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Relator Especial da ONU se reúne com organizações e coletivos na Maré

Representante da organização internacional irá mapear violências e violações de direitos para formalização de relatório 

Por Jéssica Pires, em 06/04/2022 às 10h18. Editado por Tamyres Matos

Clemant Voule, diplomata e jurista nascido no país africano Togo, atua como Relator Especial das Nações Unidas sobre os Direitos à Liberdade de Reunião Pacífica e de Associação desde 2018. O representante da ONU está em visita ao Brasil desde 28 de março e já passou pelas cidades de Brasília, Salvador, São Paulo e, agora, Rio de Janeiro ouvindo autoridades governamentais, membros das forças de segurança e das forças armadas, membros do legislativo e judiciário, agências da ONU, diplomatas, entre outros. Nesta terça-feira, 5 de abril, ele se encontrou com representantes de organizações da sociedade civil e movimentos sociais e de favelas no Centro de Artes da Maré. 

O relator passou o dia em uma programação na Maré que reuniu em rodas de conversa distintas cerca de 15 organizações e 30 movimentos e coletivos de favelas e direitos humanos, inclusive o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, que é composto por 45 organizações da sociedade civil e a Anistia Internacional Brasil. 

Entre os principais desafios sinalizados pelos representantes das organizações ao relator estavam: a falta de rede de apoio e proteção de lideranças e ativistas pelos direitos humanos; contextos políticos em todas as esferas com histórico de uso impróprio das forças de poder; discursos e práticas da sociedade civil que fundamentam ataques e perseguição a organizações e lideranças de favela e periferias, quilombolas, indígenas, pessoas LGBTQIA+ e outros; a naturalização da truculência das ações das forças policiais em espaços de favelas e do extermínio de pessoas, sobretudo jovens pretos; a limitação ao acesso de diversos direitos (educação, saúde, mobilidade, por exemplo) nos territórios de favelas a partir da ação da polícia; fragilidades no processo investigativo das ações policiais e a descrença geral no sistema de justiça do país.

Direitos na Maré

A agenda do relator no encontrou se iniciou com a apresentação do território por meio de lideranças locais. Eliana Sousa, diretora da Redes da Maré, organização que acolheu a visita no Centro de Artes da Maré, destacou a importância de ser pautada uma agenda no campo dos direitos para a Maré e outras favelas e políticas que vejam a cidade de forma integrada: “existe uma falta de compromisso e negligência do Estado sobre outros direitos além da segurança pública nas favelas”. Gilmara Cunha, cofundadora e diretora do Grupo Conexão G de Cidadania LGBT de Favelas, organização da sociedade civil fundada em 2006, enfatizou que a ação do Estado na Maré é exemplo do que não se deve fazer no campo dos direitos. 

Após a reunião, Clemant vai apresentar suas observações preliminares ao Governo Federal e também em uma conferência de imprensa virtual em São Paulo nesta sexta-feira, dia 8 de abril. O relator destacou a importância dos representantes dos coletivos e organizações apontarem práticas positivas do Estado para que ele pudesse encorajá-las e refletiu sobre a importância da discussão de práticas antiproibicionistas do uso de drogas como um caminho que tem deixado resultados positivos na experiência de outros países. Outra preocupação relatada pelo diplomata foi a liberdade e possibilidade de interferências nas eleições que acontecerão este ano no Brasil.

O resultado deste processo de escuta e mapeamento será um relatório a ser encaminhado ao governo brasileiro e a outras instâncias da Organização das Nações Unidas em 2023.

Caminhada marca conscientização pelo autismo na Maré

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Mobilização de moradores do conjunto de favelas pede respeito aos autistas

Por Hélio Euclides, em 06/04/2022 às 07h. Editado por Edu Carvalho

Como forma de lembrar o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, comemorado no primeiro final de semana de abril, moradores da Maré farão uma caminhada para conscientização. O evento acontece amanhã (07/04), com saída da Clínica da Família Adib Jatene, na Vila dos Pinheiros. O percurso tem como ponto de encontro final a Praça das Nações, em Bonsucesso. A previsão é que reúna mais de 100 moradores.

O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é uma condição de saúde caracterizada pelo comprometimento da interação social e da comunicação verbal e não verbal, e pelo comportamento restrito. Os aspectos nem sempre são identificados imediatamente, o que atrasa o início do tratamento. Outro problema ainda é o preconceito por parte da sociedade, que ainda acredita que o autismo é uma doença. 

Como forma de conscientização e mobilização, Leonardo Borges, profissional de educação física do Programa Academia Carioca/Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), da Clínica da Família Ministro Doutor Adib Jatene, na Vila dos Pinheiros e no Centro Municipal de Saúde da Vila do João, organiza caminhadas temáticas. Depois de duas edições sobre a não violência contra a mulher e uma sobre a prevenção ao suicídio, agora chegou a vez da luta pela compreensão do autismo. “A ideia da caminhada partiu por ter uma sobrinha de nove anos que é autista. É uma homenagem a ela e uma forma de conscientizar a sociedade sobre o transtorno que é diferente de uma doença”, resume. 

Borges antecipa que a próxima mobilização será em prol da doação de sangue ao Hospital Federal de Bonsucesso, no mês de junho. 

Uma luta de 365 dias

No ano passado, o Centro de Controle de Doenças e Prevenção divulgou dados a respeito da prevalência de autismo entre crianças de oito anos no mundo. Os números foram coletados em 2018 e mostram que uma a cada 44 crianças são autistas, um aumento de 22% em relação ao estudo anterior. No Brasil, ainda não há estudos que mostram números exatos. 

A falta de dados, e por se conhecer pouco sobre a TEA, resulta numa luta constante para acesso a informação. Andreza Carla, moradora da Vila dos Pinheiros, faz parte do grupo Especiais da Maré. Ela ajuda mães do território a entender sobre o diagnóstico. No caso dela, não foi fácil a análise do seu filho Luiz Miguel, que só foi possível aos quatro anos. Uma professora observou o desenvolvimento e rendimento escolar do menino, fez um relatório e orientou a procura de uma psicóloga para avaliação. A profissional levantou a hipótese de autismo e o menino foi examinado por um neurologista que confirmou a suspeita. Ela conta que já são três anos na luta pela inclusão.

No grupo, mães são acolhidas e compartilham experiências antes não reconhecidas. “Elas se sentem sozinhas e desamparadas em relação aos cuidados que devem ter, como terapias, consultas e dificuldade em encontrar vaga nas escolas. Ajudamos a lutar pelo direito de inclusão e acessibilidade, a não abandonar as terapias e o tratamento das crianças”, comenta. O grupo também orienta a mãe, para que ela se sinta importante, com incentivo a natação, tratamento dos cabelos e unhas. “Tudo é possível por meio de parceria. Ações que ajudam a levantar a bandeira de que quando o diagnóstico chega a vida não acaba, só começa de uma forma diferente”, diz. 

Sobre a caminhada, da qual também vai participar, ela acredita que é uma porta de entrada para as pessoas que não conhecem a luta e especificamente o que é o autismo. “É de suma importância para que os autistas alcancem cada vez mais lugar na sociedade. A sociedade deveria estudar mais sobre o assunto, entender e ajudar cada vez mais. Os autistas estão cada vez mais visíveis e não admitimos mais exclusão por falta de conhecimento. Eles são potentes e podem contribuir, e muito, para um futuro totalmente diferente”, conclui.

Leia mais sobre o TEA:

Adolescente é morto com tiro no peito e jogado em valão em Cordovil

De acordo com a família do rapaz de 17 anos e testemunhas, nem mesmo havia confronto na comunidade no momento em que Cauã da Silva Santos foi atingido pelo disparo

Por Samara Oliveira, em 05/04/2022 às 19h15. Editado por Tamyres Matos

Um adolescente de 17 anos, identificado como Cauã da Silva Santos, foi morto em Cordovil, Zona Norte do Rio, nesta segunda-feira. Segundo a família, o jovem lutador de jiu-jitsu e integrante de um projeto social, foi baleado no peito por um policial militar ao deixar um evento que recebia crianças na comunidade do Dourado.

“Quantas mães, quantas avós estão chorando nesse momento como eu, como minha mãe e como meu filho que é o pai dele? Isso não pode continuar assim, gente. Isso tem que acabar, isso tem que parar”, desabafou Edineize Soares, avó de Cauã.

Ainda de acordo com familiares, após atirarem, os agentes jogaram o corpo do lutador no valão. Testemunhas relatam que não houve confronto no momento do ocorrido. 

Na rede social, a deputada e presidente da Comissão de Direitos Humanos da ALERJ, Dani Monteiro (PSOL), se pronunciou. “A política genocida de Cláudio Castro segue dizimando nossa juventude. Mais uma vez, os gritos desesperados de moradores, parentes e amigos não foram suficientes para conter a ação de uma polícia que é treinada para matar”, declarou a parlamentar. 

Em nota, a Secretaria de Estado da Polícia Militar, afirmou em resposta protocolar que “as armas da equipe já foram apresentadas à perícia da Polícia Civil e os militares estão afastados do serviço nas ruas”.

Caso não é isolado

De acordo com o último estudo do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Estado do Rio Janeiro tem a polícia que mais mata no Brasil. Foram 1.245 mortes durante operações policiais em 2020. 

Outros jovens como João Pedro, 14 anos, João Victor, 18 e Thiago Santos, 16, moradores do Salgueiro (SG), Cidade de Deus e Complexo da Penha, respectivamente, também foram vítimas fatais da mesma política de segurança pública do Estado. 

Em fevereiro deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) aderiu à Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 635 das Favelas e determinou, entre outras medidas, a instalação de câmera e gravadores nas fardas e viaturas como um plano para a redução da letalidade policial.

Apesar da decisão, até o momento, apenas policiais militares de Copacabana tiveram o equipamento acoplado nos uniformes durante o Réveillon.

Mulheres lésbicas terão espaço de acolhimento dentro da Maré

Espaço será também o primeiro em território de favela a contar com abrigo temporário para lésbicas faveladas

Por Hélio Euclides, em 05/04/2022. Editado por Jéssica Pires

A laje da Casa Resistências ficou pequena para receber as cerca de 50 mulheres que estavam em festa para a inauguração do espaço localizado na Vila dos Pinheiros. A Casa Resistências será a sede da Coletiva Resistência Lésbica da Maré, formado por cerca de 15 mulheres, que atua desde 2016. O espaço será também o primeiro em território de favela a contar com abrigo temporário para lésbicas faveladas que foram expulsas de suas casas por lesbofobia. Além do lugar de acolhimento, a casa será um pólo de produção de arte e cultura, com viés na produção de direitos humanos para lésbicas de favela. 

O evento teve mesa de abertura com mediação de Paloma Marins, integrante da Coletiva Resistência Lésbica da Maré. Participaram da conversa Lazana Guizzo, arquiteta; Dayana Gusmão, coordenadora da Casa Resistências; Beatriz Adura, psicóloga e coordenadora de acolhimento da Casa Resistências; Flavinha Cândido, educadora e coordenadora do grupo de trabalho do mandato da deputada estadual Renata Souza; Mãe Lenira D’Óxum, matriarca da Casa Resistências e Camila Felippe, integrante da Coletiva Resistência Lésbica da Maré e coordenadora de segurança alimentar da Casa Resistências. A festa contou com a presença da vereadora Mônica Benício, viúva da também vereadora Marielle Franco.

Nos discursos, ficou evidente a necessidade de mulheres lésbicas de favela se organizarem para lutar por seus direitos. “Percebemos que a unidade de pessoas lésbicas de favela é forte. No Brasil, faltam casas como essa, pois quando se pensa em acolhimento, às existentes são fora da favela. Essa casa veio para mostrar que a favela é acolhedora, que ninguém precisa sair do seu território para ser cuidada”, diz Beatriz Adura. Para Paloma Marins, a inauguração é a realização de um sonho coletivo. “Juntas foi possível criar um espaço só nosso, da mulher lésbica. Um local onde uma vai cuidar da outra, sendo uma casa que vai ser o pontapé inicial na vida dessa mulher”, conta.

No evento também foi mencionado que toda mulher lésbica de favela que queira somar na luta é bem-vinda. “Pelo que sabemos, essa é a primeira casa de acolhimento lésbica numa favela na América Latina. Acolheremos preferencialmente as mulheres trans, mas também as cis. Hoje realizamos um sonho de uma casa com felicidade, esperança e afetividade”, lembra Camila Felippe. A casa terá infraestrutura onde as acolhidas terão um cômodo escritório para criação de currículo e estudo. “Não será uma casa só de afeto, mas de cuidado com alimentação e a saúde da mulher A união é prioridade, pois sabemos que para as mulheres pretas, pobres e lésbicas a vida é muito mais difícil”, comenta.

Colaborar para a casa continuar de braços abertos

A casa tem a capacidade de receber até oito mulheres, como um domicílio de passagem onde a mulher permanece pelo período de seis meses. “A ideia nasceu na pandemia de uma demanda que recebemos de muitas. Aqui, após sair de casa, vão ser acolhidas para fazer algo mais objetivo e prático. Um local de apoio para superar o momento, mas não só isso, aqui é um espaço de resistência cultural”, expõe Dayana Gusmão. A integrante da Coletiva Resistência Lésbica da Maré, Marcela Ferreira, moradora do Parque Maré, estava contente com a conquista. “É uma vitória da favela que agora me sinto representada por essa casa que vai acolher e abraçar essa mulher lésbica que passa por um momento difícil”, conclui.

Todas as mulheres presentes deixaram claro que a manutenção da casa só será possível com a ajuda de todo mundo. O imóvel está alugado e apesar da inauguração ainda precisa de reformas. No futuro, o grupo pensa na compra do local. Para todos esses objetivos, foi idealizada uma vaquinha na internet. Quem desejar conhecer a Casa Resistências, pode fazê-lo pelo Instagram: @resistencialesbica ou fazendo uma visita ao local, que fica na Via A/1, número 91, na Vila dos Pinheiros. Para ajudar é só acessar: https://www.vakinha.com.br/vaquinha/nascimento-da-casa-resistencias.

O papel do Festival 3i na ‘descolonização’ do jornalismo brasileiro

Evento trouxe discussões fundamentais à profissão, como a precarização, o financiamento, a proteção de jornalistas e novos modos de produção jornalística.

Por Artur Alvarez publicado na Ajor. Editado por Anelize Moreira, em 04/04/22 às 12h

“As notícias temos que dar antes de acontecer, o que falamos depois é fofoca”, crava Ailton Krenak, filósofo e ativista do movimento socioambiental e dos direitos humanos. A fala do líder indígena foi um dos destaques do festival e pauta na mesa de encerramento “Ombudsman: onde chegamos com o festival e para onde vamos?”, que ocorreu na sexta-feira (25). A mesa lançou um olhar crítico acerca do que foi o Festival 3i deste ano e trouxe um balanço dos 10 dias de evento, fruto de uma construção coletiva, colaborativa e que apontou caminhos para o futuro do jornalismo digital.

O Festival 3i – Jornalismo Inovador, Inspirador e Independente 2022 realizado pela Ajor aconteceu de 15 a 25 de março, em formato virtual e foi marcado pela diversidade de temas e de palestrantes nacionais e internacionais protagonizando as mesas, os painéis e os diálogos, assim como a troca de conhecimento nos 34 encontros  que poderão florescer em parcerias futuras. A questão ambiental, o fazer jornalismo de maneira independente, as pautas da periferia, público-alvo de muitas dessas iniciativas independentes, a autonomia e o financiamento foram temas recorrentes desta edição.

A ecologia do desastre e a inquietação fomentada por Ailton Krenak

A cutucada que Krenak deu na mídia no diálogo “‘Ecologia do desastre’, uma entrevista com Ailton Krenak”, no dia 22 de março, gerou reflexão e impacto dignos de um ombudsman, segundo os palestrantes. Ele comparou essa imprensa com a sirene das barragens de mineradoras, que na prática não servem ao propósito de avisar antes do acontecimento e, por isso, há a necessidade de uma revisão de práticas, de estar mais próximo da comunidade, sugeriu: “estamos tendo apenas a cobertura depois do desastre. A nossa imprensa está correndo atrás da hegemônica, tem que tocar a sirene antes. Isso poderia ser possível se estivéssemos um pouco mais colados na realidade cotidiana da comunidade para conseguir refletir o que elas estão gritando”.

Joana Suarez, gerente de jornalismo da revista AzMina e uma das jornalistas consultoras do evento, vai além nessa visão ao dizer que a exposição de Krenak acerca do jornalismo ambiental e a questão indígena fizeram refletir sobre os seus 11 anos de jornalista investigativa. “Somos todos fofoqueiros. O Brasil é esse país da remediação, de falar depois da tragédia acontecer. Quem dera falarmos aqui nas [Minas] Gerais das barragens que estão em risco e dos licenciamentos irregulares que não poderiam estar saindo e não só ‘fazer a fofoca depois’ do que aconteceu e que morreu gente. E se rompeu foi porque deixou de se dizer algo antes”, reflete.

Ao mesmo tempo em que Camila Silva das Chicas Poderosa concorda com a visão de Krenak, ela traz a fala do filósofo para o universo do jornalismo independente e chama a atenção para o fato de que os frequentadores do Festival 3i fazem parte de uma bolha. “Krenak fala que para antecipar a notícia é preciso estar próximo à comunidade, que, no caso, são as periferias e os interiores do Brasil. Só que os jornalistas que estão no festival são de redações independentes, que já estão próximas à comunidade e atuando nela”, pontua. 

“Temos que começar a conversar com outras bolhas, com outros tipos de jornalistas, da mídia tradicional, por exemplo. Gostaria que eles ouvissem o que estamos discutindo aqui, que ouvissem o Krenak, porque estão fazendo a mídia chegar numa massa maior e vão moldar a opinião pública para as próximas eleições”, completa.

É preciso ‘descolonizar’ o jornalismo, diz Joana Soares

Joana Suarez ressaltou sobre uma urgente ‘descolonização do jornalismo’ para a profissão conseguir cobrir o tema ambiental e muitas outras pautas significativas com o viés mais engajado e profundo que requerem. “Temos de fato que ‘descolonizar’ o jornalismo, a pauta, a cabeça, e parar de fazer fofoca. Isso é um desafio enorme que está posto”, reflete.

“É preciso estudar as questões ambiental e indígena não só para quando estiver fazendo pauta sobre, aprender a olhar para isso antes de conceber a pauta. Até porque olhar para a questão indígena é olhar para a nossa vivência. É preciso sair do eixo ‘sudestino’ e olhar para a Amazônia como o centro do mundo e não só como uma pauta quando tem tragédia”, completa Suarez. Segundo ela, essa discussão se conecta muito com o que foi falado no papo “A pauta como lugar de posicionamento, reflexão e re-humanização”, de dar um caráter mais ativista para a pauta e para o pensamento jornalístico.

Um caminho para a descolonização do jornalismo foi proposto pela jornalista Carolina Monteiro, que pediu à organização do 3i que traga para debater pessoas além do círculo jornalístico no ano que vem. 

“Precisamos de outras vozes sobre o jornalismo […] O jornalismo do séc XXI é interdisciplinar e temos que investir mais nisso. Trazer mais sociólogos, antropólogos, artistas, designers, pessoal de tecnologia e gestão. Ter mais pessoas de outras áreas para trazer contrapontos como o que o Krenak e que o pessoal do Tornavoz trouxe”, sugere Monteiro que é professora na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), jornalista da Marco Zero Conteúdo e idealizadora do projeto #Foca no 3i, que colocou estudantes universitários no protagonismo da cobertura do festival.

O Festival 3i também contou com feedback dos estudantes do #Foca no 3i que realizaram a cobertura jornalística do evento. “Foi enriquecedor falar sobre a passagem que acontece dentro da mídia de massa para a massa de mídia e mostra como o jornalismo está se reinventando e como deve ser a bagagem do jornalista para que se torne um profissional mais completo, plural e ético”, diz o estudante Cadu, da Unicap. “Fazer a cobertura foi muito legal, o evento foi muito organizado e a equipe do festival estava sempre pronta para dar suporte”, relata Fabiana, estudante da PUCRS.

Inglid Martins, estudante de jornalismo da Estácio de Sá, também deu sua opinião sobre o festival após participar de todas as palestras e representou os espectadores. “O Festival foi um achado, não tinha ideia do leque imenso de opções do fazer jornalístico. Os palestrantes abriram sua bagagem e deram tudo de si. O Festival contribuiu para a minha formação”, relata.

Sobre um jornalismo precarizado e que não pode ser romantizado

A romantização do jornalismo feita por John Lee Anderson, repórter da revista estadunidense New Yorker, na primeira mesa do festival, foi um choque para os ombudsmans. “O jornalismo não é forma de ganhar a vida. Tem gente que ganha a vida com isso, mas será que é isso que a gente quer para ser jornalista? A gente quer um seguro de vida, quer comprar uma casa com jardim? Se esse é o sonho então talvez você deva trabalhar numa seguradora ou ser um advogado”, diz Anderson. 

“Não tem como romantizar mais a nossa profissão, o ‘trabalhar por amor sem pensar no dinheiro’. Como vamos acreditar nisso sendo que estamos caindo numa precarização muito grande?”, questiona Camila Silva. Rodrigo Alves, produtor do podcast Vida de Jornalista, também estava presente na mesa e acrescenta que “essa fala sobre romantizar a precarização do trabalho me assustou. O que temos que fazer é brigar para que não seja [mais precarizado], e não aceitar isso de uma forma romântica”.

Os palestrantes contam que a fala do jornalista foi sendo desconstruída ao longo do festival. “Essa visão [do John Lee Anderson] começou a ser contraposta em diversos painéis, que passaram pelo assunto de financiamento, que é hoje uma questão fundamental para o jornalismo. O jornalismo custa tempo e dinheiro e é preciso buscar formas de ser remunerado de forma justa”, explica Alves.

No Festival 3i, a sustentabilidade financeira de veículos independentes exaltada por Rodrigo Alves foi abordada nos encontros  “Reportagem Freelancer”“Criando, estruturando e reinventando organizações”,, “Como montar um projeto”, além das mesas “A periferia no centro, no centro da periferia” e “Financiamento e sustentabilidade dos veículos digitais: por que ainda é tão difícil viabilizar?”.

O 3i da diversidade

O  Festival 3i deste ano foi realizado pela Ajor (Associação de Jornalismo Digital) e contou com a contribuição direta e fundamental de suas 80 associadas para erguê-lo. Foram 10 dias, com mais de 40 horas de apresentações em 34 encontros diferentes. Além do conteúdo das palestras – divididas em cinco trilhas diferentes, empreendedorismo, democracia, distribuição, diversidade e meio ambiente -, o 3i também produziu um podcast e quatro vídeos informativos. 

A diversidade dos convidados e dos temas foi priorizada pela organização: “o maior esforço durante a montagem da programação era incluir o máximo de diversidade possível e contemplar os temas mais caros do jornalismo hoje em dia, com relatos de pessoas que estão fazendo a diferença”, afirma Joana Suarez, consultora do evento. O Maré de Notícias participou da mesa sobre “os desafios e as tecnologias usadas na cobertura jornalística nas periferias do Brasil e sua importância para a diversidade e pluralidade das mídias no mundo contemporâneo. Você pode assistir a mesa aqui.

A  diversidade se mostra em números. Das 123 pessoas de todas as regiões do país, que participaram dos debates, 60% eram mulheres, 48% não brancos (pretos, pardos e indígenas). Esses dados são baseados na autodescrição dos participantes, o levantamento oficial será divulgado nas próximas semanas. A equipe de organização também foi diversa: 10 pessoas, a maioria mulheres, metade não branca, metade nordestina e metade bissexual, além dos estudantes que realizaram a cobertura do festival de forma descentralizada em diferentes regiões e instutições do país. 

As discussões foram divididas em cinco trilhas diferentes: meio ambiente, empreendedorismo, democracia, distribuição e diversidade.

Ailton Krenak falou sobre os ataques da ecologia da destruição, alertou para as práticas humanas e deu uma aula de meio ambiente em sua entrevista. A questão ambiental foi reforçada por Elaíze Farias, no papo “As Amazônias Brasileiras”.

Rosental Alves Rosental Alves, do Centro Knight de Jornalismo, falou sobre como financiar o jornalismo digital e independente, algo que conversou diretamente com a discussão em “Financiamento e sustentabilidade dos veículos digitais: por que ainda é tão difícil viabilizar?” e ambos se juntaram ao coro das mesas de empreendedorismo, que, entre outros ensinamentos, falou da necessária articulação em redes e do jornalismo feito de forma independente.

Na trilha da democracia, houve conversas importantes a respeito da influência das big techs no jornalismo digital e a desinformação que o jornalismo combate atualmente e o ódio direcionado a jornalistas. Entre outras discussões, também houve o lançamento do Instituto  Tornavoz, associação especializada na defesa daqueles que sofrem ameaças ou processos pela manifestação do pensamento, entre eles, jornalistas.

A distribuição do trabalho jornalístico foi abordada através de um papo sobre como entender melhor a audiência para pautar estratégias de divulgação, uma discussão sobre jornalismo científico – fundamental na pandemia – uma oficina de pauta e uma cobertura jornalística em redes sociais em outras mídias, como TikTok e memes.

Meios de colocar o antirracismo em  prática no jornalismo, um contato mais próximo com iniciativas independentes de comunicação das periferias de todo o Brasil e uma aula com Fabiana Moraes sobre a pauta como lugar de ativismo e reumanização nortearam os papos sobre diversidade do Festival.

Todas as mesas, oficinas e painéis estão disponíveis no canal do youtube do festival.

*Texto produzido pela redação-laboratório do Projeto Repórter do Futuro, da OBORÉ, para o Festival 3i 2022 como parte da Cobertura Colaborativa #FocaNo3i.

Confira a íntegra: