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Vamos conhecer a cara atualizada da Maré

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Coleta de dados domiciliar do Censo Demográfico do IBGE  começa em agosto em todo Brasil

Por Hélio Euclides em 15/08/22 às 07h

“Até o IBGE passou aqui e nunca mais voltou. Numerou os barracos, fez uma pá de perguntas…”. Esse é um fragmento da música Homem na Estrada, composta por Mano Brown, líder do Racionais MC’s. No site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Melissa Ronconi, professora da Fundação Instituto de Educação de Barueri discordou do cantor. “Se o Mano Brown tivesse esperado dez anos, o IBGE teria voltado”, diz. Contudo, esta edição demorou um pouco mais para acontecer devido a pandemia, em 2020, e por falta de orçamento em 2021. 

A Maré não vai ficar de fora: é primordial receber bem os profissionais responsáveis pela coleta de dados, fundamentais para a compreensão do cenário atual e a formulação de políticas públicas para melhorar a qualidade de vida da população. 

O levantamento de informações vai atingir 89 milhões de endereços, sendo 75 milhões de domicílios (215 milhões de habitantes) nos 5.568 municípios do Brasil. O Censo 2022 será a principal fonte de referência para o conhecimento das condições de vida da população. 

O recenseamento é uma das mais complexas e grandiosas operações estatísticas: precisa cobrir um território de mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados para retratar as condições de vida dos brasileiros e imigrantes que vivem no país. O registro de dados é feito via dois tipos de questionário: o ampliado ou da amostra, com 77 perguntas, que será aplicado em 11% dos domicílios do país; e o questionário simplificado ou básico, com 26 perguntas, a ser preenchido nos restantes 89% dos domicílios.

Retrato populacional

Além da contagem de população, o censo mapeia e identifica como são oferecidos os serviços de abastecimento de água, coleta de esgoto e de lixo, e fornecimento de energia elétrica. Mostrar as características geográficas é fundamental para conhecer as singularidades do território e monitorar as mudanças ao longo do tempo. Em 2022, o Brasil completa 150 anos de história de recenseamentos. O primeiro censo foi realizado em 1872, contabilizando 9,9 milhões de habitantes. 

O questionário básico traz os seguintes blocos de perguntas: identificação e características do domicílio, informações sobre moradores, identificação étnico-racial, registro civil, educação, rendimento do responsável pelo domicílio, mortalidade e dados da pessoa que prestou as informações. Já o questionário da amostra, além dos blocos contidos no questionário básico, investiga também trabalho, rendimento, nupcialidade, núcleo familiar, fecundidade, religião ou culto, pessoas com deficiência e autismo, migração interna e internacional, e deslocamento para estudo e para trabalho. O tempo médio para o preenchimento dos dois tipos de questionário é de 5 e 16 minutos, respectivamente.

Os recenseadores podem ser identificados pelo uniforme: colete, boné, crachá e computador de mão. É possível confirmar a identidade do profissional no site respondendo.ibge.gov.br ou pelo telefone 0800 721 8181. Serão visitados todos os domicílios do país; qualquer morador, acima de 12 anos e capaz de preencher os questionários, pode responder ao recenseador. 

Levantamento de informações vai atingir 89 milhões de endereços, sendo 75 milhões de domicílios nos 5.568 municípios do Brasil – Foto: Helena Pontes

Um raio X do Censo

O especialista em demografia e geografia Ricardo Dagnino lembra que o censo é apenas uma das muitas pesquisas realizadas pelo IBGE. Entre 2002 e 2004 ele trabalhou na fundação como agente de pesquisa para avaliar o desemprego nas periferias de Porto Alegre, especificamente nas vilas, como são conhecidas as favelas no Rio Grande do Sul. “O meu trabalho era sem falhas, pois era fiscalizado por supervisores. Isso mostra que as informações coletadas são verídicas e exatas”, conta.

Atualmente professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ele aponta que o país está “dois anos atrasado, por vários fatores, mas principalmente pelo corte de verbas. Outro erro surgiu em 2019, quando o governo federal começou um processo de desinformação e descrédito das instituições, incluindo o IBGE. Isso é assédio institucional. O IBGE é reconhecido mundialmente por realizar um trabalho sério”, diz. Segundo ele, o censo é praticamente uma operação de guerra, com grande logística para atender todo o país. 

Uma apreensão é o medo da violência, que pode prejudicar o recenseador. “Uma meta é sensibilizar os síndicos e garantir que o recenseador esteja bem identificado, com uso de bonezinho, crachá e colete. Nunca tive problema nas favelas, que recebem bem o recenseador. Quando atuei, era chamado para entrar e tomar um cafezinho. No condomínio é diferente, não passava da porta e perguntavam se iria demorar”, comenta. Ele garante que trabalhar como recenseador é uma escola, pois aprendeu como se aproximar das pessoas. Ele se identifica como um ibgeano.

O resultado final do censo vai contribuir para que as políticas públicas, como saneamento básico, vagas nas escolas e a mobilidade urbana cheguem na favela de forma mais qualificada. Os indicadores vão servir para identificar onde há necessidade pelos serviços oferecidos. 

“Vai ser como calibrar um pneu, para que fique cheio e sem risco de acidentes. Será possível ver o número alto da desigualdade social. Espero que o censo mostre a realidade. Chega de esconder como vem acontecendo”, diz o ex-recenseador. Segundo Ricardo, um resultado aguardado é o número maior de pessoas autoidentificadas como negras, resultado de um trabalho de reafirmação. 

O Censo Demográfico na Maré

O censo chegou com plena força na Maré. Em julho ocorreram a observação do espaço urbano e o mapeamento. Agora é a vez da coleta de dados domiciliar. Na Maré foram montados dois postos de coletas, um na Nova Holanda e outro na Vila dos Pinheiros, funcionando de segunda a sexta, das 8h às 17h, nos prédios da Redes da Maré. São 120 recenseadores divididos em 11 equipes, com 90% de supervisores residentes da Maré.

Alguns moradores já estão ansiosos para responder os questionários — um deles é Douglas Oliveira, morador da Nova Holanda: “O censo qualifica o olhar e traz a sensibilidade do local. É possível, através dele, perceber as necessidades das comunidades. O censo fortalece as políticas públicas, pois agrega a elas a precisão dos dados.” É possível também encontrar mareenses com dúvidas. “Ainda estou por fora do censo. Não sei se as respostas que dou ajudam ou não o Brasil”, conta Luzinete da Silva, moradora do Parque Maré.

Um recado importante do IBGE: o órgão tem o compromisso de não vazar dados pessoais — eles são sigilosos e informá-los ao recenseador é totalmente seguro. “Este ano, na opção ‘renda familiar’, se desejar o morador vai poder digitar o número para que nem o recenseador saiba o valor informado. Outra novidade é que além do recenseador ser identificado pelo uniforme, quem tiver dúvida também poderá verificar, pelo QR Code do crachá, as informações do funcionário”, explica a coordenadora censitária da Ilha do Governador e Maré, Paola Costa.

 “É bom lembrar que este ano também é de eleição, mas não há políticos envolvidos no nosso trabalho. O resultado vai ajudar nas políticas públicas e na defesa de direitos básicos. Os desafios são os mesmos das outras edições: fazer com que as pessoas passem as informações corretamente. Para isso, pedimos o apoio da população”, pede Edson Passos, substituto de chefe de área. 

Segundo ele, o recenseador que não encontrar o morador em casa voltará outras vezes. A previsão é que a coleta de dados seja encerrada em três meses, mas esse prazo poderá ser estendido até dezembro.

Censo já começou em julho, foi realizado mapeamento no território – Foto: Cal Guimarães
Censo em números:
Investimento de R$ 2,3 bilhões, equivalente a R$ 13,59 por pessoa
População de cerca de 215 milhões de pessoas
São 211 mil pessoas contratadas
Aproximadamente 89 milhões de endereços
Sendo 75 milhões de domicílios a serem visitados
Utilizando 183.538 Dispositivos Móveis de Coleta (DMC)
Um total de 6.044 postos de coleta
São 1.444 coordenações regionais ou subáreas
Gerenciadas por 566 agências do IBGE ativas

Vacina Maré é pioneirismo em ciência na favela

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Pesquisa realizada após a vacinação em massa dá suporte a estudos sobre a eficácia da vacina, as variantes do coronavírus e os efeitos da doença a longo prazo 

Por Luciana Bento* 

A campanha #VacinaMaré, que teve início no fim de julho de 2021, foi um marco no combate à covid-19 no território. Com a imunização de um alto percentual de moradores em tempo recorde, a Maré se tornou o local ideal para o Vacina Maré, levantamento de dados para uma série de importantes estudos que têm auxiliado no enfrentamento ao coronavírus no mundo.

Liderado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com a Redes da Maré e a Prefeitura do Rio, a pesquisa dá suporte a estudos que tratam da eficácia da vacina, de variantes do coronavírus e dos efeitos da doença a longo prazo (a chamada covid longa, doença já reconhecida e classificada pela Organização Mundial da Saúde).

No entanto, este não é um processo simples. Afinal, cerca de duas mil famílias moradoras da Maré (mais ou menos 6.500 pessoas, incluindo crianças) precisam ser monitoradas ao longo de pelo menos dois anos. 

É aí que entra a equipe de mobilizadores e articuladores, em sua maioria moradores do território, que atua em conjunto com os agentes comunitários de saúde (ACS) ligados às clínicas da família. Batendo de porta em porta, eles fazem o trabalho de esclarecer os moradores sobre o andamento do Vacina Rio e de convidá-los a coletar sangue e responder a entrevistas. 

A articuladora Elizabeth Gonçalves, de 34 anos, moradora de Rubens Vaz, faz parte dessa equipe. Ela busca participantes da pesquisa por meio de visitas domiciliares a moradores que ainda não se apresentaram para a segunda coleta de sangue visando o exame sorológico (a primeira foi feita em 2021). “Por mais que as pessoas não entendam a metodologia da pesquisa, elas compreendem a importância de um estudo como este da Fiocruz acontecer aqui”, explica. 

Para Elizabeth, que é estudante de Geografia, ter uma equipe formada por moradores é fundamental não só pelo conhecimento do território, como pela proximidade com as pessoas e compreensão da realidade da favela: “A Maré reúne 16 favelas distintas, com suas culturas e peculiaridades, e ter pessoas com sensibilidade para entender estas características é um grande diferencial, principalmente para o sucesso da pesquisa.” 

Uma das participantes acompanhadas pela articuladora é a dona de casa Helena Maria Gomes da Silva, de 67 anos. Moradora do Parque União, ela teve contato com a pesquisa durante a campanha #VacinaMaré e resolveu aderir.

“Fiquei muito tempo afastada dos netos durante a pandemia e, graças à vacina, a situação está mais calma e já posso conviver com minha família e os amigos. Este estudo é importante pra saber se a vacina vai continuar protegendo a gente; por isso estou participando dele”, conta.

Ela observa o que o cenário epidemiológico já mostrou: “Depois que a vacina contra a covid foi distribuída você não vê mais ninguém internado e nem morrendo. Se acontece ainda é com pessoas que não estão se vacinando. Aqui em casa coloco todo mundo pra vacinar. É filho, é nora, é marido… Levo todo mundo!” 

Parcerias fundamentais 

Além dos mobilizadores, os agentes comunitários de saúde (ACS) atuam no esclarecimento de moradores e na coleta de material para o teste sorológico. A parceria com a Secretaria Municipal de Saúde é fundamental para o andamento do estudo, já que as clínicas da família (referência em saúde para os moradores) tem capilaridade no território. 

A técnica de enfermagem Daniele Brito, de 40 anos, moradora da Nova Holanda, trabalha na pesquisa e é agente de saúde. Ela considera especial o fato de a pesquisa acontecer na Maré: “É a única favela do Brasil que tem uma pesquisa desse porte; isso já diz muito sobre a importância do estudo.”  

Para ela, trabalhar no combate ao coronavírus e ajudar na proteção dos moradores tem um significado ainda mais profundo. “Perdi um tio logo no início da pandemia, em abril de 2020. A esposa de outro tio faleceu na semana seguinte. Em 2021, meu irmão e minha cunhada foram internados no CTI, eu tive covid, minha filha teve, minha família toda foi contaminada… Foi bem difícil”, desabafa. 

Segundo Daniele, “a covid deixou em mim marcas muito fortes, então me sinto lisonjeada de trabalhar na pesquisa, em algo que vai beneficiar não só a comunidade, como as pessoas de todo o mundo”. 

Convidada a participar do estudo também durante a campanha #VacinaMaré, a técnica de enfermagem Roberta Gomes, de 40 anos, moradora da Nova Holanda, percebe que a pesquisa, por acontecer em uma favela, abrange pessoas que não teriam acesso a estudos como esse: “É algo que beneficia todo mundo, estou muito feliz de participar.” 

Com 19 anos, a estudante do Parque União Kaylane Evelin Alves é um exemplo de como a covid preocupa pessoas de todas as idades. Convidada pela madrasta a participar da pesquisa, ela tem achado a experiência interessante: “Eu nunca vi esse tipo de trabalho científico por aqui;  é um movimento que incentiva a tomar vacinas, e não só contra a covid, como outras doenças também.” 

*Colaboração de Carolina Dias

Foto: Gabi Lino

Faz parte da pesquisa ou conhece alguém que faça? 

É hora da segunda coleta de sangue!

– Vá a uma unidade de saúde ou ao Galpão Ritma (Rua Teixeira Ribeiro, 521 – Parque Maré) de segunda a sexta, das 9h às 16h

– Mande sua dúvida para o  WhatsApp: 99924-6462 

Quer saber mais sobre a pesquisa? 

Mutirão em busca de crianças fora da escola

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Por Adriana Pavlova em 13/08/22 às 08h

Um mutirão diferente, em busca de crianças fora da escola, tomou as ruas do Parque Maré, Nova Holanda e Baixa do Sapateiro na primeira quinta-feira de agosto. Cinco articuladoras do projeto Busca Ativa, coordenado pela Redes da Maré em parceria com a Secretaria Municipal de Educação e apoio do Fundo Malala, saíram em tropa, para procurar estudantes distantes das salas de aula e encaminhá-los para matrículas nas escolas públicas da região. 

Juntas fizeram uma varredura pelas ruas, falando com quem estivesse passando ou batendo de casa em casa. Na prática, é a chance de se aproximarem ainda mais dos moradores, descobrindo casos de alunos sem matrícula mas também tirando dúvidas sobre questões de educação e saúde. Do início de 2021 até agora, a equipe do Busca Ativa já cadastrou quase 1.300 estudantes sem escola ou em risco de evasão e realizou cerca de 2.350 visitas de acompanhamento de crianças e adolescentes em suas casas, nas 16 favelas da Maré. A ação também faz parte do projeto “Toda menina na escola”, parceria da Redes com o Fundo Malala. 

“O mutirão é uma forma de ampliarmos nosso trabalho, porque a chegada da equipe, com a camiseta da Redes da Maré chama a atenção. Naturalmente, as pessoas vêm conversar conosco, perguntam sobre projetos e aí também aproveitamos para saber se conhecem crianças fora da escola”, explicou a assistente social Débora Garcia. 

Numa rua do Parque Maré, a equipe encontrou com Luciana Soares, mãe de uma menina de 8 anos em busca de reforço escolar para a filha, que mudou de escola recentemente. A articuladora Vanessa Garcia fez o cadastro da família no Busca Ativa e prometeu articular algum tipo de reforço e complementação escolar  para a menina. 

Durante o mutirão, as articuladoras foram paradas várias vezes por moradores em busca de informação sobre a distribuição de cestas de alimentos. Alguns deles contaram já serem cadastrados no banco de dados da Redes da Maré. No entanto, foi explicado que, atualmente, não há nenhum projeto que tenha distribuição regular de alimentos. Ainda durante a caminhada da equipe do Busca Ativa pelas favelas, houve mães pedindo informações sobre emissão de certidão de nascimento e de documentos como identidade e CPF. Nesses casos, as articuladoras indicam o trabalho de atendimento sociojurídico na Casa das Mulheres.

Normalmente, a equipe do Busca Ativa sai às ruas da Maré já com uma lista de alunos ausentes ou infrequentes fornecida pelas próprias escolas da região ou pela 4ª. Coordenadoria Regional de Educação (CRE). A ideia do mutirão é justamente conseguir atingir um público de alunos que nem a escola conhece, como explica Andréia Martins, diretora da Redes: “Ampliamos o trabalho, porque as listas das escolas mostram quem está infrequente ou ausente, mas, infelizmente, nessa altura do ano, já no segundo semestre, ainda tem estudantes sem qualquer vínculo com a escola. A maioria deve ter parado por motivos que vão além dos pedagógicos. Por isso, a importância de uma equipe que faça articulações dentro do território, fomentando a criação de uma rede de proteção intersetorial que contribua para a permanência da criança ou adolescente na escola”, explicou.

Programas e Políticas de Segurança Pública

Congresso da Maré reúne ações positivas em territórios periféricos

Por: Hélio Euclides e Luiz Menezes (*) em 12/08/22 às 13h. Editado por: Jéssica Pires e Jorge Melo

As alternativas de enfrentamento às violências devem ter como base políticas públicas que traduzem a capacidade do Estado de realizar uma gestão democrática em todos os espaços da cidade. As soluções também devem passar fundamentalmente pelo diálogo amplo das instituições públicas com a sociedade civil. Com o olhar de soluções foi realizada no 1º Congresso Falando sobre Segurança Pública na Maré a mesa Tecendo Redes: Reflexões sobre programas e políticas governamentais na política de segurança pública.

A roda de conversa reuniu Ricardo Balestrini, da Usinas da Paz do Pará, Juan Sebastian Bustamante, coordenador de projetos no URBAM – Centro de Estudos Urbanos e Ambientais da Universidade EAFIT/Colômbia), Murilo Cavalcanti, secretário de Segurança Cidadã da Prefeitura da Cidade do Recife e fundador do projeto Centro Comunitário de Paz (COMPAZ). A Mediação ficou a cargo de Gilberto Vieira, co-fundador do data_labe. Os presentes tiveram a oportunidade de conhecer três iniciativas de políticas públicas aplicadas em grandes cidades, respeitando os direitos humanos.

Para Gilberto Vieira (34), mediador da mesa, é fundamental a construção de encontros como esse que proporciona o aprendizado, trazendo um debate que inclui a universidade, moradores, grupos sociais, ativistas, além de mostrar outras experiências que tem dado certo: “Depois de ouvir muitos problemas, a minha mesa é sobre  modelos de outras pessoas, cidades e países que pensaram uma nova política pública de segurança que não seja a partir da polícia e desse modelo racista e genocida que a gente tem operado. Foi possível entender que essas experiências realmente deram conta dos avanços das questões que temos debatido ao longo do Congresso.”

As falas foram abertas pelo Ricardo Balestrini, que mencionou Paulo Freire com a valorização do afeto. Logo após, criticou o sistema de segurança pública no Brasil. “Os índices são alarmantes. Temos um país excludente, que maltrata a população trabalhadora”, diz. Balestrini criticou a política contra as drogas. “Tentam combater a violência no varejão, que não está nas favelas, mas sim em mansões”, questiona.

Ele lembrou que os mais pobres precisam de justiça social. “A população herdou a senzala, não usufruindo da riqueza do país, pois o governo só olha para a casa grande. Esse governo oferece apenas tiro, porrada e bomba. Os métodos de segurança pública são desastrosos, com ocupações policiais que ficam saturadas com o tempo”, expõe. Balestrini destacou o projeto das Usinas da Paz, realizado no Pará. “Foi criado com respeito aos direitos humanos. Levamos uma polícia de aproximação, mas também água, luz, esgoto, cursos, atendimentos e serviços”, enfatizou.

O representante internacional, Juan Sebastian Bustamante, contou sobre a iniciativa bem-sucedida realizada em Medellín, na Colômbia. A cidade colombiana era considerada a mais violenta do mundo. “Hoje vivemos em paz, com crianças nas escolas. Não era possível ver mães perderem seus filhos, como acontecia e ainda acontece aqui no Rio. Foi preciso fortalecer e integrar os bairros que tinham os maiores índices de violência”, comenta. 

“Tivemos um trabalho com as organizações comunitárias, que oferecem serviços, como cultura e memória. Foi necessário pensar esses territórios como locais de transformação, que precisam de recursos”, conta. Ele acredita que esse processo humanizado pode ser implantado em outras cidades do mundo. “Ocorreu um urbanismo social, de um projeto coletivo. Reunimos arquitetos, urbanistas e engenheiros para planejar projetos urbanos integrados. É preciso que lugares como a Maré tenha visibilidade com interligação de transporte com o restante da cidade”, conclui.

Para fechar a mesa, Murilo Cavalcanti, enfatizou que o projeto COMPAZ, realizado em Recife, não foi uma cópia de Medellín, mas sim uma inspiração. “Os governos não implantam uma política pública voltada para segurança pública por falta de vergonha na cara. É só olhar Medellín, que em 2014 foi escolhida a cidade mais inovadora do mundo, ao realizar intervenções urbanas sociais. Eles saíram do inferno, não é o paraíso, mais um lugar com índices baixos de violência, onde tem a polícia que menos mata”, detalha.

“Em Recife os índices mais importantes para nós é que cada casa da favela tenha água, luz e gás encanado. Para enfrentar a violência é preciso oferecer os melhores equipamentos de serviços para os mais pobres”, conta. Cavalcanti afirma que qualquer projeto de segurança pública precisa de continuidade. “O planejamento não tem espaço para o improviso. Temos que acabar com o egoísmo de projetos apenas para quatro anos, que não pensam no futuro. O COMPAZ é um espaço de mediação de conflitos, acompanhamento de responsáveis, cultura, esporte e educação”, finaliza.

Maykon Sardinha, coordenador do Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça e um dos organizadores do congresso, avalia e ressalta a importância da mesa: “O congresso foi pensado para ser um espaço de reflexão amplo, sobre as diversas questões que atravessam a segurança pública. Refletir sobre estratégias que tiveram impacto positivo nos espaços com altos índices de violência é um exercício importante para todos nós da Maré. A mesa mostrou que segurança pública é um tema transversal que envolve todo o leque da garantia de direitos e que deve ser pensado coletivamente, principalmente por quem mais é impactado pela violência armada”.

Para incentivar a mudança coletiva, Ricardo Balestrini deixou uma mensagem: “Não espere a luz do túnel. Vale acender a luz, mesmo que seja pequena, pois é ela que vai iluminar os espaços de outros”, exalta.

O 1° Congresso Falando sobre Segurança Pública na Maré continua hoje (12/08), ainda dá tempo de ver especialistas falando sobre observações e soluções, além de um debate com um olhar específico para a favela, reunindo pré-candidatos ao governo do Estado. Local: Centro de Artes da Maré, na Rua Bittencourt Sampaio, 181, Nova Holanda. Acesso pela pista sentido Zona Oeste da Avenida Brasil, na altura da passarela 10.

(*) Luiz Menezes é aluno da primeira turma do Laboratório de Jornalismo do Maré de Notícias

Lançamento do boletim sobre violências marca o encerramento de 2º dia de Congresso Internacional na Maré

Programação continua durante esta sexta-feira(12/08) e conta com debate com os pré-candidatos ao governo do Estado

Por Samara Oliveira e Daniele Figueiredo em 12 de agosto às 11h06

Na tarde desta quinta-feira (11/08), o encerramento do segundo dia do 1º Congresso Internacional Falando Sobre Segurança Pública na Maré contou com uma intervenção artística para o lançamento dos Dados do Boletim de Monitoramento e Enfrentamento às Violências na Maré. Os integrantes dos grupos Núcleo 2 da Escola Livre de Dança da Maré e do Projeto Nenhum a Menos compareceram aos palcos segurando cartazes com alguns dos dados levantados no boletim. “263 pessoas atendidas pela Redes da Maré sofreram 47 violências”, “MULHERES são as maiores vítimas de violência”, “Violência física: 186 casos”, “173 casos de violência psicológica”, foram alguns. 

Em seguida,  a atriz Mariana Motta, de 23 anos, dá o primeiro grito de basta: “Não vão mais nos calar!” e os outros atores seguiram repetindo os dados até o momento que Marina ressalta sobre a importância de denunciar a violência contra mulher através do 180 e outras violações dos direitos humanos no Disque 100. 

Após a intervenção, Suelen Araújo (35), advogada do Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça, leu um dos relatos do boletim que evidenciam a desigualdade das leis quando se trata de corpos de mulheres da periferia. No relato, a advogada lê emocionada a história de uma mulher atendida pela Redes da Maré que foi até a delegacia prestar queixa após ter sofrido violência física e sexual. A vítima tinha se sentido acolhida e amparada pela lei até o momento que informou ser moradora da Maré e ouviu do agente “Lá onde você mora esse documento (medida protetiva) não vai ter muita serventia, porque a fiscalização não entra lá”.

Em entrevista para a equipe do Maré de Notícias, Suelen falou sobre a importância do boletim para as mulheres vítimas de violências, além das agressões físicas. “O lançamento do boletim é importante para dar visibilidade pro território, para um tipo de violência que é normalizado, né? As pessoas entendem como natural alguns tipos de violência, as mulheres não sabem por exemplo, que uma violência moral, um xingamento, quebrar alguma coisa, que isso é uma violência também. E eu acho que visibilizar aqui num território não é atravessado só por questões de segurança pública, só pela guerra às drogas é importante”, disse.   

A atriz Marina Alves (24), que participou da intervenção, também trouxe suas perspectivas enfatizando o Centro de Artes da Maré (CAM) como um espaço importante para o debate. “É bom ter um local como o Centro de Artes da Maré para a gente conseguir comunicar essas coisas dentro da comunidade, para quem está estudando aqui, para quem está trabalhando ou para quem está vindo se informar e saber mais sobre territórios, né? Eu me senti com voz. Comunicamos fatos, dados verdadeiros e de certa forma conscientizando as pessoas que estavam presentes assistindo”, contou. 

Marina Motta, complementou: “Como uma mulher preta que já passou por violência física e psicológica, eu acho que é essencial a gente levar essa mensagem para outras mulheres para que a gente possa dar força para se libertar, para denunciar e sobretudo para se curar e se ajudar”. 

O Boletim de Monitoramento e Enfrentamento às Violências na Maré está disponível no site da Redes da Maré. O evento que estreou na última quarta-feira (10/08) segue com a programação nesta sexta-feira (12/08). Confira a programação aqui.

Racismo Estrutural e seus Impactos no Sistema de Justiça Brasileira

“Matar corpos negros sempre foi a lógica do Brasil, antes mesmo de sermos Brasil”. diz Luciano Góes, doutorando em direito na Universidade de Brasília (UnB). 

Por Luiz Menezes(*), Daniele Figueiredo (*) e Hélio Euclides Editado por: Jéssica Pires e Jorge Melo

Foi um dia de resistência para os moradores do Conjunto de Favelas da Maré que acordaram nesta quinta-feira (11/08), com barulhos de tiros, carros blindados e helicópteros sobrevoando suas casas. Escolas, comércios, unidades de saúde e os mais diversos estabelecimentos se viram obrigados a fechar às pressas. Como forma de luta, nesse contexto de violação de direitos, aconteceu o segundo dia do 1º Congresso Falando sobre Segurança Pública, no Centro de Artes da Maré, na Nova Holanda, onde se estabeleceu um movimento de diálogo para repensar a política de segurança pública atual.

A tarde o evento foi aberto com a mesa Territórios de Partilha: Racismo Estrutural e seus Impactos no Sistema de Justiça Brasileiro, que contou com a participação de Jadir Brito, professor do Núcleo de Políticas Públicas em Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Lívia Casseres, Defensora Pública e doutoranda em direito na Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio) e Luciano Góes, advogado e doutorando em Direito na Universidade de Brasília (UnB). A roda de conversa ainda contou com a mediação de Lola Ferreira, jornalista e repórter do UOL Notícias. 

Patrícia Ramalho (36), assistente social e coordenadora do Eixo de Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré, explica que a realização do congresso em dia de operação é um ato de resistência. “Pensamos com a equipe que seria importante manter a atividade do segundo dia; estar presente na favela. Esse é o primeiro Congresso Internacional, estamos recebendo pessoas, convidados de outros países, de outras cidades do Brasil e isso é muito importante. O congresso é valioso por discutir segurança pública, com a apresentação de trabalhos, além de receber os próprios moradores que estão podendo participar, refletir e propor coisas sobre o que a gente pensa e sobre o que a gente quer para a segurança pública no Rio de Janeiro. A expectativa sempre é de um momento rico em discussões.  Queremos muito receber as pessoas para discutir o que é racismo estrutural e quanto isso impacta, diretamente na violência do Estado.” 

Pensando estratégias possíveis

Para Lívia Casseres (36), é necessário pensar como o racismo está presente nas estruturas jurídicas. “Temos a presença do racismo institucional tanto nos sistemas judiciário, quanto na defensoria. A estrutura da defensoria pública está fora das favelas e periferias. É fundamental pensarmos o direito e acesso à justiça numa perspectiva que não tenha essa cisão racial”, afirma.

Casseres atenta para a urgência de pensar o acesso à justiça para moradores de favelas e periferias, só assim ocorrerá a democratização do sistema. Para ela, a Defensoria Pública é a maior aliada nesse processo: “Acredito que a defensoria pública é a mais disponível para se reestruturar a partir da participação popular. Esse é o único caminho possível para pautar o judiciário e cabe a nós praticar política afirmativa, produção de conhecimento jurídico que foge dessa produção da branquitude”, finaliza. 

Jadir Brito (52), complementou falando sobre a complexidade da justiça e aponta uma diferença nesse acesso. “Discutir segurança pública é muito amplo. Há muitas facetas a serem exploradas. O sistema de justiça na Zona Sul é um, na Maré é outro e na Zona Oeste também não é igualitário”, diz. 

O professor universitário ressalta que é preciso discutir sobre segurança pública falando da realidade concreta. “Ao debater segurança pública precisamos pensar no direito real”, resume. Além disso, Brito coloca que é primordial pensar na inclusão dos moradores locais, população LGBTQIAP+ e pessoas com deficiência nessas discussões sobre raça e direito.

A favela é a revolução

Para Lola Ferreira (29), jornalista e mediadora, a mesa elevou a discussão, apesar do assunto ser o pior possível. “A gente vê uma escalada de casos de prisões ilegais, sabemos qual é a realidade do sistema penitenciário brasileiro, que a maioria dos presos são pretos. Então precisamos discutir sempre esse tema, ainda mais em ano eleitoral, para entender quais caminhos a gente pode traçar para reduzir um pouco esse cenário. Reduzir um pouco essa máquina que a gente tem aí, que encarcera homens pretos, principalmente, de uma forma tão violenta e tão reiterada. Recentemente os casos que vem ganhando mais repercussão na mídia, que é o de reconhecimento fotográfico, é ilegal. Trazer essa discussão para dentro de um território como a Maré, com pessoas tão gabaritadas é muito importante. A mesa foi composta por pessoas que estão ali dentro do sistema judiciário o tempo inteiro, que trazem perspectivas de como pode melhorar; traçar estratégias e o que se pode cobrar das pessoas que a gente vai votar esse ano.”

“Nós estamos cansados de correr da polícia e da bala para não morrer”, exclama Luciano Góes. Segundo o advogado, a justiça é construída a partir de uma ideia da branquitude. “É necessário criar um modelo de democracia que não a da branquitude. Essa branquitude não quer igualdade. A garantia dos nossos direitos diz respeito à diminuição dos direitos dos brancos”, afirma. 

Góes acredita que o projeto de embranquecimento do Brasil ainda está em andamento e isso se dá pela guerra às drogas. “A guerra contra as drogas sempre foi uma guerra contra as pessoas negras. Historicamente, essa criminalização vem desde o tempo do coronelismo, representada pelo código penal de 1890″. Um passo para mudar isso é a construção dos laços que acontecem dentro das favelas, no qual constroem um outro modelo de democracia”, finaliza. 

Vania Silva (48), mulher preta e moradora da Maré, avalia com positividade a realização da mesa. “Foi muito importante para que pudéssemos ter noção do que podemos buscar. Para que a gente possa melhorar a justiça e combater o racismo estrutural e trazer para dentro da comunidade, através das políticas públicas, melhores condições”, avalia. 

O 1° Congresso Falando sobre Segurança Pública na Maré termina amanhã (12/08), no Centro de Artes da Maré, na Rua Bittencourt Sampaio, 181, Nova Holanda, próximo a Avenida Brasil, na altura da passarela 10.  O evento traz como encerramento o debate com os pré-candidatos ao governo do Estado do Rio de Janeiro. Para ajudar na reflexão, a mediadora Lola Ferreira indagou: “o que podemos cobrar das pessoas que a gente vai votar esse ano?”. Não esquecendo que são os governadores responsáveis pelo comando das forças policiais. O governador como agente político tem a obrigatoriedade de participar da Segurança Pública, suas ações se refletirão durante o comando das forças policiais. 

Foto: Gabi LIno

(*) alunos da primeira turma do Laboratório de Jornalismo do Maré de Notícias