e No Lance, da Mostra Maré de Música, e apresentação da roda de samba do grupo Awurê.

Entre os meses de setembro e novembro, a FLUP promoveu, na Maré, um processo formativo chamado Slam Colegial, que percorreu 5 instituições da região com oficinas de escrita e performance orientadas por slammers já reconhecidos na cena. Durante o processo, com 40 participantes, foram realizadas batalhas que irão classificar 5 jovens. A final do Slam Colegial acontece na quarta-feira, dia 7, às 15h.
A Festa também recebe o Slam Coalkan, primeiro slam indígena mundial da história, que terá a disputa entre 4 poetas para celebrar a visibilidade e vozes dos povos originários. Durante a programação, ainda terá o lançamento da versão brasileira do livro “Slam Coalkan”, que reúne poesias dos 18 slammers de povos originários das 3 Américas que participaram da fase classificatória da batalha, ocorrida na última Flup. A final poderá acontecer no dia 9 ou 10, às 16h, a depender da classificação do Brasil na Copa do Mundo.
A Copa das Américas de Slams, Abya Yala, terá sua final no dia 11 de dezembro, domingo, a partir das 20h. Em seguida, a FLUP encerra sua programação com uma super festa: o Encontro das Faixas, uma Experiência Afrofunk, dirigida por Taísa Machado.

Continuação das homenagens a Lima Barreto
Dando continuidade ao Quilombo do Lima, no dia 07, às 16h30, a grande escritora Conceição Evaristo se encontra com a haitiana Yanick Lahens para discutir o tema “Diário ìntimo: quando a escrita de si traduz o mundo”, com mediação da curadora Angélica Ferrarez. No dia seguinte, 08, a partir das 16h30, a mesa “Cemitério dos Vivos: Variações sobre a
necropolítica” reúne os escritores Geovani Martins e Jessé Andarilho, dois dos principais talentos revelados pelos processos formativos da Flup, com a presença de Thais Custódio.


Já em 11 de dezembro, às 14h, a Flup dedica uma mesa temática para homenagear Miró da Muribeca, poeta pernambucano que faleceu em julho. Durante seus 61 anos, o autor publicou mais de 15 livros e teve poemas traduzidos para o espanhol e para o francês, tornando-se referência forte na poesia urbana. Nesta mesa, a obra de Miró será debatida pelo escritor Marcelino Freire e pela poeta, cantora, atriz e produtora Luna Vitrolira, com mediação
de Gilmara Cunha, defensora dos direitos humanos, fundadora e coordenadora geral da organização Conexão G. Em seguida, às 16h30, a romancista Marilene Felinto se encontra com a escritora Jarid Arraes na mesa “Clara dos Anjos: nós não sabíamos que o nome disso é abuso”, com mediação de Flávia Oliveira, jornalista e comentarista.

Ainda no dia 11, a partir das 18h, a Flup receberá a escritora Anielle Franco que irá integrar a mesa “A gente combinamos de não morrer”, com a participação de Renata Souza, Fernanda Vianna e mediação de Pâmela Carvalho. Às 20h, Anielle lança o seu livro de memórias “Minha Irmã e Eu”, que começou a ser escrito desde a morte da vereadora Marielle Franco em 2018.

A Flup 22 é apresentada pelo Ministério do Turismo, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e Secretaria Municipal de Cultura. Tem o patrocínio master da Shell e o patrocínio do Itaú, pela Lei Federal de Incentivo a Cultura e da Globo, por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura – Lei do ISS. Apoio da Fundação Ford e do Instituto Ibirapitanga. Parceria
da Redes da Maré e do Sesc. A realização é do Instituto 215 e da Suave Produções, com a Secretaria Especial de Cultura, do Ministério do Turismo e Governo Federal.

Casa das Mulheres da Maré: um novo ciclo para além do Parque União

Equipamento completou 6 anos de atuação em outubro com diversas frentes de atuação

Por Julia Bruce

No último dia 28 de outubro, a Casa das Mulheres da Maré completou seis anos de um sonho materializado no Parque União, uma das 16 favelas da Maré. A programação contou com uma série de atividades abertas ao público em geral na rua e no prédio, como o atendimento no Salão Maré de Belezas, oficina de gastronomia infantil com alunas do Maré de Sabores, oficina de Trança com ex-aluna do Maré de Belezas, Jogo Maréas, além da Feiras DELAS, que expôs diversos empreendimentos de dez mulheres mareenses que já foram ou são assistidas pelo equipamento. O encerramento foi marcado pelas apresentações da DJ Laís Conti e da cantora Becca Perret.

Daltiva, Mônica, Iraci e Andressa foram as primeiras a chegar. Avó, irmãs e neta, respectivamente, estavam aguardando serem chamadas para fazer tratamento e cortar seus cabelos com as alunas do Maré de Belezas. Todas moram no Parque União, exceto Iraci, que mora na Rubens Vaz, e costumam participar das atividades abertas que a Casa oferece. “Sempre participei dos cursos que são oferecidos aqui, do Maré de Sabores (fui da última turma de 2022 com a professora Michele). Sempre me inscrevo para fazer cabelo, hidratação e escova, e soube das atividades de aniversário pelo WhatsApp”, conta Mônica Linhares, 44, que compartilha com frequência as informações da Casa com sua família e diz, emocionada, que se sente “abraçada” pela receptividade da equipe. Mônica tem vontade de trabalhar na área de Confeitaria e, a partir do Maré de Sabores, surgiu o desejo de abrir o próprio negócio. 

Daltiva, Mônica, Iraci e Andressa após atendimento no Salão Maré de Belezas

Tereza e Paloma compartilham da mesma emoção e vontade de trabalhar de forma mais autônoma, monitora e aluna do Maré de Belezas, respectivamente. Tereza também foi da última turma do Maré de Belezas (fevereiro de 2022) e hoje atua como monitora nas aulas do projeto, apoiando as novas alunas e vivenciando a rotina de um salão de beleza. “Somos do Ceará e nos conhecemos aqui no Rio. Fiquei grávida, perdi o emprego, mas o Maré de Belezas apareceu e hoje estou aqui. Temos vontade de fazer um empreendimento de belezas, nosso projeto é esse. Estamos esperando mais experiência para poder comprar os equipamentos e começar!”, explica Tereza, que também se sente muito acolhida e complementa que, “quando as alunas terminam o curso não são esquecidas, mas acionadas de alguma forma”. 

Paloma, 29, moradora da Baixa do Sapateiro, é aluna do projeto junto com duas primas: “somos conhecidas como as primas. Já trabalhei com isso de forma autônoma em casa (fazia corte, escova, prancha). Como minha família é grande, uma pegava no cabelo da outra. Depois que eu fui mãe da minha primeira filha (4 anos) e agora da segunda (2), fiquei focada nelas, mas depois que vim pra cá nossa mente muda, passamos a ter um outro olhar, temos visão dos próprios negócios, saímos daquele mundo materno e isso me fez muito bem”, relata Paloma.

A Feira DELAS, que promoveu os trabalhos de mulheres empreendedoras, recebeu o Filó, criado em 2014 por Edna Patricio, 53, com a proposta de confeccionar e vender bolsas, mochilas e necessaires, sobretudo para o público infantil. Edna é moradora da favela Rubens Vaz, onde nasceu e cresceu, trabalha pela Economia Solidária fazendo circuitos em várias praças do Rio de Janeiro e participa da Feira DELAS desde 2019, no Festival WOW. A empreendedora também é assistida pela Casa das Mulheres da Maré e recebe atendimento psicológico há 3 meses desde que perdeu o marido. Sua filha já participou do Maré de Sabores. “As terapias têm me ajudado bastante a aprender a lidar com o luto que não é fácil, estamos aprendendo a viver com isso”, diz.

Edna Patrício com seu empreendimento Filó, na Feira DELAS, no dia do aniversário de 6 anos da Casa das Mulheres

O propósito de acolher 

O trabalho da Casa das Mulheres da Maré é ancorado no acolhimento e no fortalecimento do protagonismo das mulheres do território. A coordenadora da Casa das Mulheres da Maré, Mariana Aleixo, destaca que o maior desafio do espaço é a demanda de se pensar em um projeto mutável. “Começamos com o Maré de Sabores, a partir da demanda de qualificação profissional mais as oficinas de Gênero e Sociedade, mas vamos percebendo que formar mulheres é pensar nelas de uma forma mais integral. As outras demandas que fazem parte da vida delas precisam ser acolhidas e como podemos dar esse apoio para os diferentes desejos e escolhas?”. 

Além da qualificação profissional e geração de renda com o Maré de Belezas e o Maré de Sabores, a Casa oferece atendimento psicossocial e sociojurídico em parceria com o projeto Maré de Direitos, a Frente Direitos Sexuais e Reprodutivos, alfabetização para mulheres adultas, promoção de arte e cultura, além de pesquisa e produção de conhecimento. “Então, é um processo de politização dessas mulheres que vão demandando cada vez mais ações e projetos integrais da Casa e a resposta que a gente tem acaba sendo rápida, por conta desse histórico da Redes da Maré de mobilização. Hoje, o nosso espaço acaba sendo pequeno pelas demandas de projeto que temos”, afirma Mariana Aleixo. 

De janeiro a setembro de 2022, mais de 1.300 mulheres se inscreveram nos cursos de qualificação, foram realizados 500 atendimentos psicossociais e o equipamento foi acessado por mais de nove mil pessoas. 100% das mulheres atendidas são mareenses, 40% tem ensino fundamental completo ou incompleto, 28% se declara desempregada no momento, 7% se declara do lar e 34% não possui renda fixa. A equipe da Casa é formada por 32 mulheres: 40% se declara parda, 37% preta e 21% LBT (lésbica, bissexual e transexual).

Números em destaque também marcam o Maré de Sabores (2010), um dos primeiros projetos que materializaram o desejo da Redes de pensar ações com esse recorte de gênero. Já são mais de 80 mulheres assistentes de cozinha, 40 merendeiras, 52 encaminhadas para seleção de trabalho ou apoiadas por mentorias para seus negócios, além de 1.000 qualificadas na área. 

Teremos mais de 1.800 mulheres alcançadas somente em 2022. Começamos lá atrás com o Maré de Sabores com uma turma de 20 mulheres e a gente chegar nesse lugar mostra como a força e organização da Redes consegue responder essas demandas e como precisamos crescer para dar continuidade nisso” – Mariana Aleixo, coordenadora da Casa das Mulheres da Maré

Da esquerda para a direita: Myllenne Fortunato, assistente de coordenação; Daiana Azevedo, instrutora do Maré de Belezas; Vânia, ex-aluna do Maré de Belezas que realizou uma oficina de trança no dia do evento; e Mariana Aleixo.

O primeiro passo para a construção da Casa

A atual coordenadora do espaço começou na Redes da Maré como oficineira  de gastronomia do Programa Criança Petrobrás, no Ciep Operário Vicente Mariano, na favela da Baixa do Sapateiro. O programa do eixo Educação da Redes viabilizava atividades complementares nas escolas públicas da Maré para as crianças permanecerem por mais tempo no ambiente escolar. Foi a partir da parceria das escolas e dos pais que as atividades eram desenvolvidas e a gastronomia foi uma das ações propostas pelas mães. “Quando o Maré de Sabores surge nesse sentido da formação profissional, era fundamental que a gente pudesse focar nas mulheres, porque com a autonomia financeira delas e melhor qualidade de vida a partir de uma qualificação profissional, a gente conseguiria ter um outro lugar das mulheres pensando nessas lutas históricas, que hoje é a produção da autonomia, para poderem pautar as próprias famílias e fazer suas escolhas dentro das realidades do que é ser uma mulher de favela”, explica Mariana Aleixo.

A atual instrutora do Maré de Sabores, Adriana Moreno, foi da última turma do Ciep  Operário Vicente Mariano e também completou seis anos de Casa das Mulheres. Ela nunca teve um empreendimento e, após a formatura no Maré de Sabores, Mariana Aleixo a convidou para trabalhar em um evento e desde aquela época nunca mais saiu. Adriana entrou como tecedora da Redes da Marés e foi Assistente de Cozinha do Buffet Maré de Sabores por três anos. Ela também atuava na parte de atendimento e comunicação com o público. Agora, Adriana está como instrutora dos cursos de gastronomia e de merendeiras, onde costuma passar seus aprendizados e até experiências compartilhadas pela mãe por meio da cozinha baiana, sua origem. “No começo, eu só vinha aqui trabalhar para ganhar dinheiro porque precisava, meu compromisso era esse, mas fui começando a vir para reuniões, palestras, oficinas de gênero e fui vendo que não era só um trabalho. Hoje, o Maré de Sabores significa muita coisa na vida”, conta Adriana.

Oficina de Gastronomia Infantil com ex-aluna do Maré de Sabores, Elma Aisha

O acolhimento com a comunidade

O cuidado com a comunidade trouxe um novo significado para a atuação da Eliane Silva, nascida no Parque União e moradora há três anos do Piscinão de Ramos. Ela conheceu a Casa através do curso Preparatório para o Ensino Médio da Redes que sua filha fez em 2017. Naquela época, ela costumava ir ao prédio central, participava de atividades abertas, comenta que “gostava de estar lá”, mas estava em um momento difícil, pois tinha perdido seus pais e ficou desempregada por ter cuidado deles. Ao conhecer o curso de Assistente de Cabeleireiro na Casa das Mulheres, ela começou a estudar e, pelo seu empenho e trajetória, foi chamada para trabalhar na recepção da Casa em 2018. “Eu não fico apenas no atendimento: dou apoio à coordenação, monto planilhas (aprendi muito pelo curso Ferramentas Digitais do projeto Conectando Mulheres, do eixo Educação). Faço desde o atendimento ao acolhimento. Quando as mulheres chegam aqui já vêm com uma demanda, encaminhamos para a equipe de assistência social, mas às vezes só querem conversar”, observa Eliane, que aprecia sobre como tem sido uma pessoa mais feliz em estar contribuindo com a sua comunidade.

Eliane e outras mulheres da Casa também fizeram parte da campanha ‘Maré diz NÃO ao coronavírus’, a partir de 2020. Toda a equipe pausou as atividades de rotina para construir coletivamente a frente de segurança alimentar. O projeto Maré de Sabores iniciou uma distribuição de quentinhas para as famílias em vulnerabilidade social e pessoas em situação de rua. Nesse período, foram entregues 120 mil quentinhas. “Ficamos nessa distribuição, saímos do nosso cotidiano. Ajudamos as meninas na produção das quentinhas, eu ficava fazendo os sanduíches, lavando louça e ajudava na distribuição, a gente se virou aqui. Na época, eu peguei covid-19 duas vezes em menos de quatro meses, perdi duas primas que eram como irmãs, fiquei muito abatida, mas encontrei forças.  Primeiro, pela minha fé em Deus, pela ajuda psicológica da equipe da Casa, além da família”, descreve a tecedora Eliane. Atualmente, são distribuídas 200 quentinhas uma vez por mês para famílias em vulnerabilidade social como parte das oficinas de gastronomia do Maré de Sabores.

Foto: Douglas Lopes. Frente de Segurança Alimentar com a produção de quentinhas diárias no projeto Maré de Sabores, que existe desde o início da pandemia (2020)

A atuação no campo dos direitos sexuais e reprodutivos

Uma outra frente da Casa das Mulheres da Maré é a de Direitos Sexuais e Reprodutivos, considerando a perspectiva da Justiça Reprodutiva, cujos direitos sexuais e reprodutivos são ligados à justiça social. As ações se dividem no canal de atendimento pelo WhatsApp “Maréas” – que acontecem de segunda a sexta, das 13h às 17h -, em palestras sobre saúde sexual e reprodutiva, consultas ginecológicas com foco em inserção de dispositivo intrauterino (DIU), oficinas e na distribuição de materiais de manejo menstrual, como absorventes descartáveis e coletores menstruais.

No aniversário de 6 anos da Casa, a programação contou com o “Jogo Maréas”, uma dinâmica de jogo colaborativo de cartas e adivinhação para debater de forma lúdica questões como pobreza menstrual, identidade de gênero, racismo, aborto, entre outras. Dez mulheres participaram da atividade proposta.

A articuladora da Casa das Mulheres, Andreza Dionísio, 23, e que está à frente desse movimento, confirma que até hoje já chegaram em média 140 mensagens no canal de atendimento, maioria sobre a inserção de DIU e consultas ginecológicas. “Isso fala muito dessa frente de direitos sexuais e reprodutivos que surgiu a partir de uma demanda do território. Também já chegaram casos de violência e trabalhamos em conjunto com a equipe da Casa e com o projeto Maré de Direitos. A usuária é acompanhada pela equipe psicossocial da Casa e pelo serviço sociojurídico do projeto do eixo de Segurança Pública e Acesso à Justiça. Também recebemos dúvidas sobre os cursos”, avalia.

Mural produzido na rua da Casa das Mulheres (R. da Paz, 42 – Parque União) sobre o canal de atendimento “Maréas”, pela artista Amora Moreira, cria da mesma favela

Algumas das novidades da Frente para os próximos meses é que as consultas ginecológicas com foco em inserção de DIU voltarão a ser marcadas nas clínicas das famílias do território. Em 2021, foi a atividade que trouxe mais mulheres para a Casa, alcançando 1.038. Até o final do ano, também serão realizadas palestras sobre saúde sexual e reprodutiva em escolas municipais da Maré. Das mulheres que não preencheram os dados nos formulários para as últimas palestras, a equipe da Casa fez uma busca ativa desse grupo, coletou dados e produzirá uma pesquisa com informações sobre o acesso à material de manejo menstrual, sobre mulheres que abortaram ou não, por que muitas mareenses têm buscado métodos contraceptivos de longa duração, sobre a renda delas, entre outras questões.

Até este ano, já foram realizadas 206 consultas ginecológicas, 39 oficinas, distribuição de mais de 6.570 absorventes descartáveis e 400 coletores menstruais.

O clima mudou. E agora?

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Calorão e enchentes que marcam o dia a dia das favelas podem ter efeitos irreversíveis caso não sejam enfrentados por governos

Por Edilana Damasceno

Quando a chuva cai com intensidade, Daniela de Morais, 36 anos, já sabe que não há muito que possa fazer. Há 20 anos moradora da favela Rubens Vaz, ela já entendeu que o esforço da família para conter a força da água nem sempre é suficiente para impedir os estragos provocados pelas enchentes. Em meses de chuvas fortes, bastam poucos minutos para que o valão transborde e danifique as paredes, os móveis e demais pertences, fazendo do lar tão cuidado por todos um cenário de devastação, tristeza e indignação. “É algo que não desejo pra ninguém”, afirma.

O problema é histórico, mas a sensação de Daniela e de outros moradores da Maré é de que ele tem aumentado com o passar dos anos. A professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro Carolina Galeazzi garante que não é apenas uma impressão. As mudanças climáticas têm piorado o cenário, culminando na chamada emergência climática. 

A especialista explica que o meio ambiente sofre graves consequências da ação humana desde a industrialização, quando as fábricas passaram a emitir gases poluentes que provocam o aquecimento do planeta: “Isso levou a um desequilíbrio na vegetação e nos oceanos, gerando um aumento no nível do mar e, consequentemente, chuvas mais frequentes.” 

Segundo um levantamento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), mais de 925 mil pessoas vivem em áreas de risco de enchentes ou deslizamentos no Rio de Janeiro. Tais fenômenos estão diretamente ligados à falta de saneamento básico ou coleta irregular de lixo, problemas recorrentes no dia a dia dos fluminenses. 

Em 2019, menos de 40% do esgoto gerado no estado do Rio era tratado, como indicam dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). O resultado disso é que os canais não conseguem dar vazão aos dejetos da população, o que prejudica o fluxo das águas da chuva até a Baía de Guanabara, por exemplo. O lixo descartado de forma indevida ou não coletado pela Comlurb deixa o cenário ainda pior, obstruindo os canais e entupindo bueiros e bocas de lobos.

Na Maré, 80% das mais de 200 queixas dos moradores sobre saneamento básico se referem a esgoto e lixo, de acordo com o relatório Cocôzap: Sistematizando dados e formulando políticas, publicado em agosto deste ano pelo data_labe em parceria com a Fundação Heinrich Böll. 

São histórias de pessoas como Daniela, que já nem sabe mais de cabeça o tamanho do prejuízo financeiro causado pelas enchentes. “Como moro na parte baixa, já perdi muitas coisas, como roupas de cama, panelas, calçados e brinquedos da minha filha, além de alimentos, que ficam embaixo da pia”, conta. Com o agravamento da crise climática, Daniela, o marido e o casal de filhos sonham com a possibilidade de viver em uma casa mais no alto. 

Movimento Está rolando um Clima reflete sobre relação entre mudança climática e periferias – Foto: Gabi Lino

Cada vez mais calor

Além dos alagamentos, a crise climática pode provocar outros problemas: um deles é o aumento do calor. De acordo com o serviço de monitoramento do clima da União Europeia, os últimos sete anos foram os mais quentes já registrados em todo o planeta. 

Carolina Galeazzi destaca que os efeitos desse “calorão” são mais sentidos por quem vive em áreas urbanas. “Esse meio não está preparado para oferecer sombra, uma praça, um parque externo, onde seja possível se refrescar ou descansar no meio de um percurso, evitando que o morador sofra de insolação, alteração na pressão etc”, diz a especialista.

Além dos prejuízos à saúde física, o excesso de calor também impacta a vida financeira do cidadão e aumenta o consumo de energia elétrica. “A gente vai querer ligar mais o ar condicionado; aumentando a demanda por mais energia. Não temos como saber se a produção energética será suficiente, então talvez precisemos construir mais hidrelétricas”, exemplifica a doutoranda em Urbanismo. 

Outro ponto importante para entender a mudança do clima nas cidades são as ilhas de calor, fenômeno identificado em áreas urbanas e que demonstra como a temperatura nesses espaços pode ser discrepante em relação a áreas rurais. 

Ao pesquisar a ocorrência de ilhas de calor na Maré, Carolina mediu o nível de calor em diferentes pontos do conjunto de favelas e notou, por exemplo, como a temperatura se mostra mais alta em ruas mais estreitas. A Nova Holanda apresentou, em alguns momentos, mais calor do que a área da Baixa do Sapateiro, que conta com maior vegetação e espaços abertos para ventilação. 

A pesquisadora ressalta que as diferenças têm a ver com os motivos que levam determinado território a propagar ou dispersar o calor. “Não é por serem favelas, e sim pelas condições às quais as favelas são submetidas atualmente.”

Leblon sem lixo

As escolhas de quais lugares serão mais assistidos e quais serão preteridos são políticas. É o que afirma Maureen Santos, professora de Relações Públicas da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio): “Não são só mudanças climáticas, é um modelo de desenvolvimento que vem sendo empregado no país e apoiado pelos governos.” 

Ela relembra que, em 2015, a cidade do Rio de Janeiro sediou o encontro do C4, grupo formado pelas maiores metrópoles do mundo com o objetivo de defender a pauta climática. O evento resultou em avanços no setor até retroceder na gestão do prefeito Marcelo Crivella e estagnar no atual governo de Eduardo Paes. 

Para a especialista, investir na infraestrutura é fundamental para reverter o quadro histórico de problemas climáticos no Rio, cuja geografia já colabora para um impacto maior das chuvas. Como estratégia de enfrentamento, Maureen cita a organização da própria população para priorizar e discutir o tema, seja votando em quem tem propostas ou cobrando quem está no poder e pode decidir em que melhorias investir.

Este ano, o Egito vai sediar um dos maiores eventos para a resolução da emergência climática: a Conferência das Partes (COP), patrocinada pela Organização das Nações Unidas (ONU), acontece entre 6 e 18 de novembro. Esta 27ª edição vai reunir os países que se comprometeram a controlar a emissão de gases de efeito estufa e a conter o aumento da temperatura do planeta. 

Segundo Maureen, o primeiro passo para a mudança é a conscientização, sobretudo acerca do papel de cada um nessa luta. “É importante não culpabilizar, pelo estado em que a favela se encontra, o morador por supostamente jogar lixo no rio ou deixar as sacolas na porta de casa. É o governo quem precisa garantir uma coleta de lixo eficiente na favela. Por que a coleta é regular no Leblon e não na Maré?”, questiona. 

Em meio a decisões políticas que geralmente não priorizam as favelas, as especialistas são unânimes em afirmar que somente com investimento em saneamento básico a Maré poderá enfrentar essa emergência climática.

Edição: Elena Wesley

Valão da Rua João Araújo é um dos pontos de preocupação no que diz respeito a alagamentos – Acervo Cocôzap

Acesso negado a mulheres negras

Dados apontam que diferenças no atendimentos e na realização de procedimentos médicos dependem da cor da pele da paciente

Por Samara Oliveira e Teresa Santos 

Por definição, racismo estrutural é aquele impregnado dentro da própria estrutura social, e, assim, seria considerado como “normal” pela sociedade. Essa “normalidade” atinge quem não é etnicamente branco desde o processo de nascimento — isso é o que revela o dossiê Mulheres Negras e Justiça Reprodutiva 2020-2021, da ONG Criola. No Brasil, se 37,3% das mulheres brancas recebem medicamento para alívio da dor no parto (analgesia epidural), entre as negras essa percentual cai para 27%. São elas, também, que são submetidas mais frequentemente a manobras desnecessárias para acelerar o trabalho de parto: 38,4%, contra 34% das mulheres brancas.

Dados obtidos pela associação de jornalismo de dados Gênero e Número com o Ministério da Saúde via Lei de Acesso à Informação apontam que, entre 2008 e 2017, a cada 100 mil mulheres pretas que deram entrada numa unidade de saúde para parir, 22 morreram. Os números retratam a maior taxa de mortalidade materna por etnia, o dobro em relação às gestantes brancas, que morrem 11 a cada 100 mil internações por parto. 

A violência obstétrica é uma realidade para a mulher que vê negados ou violados seus direitos ao longo da gestação ou parto. Direito à analgesia no parto (alívio da dor), consultas e atenção pré-natal e direito a acompanhante no parto são alguns deles — muitos desrespeitados e ignorados quando a gestante/parturiente é negra. Segundo dados de 2020 da Secretaria Municipal de Saúde, enquanto mais de 84% das mulheres brancas tiveram acesso ao pré-natal, enquanto a taxa entre as mulheres negras foi de 73%.

Sob o ponto de vista legislativo, é possível dizer que o Estado reconhece o racismo estrutural na sociedade brasileira, inclusive no acesso à saúde. Um indicador é a elaboração da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) instituída em 2009. No entanto, dados levantados pela Gênero e Número apontam que, transcorrida uma década, somente 28% dos municípios havia posto a política em prática.

Busca por atendimento digno

Jô sente na pele as difi culdades para acessar os serviços de saúde – Foto: Samara Oliveira

Apesar de não apontar diretamente como um problema enfrentado por seu gênero e etnia, a comerciante Jô – que prefere ser identificada pelas pelo apelido -, de 42 anos, moradora da Nova Holanda é uma das mulheres negras que personificam os dados.  Mãe solo de dois filhos, sendo um deles com transtorno autista, Jô utiliza a Clínica da Família do seu território tanto para assistência à saúde como para conseguir os remédios específicos do seu filho.

“Hoje em dia, para conseguir um bom atendimento, temos que ter algum conhecimento. Estou há uma semana com estômago ruim e nunca tem médico para me atender. Ou tem um ou tem outro sobrecarregado, aí você tem que marcar pra semana que vem… até lá já morri porque a gastrite quando ataca, sabe como é, né? Isso causa indignação. Fora quando não consigo pegar os remédios para o meu filho, ele toma quatro e eu acabo tendo que comprar”, contou. 

A comerciante ressalta também que mesmo quando vai a outra unidade de saúde fora do conjunto de favelas da Maré é orientada a voltar às clínicas ou postos da sua região para ser atendida lá. Entre protocolos de atendimento e ausências, Jô se torna mais uma mulher negra que não consegue acesso a um direito básico previsto na constituição. 

Sistema de poder

Segundo a pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz) Roberta Gondim, essa diferença é resultado de uma produção histórica, política e social: “As desigualdades são formas de expressão de uma estrutura racista que foi historicamente construída. O racismo é um sistema de poder, uma estrutura política e social.  O corpo negro é lido como não tendo a mesma legitimidade enquanto humano que o corpo branco; logo, a saúde sobre ele é desigual.”

Além de Jô, a fiscal de loja Jaqueline Conceição, de 50 anos, mulher negra e também moradora da Nova Holanda, tem a mesma reclamação quando o assunto é seu acesso à saúde. Além da falta de médicos, Jaqueline reclama do atendimento oferecido na unidade em que ela é paciente e do descaso que enfrenta.

Jaqueline reclama de atendimento oferecido – Foto: Samara Oliveira

Há cerca de um ano, Conceição realizou uma mamografia e um exame de raio-x no pé. No entanto, a fiscal não conseguiu que um médico visse o resultado dos exames. “Queria conseguir fazer um check-up, saber como estou. Eu mostro meus exames e sempre ouço que não tem como olhar, que tem que agendar. Também estava há quase um ano fazendo tratamento com dentista, de repente pararam de me chamar. Me tiraram por conta própria e eu nem fui comunicada de nada”, reclama.

A filha de Jaqueline, uma menina negra de apenas três anos, também já sente o impacto desse contexto. Recentemente, bolinhas vermelhas começaram a surgir pelo corpo da pequena aparentando ser uma reação alérgica. Com a constante dificuldade de ser atendida, Jaqueline teme que a filha também não receba um diagnóstico para seu problema de saúde.

Mais dados: violência obstetrícia

Uma mulher sofre violência obstétrica quando passa por situações de violação de direitos ao longo da gestação ou parto. Não ter acesso à analgesia no parto (alívio da dor), ter menos consultas pré-natais ou ter uma atenção pré-natal inadequada, não ter seu direito a acompanhante no parto respeitado, tudo isso são exemplos de violência obstétrica.

Se nos aproximamos ainda mais da nossa realidade, observando, por exemplo, a cidade do Rio de Janeiro vemos que, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde de 2020, enquanto mais de 84% das mulheres brancas tiveram acesso ao pré-natal, a taxa entre as mulheres negras foi de 73%.

A pressão social é importante para eliminar o racismo estrutural e reverter seu impacto no atendimento à saúde da população – Foto: Matheus Affonso

O que é raça? 

Biologicamente, não existem “raças” humanas. O conceito de raça é uma construção histórico-social, que resultou em desvantagens para o não branco dentro da sociedade — cruel e particularmente para os negros. A questão da raça se entrecruza e é potencializada por outros aspectos, como gênero (feminino ou masculino), origem (de onde viemos) e classe (o quanto temos), e o resultado é a fragilização e vitimização de quem é discriminado sob esses aspectos e oprimido por todos. “Dizemos que a mulher negra está na base da pirâmide social”, explicou Roberta Gondim.

Para a pesquisadora, é possível reverter este cenário, mas a mudança precisa partir da própria sociedade, em uma luta tanto de indivíduos brancos como negros, cada um do seu lugar social: “Por um lado, precisamos de políticas públicas, por outro, de mobilização social, de pressão social.” 

Roberta lembra que “as mulheres negras têm um papel importante nos espaços da saúde, tanto na linha de frente da atenção, como também na gestão e na formulação das políticas. É preciso que este grupo seja respeitado em seus saberes e que exercite uma gama de recursos de poder, entre eles, econômicos, políticos, epistêmicos (isto é, o poder do saber) e decisórios. Nesse processo, é importante a participação efetiva da parte branca da sociedade, porém o protagonismo é negro”.

COP27 tem representações periféricas e da juventude

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A conferência da ONU acontece até dia 18 de novembro no Egito

Por Samara Oliveira

Até 18 de novembro, a COP27, uma conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre mudanças climáticas reúne representantes de 196 países, no Egito. O evento acontece para que os países que assinaram o Acordo de Paris mantenham-se comprometidos com a redução da poluição e desmatamento.

Logo na abertura, que foi realizada no dia 6 de novembro, a discussão foi sobre os países ricos compensarem as nações mais pobres e vulneráveis às mudanças climáticas. E é para debater suas próprias vivências enquanto moradores de periferia que a COP27 vai contar também com a presença de jovens de várias comunidades do Brasil, entre eles, Thuane Nascimento, 25, diretora do PerifaConnection. 

Moradora da Vila Operária, em Duque de Caxias, a jovem conhecida como Thux, estará na COP pela segunda vez e além de comentar sobre a importância da discussão do primeiro dia, falou sobre a necessidade de pessoas da periferia estarem inseridas nesses espaços.

“O debate das mudanças climáticas, têm a aceleração e sua piora para os países do sul global a partir do colonialismo, né? A gente produz muito mais do que usa, vendemos muito mais do que as pessoas precisam e tudo isso porque colocam o lucro acima das vidas, das necessidades do dia a dia. Hoje tem uma quantidade desnecessária de lixo por causa de como cada um quer viver e muitas vezes o que esses países mais ricos querem é colocar nas costas dos países mais pobres essa culpa”, comenta a jovem.

De acordo com o relatório do Painel Intergovernamental sobre o Clima (IPCC), da ONU, divulgado este ano, com o aumento das mudanças climáticas os riscos à saúde também vão aumentar de forma significativa. Além de impactos na saúde mental, serão mais 250 mil mortes por ano (em comparação ao período de 1961 a 1990) até meados do século. As principais causas devem ser o calor, a desnutrição infantil, a malária e doenças diarréicas, com mais da metade desses casos ocorridos em território africano. 

No Brasil, um problema antigo e muito conhecido pode voltar com ainda mais força e causando desastres ainda maiores. Ainda de acordo com o relatório, a população afetada por inundações deve dobrar no Brasil e países vizinhos. Assim como a seca também será cada vez mais um problema, as chuvas fortes e concentradas deverão aumentar e consequentemente as enchentes e deslizamentos de terra se tornam altamente prováveis.

Integrante do eixo Direitos Urbanos e Socioambientais da Redes da Maré, Mariane Rodrigues, comenta sobre o avanço nas discussões da COP.

“Esse ano a COP teve uma diferença que pode ser o início de algo significativo para gente enquanto Brasil e também para gente enquanto Maré que é incluir discussões sobre financiamento de perdas e danos climáticos. É a primeira vez que, finalmente, a conferência coloca isso como discussão na agenda deles” porém, continuou “não significa que a partir daí vamos ter um plano efetivo para financiar e pensar nisso, mas essa COP tem vindo com um engajamento climático muito grande da sociedade civil que está lá e dos grupos de juventude que estão discutindo justiça climática. O evento é importante para gente quando ela se conecta com esse conceito da justiça climática que é o que buscamos enquanto um país em desenvolvimento e enquanto território periférico que vem sofrendo os impactos das mudanças climáticas cada vez mais”. 

‘Mineiro da Maré’ promove ação social de saúde

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Victor Aguiar veio de BH para cursar medicina e há oito meses iniciou o projeto ‘Blitz da Saúde’ no território

Por Samara Oliveira

O sonho de ser médico e o compromisso com a sua fé, foram os principais motivadores que impulsionaram Victor Aguiar, 32, a realizar ações sociais voltadas para a promoção da saúde no Conjunto de Favelas da Maré.

Morador do Salsa e Merengue, o estudante veio direto de Belo Horizonte, em Minas Gerais, com o sonho de se formar em medicina. Cursando o último período para a tão sonhada formação, no Centro Universitário Serra dos Órgãos (UNIFESO), Victor fez uma promessa no ponto turístico Dedo de Deus, que fica em frente a universidade. No juramento, o futuro médico afirmou que se conseguisse chegar no último ano de formação ia dedicar seu tempo a projetos sociais. 

Assim fez. Prestes a se formar, Victor foi para mais um dia de estágio no Hospital Federal de Bonsucesso, mas dessa vez, levou consigo suas malas, convicto em encontrar um lugar que pudesse cumprir sua promessa. Foi quando indicaram para ele o Conjunto de Favelas da Maré.

“Cheguei no Rio sem conhecer nada. Fui para o hospital, fiz os atendimentos e quando acabou o expediente peguei minhas malas. Eu não sabia para onde ir, mas sabia que eu tinha uma promessa feita a Deus que eu tinha que cumprir. Me falaram da Maré dizendo que era muito perigoso e entendi ‘é lá que eu vou, lá que tem gente que precisa'”, relembrou.

Assim que chegou, alugou uma kitnet na Vila do Pinheiro e começou a cumprir sua promessa realizando atendimentos de aferição de pressão e glicose com orientações básicas de saúde. Victor mora na Maré há oito meses e por conta das suas ações voltadas principalmente nas comunidades Baixa do Sapateiro, Vila do João, Vila do Pinheiro, Salsa e Merengue, já se tornou um rosto conhecido pela vizinhança. 

“Fui criado pela minha mãe que é a base de família pra mim. Ela me ensinou a ser homem de palavra e sempre me incentivou a ajudar as pessoas”, disse Victor.

Foto: Gabi Lino

As ações sociais

Tocando sua iniciativa e cumprindo sua promessa, Aguiar coloca uma tenda com mesa e cadeiras nas principais ruas das comunidades. Mas se engana quem pensa que o futuro médico apenas espera o interesse dos moradores em irem até a ele. “Eu sou comunicativo, gosto de falar, então não tenho dificuldade de abordar. As pessoas vão passando e eu vou convidando para uma conversa. Elas chegam com receio, mas mostro que o trabalho é social. É bem legal”, explicou.

Chegando a realizar 700 atendimentos em um final de semana no Salsa e Merengue, Victor resolveu dar um nome para sua iniciativa: Blitz da Saúde. No entanto, lamenta a falta de patrocínio visando que a quantidade de atendimentos e pessoas assistidas poderiam dobrar com recurso para materiais. 

Questionado sobre de que forma essa iniciativa agrega para além do cumprimento da promessa, Victor enfatizou: “Saber lidar com o sentimento das pessoas. Infelizmente hoje a medicina e os médicos têm simbologia de Deus, são profissionais robotizados que não tem empatia, não tem amor e não consegue sentir a dor do próximo. Eu quero ser aquele profissional de 1%, que é o que consegue olhar e sentir a dor, que consegue acreditar em 1% no meio de um diagnóstico ruim. Meu objetivo de vida é acreditar nas pessoas e trabalhar para mostrar também para os jovens da Maré que existe um mundo fora da Maré”. 

Foto: Gabi LIno