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Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar

Por Marcello Escorel em 09/10/2021 às 6h

Quando nós, atores, nos preparamos para entrar em cena, temos o costume de com as mãos dadas, formar um círculo e recitar uma espécie de Credo que tem algumas variantes, mas que não diferem, de forma alguma quanto ao conteúdo:

“Eu seguro minha mão na sua para que, juntos, possamos fazer tudo aquilo que eu não posso, não quero e não consigo fazer sozinho.”

Em roda, brincando e concentrados, estamos repetindo um ritual que talvez seja o mais antigo da humanidade: formar um círculo.

Posso especular que o fogo, nosso avô na crença dos xamãs, tenha sido o catalisador da formação de círculos. Imaginem nossos ancestrais todos reunidos ao redor de uma fogueira para se protegerem dos predadores noturnos. Toda a tribo formando uma roda cujo centro é um ponto irradiador de luz e calor.

Em praticamente todas as culturas, o círculo é um símbolo da totalidade da alma e por consequência da divindade. Também carrega em si a propriedade de ausência de distinção ou divisão. Nesse sentido, evoca o conceito democrático de que somos todos iguais, elementos de uma mesma comunidade, como atesta a tradição arturiana da Távola Redonda.

É engraçado que o círculo, tão primitivo, conhecido desde a Idade da Pedra antes mesmo da invenção da roda, teime em continuar tão presente mesmo nesta era tecnológica. Afinal, lá está ele girando enquanto esperamos que um link ou um aplicativo seja carregado em nossos computadores ou celulares.

Atestado em todas as culturas e em suas religiões, vemo-lo aparecer nas mandalas budistas de meditação, nas rosáceas das catedrais góticas, no halo dos santos e dos anjos e no próprio Jesus, rodeado pelos quatro evangelistas à moda do deus egípcio Hórus e seus quatro filhos.

O glifo do Sol na astrologia é um círculo com um ponto no meio e o próprio Zodíaco é um caminho celeste circular onde o Sol perambula durante o ano.

No Islamismo há uma corrente mística conhecida como sufismo onde os devotos, chamados de dervixes rodopiantes, dançam imitando a ronda dos planetas em torno do Sol, um paralelo da busca de Deus, simbolizado pelo Sol.

No Cristianismo também podemos encontrar este motivo da dança circular num texto apócrifo (não validado pela Igreja Católica) chamado “Atos de João”. Antes da crucificação, Jesus pede a seus apóstolos que, de mãos dadas, formem um círculo enquanto ele se coloca no meio. Jesus se comporta como um mestre cirandeiro começando a cantar enquanto seus apóstolos cirandeiros respondem as frases do Cristo com um Amém.

“Quero ser salvo e quero salvar. Amém.

Quero ser desligado e quero desligar. Amém

Quero ser ferido e quero ferir. Amém

Quero ser gerado e quero gerar. Amém

Quero comer e quero ser devorado. Amém

Quero ser pensado, eu, que sou todo pensamento. Amém

Quero ser lavado e quero lavar. Amém

Quem não dança não sabe o que acontece. Amém

Quero ser unido e quero unir. Amém

Sou uma lâmpada para ti que estás me vendo. Amém

Sou um espelho para ti que me conheces. Amém.

Sou uma porta para ti que bates diante de mim, pedindo para entrar. Amém

Sou um caminho para ti que és um peregrino.

Mas quando continuares a minha ronda contempla a ti mesmo em mim, que estou te falando.

Enquanto dançares considera o que estou fazendo. Vê que este sofrimento que eu quero sofrer é o teu (sofrimento), pois não compreenderias o que sofres se meu Pai não me tivesse enviado a ti como Palavra.

Se conhecesses o sofrimento possuirias a impassibilidade. Conhecei, pois, o sofrimento e terás a impassibilidade.

Reconhece em mim a Palavra da Sabedoria.”

Jesus

Não sei quanto a vocês, mas a imagem de um Jesus que dança e canta é muito reconfortante para mim, principalmente neste tempo obscurantista que associa o nome dele a toda forma de intolerância e exclusão.

O círculo, em significado simbólico, está a léguas da forma piramidal que é o reflexo das sociedades de consumo modernas, cuja base miserável sustenta os poucos privilegiados do topo. O círculo da igualdade é a revolução da esperança, já que Deus, ele próprio, pode ser intuído como um círculo cujo centro está em toda parte.

E agora gostaria de fazer um apelo. Me sinto muito solitário aqui em casa, cercado de livros, preocupado com minha pequena missão de elaborar uma coluna a cada quinze dias. Sou um ponto que se quer evoluir para um círculo abrangente. Já está mais que na hora de estabelecer um contato mais direto com vocês, meus leitores. O apelo é para que me escrevam. Quero um retorno, quero formar um círculo com vocês. Minhas palavras serviram a algum propósito? Pude fazer alguma diferença em seus questionamentos, suas reflexões, suas vidas concretas?

Num círculo enxergamos a todos, somos iguais e conseguimos nos colocar no lugar de nossos irmãos cirandeiros.

Nesta época em que nossos “líderes” vetam absorventes para as meninas que não tem como comprá-los, vetam a instalação de internet nas escolas públicas e outros segregacionismos que  é fundamental darmos as mãos formando um grande círculo de proteção e engajamento. Como nos “Atos de João”, somos chamados a dançar com alegria e esperança, somos convocados para resistir e espalhar a mensagem de que é possível, é imprescindível, a construção de um mundo mais igualitário e includente.

No círculo somos todos um. Nossa força reside em nossa identidade comum e em nossa alma, que não possui cor, nem raça nem distinção de gênero. Nada que nos separe. Amém.

Escreva para o Escorel em [email protected]

Marcello Escorel é ator e diretor de teatro há mais de 40 anos. Paralelamente a sua carreira artística estuda de maneira autodidata, desde a adolescência, mitologia, história das religiões e a psicologia analítica de Carl Gustav Jung.

Polícia e Justiça falham em responsabilizar PM que baleou repórter da Ponte

Investigações feitas pela Polícia Civil e pela PM deixaram de identificar responsáveis pelo disparo de bala de borracha que atingiu o fotógrafo Daniel Arroyo, em 2019; Justiça arquiva inquérito a pedido do MP

Por Ponte Jornalismo em 07/10/2021
O PM que atirou à queima-roupa com uma arma de bala de borracha no repórter fotográfico da Ponte Daniel Arroyo não vai ser punido. O jornalista foi atingido no joelho durante uma manifestação do Movimento Passe Livre em janeiro de 2019. Após quase dois anos de inquérito, o Ministério Público do Estado de São pediu o arquivamento do caso. Antes disso, uma apuração interna da Polícia Militar também foi arquivada.

Na época do ocorrido, o governador do estado João Doria (PSDB) se manifestou, através de nota, dizendo ser solidário aos jornalistas. “Governo de São Paulo defende a liberdade de imprensa como um direito fundamental para o pleno funcionamento da democracia e esclarece que a Polícia Militar instaurou um inquérito para apurar as condições em que aconteceu o caso.” A Ponte tentou um novo contato, através da assessoria de imprensa, com Doria para saber a opinião dele sobre o arquivamento do caso, mas até o momento não obteve retorno.

Vítima do ataque policial, Daniel Arroyo lamenta que mais um caso de cerceamento da liberdade e de truculência das forças de segurança do Estado fiquem impunes. “É lamentável. Eu tenho a foto e o vídeo do PM que atirou em mim. Mesmo de máscara, havia uma identificação alfanumérica, que mesmo não dando para ver na totalidade nas imagens, uma investigação mais criteriosa poderia concluir quem foi o autor do disparo”, explica Daniel.

“A vítima acostou aos autos as fotografias dos averiguados, contudo, analisando as referidas imagens, não verifiquei, nas vestes dos averiguados, a existência de dados de identificação que pudessem ensejar o esclarecimento da autoria delitiva, razão pela qual a diligência restou prejudicada. Ante o exposto, à míngua de provas suficientes de autoria delitiva, requeiro o arquivamento dos autos, no tocante ao delito de lesão corporal”, decretou em seu pedido de arquivamento do caso a promotora Regiane Vinche Zampar Guimarães Pereira. O pedido foi acatado pelo juiz José Fernadno Setinberg em março deste ano. Antes, em novembro de 2019, a promotora Rafaela Trombini havia pedido o arquivamento da acusação de abuso de autoridade contra o PM, que foi acatado pelo juiz José Zoéga Coelho.

Nem a PM, nem a Polícia Civil de SP foram capazes de dizer quem é esse homem | Foto: Daniel Arroyo / Ponte Jornalismo

Além da não identificação do PM, outra justificativa dada pela Polícia Militar para arquivar o inquérito é que o policial não teve a intenção de atirar em Arroyo, mas em um manifestante que tentou retirar um amigo que estava em poder da Caep (Companhia de Ações Especiais), que reprimia a manifestação naquele dia. 

Entenda o caso

No dia 16 de janeiro de 2019 Arroyo estava na Avenida Paulista, próximo à Praça do Ciclista, para cobrir a manifestação do Movimento Passe Livre contra o aumento da passagem de ônibus de R$ 4 para R$ 4,30. Ainda na concentração do ato, a PM começou a intimidar os manifestantes para que o protesto não andasse.

“Quando chegamos lá já tinha muita polícia, e eles se organizaram de uma forma diferente de outras manifestações, fazendo um cordão de isolamento no cruzamento com a Rua da Consolação e com muitos policiais andando no meio dos manifestantes, abordando aqueles que eles consideravam mais suspeitos e levando para um lugar longe da imprensa para fazer a revista”, relembra Daniel.

Quando um homem foi imobilizado por alguns policiais, um outro tentou tirar ele das mãos dos PMs. Arroyo estava perto da ação quando um dos policiais militares atirou à queima roupa com uma arma longa de bala de borracha. O mesmo policial faz um segundo disparo que atingiu o fotógrafo no seu joelho direito. Toda a cena foi filmada pelo próprio Daniel.

“Eu senti o tiro, mas na hora não achei que o ferimento estivesse tão grande. Depois que eu vi que minha calça estava rasgada e meu joelho estava em carne viva. Eu mostrei para o policial e ele mandou eu ir embora”.

O fotógrafo ainda procurou o comandante da tropa para pedir que fosse socorrido. Mostrando desprezo à solicitação, a policial deu de ombros e disse que não poderia fazer nada. Sozinho, Daniel Arroyo se dirigiu até um hospital particular no bairro do Ipiranga onde foi atendido.

Entidades repudiam arquivamento do caso

O presidente da Associação de Jornalismo Digital (Ajor), Guilherme Alpendre, lembra que nas manifestações é essencial que os agentes de segurança possam ser facilmente identificados, para que casos como o de Daniel e Sergio não fiquem impunes.

“A Polícia Militar do estado de São Paulo reiteradamente viola direitos de jornalistas, em especial durante coberturas de manifestações. Uma das razões para que esse comportamento não cesse é a impunidade. No caso do tiro em Daniel Arroyo, mais uma vez a impossibilidade de identificação dos autores do disparo levou ao arquivamento do processo. É imperioso que todo agente fardado possa ser facilmente identificado: o controle social dos agentes públicos é uma premissa do Estado Democrático. Infelizmente, casos como esse tendem a se repetir caso a impunidade siga sendo a regra.

https://ponte.org/fotografo-alex-silveira-sera-homenageado-em-premio-vladimir-herzog/

Norian Segatto, diretor do Departamento de Saúde, Previdência e Segurança da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), afirma que havia meios para identificar o policial que fez o disparo e, mesmo com a investigação não chegando ao autor dos tiros, era necessário punir seus superiores.

“A alegação de não possibilidade de identificar o autor do disparo não se sustenta diante das imagens do fato e, mesmo que essa hipótese fosse correta, a instituição Polícia Militar e o comandante da operação deveriam ser responsabilizados pelos atos. Atitudes como essa, que levam à impunidade, só contribuem para o aumento da violência policial contra profissionais de imprensa, movimentos sociais e manifestantes.”

https://ponte.org/stf-manda-estado-indenizar-fotografo-que-perdeu-a-visao-alvejado-por-bala-de-borracha-em-manifestacao/

A falta de punição nesse caso é preocupante para a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). A entidade teme que casos como estes se repitam no futuro. “O argumento de que não foi possível identificar o policial do 78º distrito de São Paulo que disparou uma bala de borracha contra o fotógrafo Daniel Arroyo, apresentado pelo Ministério Público de São Paulo para arquivar o caso, é inadmissível em uma democracia e, se verdadeiro, evidencia graves problemas de gestão na PM. Se a Justiça aceitar justificativa do MP-SP, estará abrindo um precedente perigoso, que permitirá a agentes de segurança se livrarem de punição por abusos em ocorrências semelhantes no futuro e promoverá a impunidade noutros casos de violações à liberdade de imprensa durante a cobertura de manifestações”, declarou, por meio de nota, o presidente da Abraji Marcelo Träsel.

E nota, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP), disse que “infelizmente, o caso de Daniel não é uma novidade para os profissionais de imprensa e, especialmente, para os repórteres fotográficos. Ao não realizar a devida apuração e responsabilização dos agentes de Estado que cometem atos de violência, as autoridades legitimam, na prática, o impedimento contra o livre exercício jornalístico e a garantia de que os profissionais realizem seu trabalho com segurança”.

Impunidade aumenta a insegurança, mas não impede o trabalho de jornalistas

O fotógrafo Sergio Silva também já foi vítima da truculência policial contra manifestantes e jornalistas. Em junho de 2013, ele foi atingido no olho também por um disparo de bala de borracha feito por um policial militar e perdeu a visão do olho direito. O Tribunal de Justiça de São Paulo negou o recurso impetrado pela defesa de Sergio que pedia uma indenização pelo dano causado pelo Estado. O caso vai para o Supremo Tribunal Federal.

Analisando que o caso de Daniel é parecido com seu, Sergio destaca que não se deve individualizar a punição em quem fez o disparo, mas sim na corporação como um todo. “Não é uma ação que parte de um único indivíduo, é algo coletivo. Tem uma ordem, há uma comando. É uma ação que tem vários agentes envolvidos, então cabe ao Estado ser responsabilizado como um todo”.

Mesmo após o perder parte da visão, Sergio continuou a trabalhar e a cobrir manifestações. Para ele, essa é uma forma de demonstrar resistência, mesmo o episódio tendo deixado marcas para além das físicas. “É sempre muito preocupante, fica um trauma. Eu tenho uma marca no corpo e a gente vai para essas coberturas e ver esses atos da polícia. Sempre volta a lembrança do que ocorreu comigo. Carrego uma cicatriz psicológica”

https://ponte.org/stf-manda-estado-indenizar-fotografo-que-perdeu-a-visao-alvejado-por-bala-de-borracha-em-manifestacao/

“Eu já tinha passado por outros episódios de truculência policial, mas nunca nesse nível. É uma coisa que a gente que trabalha nesse tipo de cobertura sempre acha que pode acontecer. A gente precisa cobrir esses atos de perto e essa proximidade faz com que os policiais acharem que podem ultrapassar algumas linhas, da mesma forma que fazem com os manifestantes”, avalia Daniel Arroyo.

Para o diretor de redação da Ponte, Fausto Salvadori, o estado de São Paulo deve, no mínimo, uma retratação pela agressão sofrida pelo fotógrafo. 

“O ataque contra Daniel e suas consequências mostram o desprezo da Polícia Militar e do governo João Doria pela democracia e pela liberdade de imprensa. Ele foi baleado à luz do dia, por um policial identificado, diante de dezenas de testemunhas e de outros policiais. Contrariando as próprias normas da PM, que são letra morta quando se trata de ajudar seres humanos, os policiais se recusaram a socorrer o jornalista e identificar os responsáveis. Houve negligência tripla na investigação, tanto por parte da Polícia Militar quanto da Polícia Civil e do Ministério Público, que não fizeram as cobranças devidas. E, por fim, não houve qualquer responsabilização e muito menos um pedido de desculpas, seja do comando da polícia, seja do governador João Doria. Fica claro que, para o governador, balear um jornalista é algo aceitável e corriqueiro”.

https://ponte.org/justica-nega-indenizacao-a-fotografo-agredido-por-segurancas-do-metro-de-sp-durante-protesto-em-2017/

Outro lado

O ouvidor das Polícias de São Paulo, Elizeu Soares, destaca que o Estado deveria repensar os instrumentos que utiliza nas manifestações para que episódios como esse não voltem a ocorrer. “É lamentável que infelizmente não foi identificado quem fez isso. O Estado deveria indenizar o jornalista e pensar qual seria o tipo de armamento seria mais adequado para esses atos.”

A Secretaria de Segurança Pública se limitou a dizer que o caso foi repassado ao puder judiciário. “O caso foi investigado pelo 78° DP e relatado à Justiça. Mais questionamentos devem ser encaminhados ao judiciário”, disse a pasta através de nota.

O Ministério Público do Estado de São Paulo foi contatado para se posicionar sobre o arquivamento, mas não respondeu os e-mails enviados pela reportagem.

Ronda: Com queda em números, Rio retoma aulas presenciais

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Por Edu Carvalho, em 08/10/2021 às 14h

Com expectativa para chegar ao patamar de 80% da população vacinada com duas doses contra o coronavírus nos próximos dias, o Rio de Janeiro segue projetando cenário de maior flexibilização, estruturado em um plano de reabertura criado em agosto. Uma das medidas que já entram em vigor é o retorno das aulas presenciais, decidido pelo Comitê Especial de Enfrentamento à Covid-19 (CEEC) da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) do Rio, após reunião na terça-feira (05). O grupo de especialistas recomendou o retorno pleno das aulas presenciais em todas as unidades de ensino públicas ou particulares, nos diferentes níveis de educação, considerando a melhora do cenário epidemiológico. 

A Secretaria Municipal de Educação do Rio (SME) já divulgou o cronograma de retorno às aulas no modelo 100% presenciais nas escolas municipais. A retomada das atividades nas 1.543 unidades de ensino, sem a necessidade de rodízio e distanciamento entre as carteiras, método adotado como forma de evitar a transmissão e contágio da covid-19, começa a partir do dia 18 de outubro, mas somente para alguns grupos de estudantes. As informações foram publicadas nesta quinta-feira (7).

A volta às salas de aula no mesmo modelo adotado antes da pandemia ocorrerá em duas etapas. No dia de 18, voltam para as escolas municipais do Rio os alunos da pré-escola, do 1º, 2º, 5º e 9º anos, além dos estudantes do Programa Carioca 2, de aceleração do ensino, que contempla cerca de 4 mil crianças e adolescentes. Já no próximo dia 25, retornam às aulas totalmente presenciais o 3º, 4º, 6º, 7º e 8º anos do ensino fundamental, como também as crianças das creches, os alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e das classes especiais.

Ainda sobre a flexibilização….

O secretário municipal de saúde Daniel Soranz fez questão de ressaltar em seu Twitter, após discussão calorosa sobre a continuidade do uso de máscaras na capital, que fica tudo como está: ‘’1. Neste momento não está autorizada a retirada da máscara na Cidade do Rio 2. Há uma previsão para a retirada em locais abertos quando a cobertura vacinal alcançar 65% da população em geral. 3. Obviamente se o cenário epidemiológico continuar evoluindo favoravelmente’’, frisou. 

Fiocruz enfatiza importância de medidas restritivas e uso de máscaras 

O Boletim Observatório Covid-19 Fiocruz, publicado nesta última quinta-feira (7/10) destaca queda sucessiva no número de casos e óbitos, além de estagnação na taxa de ocupação de leitos de UTI Covid-19 para adultos no Sistema Único de Saúde (SUS) em patamares baixos na maioria dos estados brasileiros. Essa, de acordo com os pesquisadores, é a melhor evidência do sucesso da vacinação na prevenção de formas graves e fatais da doença. No entanto, apesar das boas notícias, é essencial manter as medidas preventivas para bloquear a circulação do vírus. E o país ainda não está conseguindo bons patamares neste sentido. 

Pesquisa inédita avança

Um dos mais importantes estudos em andamento no Brasil sobre a efetividade da vacina ganha novos passos. A pesquisa liderada pela Fiocruz terá seu novo desdobramento com a aplicação da segunda dose do imunizante nas unidades de saúde espalhadas pelas 16 favelas da Maré. O recado para o morador é: não deixe de tomar sua segunda dose.

Desde de junho de 2020, o projeto “Conexão Saúde: de olho na Covid” executa diversas ações de mobilização, vigilância e cuidado em saúde, combinando serviços de testagem, telessaúde e isolamento domiciliar seguro com a comunicação estratégica no território – tornando-se referência no combate à pandemia em favelas.

Os estudos de eficácia da vacina estão atualmente na fase que avalia o sucesso das vacinas aprovadas contra a covid-19 na população, a chamada fase 4. A conclusão dessas pesquisas tem previsão de pelo menos dois anos para resultados sólidos, no entanto, já começam a apresentar respostas significativas, inclusive no Brasil, onde os dados evidenciam uma diminuição significativa e progressiva de óbitos da população vacinada.

Segunda fase do #VacinaMaré

Moradores da Maré já começaram os preparativos para a segunda fase do #VacinaMaré, campanha de imunização em massa que pretende vacinar contra a covid-19 a população mareense. A mobilização no território começa amanhã para a vacinação que acontece nas unidades de saúde nos dias 14, 15 e 16 de outubro.  A iniciativa faz parte de um estudo da Fundação Oswaldo Cruz, em parceria com Ministério da Saúde, Redes da Maré, Secretaria Municipal de Saúde, SAS Brasil, Conexão Saúde e PUC-Rio.

Além de aplicar a segunda dose, pessoas com mais de 12 anos poderão ser vacinadas pela campanha. Para receber a vacina, é preciso ter cadastro em uma unidade de saúde. Se houver dúvidas, procure ir na mais próxima de você ou um agente de saúde comunitário. Seus vizinhos ou familiares podem ter o contato de whatsapp do agente que atende sua rua ou região. Para mais informações, acesse: https://www.vacinamare.org.br/

Covid-19 na Maré

De acordo com o Painel Unificador COVID-19 Nas Favelas, o Conjunto de Favelas da Maré é o 1º lugar nos registros de óbitos e casos dentre as comunidades cariocas. Ao todo, são 9.525 casos e 373 mortes no território. Na lista, ainda permanecem em ordem como principais pontos de infecção e óbitos: Rocinha (3951 casos/145 mortes), Fazenda Coqueiro (3769 casos/243 mortes), Alemão (31771/178 mortes), e Complexo da Penha (2528 casos/123 mortes). Nos últimos 15 dias, não foram registradas mortes no território da Maré.

Máscaras que salvam

Nós não deixaremos de falar: vacina boa é vacina no braço.

E lembre sempre: #UsaMáscaraMorador

Até o fechamento desta edição da Ronda, o país contabilizava mais de 599.865 óbitos e 21.532.210 casos, segundo o consórcio de veículos de imprensa (Globo, Jornal O Globo, Extra, Folha, Estado de São Paulo, G1 e UOL). Aos familiares, parentes e amigos das vítimas, nosso abraço. 

Maré de cultura

O Museu de Arte do Rio será ocupado por programações culturais nos fins de semana durante o mês de outubro. Entre as atividades estão a apresentação da DJ Bieta, roda de capoeira, circo, artistas de rua e a intervenção Ladrilha. Já neste sábado (09), haverá apresentações do circo Up Leon, contação de histórias, visitas guiadas pelo espaço e uma intervenção feita pela Companhia Ih, Contei!, com pílulas poéticas. No domingo, a programação segue. Você pode conferir nas redes sociais do Museu. 

Tá pensando que para por aí? O Museu do Amanhã, o Museu Histórico da Cidade, o EcoMuseu do Quarteirão Cultural do Matadouro de Santa Cruz, a Lona Cultural Municipal João Bosco, as arenas Abelardo Barbosa – Chacrinha e Renato Russo, além do Memorial Municipal Getúlio Vargas e o Centro da Música Carioca Artur da Távola também preparam atividades para a semana da criança. Saiba mais visitando o Instagram da Secretaria de Cultura. 

Já conferiu a programação de oficinas remotas e presenciais da Lona da Maré? Tem atividade rolando de segunda a sexta, com aulas gratuitas e abertas, online pelas redes sociais Facebook: @LonaCulturaldaMaré e instagram: @lonadamaré e presenciais na Lona da Maré. 

Perdeu nossos conteúdos da semana? Veja o resumão! 

Domingo (03/10)

Pesquisa comprova: pandemia agrava abismo criado pelo racismo estrutural, por Tamyres Matos 

Segunda-feira (04/10)

Bibliotecas Parque viram polos de reforço escolar na capital fluminense, por Redação

CUFA e Uber Eats se unem para doação de cestas básicas em favelas, por Redação

Terça-feira (05/10)

Eduardo Paes projeta fase de reabertura com liberação de eventos e flexibilização do uso de máscaras na 1ª quinzena do mês, por Edu Carvalho

AgeRio e Faperj lançam edital do Programa Inovação Rio, por Edu Carvalho

Quarta-feira (06/10)

Arena Carioca Dicró abre inscrições para Ensaios Abertos, por Redação

Comitê Científico do Rio recomenda retorno às aulas totalmente presencial, por Edu Carvalho

Quinta-feira (07/10)

Com Parque Madureira, bairro do subúrbio carioca terá maior horta do mundo, por Hélio Euclides

Zona Norte terá neste sábado ‘Dia D’ de vacinação antirrábica, por Hélio Euclides 

Mulheres Protagonistas: Projeto vai mapear mães trabalhadoras das artes, por Observatório de Favelas 

#VacinaMaré: saiba todas as informações para segunda dose da campanha na Maré, por Edu Carvalho

Muito prazer, somos a OCUPAÇÃO*, por Ocupação

Sexta-feira (08/10)

Com pandemia e sem escola, crianças indígenas enfrentam desafios no país, por Enóis

Campanha incentiva a Maré a tomar 2ª dose da vacina Covid-19, por Luciana Bento (Conexão Saúde)

Com pandemia e sem escola, crianças indígenas enfrentam desafios no país

Alunos permanecem afetados com a falta de conectividade e disposição de aparelhos eletrônicos. Fome também é desafio.

Por Alice Sousa, Andressa Marques, Ester Caetano, Hélio Euclides e Lucas Veloso (*)

Matheus, de 11 anos, é um dos 950 alunos matriculados na Escola Municipal Abá Tapeba, uma unidade indígena para o povo Tapeba na comunidade de Jandaiguaba, em Caucaia, no Ceará. Em 2021, ele começou a cursar o sexto ano. Depois do início da pandemia, Matheus nunca voltou às aulas presenciais. O aparelho celular da mãe tem sido o instrumento de estudos dele, que segue no modelo remoto. A família está sem renda desde o ano passado, quando os pais do menino, uma empregada doméstica e um auxiliar de serviços gerais, perderam o emprego. Agora, eles lutam para colocar na mesa a comida que vinha por meio da merenda.

Ainda que o Brasil tenha reconhecido na Constituição de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, o direito dos povos indígenas a uma educação específica, antes mesmo da pandemia a efetivação desse direito já enfrentava desafios. A crise sanitária e de saúde veio para acentuá-los, tanto nas escolas específicas para indígenas quanto nos outros modelos que recebem essa população. Passados um ano e oito meses dos primeiros casos de covid-19 no país, em meio à retomada das aulas presenciais, em várias partes do país a educação indígena segue esperando infraestrutura e condições de retomar as atividades plenas.

No Ceará, de acordo com a Secretaria de Educação, até o momento, 12 escolas indígenas adotaram o ensino híbrido, alternando tempo presencial na escola e ensino remoto, mediado por material impresso com orientações pedagógicas ou com o uso de algumas tecnologias. Outras sete escolas decidiram, na consulta à comunidade escolar, retornar 100% de forma presencial. Entre as 20 unidades de ensino que estão no formato remoto, alunos que retornaram às atividades escolares por meio da ação da busca ativa na comunidade estão sendo atendidos com aulas presenciais. 

No entanto, uma queixa do presidente da Associação dos Professores Indígenas Tapebas (APROINT), John Tapeba, é a de que os aparatos tecnológicos distribuídos pelo estado suprem as demandas dos alunos do ensino médio, mas não chega nos alunos do ensino fundamental, que permanecem afetados com a falta de conectividade e disposição de aparelhos eletrônicos. 

Com o avanço da vacinação no estado e o cadastro de adolescentes, o Ministério Público tem pressionado o governo a dar início às aulas de forma híbrida. Para John, no cenário atual, é impossível um retorno seguro. “Tem escola que não tem porta, não tem circulação de ar, só uma pia funcionando, além do principal fator: o vírus. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) já soltou boletins dizendo que o risco de contaminação das populações indígenas com a variante delta é maior do que a população branca/não-indígena”, completa. 

Escola Mbyá-Guarani na Aldeia do Cantagalo, em Viamão: Foto Mariana Bampi – Nonada

A pressão pelo retorno também ocorre no Rio Grande do Sul. No mês de agosto as atividades presenciais começaram a retornar gradativamente nas escolas Mbyá-Guarani e nas escolas Kaingang. A Secretaria de Educação criou um protocolo de retorno às aulas, mas de forma ampla, segundo os professores, não especificou as necessidades das escolas indígenas e suas particularidades. 

Segundo Eloir Oliveira, professor na Aldeia Estiva Tekoa Nhumdy, em Viamão, região metropolitana do Rio Grande do Sul, e representante dos professores indígenas Mbyá-Guarani no Sindicato dos Professores, as condições para o regresso são interpretadas como a única opção possível. “Como fazer as aulas online se o Estado não está dando as condições? Como o acesso à internet, a computadores ou notebooks para cada aluno. Então, fica difícil, ou seja, deixam as aldeias sem saída”, questiona o líder indígena. 

A preocupação dos profissionais de educação se explica nos dados disponíveis sobre o impacto da pandemia na educação brasileira. Ainda em 2020, um estudo realizado pela  União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Itaú Social e Unicef já mostrava que 78,6% das redes de ensino tiveram algum problema de conexão de internet. Outro estudo, de maio deste ano, da Fundação Lemann, BID, Itaú Social e DataFolha, mostra que 8% dos estudantes com indícios de interrupção dos estudos em 2021  tinham como motivo para isso falta de acesso à internet.

De forma própria, a escola onde Eloir ensina realizou uma reunião interna entre pais e direção. Ficou firmado o retorno híbrido, dois dias da semana as aulas seriam presenciais. Mas a adesão não foi a esperada. “As crianças querem estudar, o problema é a questão da prevenção mesmo, a escola ainda não está preparada para isso com os meios adequados em relação à prevenção. Até porque o Estado não dá assistência, eles querem que voltem às aulas mas nas condições mínimas, sem ter de fato uma prevenção bem efetiva”, conclui o professor. 

Há um ano, uma pesquisa da Unicef e do Instituto Claro, já havia identificado que o abandono escolar, juntando ensino médio e fundamental, era mais grave entre as populações indígenas brasileiras, sobretudo as que vivem em terras indígenas, com índices que superavam o dobro da média nacional. Os indígenas também estavam entre os grupos mais afetados pela indisponibilidade de atividades escolares no primeiro ano de pandemia no Brasil.

Sem escola, crianças indígenas enfrentam dificuldade para se alimentar

Na casa de Tarciane Pereira, 33, a mãe de Matheus, ela só não viu faltar comida na mesa porque mora próximo à família, também na comunidade de Jandaiguaba, em Caucaia. Na casa dela moram o marido e os dois filhos, Matheus e o irmão mais novo, de 3 anos. Tarciane está sem renda desde o início da pandemia, quando trabalhava como doméstica. O pai de Matheus trabalhava com serviços gerais no início da pandemia e hoje em dia vive de “bicos”.

Outros alunos da escola municipal indígena Abá Tapeba, que começou com uma creche para 135 alunos, também passam pela mesma situação. Conviver com a fome foi o principal desafio trazido pela pandemia, diz a coordenadora pedagógica da escola, Roberta Kelly, 35. “Aqui na comunidade temos uma realidade onde a primeira refeição de algumas crianças é feita na escola. Teve um momento que chegamos a arrecadar alimentos para doações, e aí foi quando o município começou a usar o dinheiro da merenda para fornecer essas cestas básicas para as crianças”, conta.

Atualmente, a escola recebe as cestas básicas da prefeitura todo mês e, semanalmente, uma doação de leite é realizada pelo Mesa Brasil. Os alimentos são repassados para as famílias para tentar amenizar esse impacto na aprendizagem. “São crianças que vivem em uma comunidade de vulnerabilidade, que vem crescendo ao longo dos anos. A fonte de renda da maioria das famílias da comunidade são os benefícios sociais e trabalhos informais, isso não traz uma qualidade de vida”, ressalta Roberta. 

Entre as dificuldades, está a de localizar e acompanhar a situação de dificuldade e quem está em situação de fome. “A importância dessas crianças estarem nas escolas é que podemos acompanhar a rotina delas. A gente consegue ajudar de uma melhor forma, mas à distância, às vezes, a família tem vergonha de vir. E aí algumas deixam de ser ajudadas”, explica Roberta, ao lembrar de diversas vezes em que pais de alunos foram até a escola em busca de alimento. 

Na Escola Estadual Indígena Bento Pingola, dentro da Terra Indígena Guarita, no Rio Grande do Sul, a professora Sueli Krengre Cândido, 44 anos, também ressalta a importância da merenda escolar. “Com a pandemia a gente não podia chegar perto das crianças então ficou difícil de ajudar”, conta. Sueli também conta que houve uma articulação para marcar dias e horários para buscar o material de estudo e um lanche, entretanto muitas crianças não apareciam.”Hoje retornamos as aulas e ainda há falta de alunos por vários motivos, entre eles os pais que trabalham fora. Outros pedem para que os filhos ajudem nos trabalho, alguns estão nas colheitas e podas, então essas crianças acabam ficando com os avós em outras comunidades.” 

Na Escola Estadual Indígena Toldo Campinas, também no Rio Grande do Sul, as aulas presenciais retornaram no início de agosto deste ano. Mas, segundo o professor Lairto Mello, da comunidade Kaingang na Terra Indígena Guarita, a Secretaria de Educação, a Seduc, não deu respaldo para a segurança, apenas foi determinado que voltassem.  Mello complementa que existe uma omissão no estado quando se fala sobre “educação indígena”. 

“Essa proximidade entre o modo de vida das comunidades e os modelos de educação implantados pelo sistema não tem refletido em uma boa inclusão dos alunos.” Para ele, além da falta de compreensão com a educação indígena, faltam espaços para dedicação dos alunos às atividades e há insuficiente capacitação da classe docente, por parte do estado e governo, na escola Kaingang.

No Rio de Janeiro, até mesmo a agricultura de subsistência indígena está prejudicada na pandemia. “Tem a aldeia Itaipu que não tem terra para plantar. Algo que é problemático, pois a lavoura é um trabalho coletivo. Para o índio quando ele não está forte para fazer a colheita ou comprar comida, ele morre. Não há uma política pública de segurança alimentar”, constata o ambientalista Sergio Ricardo, membro do Conselho Estadual dos Direitos Indígenas (CEDIND-RJ). Segundo ele, há uma crise sanitária nas oito aldeias do Rio, com ausência de saneamento básico. “Foi feito um reservatório de água só este ano na aldeia Itaxim Mirim Guarani Mbyá, em Paraty. Em Itaipu não tem fonte de rio, então eles dependem do vizinho para ligação da bomba”, conta.

Ensino híbrido ainda reproduz dificuldades do modelo remoto 

Marlene Angelica Bento, 29 anos, atua como professora há mais de oito. Faz parte da Aldeia São João do Yapura, uma das 18 aldeias da terra índigena Guarita, no noroeste do Rio Grande do Sul e é vice-diretora na Escola Estadual Indígena de Ensino Médio Antônio Caximim. Na escola onde atua, a volta às aulas foi gradual, com a implementação do sistema híbrido. Segundo Marlene, mesmo com esse novo formato, a pandemia  foi e continua sendo um dos momentos mais desafiadores da carreira.

Com o retorno parcial, muitos pais não se sentiram seguros de levar seus filhos para a escola, então foi criado a opção de continuar o ensino remoto. “A gente está auxiliando as crianças com atividades remotas por enquanto. Todos salientaram que no momento em que estiverem se sentindo seguros iriam mandar seus filhos.” 

Sem apoio especificado da Secretaria de Educação, a professora conta que são várias as dificuldades, para além da pandemia, como falta de transporte público que contemple a escola. “Um transporte de qualidade é fundamental para que esses alunos possam estar fazendo seus estudos dentro do seu do seu local de origem. Isso é muito importante pra nós que somos indígenas.” Procurada, a secretaria afirmou que não há um plano específico de retorno para as escolas indígenas, mas que foram publicadas várias portarias com orientações para as escolas que atendem no modelo híbrido de ensino, desde o ano passado. Em relação às particularidades das escolas indígenas, a Seduc afirmou, em nota, que “mantém um diálogo permanente com as comunidades para que as aulas ocorram de maneira adequada e de acordo com a realidade de cada uma das instituições de ensino”.

A professora Rosani dos Santos, 39, que atua em São Paulo, tem queixa semelhante. “Por mais que tenha uma série de dificuldades entre os alunos, não podemos esquecer de que a população indígena é desassistida em várias esferas públicas, e não é diferente neste momento”, diz. Em São Paulo, são 6.963 indígenas Mby’a, Tupi Guarani, Kaingang, Krenak e Terena que habitam a faixa litorânea, no Vale do Ribeira, no oeste do estado e na região metropolitana de São Paulo. São 1.946 estudantes indígenas no estado, que contam com 52 Escolas Estaduais Indígenas, segundo a Seduc-SP (Secretaria de Educação do Estado de São Paulo), além dos que estudam em escolas não indígenas.

No Rio de Janeiro, não há sequer escola específica para esta população, de acordo com a Secretaria Municipal de Educação. Existem 325 alunos indígenas, distribuídos na rede. Há também uma falta de professores indígenas e de infraestrutura para garantir o acesso dos alunos ás aulas remotas. Na aldeia Araponga, em Paraty, a internet chegou em julho deste ano. Lá, a escola reformada pela Prefeitura só começou a funcionar em setembro. “Hoje só há duas escolas em funcionamento, que é Itaipuaçu e Mata Verde, sendo a segunda em funcionamento num container, ou seja, feita de lata. Além disso, é preciso um estudo baseado na valorização da cultura indígena”, defende o ambientalista Sergio Ricardo, membro do Conselho Estadual dos Direitos Indígenas (CEDIND-RJ).

Além das questões estruturais, os professores contam que eles também precisaram se adaptar à modalidade remota. Segundo Marlene, na aldeia alguns pais completaram apenas as séries iniciais e por isso não conseguem acompanhar os filhos das séries finais com suas atividades remotas. “Nós, como professores, ficamos preocupados em como poder ajudar mais porque nem todos têm acesso a Internet para poder acompanhar e mandar os trabalhos”, conta. “A gente vê que os brancos (não indígenas) tem condições de aprender remotamente, mas os nossos, não.” A TI Guarita tem 16 comunidades com 11 escolas e 11 postos de saúde. “Não é todas as escolas que têm as mesmas condições. Cada comunidade tem a sua demanda e assim temos que seguir.”

Adaptação das tradições 

Na Escola Abá, de Caucaia, no Ceará, a educação indígena, foi moldada ao ensino remoto. A semana de festas tradicionais celebradas no Dia do Índio, por exemplo, foi todas virtuais, encenada pelos próprios professores e transmitida aos alunos. Alternativa semelhante aconeceu em São Paulo. Sem apoio do poder público e com a educação como prioridade, nas aldeias, foi preciso pensar algumas iniciativas foram pensadas, segundo informações da Comissão Pró-Índio de São Paulo. 

Na aldeia Bananal, Terra Indígena Peruíbe, por exemplo, as professoras montaram apostila com atividades. “A gente montou um grupo de WhatsApp para que as crianças realizassem as atividades nas apostilas e as mães pudessem fotografar e enviar para gente. Isso é feito diariamente e toda dúvida que surge, eles mandam no privado ou podem mandar no grupo mesmo, compartilhando ideias e sugestões e assim a gente vem fazendo”, explica Jaciara de Souza Gomes de Menezes, vice-diretora da E.E.I Aldeia Bananal, no município de Peruíbe.

Na terra indígena Boa Vista, em Ubatuba, houve o reforço do estudo das tradições. “A gente está aproveitando para contar um pouco mais da nossa história, da nossa aldeia mesmo, do nosso povo”, afirma Adilio Wera Ruvixa Paraguassu, vice-diretor da E.E.I Aldeia Boa Vista. “Aprendizagem da nossa cultura não é para resgatar, mas sim para relembrar sempre, para repassar para os outros que estão vindo. Para que os próximos que vierem já saberem que a gente sempre está lutando”, emenda.

“Esta reportagem foi produzida por meio do projeto Sala de Redação, desenvolvida pela  Énois, um laboratório de comunicação que trabalha para impulsionar diversidade, representatividade e inclusão no jornalismo brasileiro. Confira as metodologias na Caixa de Ferramentas. As informações foram apuradas de forma colaborativa entre jornalistas dos veículos Maré de Notícias (RJ), Nonada (RS), O Povo (CE),  Expresso Na Perifa (SP) e Sul21 (RS).”

Campanha incentiva a Maré a tomar 2ª dose da vacina Covid-19

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Por Luciana Bento (Conexão Saúde), em Agência Fiocruz – 08/10/2021 às 07h

Com o sucesso da primeira fase da campanha #VacinaMaré, ocorrida no início de agosto, o desafio agora é completar o ciclo de imunização, aplicando amplamente a segunda dose da vacina nos moradores adultos da Maré. Para isso, a Fiocruz, as Redes da Maré e a Secretaria Municipal de Saúde se unem novamente em um mutirão de vacinação que acontecerá entre os dias 14 e 16 de outubro. A ação conta com apoio do SAS Brasil, da PUC-Rio e do Conexão Saúde – De Olho na Covid.

Atualmente, 96% da população adulta do território está vacinada com pelo menos uma dose de um dos imunizantes contra a Covid-19. Referência no combate à pandemia em favelas, a Maré apresenta taxa de letalidade abaixo da média do município do Rio de Janeiro e a Fiocruz lidera estudo no território para avaliar efetividade da AstraZeneca, além de monitorar variantes, contaminação de vacinados, entre outros aspectos.

“O projeto #VacinaMaré foi um sucesso já na primeira fase, superando as expectativas. Agora vamos acelerar o processo com a aplicação da segunda dose, possibilitando já avaliarmos alguns resultados da vacinação em massa na proteção da comunidade local, incluindo as crianças”, ressalta o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz.

A iniciativa antecipará o retorno dos moradores vacinados com a primeira dose às unidades de saúde para que completem o ciclo de imunização, recebendo a segunda dose. Por isso, embora na carteira de vacinação possa constar outra data, moradores que já tenham sido vacinados com a primeira dose há pelo menos dez semanas estão aptos a tomar a segunda dose.

A campanha #VacinaMaré – 2ª Dose acontece a partir de uma grande mobilização no território, que envolve organizações não-governamentais, associações de moradores, clínicas da família, voluntários, moradores, artistas, comunicadores e influenciadores digitais. A ideia é incentivar e esclarecer a população sobre os benefícios da vacinação em massa e celebrar a alta taxa de imunização de moradores da Maré contra a Covid-19.

“É essencial que os moradores compareçam em massa para garantirmos a imunização de toda a comunidade. A proteção só acontecerá após a aplicação da D2 e não podemos perder esta oportunidade mobilizando 100% das pessoas para comparecer. O vírus ainda circula e não podemos relaxar. Venceremos a Covid-19 mantendo o uso de máscaras, as medidas de higiene e com vacina no braço”, destaca Valcler Rangel, assessor de Relações Institucionais da Fiocruz.

Desta vez, clínicas da família e associações de moradores formarão a rede de pontos de vacinação, que acontecerá das 8 às 17h, prioritariamente na população entre 18 e 33 anos. A Maré apresenta um perfil populacional majoritariamente jovem (51,9% com menos de 30 anos) e esta faixa etária forma a maior parte da população vacinada na primeira fase da campanha. No entanto, todos os moradores acima de 18 anos que ainda não se vacinaram com a primeira ou segunda dose estão aptos a se vacinar nos dias da campanha.

Apresentações culturais e intervenções artísticas com coletivos e artistas da Maré acontecerão próximas aos locais de vacinação, reforçando o caráter de comemoração de resultados que a campanha propõe. “Vamos celebrar, tomando o cuidado de não formar aglomerações, com pequenas intervenções artísticas. Mas temos resultados a comemorar, depois de tantos desafios causados pela pandemia e agravados pelos problemas históricos do território: a taxa de letalidade na Maré é menor do que a do município e conseguimos, com um projeto pioneiro, dar um tratamento adequado e com base científica para os moradores da favela”, avalia Eliana Silva, diretora da Redes da Maré.

A expectativa, ao final da ação, é de que casos graves e óbitos pela doença caiam ainda mais na Maré. Dados do boletim Conexão Saúde – De Olho no Corona mostram que a taxa de letalidade por Covid-19 na Maré é praticamente metade da taxa do município do Rio de Janeiro. De todas as pessoas infectadas pela doença na Maré, desde o início da pandemia, 4% faleceram. Na cidade do Rio, este percentual ficou em 7%.

O combate à pandemia no maior conjunto de favelas do Rio de Janeiro se tornou referência a partir do projeto Conexão Saúde – De Olho na Covid, que oferece gratuitamente – desde junho do ano passado – serviços de testagem, telessaúde e apoio no isolamento domiciliar a pessoas com Covid, além de ampla campanha de esclarecimento sobre a doença e combate a notícias falsas no território.

Estudo sobre efeitos da vacina

A vacinação em massa de moradores faz parte de um estudo liderado pela Fiocruz, que acompanhará por seis meses (até janeiro de 2022) os efeitos da vacina em duas mil famílias da Maré, totalizando cerca de 8 mil pessoas. Desde a primeira fase da #VacinaMaré, moradores estão sendo chamados a participar voluntariamente do estudo, assinando um termo de consentimento e se comprometendo a notificar os pesquisadores sobre sintomas e possíveis contaminações por Covid-19. Pontos para seleção e inscrição de moradores da Maré que se interessem em participar dos estudos da Fiocruz serão montados nas clínicas da família durante os dias de vacinação da segunda dose.

A pesquisa está dividida em dois estudos que acontecem simultaneamente. O primeiro pretende medir a efetividade do imunizante AstraZeneca contra infecções, levando em conta os critérios de idade, gênero, tipo de vacina ministrada, tempo de infecção após a vacinação, tempo até a segunda dose, ocorrência de casos graves e prevenção de óbitos.

O segundo estudo vai monitorar a circulação de variantes da Covid-19 entre os moradores, a ocorrência de casos entre pessoas vacinadas, possíveis efeitos adversos da vacina e o nível de proteção de crianças e adolescentes não vacinados.

“Este é um projeto único do ponto de vista do entendimento da efetividade das estratégias de vacinação em territórios urbanos e periféricos. Ela combina múltiplos desenhos de estudo e inova na forma como a pesquisa é feita, uma vez que temos a participação direta da população e das organizações locais na formulação e na execução do projeto”, esclarece o infectologista da Fiocruz Fernando Bozza, coordenador da pesquisa.

O Nobel de Literatura é da África!

Por Alexandre dos Santos em 07/10/2021 às 17h45

Nesta quinta-feira 7 de outubro de 2021, o continente africano ganhou o sexto Nobel de Literatura de sua história. O laureado foi Abdulrazak Gurnah, de 73 anos, que nasceu na Tanganica (o nome que a Tanzânia tinha quando foi uma ocupação colonial da Alemanha – entre a década de 1890 e o fim da I Guerra – e depois da Grã-Bretanha, até 1961), cresceu na ilha de Zanzibar e fugiu com a família para a Inglaterra em 1960. O exílio aconteceu durante a instabilidade política e os confrontos contra os britânicos, já que em 1961 a Tanganica se conquistaria a independência da Grã-Bretanha e três anos depois, em 1963, seria a vez do arquipélago de Zanzibar. A instabilidade política e a insegurança continuariam a ser uma ameaça em Zanzibar, até que, em1964, as ilhas e o território da Tanganica, no continente, se justaram para formar a atual Tanzânia.

A academia sueca justificou o prêmio pelo conjunto da obra, que aborda de forma “intransigente e compassiva os efeitos do colonialismo e do destino do refugiado no abismo entre culturas e continentes.” Nos 10 livros (nenhum deles publicado aqui no Brasil, infelizmente) o refúgio e a inadequação não representam apenas quem sai do continente africano, também quem chega e usa sua própria cultura para hierarquizar relações com os povos “atrasados” e “pitorescos”.

É assim no livro “Desertion” (Deserção, de 2005), que conta a história de dois homens brancos que se apaixonam por mulheres tanzanianas. As histórias de cada um deles acontecem com 50 anos de diferença, porém mostram o quanto o olhar etnocêntrico mudou (mas não tanto) e como as noções de valor coloniais ainda são percebidas no presente, com episódios de racismo mais ou menos velados.

A estreia de Gurnah foi com “Memory of Departure”(Memória da Partida, de 1987), que fala das agruras de um jovem pobre do interior da Tanzânia que passa a sofre preconceito e uma série de humilhações quando se mudar para a casa do tio rico  que vive em Nairóbi, a capital do Quênia, em busca de melhores condições de vida. Uma história universal. Na obra mais recente, “Afterlives” (Pós-vida, de 2020), o autor descreve episódios da violenta ocupação colonial alemã entre o fi do século XIX e o no início do século XX. Violências refletidas em abusos de autoridade, assédios morais e sexuais, racismo e segregação e o uso da própria violência armada contra as populações locais.

Não apenas nesses dois livros, mas em toda a obra de Abdulrazak Gurnah, estão as visões críticas que fizeram dele o vencedor do Nobel de 2021. Como diz a própria academia sueca: “seus romances fogem de descrições estereotipadas e abrem nossos olhares para uma África Oriental culturalmente diversificada, desconhecida para muitos em outras partes do mundo”.

Viva Abdulrazak Gurnah!  Faria muito bem à alma e ao debate antirracista que ele fosse publicado logo aqui no Brasil. Nós merecemos.

P.S.: Como citei aí em cima, o prêmio de Abdulrazak Gurnah representa o sexto Nobel de Literatura para o continente africano. O grande precursor foi o escritor nigeriano Wole Soyinka, em 1996. Em seguida vieram o egípcio Naguib Mahfouz, em 1988, a sul-africana Nadine Gordimer, em 1991). J. M. Coetzee, representando a África do Sul e a Austrália, ganhou o prêmio em 2003 e J.M. Le Clézio, francês e também nacional das Maurícias, nação-ilha na África oriental, foi agraciado em 2008.Todos eles têm livros publicados aqui no Brasil. É só buscar no Google.

Alexandre dos Santos é jornalista e professor de História do Continente Africano no Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.