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Memorial homenageia vítimas da violência

Painel na Nova Maré tem nomes gravados em azulejos confeccionados por familiares de vítimas no conjunto de favelas

Por Jéssica Pires, em 04/11/2022 às 11h49

O Memorial das Vítimas da Violência Armada no Conjunto de Favelas da Maré, que preserva a memória de 127 pessoas que tiveram suas vidas interrompidas pela violência, foi inaugurado hoje (4), às 15h, na Praça da Paz, na Rua Ivanildo Alves, na favela Nova Maré. 

 A Associação Redes de Maré responde pela iniciativa: a intervenção urbana foi pensada a partir de uma provocação de Artur Viana, morador da Nova Holanda e integrante do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça (que acompanha e monitora os impactos da segurança pública no conjunto de favelas) e concretizada pelo projeto Azulejaria, que faz parte do eixo Direitos Urbanos e Socioambientais.  

“Infelizmente, nem todo mundo tem preservado o direito ao luto. Alguns corpos geram mais comoções que outros. Resultado disso é que historicamente nas favelas, quando morre alguém, a primeira pergunta que fazem é ‘era envolvido?’. Logo, se essa pessoa não se encaixa nos nossos valores sociais, é como se sua passagem não devesse ser sentida”, diz Artur.

Vidas lembradas   

O eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça não somente pensa projetos com o objetivo de ampliar e fortalecer o direito à segurança pública dos moradores; ele também promove plantões de atendimento e acompanhamento de vítimas e familiares que sofrem violações e violências em decorrência das operações policiais e confrontos armados na Maré. 

Também é realizada de forma contínua a sistematização de dados coletados nesses momentos. Só entre 2017 e 2021, o trabalho mapeou 132 operações policiais e 114 confrontos entre os grupos armados no Conjunto de Favelas da Maré. Juntos, estes 246 momentos de conflito causaram 157 mortes. 

O trabalho de reunir e analisar esses dados e construir estratégias que os tornem visíveis para sociedade e o poder público parte da reflexão sobre quais corpos comovem a sociedade e impulsiona a demanda por uma política de segurança pública diferente da hoje empregada não somente do estado do Rio de Janeiro como no país.

Histórico das homenagens

Foto: Douglas Lopes | Equipe do Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso a Justiça da Redes da Maré e familiares de vítimas na inauguração do memorial

Em novembro de 2021, a Redes da Maré lançou um memorial em homenagem às vítimas da covid-19 na Maré. Na época, os territórios já haviam perdido 373 moradores para a doença. No Memorial Maré, mais de setenta nomes estão gravados em um mural de azulejos na Rua Bittencourt Sampaio, na Nova Holanda. 

A ideia da criação do memorial de vítimas da violência surgiu em 2018. Porém, a pandemia requereu tanto medidas de distanciamento social como ações emergenciais de enfrentamento da doença. Por isso, a produção do painel teve que esperar, mas não as mães e familiares das vítimas, que continuaram a ser atendidas e acompanhadas. 

“Nomear as vítimas da violência armada através dessa homenagem, traz à luz a discussão sobre segurança pública nas favelas e valoriza a memória como um direito fundamental das famílias que convivem com a dor da perda dos seus familiares”, destaca Patrícia Ramalho, assistente social que acompanha o projeto.

O processo de mapeamento das 126 famílias que aceitaram ter o nome de um familiar no memorial começou também em 2018. Em 2019, um ato ecumênico marcou a instalação dos primeiros azulejos que anunciavam a existência do futuro espaço. Este ano, uma equipe formada pelos artistas que integram o projeto Azulejaria e profissionais dos projetos que acompanham a produção do memorial viabilizaram as oficinas nas quais familiares produziram, por cinco meses, as peças com o nome dos entes que perderam.

Dor coletiva

Uma das oficinas aconteceu na própria Rua Ivanildo Alves, no dia 23 de setembro, quando moradores do entorno colaboraram na pintura dos azulejos. As mães e familiares das vítimas também criaram um manifesto que está no painel. 

“Através desses desenhos, acho que todo mundo terá a oportunidade de perceber que essa é não só uma dor coletiva e inimaginável, como é também a história pessoal de cada mãe, e de cada familiar, com as vítimas”, destaca Laura Taves, arquiteta e responsável pelo Azulejaria na Maré.  

Segundo ela, “criando e montando o painel, a relação que nós, a equipe do Azulejaria, desenvolvemos com as vítimas é muito mais próxima do que se não soubéssemos suas histórias. Mesmo sem conhecê-las, conhecemos suas mães, suas dores e o desejo delas de respeito e justiça pela memória de seus filhos e parentes”.

Foto: Laura Taves

Nunca mais

“As oficinas oferecem a quem vive o trauma a oportunidade de dizer ‘Nunca mais!’ Algo que precisa ser lembrado para que não volte a acontecer. Cada uma dessas pessoas que partiram fez diferença na vida de outras”, diz Laura.

A ideia do Azulejaria é de um exercício de arte que busca fortalecer as potências individuais de seus participantes a partir da construção artística coletiva. E essa foi a percepção de Vânia da Silva Pereira e Hortência Alves dos Santos, mães vítimas da violência e integrantes do coletivo Mães da Maré. As duas participaram das oficinas e registraram por meio de desenhos nos azulejos memórias, sentimentos e reflexões. 

Vânia tem 48 anos e é moradora nascida e criada na favela Rubens Vaz. Ela também é mãe de Marvin Natan Pereira Viana, que foi vítima da violência armada na Maré aos 26 anos, em 2019. “Aqui a gente expõe todas as nossas inconformidades, nossas tristezas. A gente sai leve e deságua tudo que tem que desaguar, esvazia e coloca tudo nos azulejos. Saímos fortalecidas.”  

Para essa mãe em luto, “um memorial para os nossos filhos não é vergonha, é ver que o nosso pedacinho, uma parte nossa está ali sendo lembrada, e isso é muito importante pra gente”.

Moradora da Nova Holanda, Hortêcia recebeu a notícia da morte do filho Gelson Martins Filho no dia 11 de janeiro de 2021. O jovem tinha 28 anos. “Tudo que eu estava sentindo desenhei ali. Fiz eu e meu filho caminhando no meio de um bambuzal. É uma dor que não desejo para ninguém”, diz a mulher de 57 anos.

Hortência acredita que “a importância de ter um memorial na Maré para os nossos filhos vitimados pela violência armada é mostrar para a sociedade e os moradores que eles não são só números. Que ali estão histórias de vidas e de muita dor, de muitas lutas por trás de cada vítima”. 

Para Bruna Silva, moradora da Vila do Pinheiro e mãe do jovem Marcus Vinícius que foi alvejado por tiros quando se dirigia à escola, em 2018, o espaço cumpre o papel de exaltar a memória e o não o esquecimento da justiça e da sociedade civil para casos como o do filho: “Marcus Vinícius presente hoje e sempre.” 

Foto: Laura Taves

Brasil e Maré elegem Lula presidente

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Eleições 2022 terminam com aumento de votos válidos nas favelas, além de crescer a preferência para candidatos de esquerda

Edu Carvalho

Com mais de 60,3 milhões de votos, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceu no segundo turno a disputa pela Presidência da República no Brasil no dia 30 de outubro. Com este número, o petista se tornou o presidente mais votado da história no país. A disputa de 2022 foi a mais acirrada desde a redemocratização, com uma diferença de apenas 2.139.645 votos. E qual é o peso do voto favelado nesse resultado? Como votou a Maré no segundo turno da eleição presidencial mais disputada dos últimos anos?

No panorama geral do Rio de Janeiro, Lula perdeu para Jair Bolsonaro (PL), que teve 52,66% contra 47,34% do candidato eleito. No entanto, nas zonas eleitorais 21ª, 161ª e 162ª, área que abrange Maré, Complexo do Alemão, Penha, Olaria, Ramos, Bonsucesso e adjacências, o pernambucano venceu com 118.650 votos, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

Olhando especificamente para o território mareense, nota-se que o candidato do PT venceu em mais locais de votação. As zonas que recebem a maior parte dos eleitores da região são a 161ª e a 162ª, sendo que a primeira tem 10 pontos de votação na Maré e a segunda, somente dois. Na 161ª, o percentual do segundo turno ficou assim: Lula (57,53%) e Bolsonaro (42,47%). Já na 162ª zona, o atual presidente venceu com 51,54% contra 48,46% do seu adversário. O total de eleitores aptos a votar nos locais de votação da Maré na 161ª corresponde a 85%, enquanto na 162ª é de 15%.

Em ambas as zonas, o comparecimento de eleitores aumentou e o índice de abstenção diminuiu. Na 161ª, 75,37% das pessoas aptas a votar o fizeram no primeiro turno e no segundo a porcentagem subiu para 77,32%. Já na 162ª, a quantidade de eleitores que compareceram subiu de 75,02% para 75,24%. Na primeira, o índice de abstenção caiu 4,12% e na segunda, 0,42%.

Para Josué Medeiros, professor adjunto do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o resultado demonstra o grau de afinidade com os projetos políticos apresentados pelo candidato vencedor para a favela. “Quando Lula vai ao Complexo do Alemão e prioriza aquela agenda com uma caminhada em que ele faz contato direto com os moradores, ele mostra que valoriza muito esse voto. Quando Bolsonaro afirma que as pessoas que estavam no Alemão são criminosas, ele mostra que não valoriza e até mesmo estigmatiza esse voto”, considera. 

O especialista acredita que o resultado evidencia que a escolha dos moradores de periferia é “pragmática” e não se diferencia muito da lógica em todas as outras regiões. “O favelado procura saber que melhorias terá em sua vida concreta, mas isso está longe de ser de direita e está longe de ser uma especificidade do favelado. A maioria do eleitorado de todas as classes e em todos os bairros se comporta assim”, diz. 

Bolsonaro é o primeiro presidente a não conquistar a reeleição no Brasil. Desde que a reeleição foi aprovada no país, em 1995, todos os presidentes eleitos conseguiram um segundo mandato.

Primeiro turno

Além da escolha do próximo chefe do Executivo, no primeiro turno das eleições gerais os cidadãos precisaram decidir quem serão seus próximos representantes nas esferas estadual (governador e deputado estadual) e federal (senador e deputados federais).

De acordo com os números apresentados, em contraste com a última corrida (2018), uma mudança de orientação ocorreu na Maré, seguindo a tendência de polarização para todos os cargos. Comparados os anos de 2018 e 2022, muitos são os fatores que podem influenciar e explicar o movimento dos moradores na hora de apertar, a cada vez, o ‘’confirma’’ na urna. 

Para governador do Rio, Cláudio Castro (PL) foi reeleito já no primeiro turno com 58,67% dos votos (4.930.288 no total), e também teve maioria na 161ª zona eleitoral – com 43,2% dos votos. No cargo desde o impeachment de Wilson Witzel, Castro ampliou a agenda de operações em favelas e comunidades do Rio, desrespeitando a #ADPF635, conhecida como #ADPFDasFavelas. Não à toa, dias antes do 1º turno, a Maré tornou-se palco de uma operação policial que deixou cinco pessoas mortas, além de diversas violações de direitos.

Já para a cadeira no Senado Federal, o candidato mais votado na Maré foi Romário (PL) com 25% (8924) dos votos, seguido de Alessandro Molon (PSB), com 24,64% (8796) dos votos – uma diferença de 128 votos (0,36%). Em relação ao Congresso Nacional, o candidato a deputado federal Felipe Brasileiro (MDB) foi o escolhido pelos mareenses, registrando 11,35% dos eleitores, mas não teve votos suficientes para chegar a vitória. Cria da Maré, Renata Souza (PSOL) foi eleita deputada estadual com mais de 170 mil votos, sendo a mulher negra mais votada da história para a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Do território, Renata recebeu o voto de 5.249 pessoas.  

Para Josué Medeiros, o trabalho feito por ONGs (organizações não-governamentais), instituições e coletivos em diversos eixos faz o morador relacionar com as melhorias que querem e, assim, tornarem maiores suas lutas estabelecidas no território. “É sensacional que essa relação com as associações consiga agora abrir as portas do sistema político (para a população em geral). É pouco ainda, precisamos de muito mais, mas eu considero isso uma grande vitória da renovação política”, celebra.

É ‘Complexo’

Diferente das outras eleições, a favela ganhou ainda mais destaque durante a campanha desse ano, após o ex-presidente e candidato Lula (PT) ter feito um ato junto a ativistas e moradores do Complexo do Alemão no início de outubro. Ao lado dos ativistas Rene Silva e Camila Moradia, usou um boné com a sigla ‘CPX’, que remete ao ‘complexo’, termo usado por quem mora e conhece o local. Foi o que bastou para que a oposição usasse o objeto associando ao tráfico de drogas e, mais uma vez, criminalizar a vida dos moradores. 

‘’Estamos falando de pessoas trabalhadoras, de famílias que cuidam dos seus, de uma vida comunitária potente. E também de uma população que sofre as contradições da desigualdade mais do que o morador dos bairros de classe média’’, analisa Josué. Segundo o especialista, o fator favela para a eleição de 2022 favorece e “é muito positivo para a nossa democracia”, indicando que a pregação que divide a sociedade “entre cidadãos de bem e criminosos” é que “precisa ser combatida por nós”. E tudo isso apontando os caminhos de um futuro não tão distante. “Se eu posso dar uma sugestão a esse ativismo é: pautem o futuro governo Lula. A hora é agora!”.

Como vota a Maré?

No mês de outubro, a Redes da Maré lançou o “Análises”, publicação periódica de sistematização e reflexão sobre dados e informações das 16 favelas da Maré, tendo como base o contexto político mais amplo em que vivemos. O principal objetivo é identificar e analisar como questões da conjuntura política repercutem na vida da população da região e podem orientar as práticas de trabalho da Redes da Maré.

Destaques do plano do governo Lula (para cobrar)

  • RETOMADA DE INVESTIMENTOS: Compromisso de ações articuladas entre União, Estado e município para retomar as metas do Plano Nacional de Educação. “Para alunos que ficaram defasados devido às inúmeras limitações durante a crise sanitária, afirmamos o compromisso com um programa de recuperação educacional concomitante à educação regular para que possam superar esse grave déficit de aprendizagem”.
  • MAIS CULTURA: Criação e ampliação de políticas culturais e condições de vida e trabalho no mundo da cultura. “Fortalecer a memória e a diversidade cultural, valorizando a arte, a cultura popular e periférica, garantindo a plena liberdade artística”.
  • SALÁRIO MÍNIMO FORTE: Com reajustes acima da inflação para aumentar o poder de compra das famílias.
  • BOLSA FAMÍLIA: Com R$ 600,00 garantidos, tendo aumento de R$ 150,00 para cada família que tenha criança até seis anos. 
  • BRASIL SEM FOME: Onde se assume o compromisso de produzir e garantir comida para 33 milhões de pessoas e tirar o Brasil, mais uma vez, do mapa da fome.
  • DESENROLA BRASIL: onde será feita uma negociação das dívidas das famílias que recebem até 3 salários mínimos, para limpar o nome no SPC e SERASA e reaquecer a economia.
  • MINHA CASA, MINHA VIDA: retomada do maior programa de habitação popular da história do Brasil.

Conheça trabalho da equipe que luta contra as violações nas ações policiais na Maré

Saiba mais sobre a vivência e os efeitos das atuações no cotidiano dos profissionais à frente do projeto Maré de Direitos no contexto de violência armada

Por Andrezza Paulo(*), em 31/10/2022 às 7h

O Maré de Direitos é o projeto que abre as portas para acolher individualmente e de maneira psicológica e sociojurídica o morador vítima dessas violações. Composto por advogados, psicólogos e assistentes sociais, os profissionais por trás do projeto são vizinhos, filhos, mães que já foram violadas pelo Estado e que sabem o peso do estigma que a favela carrega.

De acordo com o Boletim de Segurança Pública da Maré, em 60% das operações policiais houve denúncias dos moradores de violação de domicílios e em nenhuma operação policial foi identificado o uso de câmera de vídeo, áudio ou GPS. É com base nesse cenário que os profissionais do Maré de Direitos se articulam para incidir na realidade da favela. 

Os incômodos vividos como moradores impulsionam a atuação desses agentes locais na busca por políticas públicas eficazes. Mas não é fácil equilibrar o lado técnico e estratégico em meio a tantas violações e em muitos casos, violências com pessoas próximas. 

Impacto na vida de cada um

De acordo com a pesquisa realizada pela Casa Fluminense, a população das favelas vive aproximadamente 23 anos a menos que os moradores das áreas nobres do Rio de Janeiro. Os agentes do Maré de Direitos estão à frente do acolhimento da população, mas não se pode esquecer que eles também são impactados por dados como este. “A gente entende que o que estamos fazendo é mais do que necessário, estar a par dessas violações impulsiona para que a gente continue. Mas como mãe e moradora é angustiante, é como se estivéssemos em uma fila de alvos. E nós somos alvos”, destaca Fernanda Viana, Assistente Social que atuou no Maré de Direitos e atual Coordenadora da Casa Preta da Redes da Maré.

Fernanda avalia a semelhança entre os agentes e os moradores atendidos. Embora o atendimento seja individual, a demanda apresenta similaridades e pontos que são discutidos coletivamente, como a frequência de jovens pretos executados em dias de operações policiais. Pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que das 415 pessoas mortas em intervenção policial no estado, 82,2% eram pretas ou pardas. “Corpos como o meu, preto, ainda estão em busca pela humanidade, pelo direito à vida e mesmo como profissionais não podemos arriscar ter contato com o policial em contexto de violência armada porque ele não reconhece o meu corpo como cidadão, menos ainda como autoridade”, ressalta Fernanda.

A assistente social fala dos desafios por ser moradora: “por mais que sejamos técnicos, nós somos humanos. Atendemos pessoas que cresceram com a gente. É doloroso mas algo precisa ser feito”, conta. 

Somos da Maré, temos Direitos

Arthur Viana, 24 anos, coordenador da campanha “Somos da Maré, temos Direitos” recorda as percepções sobre violência armada em uma noite de novembro de 2018: “foi um dos dias em que mais ouvi tiros na minha vida”, contou. Na ocasião estava em vigor a Ação Civil Pública (ACP) que restringia operações policiais na Maré. Naquele dia, por volta das 1h da manhã, deu início a operação que baleou cinco pessoas e deixou três mortos. “Um deles era um garoto que cresceu jogando bola comigo, foi muito doloroso ver a situação da família. Não sentia e continuo não vendo nenhuma diferença entre nós dois”, revela.

Arthur Viana durante o encontro do Fórum “Basta de Violência! Outra Maré é Possível” com a Associação Juízes para a Democracia (AJD) em 2019 | Foto: Douglas Lopes

À frente das mobilizações, Arthur assume que falar sobre Segurança Pública em contexto de favela sempre será muito sensível para quem cresceu nesses territórios e questiona: “Qual é a justificativa para alguém morrer a facadas em uma operação policial? Ou meu primo Matheus que foi levado dentro da viatura e “morto” no Sumaré quando tinha 14 anos de idade? Tenho um tio e três primos que foram mortos de forma violenta. Isso além da revolta, gera um adoecimento, é doloroso demais ter esse tipo de vivência”, desabafa.

As mortes por intervenção do Estado mais que dobraram, passando de 5 em 2020 para 11 em 2021, de acordo com o Boletim Direito à Segurança Pública na Maré e mesmo com o registro de 11 mortes em 20 dias de operação policial, a Redes da Maré identificou a realização de apenas uma perícia com parâmetros normativos.

Para Arthur, ao mesmo tempo que sente as dores das violações, sua atuação nas campanhas, no acolhimento e nos fóruns de violência contribuem na luta pela garantia de direitos na favela e completa “os processos de mobilização e incidência geram um impacto não só no território em que cresci e continuo residindo, mas também na forma como essa política pública é feita nesse lugar”, destaca.

Liliane Santos, coordenadora do Eixo de Segurança Pública da Redes da Maré diz que o acesso à justiça é o caminho para impactar nas políticas públicas do Rio e destaca o papel da Redes nesse processo. “O Estado reproduz historicamente uma lógica de sucateamento das políticas e os processos de negligência nas favelas. A Redes articula com os órgãos de justiça e outras instituições para construir o que o Estado não se propõe a fazer”, conta.

Liliane fala durante audiência pública no Auditório Machado Guimarães, na Procuradoria Geral do Estado | Foto: Patrick Marinho

Em 2017, foi protocolada a ACP da Maré, uma construção coletiva sobre Segurança Pública que determinou o cumprimento de uma série de medidas que previa a redução de danos e riscos durante a atuação dos agentes de segurança pública na favela. De acordo com os dados do Boletim Direito à Segurança Pública, o número de feridos por arma de fogo reduziu em 82% e de homicídios em 43%. A partir da experiência desta ação jurídica, foi requerida a ADPF 635 para cessar a letalidade das operações policiais e proteger a vida da população pobre e negra. “É desafiador. Ora frustrante, ora gratificante. Nunca é sobre um caso específico. É sobre uma população que eu faço parte e a mobilização dessa população convergiu nessas ações jurídicas. Isso me dá esperança de dias melhores”, enfatiza Liliane. 

Os agentes lidam diariamente com os conflitos internos e com as questões que envolvem atuar em prol da garantia de direitos e acesso à justiça em contexto de violência armada da população. Embora seja um desafio, os profissionais do Maré de Direitos continuam a traçar estratégias, a abrir as portas para acolher o público e principalmente, a resistir diante das violações em busca de uma nova política de segurança pública que veja a favela com mais humanidade.

O Maré de Direitos atende às quartas-feiras de 14h às 17h no Espaço Normal na Nova Holanda e na Sede da Redes da Maré no Pinheiro. O contato também pode ser feito pelo WhatsApp através do número 21 99924-6462.

(*) Andrezza Paulo é a aluna da primeira turma do Laboratório de Jornalismo do Maré de Notícias.

Semana de Arte Favelada leva programação especial à Maré e ao Municipal

Marte Um, filme que vai representar o Brasil na disputa pelo Oscar 2023, terá exibição gratuita no Museu da Maré

Por Redação, em 29/10/2022 às 9h 

A arte da favela está no centro dos holofotes na releitura da Semana de Arte Moderna realizada um século depois da histórica mostra no Theatro Municipal de São Paulo. Entre os dias 2 e 29 de novembro, o conjunto de favelas da Maré e o Theatro Municipal do Rio vão receber a programação diversa da Semana de Arte Favelada (SAF). 

O objetivo da série de apresentações – que, na verdade, vai se estender por algumas semanas do próximo mês – é enfatizar o protagonismo dos produtores culturais favelados e periféricos, das mais diversas vertentes artísticas. Para o idealizador do projeto, Wellington de Oliveira, a Semana de Arte Favelada servirá como ponte para abertura de demandas e anseios dos artistas favelados, que podem ser ocultados pela lógica de mercado. 

“Com a SAF queremos quebrar a elitização das manifestações artísticas, é uma estratégia de resistência que nos possibilita a construção de novas e nossas próprias narrativas”, ressaltou.

A programação terá três eixos principais: Artes visuais – exposição de fotos, pinturas, esculturas e demais expressões da arte visual com programação educativa; Artes Cênicas –  festival multilinguagem composto de 10 atrações culturais de dança, música e teatro; e Arte Literária – seleção de 25 textos de autores favelados para lançamento de um e-book e participarem do sarau literário.

Potência da favela

Na celebração do Dia da Favela, comemorado dia 4 de novembro, será exibido o filme Marte Um, produção indicada pelo Brasil para concorrer ao Oscar 2023, na Sessão de Cria. Além de Marte Um, também serão exibidos os filmes “Expresso Parador” e “Noite das Estrelas”, no Museu da Maré, a partir das 18h.

Wellington de Oliveira acredita que o evento é mais uma mostra da potência que as favelas representam no Brasil. “É com o desejo de projetar toda a cultura potente presente nas favelas que nasce a Semana de Arte Favelada, evidenciando assim que arte favelada já acontece, mas de acordo com nossas próprias formas e estruturas”, enfatiza.

Como foi feita a seleção?

A seleção artística das obras foi realizada por editais e conta com uma seleção de curadoria para cada eixo temático e uma das exigências é que 50% das vagas sejam preenchidas por artistas dos territórios onde a edição é realizada. Wellington lembra que todo processo criativo periférico vem cercado de dificuldades e impossibilidades, mas cada oportunidade precisa ser abraçada e aproveitada. 

Artistas foram selecionados a partir de editais e mostra conta com uma seleção de curadoria para cada eixo temático | Foto: Urso Preto da Favela / Divulgação

“É na guerrilha que temos construído a SAF, com poucos investimentos, mas sabendo que é o momento de plantar a semente, na esperança de poder contemplar o seu crescimento, certos de que a colheita será abundante e de ótimos frutos. Meu maior legado é poder ver o protagonismo da favela, ainda mais no campo da arte, contribuindo para desmistificar o olhar hegemônico para nossos territórios de origem”, explica Wellington, que completa:

“Com a Semana de Arte Favelada queremos reivindicar o direito de nós, artistas favelados e periféricos, historicamente marginalizados e invisibilizados, acessarmos e produzirmos ARTE. Quebrar a elitização das manifestações artísticas é uma estratégia de (re)existência que nos possibilita a construção de novas/nossas próprias narrativas”.

Programação Abertura

Dia 2 de novembro – As Crias no Municipal

Às 9h – Circuito Cultural da Herança Africana com um Passeio-Aula a pé, com o objetivo de difundir a cultura afro-brasileira, que se inicia em frente à Estátua da Bailarina Mercedes Batista, a primeira bailarina negra a integrar o corpo de baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.

A partir das 13h – EXPOSIÇÃO SAF – Abertura do Salão Assyrio.

13h20 – Trocas Faveladas – Uma roda de conversa com mediação da historiadora e educadora Pâmela Carvalho, e participação dos profissionais Wallace Lino (teatro), Camila Rocha (dança), Rodrigo Maré (música), Jean Carlos Azuos (Artes Visuais), Lais Dantas (audiovisual) e Marcos Diniz (literatura)

15h40 – Apresentação da performance aCORdo, no Salão Assyrio.

16h30 – Apresentação de dança Mulheres ao Vento (MAV), no Salão de Espetáculos.

17h30 – Apresentação de dança Imperadores da Dança, no Salão de Espetáculos do Theatro Municipal.

18h20 – Palavras Finais e encerramento – Salão de Espetáculos.

Dia 04 de novembro – Sessão de Cria

A partir das 18h, no Museu da Maré, exibição dos curtas “Expresso Parador” e “Noite das Estrelas”, e do filme “Marte Um”.

Semana de Arte Favelada: Edição Mareense

Dia 16 de novembro – Abertura da Exposição no Galpão Bela Maré (até dia 29/11)

Dias 26 e 27 de novembro – Festival Multilinguagem no Centro de Artes da Maré

SEMANA DE ARTE FAVELADA 

ABERTURA – THEATRO MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO

Data: quarta-feira, 2 de novembro

Hora: A partir de 13h

Endereço: Praça Floriano, S/N – Centro, Rio de Janeiro – RJ

Ingressos: Gratuitos – serão liberados no local, dia 2/11

SESSÃO DE CRIA –  MUSEU DA MARÉ

Data: sexta-feira, 4 de novembro

Hora: a partir de 18h

Endereço: Av. Guilherme Maxwel, 26 – Maré, Rio de Janeiro – RJ

Ingressos: Gratuitos, serão disponibilizados 200 ingressos, sendo 100 virtualmente por meio do link: https://linktr.ee/semanadeartefavelada e 100 presencialmente no dia e local da exibição

Maré no rugby? Esporte inglês cresce e mira quebra de paradigmas

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Apesar de ainda pouco conhecido no Brasil, rugby é o segundo esporte mais praticado no planeta; praticantes mareenses compartilham suas trajetórias

Por Daniele Figueiredo (*), em 28/10/2022 às 16h

O Rugby foi criado na Inglaterra em 1823 por Willian Webb Elis, mas, segundo o historiador Paulo Várzea, o esporte chegou no Brasil através do atleta Charles Miller, que organizou o primeiro o time de rugby brasileiro, em São Paulo, em 1895: o Clube Brasileiro de Futebol Rugby. Em 1925, o esporte passou a ser praticado regularmente no Campo dos Ingleses, pertencente ao São Paulo Athletic Club, no bairro de Pirituba, na capital paulista. O rugby é o segundo esporte mais praticado no planeta, atrás apenas do futebol. 

Contudo, diferentemente do futebol, o esporte ainda não é muito popular no país. O rugby é comparado ao futebol americano, sendo que existem diferenças grandes entre os dois esportes. A diferença mais básica consiste no passe com as mãos, que pode ser para frente no futebol americano, ao contrário do rugby, que o passe é feito para o jogador que está na mesma linha da bola ou atrás dela. Seu objetivo é levar a bola até a linha de gol do rival, o máximo de vezes possível. 

Como outros esportes, o rugby pode abrir portas para as crianças e jovens moradores de favelas, ingressarem no profissional. A ideia é pôr em prática os cinco pilares que apoiam o rugby: integridade, paixão, solidariedade, disciplina e respeito. 

Bandeira do time de rugby da Uerj ao centro | Foto: Arquivo pessoal

“Nunca pensei que estaria jogando contra os caras da seleção em alto nível, viajando para outros estados do Brasil pra jogar rugby. Como morador, sair da Maré para jogar rugby representando a seleção do Rio de Janeiro, é muito bom. É sair da Maré para o Mundo. Algo que o rugby me proporcionou e eu acho que se mais crianças, mais pessoas tiverem essa oportunidade, nossa, iria ser muito incrível”, afirma Celso Candido (21), estudante de Ciências Sociais e morador da Maré:

Diferentemente de Celso, que conheceu o esporte quando entrou na universidade, outro morador da Maré, Leonardo Carneiro (19) pratica desde o início da adolescência. “Conheci o esporte com 12 anos, após minha mãe me matricular no Profesp/CPOR (Programa Forças no Esporte / Centro de Preparação de Oficiais da Reserva do Rio de Janeiro). Já pensei em ser referência em um campo mais amplo. Quando mais novo, no período que passei junto à seleção brasileira, eu pensava em poder ser referência para as futuras gerações do esporte dentro do estado do Rio. Já pude representar as cores do Rio em 3 torneios de rugby sevens, e agora estou tendo minha primeira experiência em um torneio de XV nacional.”

Mulheres no rugby

Os primeiros times femininos só foram criados setenta anos depois, desde que o esporte chegou ao Brasil. O Barra Rugby Clube e o Desterro Rugby Clube, que já tinham categorias masculinas, abriram espaço para as mulheres em 1997, em Florianópolis, capital de Santa Catarina. 

O rugby abre portas para mulheres e meninas, além de ser uma ferramenta importante tanto para o bem-estar físico quanto psicológico. “Em momentos complicados, era somente o rugby que me mantinha focada e conseguia me teletransportar para longe dos problemas. Foi ele que me ensinou sobre comprometimento, amizade, persistência, foco, determinação e muitas lições que eu sempre vou levar comigo. O rugby é uma parte de quem eu sou, um pedaço de mim”, conta a atleta Larissa Aguiar Rangel (23) que também é estudante de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Integrantes da equipe feminina de rugby da Uerj. Alessandra Dias é a terceira jogadora de pé (da esquerda pra a direita) | Foto: Arquivo pessoal

Sobre o primeiro contato com o esporte, a estudante de história da Uerj, Alessandra Dias (32) explica que seu primeiro contato com o esporte foi através do cinema. “Eu assisti ao filme Invictus (2009), que conta como Nelson Mandela utilizou a Copa do Mundo de Rugby XV de 1995 para unir a África do Sul, após o apartheid e a sua eleição como presidente”.

Para essas mulheres, o rugby representa a possibilidade de praticar um esporte de contato, saindo do senso comum “de que as mulheres são frágeis”. E oferece um espaço de confraternização entre as equipes nas quais as diferenças são colocadas de lado, valorizando a diversidade.  O rugby  é um esporte de força que estimula o desenvolvimento de capacidade de liderança e a competitividade, ampliando a visão estratégica e facilitando o trabalho em equipe.

(*) Daniele Figueiredo é a aluna da primeira turma do Laboratório de Jornalismo do Maré de Notícias.