Home Blog Page 156

Maré tem população de cidade, mas faltam linhas de ônibus

Há 14 anos, o bairro Maré, com 137 mil moradores, tinha 3 linhas que ligava a Zona Sul ao território. Atualmente só há uma

Por Brenda Magalhães*, em 05/09/2022 às 11h20

Você já se perguntou quantas vezes precisou sair de casa mais cedo para percorrer um longo trajeto ou atravessar uma passarela até chegar ao ponto de ônibus? Ou quantas vezes precisou gastar o seu dinheiro pegando mototáxi, simplesmente porque esse ponto é distante da sua casa e você não pode se atrasar? Essas perguntas induzem a outro questionamento: por que os moradores da Maré não têm direito a transporte público? 

Uma viagem de mototáxi da praia de Ramos à Nova Holanda, que dura em média 10 minutos e possui um percurso de 1,6 quilômetro, chega a custa R$ 15. Ou seja, quatro vezes mais que o valor da passagem de ônibus atual. Já o trajeto de Copacabana – Parque União, que tem distância maior de quase 14 vezes, 22 quilômetros, pode ser feito com apenas R$ 4,05.

A luta para se ter dignidade e visibilidade na Maré não é de hoje. E isso aparece de forma escancarada no campo da mobilidade urbana nas 16 favelas.  A Maré foi formada a partir de remoções e habitações “provisórias” para um projeto de “modernização” do Rio de Janeiro, durante o governo estadual de Carlos Lacerda (1960-1965). Superficialmente o projeto ajudaria na criação de uma nova imagem de cartão postal do Rio, mas por trás, haveria algo muito cruel: segregaria parcela da população tornando-a marginalizada. 

Entretanto, esse projeto segregacionista não conteve os mareenses. Eles construíram um espaço de resistência, de debate e de luta por direitos. É uma região maior do que 96% dos municípios brasileiros, com 139.073 habitantes, segundo o Censo da Maré de 2013. Mas é aí que retomamos o ponto de partida desta reportagem: boa parte desses moradores precisa se deslocar todos os dias para o trabalho, para a escola ou para deixar o filho na creche, mas sofre com a falta de um projeto urbano de integração de transporte entre as comunidades adjacentes ou entre elas e os bairros da cidade. São 16 favelas comprimidas na extensão de uma dezena e meia de quilômetros – hoje, inexplicavelmente, isoladas entre si

Em meados de 2008, circulavam diariamente pela Maré no horário da manhã as linhas 126 (Túnel Santa Bárbara/Copacabana) e 127 (Copacabana/Aterro), da Empresa Real Auto Ônibus. As linhas faziam ponto final, inicialmente, na Rua Darci Vargas ou popularmente chamada Rua do Valão, ambos com o itinerário Zona Sul-Maré. A moradora da Nova Holanda Ana Maria de Oliveira, 55, tem saudade desse tempo.

“O transporte me facilitava muito por ser dentro da comunidade, por não ter que atravessar a Avenida Brasil para poder pegar do outro lado e ajudava na passagem porque era uma condução só. Eu pegava aqui e ia direto para o meu trabalho”, diz a mareense. Ana diz que seria ótimo se a linha voltasse não só para atender as pessoas que trabalham longe da Maré, mas também para quem quer transitar entre uma comunidade e outra.”

Também eram frequentes ônibus que possuíssem um itinerário Maré-Centro, como o 320.  Daniele Cabral (46), atual moradora do piscinão de Ramos, afirma que sempre pegava a linha na Nova Holanda para ir e voltar do trabalho, e que a existência desses ônibus na Maré facilitava muito o deslocamento e melhorava a qualidade de vida dos moradores. 

Jaqueline Lopes (37), cria do Piscinão de Ramos e secretária da Associação de Moradores da Roquete Pinto, revela que apesar do problema, “nunca se teve, nem pelos moradores ou por autoridades públicas, uma proposta de implementação de transporte público na região”. Para ela, trata-se de um direito escasso e já naturalizado pelos residentes das comunidades. Vale registrar que a própria dirigente da Associação admite que jamais tinha se questionado sobre o assunto. 

De acordo com o Censo Maré 2013, 32% dos estudantes frequentam escolas, creches e universidades fora da comunidade. Para Jaqueline se fosse estabelecido um ponto estratégico desde a vila do João até as outras comunidades pertencentes ao território, seria de grande ajuda a essa população. A secretária comenta ainda que a Praia de Ramos possui poucos projetos que provoquem questionamentos como esse, e por isso exalta o trabalho da Redes da Maré como eixo e socorro de todas as 16 favelas componentes desse território.

A Kombi estrelinha 

No Piscinão, em consequência à falta de transporte público, os moradores se juntaram e criaram, mesmo que de forma limitada, um transporte alternativo:  a famosa kombi “estrelinha”, que faz o itinerário Piscinão-Bonsucesso, circulando pela Penha e Lobo Júnior, por 4 reais. Segundo Hélio Silva (43) professor de Educação Física e dono do ponto das kombis, a regularização “foi chata e burocrática, e demorou mais de 20 anos”. Quem conseguiu regularizar esse transporte alternativo foi Gilberto Cardoso (55), mais conhecido como Galo, que tentava implementar o veículo desde o ano 2000.

Kombi “estrelinha” estacionada no ponto final, na Praia de Ramos.  Foto: Brenda Magalhães

Hélio afirma que se tivesse algum ônibus rodando pelo Piscinão e fizesse o mesmo trajeto, o serviço de kombi seria extinto. Entretanto, como “nunca teve e nunca passou pela cabeça dos administradores, o transporte vem a calhar muito bem”. Ele diz ainda que a kombi facilitou a vida de muita gente e que, constantemente, são parabenizados pela prestação de serviço à comunidade. 

É o que reconhece a autônoma e moradora da Praia de Ramos, Alice Magalhães (38).”A gente pega a condução na ‘porta’ de casa, e desce na ‘porta’. Facilita muito a nossa vida na correria do dia a dia. Se não fosse a kombinha, com certeza seria tudo mais difícil para nós”, afirma a moradora. 

Mas se a kombi estrelinha ajuda na mobilidade urbana de parte de quem vive no Piscinão, isso já não acontece com as demais 15 favelas da Maré em relação ao transporte público. A nossa reportagem procurou as empresas de ônibus que não responderam a essa pergunta.

*Comunicadora da primeira turma do Laboratório de Jornalismo do Maré de Notícias

Candidatos ao Governo do Rio apresentam estratégias para reconstrução do estado

Casa Fluminense promove encontros entre os dois candidatos do campo progressista mais bem posicionados nas pesquisas eleitorais e organizações sociais

Por Samara Oliveira, em 02/09/2022 às 10h19

Com o objetivo de estimular a conversa entre as demandas da sociedade civil e as candidaturas ao Governo do Estado do Rio, a Casa Fluminense, junto ao Instituto Marielle Franco e à Ação Cidadania, promoveu uma série de encontros denominada “Agendas para o Rio: compromisso para candidaturas em 2022”. Rodrigo Neves (PDT) e Marcelo Freixo (PSB) foram os convidados e participaram nos dias 24 e 31 de agosto, respectivamente.

“Os dois candidatos são muito preparados e são os dois do campo democrático progressista que estão mais bem posicionados nas pesquisas eleitorais e também que possuem valores de redução da desigualdade, de ampliação da participação social, mais alinhados com as ideias desse conjunto de organização da sociedade civil. Acredito que ambos têm capacidade de construir um governo alinhado às propostas da sociedade civil, a Agenda Rio 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, afirmou Henrique Silveira, coordenador executivo da Casa Fluminense. 

A definição dos participantes ocorreu a partir de uma lista de compromissos, elencada pelos organizadores, a qual o novo governador deve seguir, que são: 1) Defesa intransigente da democracia, respeito ao resultado das eleições e superação da violência política; 2) Prioridade na redução das desigualdades em suas múltiplas dimensões, promovendo justiça econômica, racial, de gênero, ambiental e climática na elaboração das políticas públicas e do orçamento público do Estado; 3) Coordenação metropolitana do governo do Estado junto às prefeituras, promovendo um amplo programa de infraestrutura urbana verde, geração de empregos e renda e criação de oportunidades econômicas e sociais para a população.

No evento, Neves e Freixo responderam perguntas sobre combate à fome, transferência de renda, geração de emprego, segurança pública, racismo e desigualdade desenvolvidas por representantes da sociedade civil.

Rodrigo Neves foi o primeiro candidato ao participar do encontro: ‘Esse é nosso plano emergencial, uma estratégia de reconstrução do Rio’ | Foto: Divulgação

“Precisamos de um plano emergencial para a criação de frentes de trabalho, com esse programa vamos gerar 150 mil postos de trabalho”, disse o ex-prefeito de Niterói em sua participação. Por sua vez, o ex-deputado estadual afirmou que “essas são as eleições das nossas vidas, precisamos combater o fascismo instaurado no Rio. Nossa prioridade será a criação do plano estadual de combate ao racismo e o programa comida no prato, tem orçamento para isso é só acabar com a corrupção do governo atual”. 

Henrique ressaltou as ações futuras da Casa Fluminense em conjunto com outras instituições e sociedade civil para continuar atuando no possível novo governo com base na redução de desigualdades e outros enfrentamentos mundiais criados pela Organização das Nações Unidas (ONU). 

“Após as eleições, a gente tem dois caminhos claros. O primeiro é a Casa Fluminense,  junto com os parceiros da sociedade civil buscar canais de interlocução com o próximo governo buscando garantia e inclusão dessas propostas que foram apresentadas no novo plano do governo eleito. Garantir que essas propostas estejam no planejamento, nas prioridades, na composição das secretarias que vão ser instaladas. Do outro lado, a gente entende que precisamos continuar um trabalho de fortalecimento da sociedade civil metropolitana e isso significa que a gente vai continuar nosso trabalho de formação de lideranças sociais, de apoio a coletivos, de elaboração de propostas locais. Acreditamos que um governo só vai conseguir avançar na pauta de redução de desigualdade com participação social”, afirmou.

Hoje, o Rio de Janeiro, apesar de ser a segunda economia do país, possui gravíssimos problemas, com destaque para 2,7 milhões de pessoas em situação de fome, 14% de desempregados, déficit habitacional de mais de 500 mil moradias, e a realização de chacinas como política de segurança pública, entre outros.

Marcelo Freixo foi o convidado do encerramento das conversas: ‘Essas são as eleições das nossas vidas, precisamos combater o facismo instaurado no Rio’ | Foto: Divulgação

Confira abaixo algumas das propostas dos candidatos alinhadas com as pautas da Agenda Rio 2030

Rodrigo Neves

Aumentar a efetividade e cobertura das políticas de transferência de renda

“Vamos criar um programa de renda básica estadual no valor de 500 reais. Meu compromisso principal é que para que a partir de janeiro de 2023, nenhum fluminense passe mais fome.”

Investir em infraestrutura urbana verde e geração de empregos na construção civil 

“O Rio de Janeiro foi o estado que mais perdeu emprego e renda nos últimos cinco anos.  Nossa proposta é priorizar um plano emergencial com a criação de frentes de trabalho, logo no primeiro ano de governo. Nós estruturamos um plano para gerar 150 mil  postos de trabalho com obras para recuperar escolas, hospitais e estruturas de saneamento que hoje estão abandonados.” 

Estabelecer políticas de complexos produtivos

“Temos uma ideia de plano de desenvolvimento de médio e longo prazo para aquilo que ainda é a potência do rio, os complexos industriais de óleo e gás, de defesa, serviços de saúde e a indústria da economia criativa.”

Criar programa de redução de mortes violentas e revisar o Plano Estadual de Redução de Letalidade 

“A segurança pública é o campo de maior desafio nessa reconstrução do estado do Rio, não vai ser fácil devolver minimamente a tranquilidade ao cidadão do Rio. Nosso plano passa necessariamente por um investimento em inteligência, qualificação das polícias e uma forte agenda de prevenção com foco na juventude das comunidades. Precisamos de uma Secretaria Estadual de Segurança com centros integrados com as guardas municipais e as prefeituras, o estado não pode ser ausente.”

Estruturar política de habitação de interesse social

“Habitação não é um problema individual das famílias, é uma política de estado. Vamos construir 100 mil casas populares e contratar 150 mil trabalhadores para a construção civil dessa política, que vamos fazer em parceria com as cidades começando onde tem a maior crise, que é a região metropolitana. Sei que tem recurso pra fazer isso assim, como tem para fazer a renda básica, falta volta politica.”

Marcelo Freixo

Reduzir as tarifas do transporte público

“No nosso programa a gente está defendendo que o bilhete único sirva para três transportes e não dois, como acontece hoje.  A bilhetagem com subsídio, vai sair de R$8,50 para R$ 7 reais, isso no primeiro ano de governo. O transporte público pode ser mais barato e ser melhor, com planejamento.”

Fortalecer a economia da cultura

“Qualquer ditador precisa escolher a cultura como adversário do seu modelo autoritário, a cultura é decisiva para o campo democrático. Existe hoje um orçamento para a cultura que é menos de 0,5%, isso não pode continuar nos próximos 4 anos. E mais, esse orçamento tem que ser transversal porque a cultura é transversal, precisamos ter uma economia da cultura com editais mais democráticos e auxílios para a elaboração de editais, formação e apoio jurídico. O modelo de desenvolvimento do Rio de Janeiro tem que ter na cultura um instrumento de gerador de emprego e renda.”

Fortalecer a Câmara Metropolitana para planejar e coordenar políticas públicas

“O Rio precisa de uma autoridade metropolitana para resolver o problema da mobilidade, existe o Rio Metrópole que poderia ser esse órgão mas não é efetivamente. O governador não deu poder político para aquele conselho, que é só consultivo hoje. Isso foi uma decisão política. Ali tem que ser um lugar de ouvir especialistas, universidades e a sociedade civil para se tomar as decisões adequadas para o planejamento metropolitano.”

Criar programa de redução de mortes violentas e revisar o Plano Estadual de Redução de Letalidade 

“O que a gente tem que garantir, independente da autonomia administrativa e financeira que as polícias precisam, é que haja uma superintendência sob todas elas que determinam qual é a nossa política pública de segurança com meta. Esses objetivos são redução de homicídios e letalidade, controle da polícia, formação adequada e convênio com as universidades. Precisamos recriar as ouvidorias independente de polícia, com ampla participação da sociedade civil, e ter conselhos de segurança nos bairros.”

Promover políticas de habitação, como aluguel social e utilização de imóveis públicos vazios

“Precisamos debater a questão da moradia no centro do Rio de Janeiro, temos uma quantidade enorme de prédios públicos abandonados quanto prédios estaduais quanto federais. A gente precisa ter junto a prefeitura da capital do Rio um grande investimento para que o centro possa ser um espaço de moradia, o que é decisivo para democratizar o estado. Isso não é um programa só para a cidade do Rio, quando se cria esse tipo de projeto de habitação você está resolvendo em parte a vida de quem mora na Baixada também.”

Casal se aventura na venda de empadas na Maré

Moradores da Nova Holanda decidem deixar empregos e investir em venda empadinhas

Daniele Figueiredo* 

Vera Lúcia Costa Silva Lopes (25) trabalhava como balconista numa sorveteria, até o momento em que decidiu investir o dinheiro, que antes seria para um curso de beleza, em produtos para fazer e vender empadas. No início do empreendimento, ela e o companheiro, Filipe Mariano da Silva Santos (23), estavam separados e, segundo Filipe, “a empada juntou os dois novamente”. 

Filipe contou sobre a relutância, inicialmente, de se tornar autônomo. Afinal, tinha um emprego fixo como garçom em um restaurante. “Eu prefiro dar passos mais devagar e, diferente da Vera, sou mais medroso.” O curioso é que o pai de Filipe, seu José Oliveira dos Santos (58) criou o jovem e os irmãos com a renda gerada também pela venda de salgados.

Vera Lúcia, mãe de duas crianças, de 8 e 10 anos, filhos de um relacionamento anterior, afirma que trabalhar no próprio negócio a “permite ter mais tempo para aproveitar a infância dos filhos. Se a gente chegar à conclusão de que estamos trabalhando muito, a gente sai no domingo com as crianças e nos divertimos.”

Vera Lúcia e Filipe Mariano vendem as empadas na porta de casa e com o lucro, conseguiram alugar um espaço para realizar essa produção: botar a mão na massa, literalmente, com mais tranquilidade e cuidados no preparo. Filipe sai com o carrinho com mais de 200 salgados pela Nova Holanda, de terça a sábado. Cada empada custa R$2,50. 

O empreendimento “Ki empada boa” possui sabores variados como frango, frango com cream cheese, queijo, romeu e julieta, camarão e carne seca com catupiry. Em média, o casal fatura R$450,00 a R$500,00/dia, o que resulta em uma renda de aproximadamente R$4.000,00 por mês.   

Sem patrão 

Segundo o IDados (consultoria especializada em análise de dados e soluções de aumento de impacto das empresas), o número de trabalhadores que passaram a trabalhar por conta própria teve considerável aumento nos últimos anos, especialmente com a participação de quem tem ensino médio, completo ou incompleto: saltaram de 36,7% para 38,2% de 2020 para 2021. 

Vera Lúcia e Filipe Mariano possuem respectivamente o ensino fundamental e médio completo; ambos concluíram através do Exame Nacional Para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja). Eles fazem parte de um grupo muito significativo de moradores da Maré que são empreendedores. De acordo com o Censo de Empreendimentos da Maré, em 2014, o conjunto de favelas já possuía pelo menos 3.182 empreendimentos, das mais diversas categorias. 

Comunicadora da primeira turma do Laboratório de Jornalismo do Maré de Notícias

Urgência das demandas de saneamento movimenta Maré, mas concessionária se ausenta de debate

Encontro de Saneamento da Maré reuniu, no último sábado, moradores, ativistas e especialistas na Lona Cultural Municipal Herbert Vianna

Por Hélio Euclides, em 30/08/2022 às 9h41

O V Encontro de Saneamento da Maré reuniu moradores, ativistas e especialistas na Lona Cultural Municipal Herbert Vianna, na Nova Maré, para discutir políticas públicas para o território, envolvendo água, esgoto, resíduos sólidos e manejo da chuva. O evento, que aconteceu no sábado (27/08), teve a organização do data_labe e o apoio da Redes da Maré. A discussão envolveu a questão hídrica e o esgotamento após a privatização. O objetivo foi explicar o que ocorreu após a privatização da Cedae e assim organizar estratégias de conquista dos direitos.

Um dos desdobramentos do encontro era abrir um diálogo sobre como a prestação do serviço da Águas do Rio vem sendo feita desde que a companhia privada passou a ser a responsável por parte do saneamento básico do Rio de Janeiro, incluindo a área da Maré. Apesar do insistente convite, a empresa não enviou nenhum representante para o encontro. Mesmo assim, os pesquisadores debateram quais mudanças são esperadas na favela com a privatização. 

O evento teve início com uma mesa sobre a participação social e atuação da Águas do Rio na Maré, que contou com a presença de: Inahra Cabral, graduando na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Estela Neves, professora de Política Ambiental na UFRJ; Patrícia Finamore, pesquisadora do Laboratório de Estudos de Águas Urbanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e João Roberto Lopes Pinto, professor da Pontifícia Universidade Católica (Puc-Rio)/Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e membro do Instituto Mais Democracia. A mediação coube a Shyrlei Rosendo, mestre em Educação e Políticas Públicas e coordenadora do Eixo Direitos Urbanos e Socioambientais, da Redes da Maré.

Shyrlei Rosendo abriu os trabalhos lembrando da sua experiência no território. “Tenho tristeza de pensar na Maré que, apesar dos seus 80 anos de existência, ainda tem a efetivação de direitos tão precária. Não temos direito ao meio ambiente. Como o Estado compreende esse território? Como os moradores se apropriam dessa mobilização? O que vemos são muitos na Avenida Brasil fazendo campanha para candidatos que não estão interessados pelas periferias”, diz. Rosendo questionou a administração pública. “Estamos num equipamento que está precário, será que se estivéssemos na Zona Sul, estaria assim? Estamos dentro de um conjunto habitacional que ganhou um prêmio pelo modelo, mas quem mora aqui sabe que a localização não permite que o caminhão do lixo circule e o saneamento básico é péssimo. Para a favela fazem de qualquer jeito, pois acham que aceitamos tudo”, expõe. 

A estudante Inahra Cabral já morou na Maré e na época achava normal os serviços oferecidos pelo poder público. Depois do convívio com outras pessoas em outros locais, percebeu que o tratamento governamental é diferenciado.

Compreendi que o que estava aprendendo na arquitetura tinha que ser convertido para defender o território. Começamos a discutir o assunto com alunos do Colégio Estadual João Borges de Moraes, envolvendo mais personagens como o coletivo Lutas Urbanas Tecnologia e Saneamento (LUTeS).

Inahra Cabral, ex-moradora da Maré e estudante de arquitetura

Cabral percebe um processo de engajamento dos alunos na questão da luta por saneamento. “Eles percebem que há a necessidade de políticas públicas para o território, para acabar com a problemática dos esgotos a céu aberto, o acúmulo de lixo, enchentes e o racismo ambiental. Temos um processo participativo para entender que para ter água não é preciso cobrança, pois é um direito universal”, afirma.

A professora Estela Neves lembra que o Brasil já era campeão de desigualdade antes mesmo da pandemia, depois ainda teve o aumento da riqueza da minoria. Na contramão a área ambiental leva a cultura de que água não é uma mercadoria e sim um bem. “É preciso o estudo hídrico, saber que saúde também significa cuidar da qualidade da água. O saneamento é uma área da política que reúne água, esgoto, lixo e águas pluviais, algo que é um serviço e não uma cobrança. Hoje temos a privatização do serviço, uma dimensão que virou negócio, algo para ganhar dinheiro. O saneamento não é pauta para os governantes, por isso precisamos ocupar espaços para pressionar pelos nossos direitos”, defende. 

A pesquisadora Patrícia Finamore já vê mudanças das prestadoras, que desejam trabalhar a medição. “Pelo decreto estadual 25.438/99 há a tarifa social, algo específico para locais como a Maré, que é um território considerado favela. Dessa forma, ninguém precisa estar inscrito no CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais). Desde 2020, há cobrança de esgoto, mesmo sem o tratamento adequado. A tarifa social tem como valor R$ 40,52 que reúne o serviço de esgoto e água, disponibilização de 12 metros quadrados sem hidrômetro”, detalha. Para Finamore o grande problema é que há pessoas que ou pagam a conta ou comem. “Outro problema é que ao gastar uma quantidade de água maior, paga R$ 65,83, até 15 metros quadrados, superando isso passa a R$ 210,65. Isso acarreta em inadimplências. É preciso se pensar em isenção e tolerância com os picos de consumo”, diz.

O professor João Roberto Lopes Pinto foi o coordenador da pesquisa: Quem são os Proprietários do Saneamento no Brasil. Ele conta que a Águas do Rio, responsável pelo abastecimento de água e esgotamento sanitário na Maré, é concessionária da Aegea, líder no setor privado de saneamento básico no Brasil. “Fiz o monitoramento com uma pesquisa de quem são os proprietários do saneamento e mapeamento das corporações privadas no setor de 2017 a 2018. Cinco empresas controlam 80% do mercado privado de saneamento do Brasil, sendo financiadas por bancos, fundos de investimentos e empresas internacionais. Ele argumenta que o poder público precisa ser questionado e para isso é preciso conhecer os fatos. “A Aegea pagou a seus acionistas 51% de lucro líquido em 2020, num total de R$ 532 milhões. Já o lucro no primeiro trimestre de 2022 é de 237 milhões, um crescimento de 148%. A previsão para 2026 é um lucro líquido de 75%. A Aegea tem 108 processos jurídicos de natureza ambiental, com 511 no âmbito trabalhista e 37 de natureza criminal”, conclui. 

Uma carta em construção

Na parte da tarde ocorreu a apresentação do Relatório Cocôzap e os grupos de estudos de construção da Carta de Saneamento da Maré. Foi um momento de conversas e trabalhos para a construção da renovação da Carta, que hoje é o principal instrumento de incidência política. A carta começou a ser construída no primeiro encontro e agora no quinto é possível olhar para ela a partir de tudo que se acumulou durante esse tempo de trabalho.

Carta é, atualmente, o principal instrumento de incidência política no que diz respeito ao saneamento básico no território | Foto: Paulo Barros

A Carta de Saneamento da Maré traz um diagnóstico do território, com objetivo fortalecer a mobilização para o avanço na busca por políticas socioambientais que ainda não foram efetivamente garantidas. O documento é dividido em quatro eixos: esgotamento e Baía de Guanabara; abastecimento e manejo de água pluvial; resíduos sólidos; e saúde e bem-estar. A carta traz demandas somadas a indicativos para o desenvolvimento de políticas socioambientais, sendo parte integrante da Agenda Rio 2030. 

“Estamos vivendo um cenário novo na cidade do Rio de Janeiro de termos um serviço privado que cuida do nosso esgoto. Continuamos a sofrer consequências históricas e somos negligenciados ao direito à água de qualidade, de um esgoto tratado. O grande diferencial é a mudança para quem devemos cobrar e quais estratégias precisamos ter para lidar com os processos de garantia desse direito”, comenta. Clara Sacco, coordenadora e co- fundadora do DataLabe. Ela acredita que foi a primeira vez em que se discutiu na Maré o tema da privatização do saneamento do território.

Ana Paula Godoi, moradora do Parque União, gostou das mesas, pois os pesquisadores olharam para as questões essenciais, como a tarifa social e quem está mexendo com o dinheiro que a empresa ganha, e que o saneamento é um direito. “É sempre bom saber o que está por trás dos serviços, seja do governo ou das empresas. O que pode mudar com esse encontro é a forma de comunicação sobre o saneamento básico. Tentar deixar a informação mais acessível, para que outras pessoas possam entender, deixando de ser complexa uma questão. Há um interesse de deixar o tema complicado, para não compreendermos que a água é um direito básico. Nós podemos construir uma civilização melhor”, comenta.

A intervenção de Charles Gonçalves, presidente da Associação de Moradores da Baixa do Sapateiro, revelou que a favela já contribui com a tarifa social há 12 anos e na questão da água cerca de 80% são assistidos e que o esgoto é precário. “Começou cobrando R$ 16,00 e hoje o valor é de R$ 46, 00. Acredito que já pagamos cerca de R$ 4 milhões, só a Baixa do Sapateiro. Tem morador recebendo conta no valor de R$ 687,00. Eles só querem mais lucros e enquanto isso a Maré fica à margem do saneamento”, detalha. Hoje há quatro favelas na Maré que pagam água: a Baixa do Sapateiro, o Morro do Timbau, a Roquete Pinto e a Praia de Ramos. “Somos contra a colocação dos hidrômetros, pois já com a tarifa social nem todos os moradores conseguem pagar e viram inadimplentes, tendo o nome no spc (serviço de proteção ao crédito). Uma pena que não tivemos representantes da Águas do Rio para responder os nossos questionamentos”, finaliza.

Dia Nacional de Combate ao Fumo: por que evitar o cigarro (inclusive o eletrônico) é a melhor opção

0

Confira entrevista com Ana Helena Rissin, técnica do Programa de Controle de Tabagismo da Secretaria Municipal de Saúde (SMS)

Por Hélio Euclides, em 29/08/2022 às 10h37

Na década de 1980 era comum nos filmes e novelas pessoas aparecerem em cenas com um cigarro na mão e espalhando fumaça no ambiente. O cigarro era considerado símbolo de sedução, modernidade e de glamour. Um estudo lançado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2015 mostrou que pessoas que assistiram a trechos de filmes que incluíam fumantes destros sofreram um estímulo cerebral nas regiões associadas ao desejo e ao movimento da mão direita.  

Em 1986, para modificar esse cenário no país, foi criado o Dia Nacional de Combate ao Fumo, a data de 29 de agosto tem como objetivo reforçar as ações de incentivo à diminuição do número de fumantes. As ações relacionadas ao dia estimulam que evitar o tabaco é a melhor escolha. No início dos anos 1990, foi incentivada uma maior presença de legislação contra o tabaco por todo o mundo, para uma conscientização sobre os danos à saúde, sociais e ambientais. No Brasil, para ajudar no combate ao fumo, as leis foram associadas às estratégicas como a propaganda sendo banida, imposto alto e os maços trazendo alertas de saúde. 

Na culminância da data, a Fundação do Câncer, em parceria com a Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP), lançou uma campanha de alerta sobre os perigos do cigarro eletrônico, mostrando que os dispositivos fazem mal à saúde. Segundo pesquisa encomendada pelo Ministério da Saúde, um a cada cinco jovens, na faixa de 18 a 24 anos, usa cigarro eletrônico. O cigarro comum tem em média um grama de nicotina, enquanto o dispositivo eletrônico pode ter sete vezes mais. Segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia, os jovens que fumam cigarro eletrônico têm mais chance de sofrerem infarto e AVC. Segundo agência reguladora dos Estados Unidos, dos 2.711 casos de lesão pulmonar induzida pelo cigarro eletrônico, 68 casos chegaram a óbito (https://globoplay.globo.com/v/10884780/).

Leis e ações de tratamento

A Secretaria de Estado de Saúde (SES) realizou este ano a capacitação de 386 profissionais da saúde e da educação de 50 municípios fluminenses em um curso de prevenção à iniciação ao tabagismo. Entre os assuntos abordados na capacitação, os Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs), ou cigarros eletrônicos, foram destaque em função da projeção que ganharam principalmente entre os mais jovens. A capacitação tem como objetivo orientar e sensibilizar equipes para atuar na promoção da saúde junto às escolas e às unidades da rede estadual. A ação da SES foi articulada em parceria com o Ministério da Saúde (MS) e o Instituto Nacional de Câncer (INCA), dentro do Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCTO).

Para limitar a venda, propaganda e o uso foram criadas diversas leis, no âmbito municipal, estadual e federal. Um exemplo é o artigo 49 da Lei nº 12.546/2011 e o Decreto nº 8.262/2014, que a regulamenta. Segundo eles, desde 3 de dezembro de 2014 está proibido fumar cigarros, charutos, cachimbos, narguilés e outros produtos derivados do tabaco em locais de uso coletivo, públicos ou privados, de todo o país. Na cidade do Rio de Janeiro, a Prefeitura realiza fiscalização para o cumprimento das regras de convívio de fumantes e não-fumantes. Além disso, oferece tratamento gratuito a quem deseja parar de fumar nas unidades de Atenção Primária. Para falar sobre isso, o Maré de Notícias entrevistou Ana Helena Rissin, técnica do Programa de Controle de Tabagismo da Secretaria Municipal de Saúde (SMS).

Ana Helena Rissin é técnica do Programa de Controle de Tabagismo da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) do Rio e concedeu entrevista ao Maré de Notícias | Foto: Arquivo pessoal
  1. Quando começou a mudança no pensamento sobre o tabagismo?

No final da década de 1980, o Ministério da Saúde começou a trabalhar a questão como problema de saúde pública. Foram três linhas de ação: as leis, o tratamento e a prevenção. Ao longo dos anos se pensou no tratamento, que aqui na cidade demos início no final dos anos 1990 com o treinamento. Nós nos aprimoramos e nos capacitamos para treinar outros. Em 2004 começamos o trabalho nas unidades.

  1. Como sensibilizar os fumantes?

Na faculdade não se aprende sobre o assunto. Por isso são necessários dois dias de treinamento para os profissionais interessados. O cigarro é uma dependência química e não é só falar que faz mal. O primeiro passo é entender o fumante, até se será necessário o uso de medicamentos. São três tipos de dependências: física, comportamental e emocional. Na entrevista tentamos perceber qual a ligação do paciente com o cigarro. Pode ser algo psicológico, fumar após o café ou a bebida alcoólica.

  1. O que faz uma pessoa procurar os profissionais?

Quando nos procura é porque necessita de ajuda e se reconhece como fumante. A interrupção não é mágica. Mostramos o lado positivo e o ganho, os avanços na vida. Um exemplo é pedir que coloque o dinheiro utilizado para comprar o cigarro num cofrinho em casa, ou final do mês o indivíduo vai ver o quanto ganhou com o não uso do cigarro. Não é só mostrar os males e doenças, é preciso demonstrar com a vida dele. Um caso que sempre conto era de um pai que vivia na varanda, pois era o seu cantinho para o fumo. Quando interrompeu essa rotina, ficou mais tempo na sala e acabou se aproximando mais do filho. Percebeu o benefício de parar de fumar. Além de ter maior tempo de sobra para fazer algo construtivo.

  1. Há instrumentos que incentivam os fumantes?

Um é o cigarro eletrônico, um artifício da indústria que tenta disfarçar e dizer que não faz mal. Essa geração precisa perceber que não é um vapor d’água, mas que traz um dano muito maior do que o cigarro comum. A indústria quer mostrar que é algo moderno. Os estabelecimentos que vendem não sabem que o cigarro eletrônico é proibido no Brasil. Em 2009 a Anvisa o proibiu por não existir estudos. Por pressão, ocorreu uma consulta pública com estudos e os levantamentos, confirmaram os malefícios que a utilização desse utensílio causa. O jovem precisa saber que é proibido o comércio, dessa forma o que chega aqui é contrabando, algo ilegal.

  1. Qual o procedimento do tratamento?

Quem desejar parar de fumar deve procurar a unidade de saúde mais próxima de casa ou do trabalho, para ingressar no programa. A pessoa vai passar por uma entrevista individual, para saber o nível de dependência da nicotina. Alguns nos procuram e mencionam os dentes amarelos, querem uma estética melhor. O tratamento é em grupo ou individual, como a pessoa preferir. A vantagem do tratamento em grupo é que um motiva o outro. Começa com um mês, sendo uma vez por semana. Mas o paciente fica sendo acompanhado por um ano para estudos, no início duas vezes ao mês e ao decorrer do tratamento para uma vez a cada 30 dias.

  1. Quem são as pessoas que procuram o programa?

A maioria que nos procura está na faixa dos 35 a 40 anos, tendo fumando por volta de 20 anos. Destes, 90% começaram a fumar cedo, antes de completar 19 anos de idade. Percebemos também que os que estudam mais, menos fumam. A indústria do tabaco se aproveita de quem tem menos poder aquisitivo. No programa, entre 40% a 50% param de fumar no primeiro mês, e outros vão diminuindo ao decorrer do tratamento. A cada passo o paciente fica mais feliz.

  1. Qual o sentimento nessa trajetória de parar de fumar?

Muitos têm medo de engordar, explicamos que isso acontece quando se pára de fumar, pois se sente mais cheiro, ou seja, aprecia mais a comida, fica até mais gostosa. Ensinamos no programa estratégias e estímulos para facilitar o tratamento. Há um incentivo para que o cérebro domine a dependência, ou seja, que ocorra uma distração nos neurônios. A pessoa escolhe a data que pretende parar de fumar. Só assim saberemos se precisará de alguma medicação, para diminuir a ansiedade. No final do tratamento há casos de pessoas que reformaram a casa com o dinheiro que usavam para comprar os maços de cigarros. 

  1. É um cabo de guerra permanente com a indústria do cigarro? 

Sim, conseguimos acabar com a propaganda em meios de comunicação, ficando restrito aos locais de venda. A indústria respondeu abrindo mais pontos de vendas, como as bancas de jornais e vendendo cigarros com sabores. Em 2018, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou que não pode ter luz, desenho ou propaganda onde fica o cigarro. Em 2020 veio a recomendação de produtos de tabacos ficarem distantes de balas e doces. Hoje há rondas de fiscalização para notificações aos estabelecimentos que utilizam artifícios para venda do cigarro. Nas caixas de cigarros já vem advertências sobre doenças, mas o ideal era os marços ficarem escondidos nas lojas. Na pandemia, as indústrias se aproveitaram e colocaram até promotores de vendas nos estabelecimentos. No Metrô foram colocados até máquinas que vendiam bebidas alcoólicas e cigarros. Muitas vezes o comerciante que está errado não sabe que quem paga a multa é ele.

Comunicação favelada marcada pelo Dia Estadual Bira Carvalho

Fotógrafo e cronista das ruas da Maré é homenageado com data instituída em seu nome para reconhecer luta cotidiana dos comunicadores comunitários 

Por Hélio Euclides, em 26/08/2022 às 7h30

Foi aprovado no início de agosto a lei que institui o Dia Estadual Bira Carvalho, em homenagem à comunicação periférica e favelada. A Lei 6158/2022, de autoria da deputada Renata Souza, inclui o dia 22 de agosto, no calendário oficial do Estado do Rio de Janeiro. A homenagem ao fotógrafo da Maré, que morreu em novembro do ano passado, é o reconhecimento a todos que incansavelmente lutam por uma comunicação comprometida em apresentar outras perspectivas das favelas e periferias, para além da violência.

Flavinha Cândido, moradora da Maré, professora de Língua Portuguesa e assessora parlamentar da deputada Renata Souza, explica que a ideia da lei surge a partir dos ataques que a imprensa, comunitária ou comercial, vem sofrendo em tempos de agravamento da disseminação de notícias falsas, as infames fake news. Ela destaca que a lei que fala da comunicação comunitária atinge os comunicadores de favelas e periferias, tendo uma grande importância. “Em tempo de pandemia, a presença deles foi necessária para que as informações chegassem nas casas da população que mais precisava. Acredito que a parcela da sociedade que é beneficiada por essa forma de comunicação recebe com muita gratidão essa lei”, diz.  

A assessora lembra que a deputada Renata Souza é uma comunicadora que começou no jornal O Cidadão, na Maré, muito antes de ingressar na faculdade e por isso toda a sua equipe desejava uma lei que contemplasse e valorizasse essas lideranças por tudo que representam. “Uma especificidade que começa com a Marielle Franco é fazer leis a partir de quem é atingido cotidianamente. Falar com os comunicadores periféricos e favelados foi fundamental para saber da importância do dia, porque traz para o calendário a visibilidade”, conta. 

Flavinha completa que a lei é muito importante. “Não só uma homenagem ao querido amigo, mas a valorização do que é a comunicação periférica e favelada”, expõe. Apesar da data ainda ser pouco conhecida, a professora defende que a partir dos próximos anos poderá ter mais visibilidade, valorizando a profissão de comunicador comunitário. “São eles que levam informação com a verdade para quem está ali dentro da favela e periferia, algo que com a proximidade das redes sociais estamos perdendo muito, por meio das fake news”, diz.

Michele Silva, jornalista e coordenadora do jornal Fala Roça, da Rocinha, comemora a instituição da data. “Muito bacana ter esse dia para poder exaltar tantos comunicadores e comunicadoras que fazem um trabalho tão importante em seus territórios. A gente tem tanto trabalho e tão pouca estrutura que esquece de celebrar o quão grande é nosso papel na sociedade”, conta. “Pode ser um passo para nos ajudar em um dos principais gargalos que é a sustentabilidade e captação de recursos. Reconhecer nosso dia pode ser prosseguido de outras medidas para beneficiar nossa profissão”, finaliza.

Confira justificativa da lei que foi aprovada no dia 12 de agosto 

A inclusão desta data no calendário oficial do Estado do Rio de Janeiro tem o objetivo de homenagear os comunicadores e comunicadoras populares que fazem de sua prática uma forma de dar visibilidade a assuntos pertinentes às suas comunidades.

Não menos importante, a data escolhida, 22 de agosto, é uma singela homenagem ao fotógrafo mareense Ubirajara Carvalho, também conhecido como “Bira Carvalho”, que faleceu no dia 29 de novembro de 2021. A vivência de Bira Carvalho, ressalta-se, foi forjada no subúrbio do Rio e na favela¹

Bira era cadeirante e aos 29 anos fez seu primeiro curso de fotografia em uma instituição no Morro do Timbau. Em 2004, fez parte da primeira turma da escola de fotógrafos populares, tendo atuado em seguida como coordenador do projeto Imagens do Povo, fruto de uma parceria do Observatório de Favelas com a Unicef, tendo sido coordenador do projeto de 2017 a 2020.

Em 2007, o fotógrafo e outros 27 profissionais formados na primeira turma da Escola de Fotógrafos Populares (EFP), na Maré, foram escolhidos na categoria Revista O Globo para a quinta edição do Prêmio Faz Diferença. Na noite da premiação, Bira Carvalho, fez questão de homenagear os colegas e moradores das favelas do Rio:

“As pessoas que merecem esse prêmio não estão aqui. São as que ficaram lá onde moro, no interior do Brasil ou em algum lugar no Rio, as que contribuem para o crescimento do nosso país. Eles fazem diferença. Eu só tenho o prazer de registrá-los”.

Em 2019, teve sua história contada no curta “Descolonize o olhar” produzido por coletivos de jovens comunicadores do Complexo do Alemão. Seu trabalho possuía um olhar peculiar, que mostrava a beleza e complexidade que a favela inspira e sua lente captou em toda sua maestria as especificidades e beleza da vida favelada.

Bira Carvalho, viveu seus últimos dias na favela da Nova Holanda, na Maré, e quem andava pelas ruas da favela costumava ver o artista em sua cadeira de rodas em esquina papeando e registrando com sua câmera momentos peculiares dos moradores. Assim, era figura conhecida nas tardes cotidianas da favela.

Em sua rotina diária, capturou trabalhadores na labuta, crianças se divertindo, ou até mesmo emaranhados de fios misturados com linhas de pipa em poste. Onde seu olhar fitava, via beleza. Como “cronista” da fotografia compartilhou suas experiências e inspirou tantos outros fotógrafos nas favelas do mundo afora.

Portanto, este projeto de lei legitima-se com o propósito de comemorar esta contribuição imensurável trazida por Ubirajara Carvalho no dia do seu aniversário, 22 de agosto, reverenciando assim sua trajetória considerável atuação na defesa da comunicação popular. Assim como Bira, muitos outros comunicadores que exaltam a beleza e o lado humano nas favelas, com sua percepção e delicadeza precisam ser homenageados e terem seus trabalhos reconhecidos no âmbito estadual.