Nicolas Pereira mostra através das lentes o território
Por Hélio Euclides, em 25/06/2021 às 11h. Editado por Edu Carvalho
“Eu amo o meu trabalho, principalmente quando estou à frente de um projeto, pois consigo gerar emprego, abrir portas e oportunidades para amigos da comunidade”, esse é sentimento de Nicolas Pereira, mais conhecido como Nic Pereira, diretor executivo da produtora Beco Diagonal, que tem na bagagem o trabalho em mais de 100 videoclipes. Toda essa trajetória começou pelo desejo de mostrar o mundo pelas lentes de uma câmera, com a fotografia.
Ao lançar um clipe, o foco é o artista, que recebe muitos comentários pela qualidade do trabalho final. Essa qualidade é fruto de um trabalho que não é construído apenas por uma pessoa. Geralmente há um diretor, um roteirista, um produtor, um assistente de produção, especialistas em som, um iluminador, vários cinegrafistas, entre outros. A vida profissional da música de Pereira começou quando amigos que já trabalhavam nessa área o chamaram para fotografar um vídeo clipe. Ele então ficou apaixonado por esse meio. Foi se aperfeiçoando, e começou a trabalhar como fotografo still, que é a pessoa que faz as fotos das capas e das plataformas digitais.
Foto: arquivo pessoal
Da vida militar à fotografia
Em 2014, Pereira entrou para a Aeronáutica com o sonho de virar sargento. Os anos foram passando, mas quando viajava com a família, curtia fotografar paisagem. Também captava imagens na igreja. “Depois conheci um amigo que me influenciou bastante. Só em 2016, quando ganhei uma câmera de minha mãe, voltei a me envolver com a fotografia. Comecei a fazer vídeo de viagem. Dois anos depois já não estava mais satisfeito com a vida militar e fui correr atrás do sonho, comprei uma câmera para fazer umas fotos do meu aniversário. Quando a máquina chegou, já me convidaram para fotografa uma festa, mesmo sem experiência. Eu vi que poderia ser uma forma de conseguir uma renda”, diz.
A futura profissão batia na porta, então precisava aprender mais. ‘’Fiz curso online e passava a noite no YouTube’’. Ele conta que começou a se aprofundar e conheceu a parte de vídeo e virou cineasta ou, como ele gosta de ser chamado, filmmaker. “Ser operador de câmera sempre foi o meu sonho. É o que faço atualmente, mas não abandonei a fotografia e ainda dirijo os meus projetos autorais, e vídeo clipe de diversos artistas”, comenta. Seu envolvimento com a música hoje em dia é pelo audiovisual, onde criou conteúdo visual de diversos artistas.
A maior alegria de Pereira é levar projetos para a favela e conseguir gerar um impacto social em Marcílio Dias e outras favelas. “As crianças ficam abismadas quando veem os artistas interagindo com a comunidade. Percebem o outro lado da vida, com perspectivas. Um exemplo é certa vez que recebi pequenos vídeos de crianças imitando a gente como se fosse uma gravação de um clipe, uns faziam o papel dos cinegrafistas e outras dos artistas. Por isso, quero trazer um workshop de fotografia para criançada entender e enxergar que isso pode trazer uma renda e uma independência financeira”, expõe.
A experiência contribuiu para o crescimento profissional do Nic Pereira que vê na sua vivência experiências que o fizeram crescer, formou o seu caráter e que ensinaram a mostrar todos os caminhos que ele devia seguir. “Não importa o quão delicado e frágil seja uma situação, o que me motiva todos os dias a acordar, e tentar sempre dar o meu melhor é a esperança de proporcionar um futuro melhor para minha família e mostrar para os meus amigos que é possível vencer sem trilhar caminhos tortos”, conclui.
Para quem desejar conhecer o trabalho de Nic Pereira, assista abaixo um dos vídeos Você vê mais clicando no canal:
O programa Aprendiz Cultural está sendo lançado nesta quarta-feira (23/06) para oferecer renda e formação a cariocas de 18 a 24 anos. A iniciativa, inédita na cidade, dará bolsa-auxílio mensal de R$ 800 e vale-transporte a quem fizer os cursos de preparação que serão ministrados em equipamentos culturais do município. Ao longo de três anos serão oferecidas 500 vagas, iniciando a partir de outubro, mas a meta é capacitar também cinco mil futuros profissionais para o setor de forma virtual, até 2024.
Durante 12 meses, haverá aulas práticas e teóricas sobre técnicas de luz e som e gestão de equipamentos. O público-alvo é formado por jovens sem emprego formal ativo e que não tenham concluído o ensino médio. Para participar é preciso ser residente da cidade do Rio, preferencialmente em periferias, favelas e subúrbios ou estar em situação de vulnerabilidade social.
No começo de julho, a Secretaria Municipal de Cultura apresentará o projeto a organizações da sociedade civil e, na segunda quinzena do mês, será lançado o edital para escolha do grupo que executará o programa. O passo a passo será divulgado no site rio.rj.gov.br/web/smc/.
– Na Cultura, ninguém fica para trás, muito menos os jovens. Será um ano de aprendizagem nas áreas de luz, som e etc, para depois eles estarem preparados para trabalharem em grandes eventos. A cultura não é só para artistas – ressalta o secretário de Cultura da cidade do Rio, Marcus Faustini, que vem percorrendo bairros do subúrbio carioca junto com agentes culturais locais para dialogar sobre as mudanças necessárias nas políticas de cultura que sejam mais democráticas e inovadoras, recolocando o Rio como uma das capitais de cultura do país.
Desemprego entre os jovens cresceu na pandemia
Os jovens estão entre aqueles que mais sentiram os efeitos da pandemia sobre suas vidas. De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) sobre Mercado de Trabalho – Conjuntura e Análise, os jovens de 15 a 29 anos são 13% a mais em relação à taxa de desemprego.
– A cultura carioca, além de ser um celeiro de artistas, é também um caminho de profissionalização para a juventude. O carnaval, por exemplo, além do desfile, possui diversos profissionais que trabalham para dar vida ao longo do ano à maior festa cultural carioca. Operar som, luz e fazer gestão cultural são algumas das formações profissionais possíveis – explica Faustini.
Calendário do programa
1ª semana de julho: seminário online para organizações da sociedade civil conhecerem o programa;
2ª quinzena de julho: lançamento do edital para escolha de organização da sociedade civil que executará o programa “Aprendiz cultural”;
Agosto/setembro: escolha da organização da sociedade civil;
O Cinefoot-Festival de Cinema de Futebol está com inscrições abertas para a sua versão 2021 até 19 de julho, Dia Nacional do Futebol.
Pela Redação em 23/06/2021 às 11h33
O único festival de cinema do Brasil e pioneiro na América Latina dedicado à temática do futebol, adentra o gramado para a sua realização número 12 seguindo firme na sua missão de abrir espaços para a difusão da cinematografia futebolística mundial. E também disponibilizar ao público uma programação pautada pela rica diversidade que o esporte mais popular do planeta oferece dentro e fora das quatro linhas.
O eixo das atividades da décima segunda edição do Cinefoot destacará as torcidas, torcedoras e torcedores: os eternos camisa 12.
O Cinefoot 12 aceita trabalhos produzidos em qualquer suporte, gênero ou formato e não há restrições quanto ao ano de realização da obra. Sua programação inclui mostras competitivas internacionais, mostras especiais, debates, homenagens, dentre outras atividades.
Desafios tornaram ainda maiores com agravamento da disseminação do coronavírus no país
Por Edu Carvalho, em 23/06/2021 às 06h. Editado por Dani Moura
‘’Será que amanhã eu vou ter comida? Será que amanhã eu vou ter aula e uma faculdade?’’, se pergunta todos os dias Ruan Domingos Costa, de 25 anos, estudante do 4º período de Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sua fala sintetiza boa parte das sensações e frustrações de uma faixa etária marcada pela interrupção de sonhos em construção, em agravamento por conta da pandemia do novo coronavírus.
De casa, vê a vida passar, esperando por dias melhores para si, mas ele não está só. Um levantamento recente publicado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), mostra uma piora nos índices de expectativas da juventude brasileira sobre o presente e o futuro. O panorama “Jovens: Projeções Populacionais, Percepções e Políticas Públicas” está dentro do Atlas da Juventude, produzido pelo Centro de Políticas Públicas da FGV Social, no Rio de Janeiro, alerta para uma mudança significativa sobre os anseios relacionados a sentimentos e oportunidades da juventude brasileira.
Ruan Costa. Foto: arquivo pessoal
Da publicação, um dos pontos que mais chamaram a atenção foi sobre renda. Em 2020, 28% dos jovens brasileiros tiveram problemas financeiros para arcar com os gastos de alimentação. Entre 2011 e 2014, essa taxa era de 16,8%, e de 25,5% entre 2015 e 2018.
Ruan sente-se temeroso quanto a isso. O morador de Santa Cruz, Zona Oeste do Rio de Janeiro, já trabalhou em um supermercado por três anos, mas hoje está desempregado e sente ainda mais os reflexos da falta de emprego por conta da família. Para desabafar e seguir em frente, conta com o apoio dos amigos, por meio de vídeo-chamadas e mensagens. ‘’Sou uma pessoa que gosta de estar presente com outras, não sei lidar com mensagens, gosto de ver pessoalmente, tocar, o que ficou impossível com a pandemia’’, enfatiza. Ele diz que vem procurando apoio psicológico para lidar com o desânimo, mas até agora não encontrou um que ‘’caiba no orçamento’’.
Diferente de Nívia Radigia Rodrigues Chavier, de 18 anos, moradora do Parque Rubens Vaz, na Maré, zona norte fluminense, que conseguiu atendimento através da Redes da Maré, onde atua como jovem aprendiz. A jovem está no último ano do Ensino Médio da Faetec (Fundação de Apoio à Escola Técnica) em Mecânica, mas deveria ter concluído os estudos ano passado. Por quase todas as aulas terem que seguir no modo presencial, boa parte das atividades foram suspensas. ‘’Eu sinto medo de não realizar as minhas coisas, tudo o que desejo. Eu prestei o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) ano passado, tirei média de 600 para Engenharia, estava no limite. Fiquei desmotivada’’. Com isso, Nivia chegou à sétima colocação de seis vagas na Universidade Federal Fluminense, e aguarda ansiosa uma terceira chamada caso haja desistência. ‘’Parece que fui barrada na porta da festa, me arrumei toda, mas não entrei’’.
Nivia Chavier: Foto: Matheus Affonso
No relatório da FGV, a preocupação dos jovens chegou a 44,0% em 2015-2018, contra 35,5% no mundo. Em 2019, mesmo antes da pandemia, a proporção de jovens preocupados sobe para 50% e depois para 59% em 2020, chegando a novos recordes, cenário de colapso da preocupação juvenil, segundo a entidade. Nívea diz que pretende pleitear a cadeira novamente, mas ainda se vê receosa em relação a isso. Para os próximos anos, mostra-se mais animada. ‘’Eu espero prosperidade, né? Que minha família toda esteja bem, que eu tenha alcançado minhas metas e que o contexto atual do país tenha melhorado’’.
As inseguranças em relação ao Brasil é o ponto que mexe com Jhonata Ribeiro, de 23 anos, morador da Baixa do Sapateiro, também na Maré. ‘’Minha insatisfação é com as ações do presidente, que são de total descaso. É um lider que nos dá medo, que não busca vacina e só visa benefícios para sua própria família’’, aponta. Jhonata trabalha como distribuidor do jornal Maré de Notícias, e concilia jornada em um bar. O agravamento da pandemia, segundo ele, ‘’tirou o direito de viver’’, que no futuro, espera uma situação melhor para seus familiares.
Jhonata Ribeiro. Foto: arquivo pessoal
Em relação a aprovação dos jovens à maneira como o (a) líder de seu país governa, no período de 2011-2014, a avaliação no Brasil era de 60,6%, contra 57,5% no mundo. Em 2015-2018, caiu para 12,1% no Brasil, contra 57,4% no mundo. O relatório aponta também que, se pudessem, quase a metade (47%) dos jovens brasileiros deixaria o país.
Mas do que importa tudo isso quando não se consegue assegurar o direito básico à vida? ‘’Tenho medo de sair na rua e levar um tiro, de ser julgada, humilhada e discriminada pelo tom da minha pele, dos meus irmãos entrarem para o crime por não ver outras saídas. Tenho medo de não ter um futuro melhor e dar um bom exemplo para eles’’, diz Beatriz Cristina , de 21 anos, moradora da Pedreira/Costa Barros, zona norte do Rio.
Para Beatriz, casos como o de Kathlen Romeu, jovem grávida de 24 anos, morta depois de ter sido atingida durante uma ação da Polícia Militar na comunidade do Lins de Vasconcelos, na Zona Norte do Rio, a fazem temer ainda mais sua sobrevivência. ‘’Eu, minha família, meus amigos, estamos sujeitos a isso, a essa ‘fatalidade’. É algo que incomoda bem lá dentro’’, sintetiza.
Beatriz Cristina. Foto: arquivo pessoal
Ela vende doces para complementar a renda de casa, já impactada pela diminuição do salário do padrasto por conta da crise, além de auxiliar na criação do irmão mais novo, o que a fez interromper os estudos. ‘’Se arrumar trabalho antes da pandemia já era complicado, imagina agora?’’, questiona. Um de seus maiores desejos é entrar na faculdade, o que já vem se preparando há algum tempo. Não tão distante, fará a prova do ENEM, apesar de sentir-se aquém da qualificação para a realização do vestibular, justamente por não ter condições suficientes de tempo para dedicar-se. ‘’A esperança é a última que morre, né?’’, deixa no ar.
Impacto é maior para juventude periférica
Apesar de serem pólos de produção e criatividade, os jovens mais impactados estão nas zonas periféricas – no caso do Rio, nas zonas norte e oeste. ”São territórios que não têm expressão significativa de políticas públicas que gerem oportunidades”, diz Veruska Delfino, coordenadora da Agência de Redes Para Juventude, entidade que visa potencializar ideias de jovens em projetos de intervenção nos territórios. Ela salienta que a questão de desemprego, formação e evasão escolar, por exemplo, já estavam presentes nesses locais e a pandemia só piorou o quadro.
Em junho de 2020, a Agência fez um levantamento dedicado ao assunto, debruçando-se sobre a região com os menores índices de desenvolvimento. Nele, pode-se aferir que para 91% dos entrevistados (todos os gêneros), a crise sanitária influenciou na realização de projetos de estudo e trabalho. ”É bem assustador pois não atrapalhou só a eles, e sim suas famílias, muitas perderam emprego. Estruturas de casas cheias, pouca comida ou nada, jovens tendo de cuidar dos mais velhos e de crianças. Um sentimento de não saber o que fazer, como seria o futuro mais próximo”, conta.
Para ela, é preciso que haja forte investimento na formação, considerando bolsas e cuidados com a saúde mental, além de fomento ao empreendedorismo juvenil, incluindo ações do governo e terceiro setor. ”Se não agirmos dessa maneira, podemos ter impactos que atravessam gerações. Precisamos seguir estimulando processos que coloquem a juventude na centralidade do desenvolvimento de seus territórios e de cidades”.
Os entrevistados Ruan e Beatriz fazem parte da Agência, dentro do projeto Ciclo 2021, com moradores das zonas norte, oeste e do Centro. O objetivo é capacitá-los através da metodologia da Agência, norteada pela Prática da Potência e com isso promoverem ações artísticas e culturais que impactem seus entornos.
A Escravidão já foi mostrada em livros, filmes e minisséries. Apesar das crueldades do genocídio terem sido relatadas sob os mais variados aspectos nessas mídias, há sempre a possibilidade de novos fatos surgirem e descortinarem enredos que não cansam de surpreender, além de promover ocasionais revisões históricas sobre o flagelo de um povo perpetuado por 400 anos.
Foi tarefa do historiador Vitor Hugo Monteiro Franco, morador de Duque de Caxias, e autor do recém-lançado livro “Escravos da Religião: família e comunidade na Fazenda São Bento de Iguassú (Recôncavo do Rio de Janeiro, Século XIX)”,publicado pela Editora Appris, detectar mais uma nódoa do passado colonial brasileiro. Doutorando em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), idealizador do Podcast Atlântico Negro, além de professor do ensino básico, Franco lançou luzes sobre um grande incômodo: uma ordem religiosa católica ajudou a pavimentar processos que hoje conhecemos como parte do desenvolvimento da escravização.
Conhecida como a Ordem de São Bento, ela se baseia na observância dos preceitos destinados a regular a convivência social. No caso dos escravizados, que ficaram alocados numa porção de terra batizada posteriormente de Fazenda de Iguassú, essa “convivência social” alcançou patamares surpreendentes, em que a subalternização (e a sobrevivência) daquelas pessoas estava diretamente ligada aos vínculos que deveriam estabelecer com o dogma cristão.
Confira a conversa a seguir, com entrevista a Fabio Leon
Como a história dos escravizados da Ordem de São Bento chegou a seu conhecimento?
Não foi algo planejado. Em 2014 eu era estudante de História na UFF, e tinha ingressado há pouco tempo no grupo de pesquisa “A Cor da Baixada”, coordenado pelo professor Nielson Bezerra. A proposta do grupo era investigar a História e a Cultura negra da Baixada Fluminense, com um enfoque importante no período escravista. Certo dia, o professor Nielson me cedeu documentos digitalizados de batismo, casamento e óbito da Fazenda São Bento de Iguassú. A vida dos “Escravos da Religião” começou a saltar aos meus olhos. Eu conseguia identificar momentos chave daqueles indivíduos escravizados pela Ordem de São Bento, no século XIX. Na mesma época, na UFF, eu estava aprendendo a ter um outro olhar sobre a Escravidão: apesar da violência sistêmica, àqueles indivíduos tentaram a todo custo sobreviver e não estavam inertes a opressão. O que mais me chamava atenção era a possibilidade construir laços familiares duradouros e estáveis naquele cenário. As fontes de Iguassú eram justamente sobre isso, laços familiares e comunitários, então analisa-las era uma oportunidade de eu testar tudo aquilo que estava aprendendo. Assim, no ano seguinte, orientado pelo professor Jonis Freire, da UFF, consegui uma bolsa de iniciação científica, e desde então não parei de pesquisar sobre os “Escravos da Religião”.
Por que a Ordem de São Bento era tão poderosa? Ela influenciava decisões políticas da Igreja Católica?
Muitas vezes, falamos da Igreja Católica no singular, como se fosse um bloco monolítico. No entanto, esta instituição é extremamente complexa e plural. Sendo assim, a Ordem de São Bento é uma parte dessa grande estrutura. Os beneditinos são monges, o que significa dizer que fazem parte do clero regular, que é um seguimento do clero mais voltado para a vida reclusa e contemplativa. A Ordem, cujo patriarca é São Bento, é milenar – acredita-se que tenha se formado por volta do século V -, e ao longo do tempo se expandiu por toda Europa, adquirindo muita influência, poder e riquezas. Assim, quando chegaram ao Brasil, na esteira da chamada Expansão Marítima, eles já possuíam um capital político e econômico muito forte. A diferença é que a riqueza e o poder gerados no Novo Mundo provinham, principalmente, da exploração da mão de obra escravizada, inicialmente, indígena e, depois, de africanos e seus descendentes nas diversas fazendas e mosteiro da Ordem.
Historicamente, como as religiões cristãs se comportaram diante da escravidão?
A escravidão esteve presente em muitas sociedades, em temporalidades diversas, adotando, portanto, variadas formas. Porém, a Escravidão Moderna, aquela que se inicia no século XVI, teve como uma das suas principais bases ideológicas as diferenças religiosas. Ou seja, inicialmente, a justificativa para se escravizar outra pessoa não era baseada na “raça”, que é uma construção social do século XIX. Mas sim, no fato do indivíduo ser um não-cristão. Assim, a escravidão cumpria um papel importante na evangelização e cristianização dos povos considerados pagãos. Alguns religiosos chegaram a defender que a escravidão era um mal menor, pois partia-se do princípio que era melhor ser escravizado nas Américas, e ser convertido ao cristianismo, do que viver como pagão na África, conhecendo assim a danação eterna. Por isso, que umas das funções esperadas de um senhor de escravos era a evangelização de sua escravaria. Essa característica em propriedades da Ordem de São Bento era ainda mais acentuada. Os “Escravos da Religião” eram considerados propriedade e também um rebanho a ser cristianizado.
Em que medida, a subalternização dos escravizados diante de dogmas e/ou liturgias religiosas impactou você? Que elementos novos essa descoberta traz em relação ao cotidiano da escravidão?
Uma parte fundamental da experiência do cativeiro daquelas pessoas foi estar submetido ao poder de uma ordem religiosa, então os dogmas e liturgias faziam parte dos mecanismos de dominação criados pelos monges-senhores. No entanto, ainda me surpreende muito notar a capacidade dos escravizados de fazerem a sua própria leitura do catolicismo, e construírem relações sociais fortes baseadas nos ritos católicos. O batismo, casamento e participação em irmandades, apesar de terem um significado religioso importante, também tinham reflexos no mundo social. Então é fundamental tentar entender quem eram os padrinhos das crianças cativas batizadas, com quem os escravizados se casavam, como uma irmandade se organizava para ajudar um confrade na doença e na morte, qual era importância do culto a Nossa Senhora do Rosário para a comunidade escrava. Entendendo essas questões nós podemos compreender um pouco melhor como os escravizados liam o mundo ao seu redor. Aí é trabalho do historiador ir juntando as peças: ler os documentos, montar banco de dados, dialogar com outros trabalhos. É um “trabalho de formiguinha” e muito “artesanal”, mas eu gosto. Aprendo muito.
Sua pesquisa traz um elemento pouco conhecido do grande público que é o fato de que, nas fazendas pertencentes à Igreja Católica na época da escravidão, as famílias de escravizados podiam conviver conjuntamente, ao contrário das fazendas comuns em que o núcleo familiar era separado. E há também elementos peculiares em relação ao controle das relações afetivas que ocorriam nessas fazendas. Fale um pouco sobre isso.
Um primeiro ponto interessante e que talvez seja desconhecido do grande público, mas que já é conhecido há bastante tempo pelos historiadores, é que a família escrava foi instituição importantíssima para vida dos cativos. Em que pese o cenário adverso, ela existiu em diversas realidades no Brasil e possuíam formas variadas, sendo mais correto falar em “famílias escravas” do que “família escrava”. Dessa forma, a possibilidade de formar família não era uma exclusividade dos “Escravos da Religião”. Um segundo ponto, é pensarmos melhor no significado de “família”. Os laços familiares daquelas pessoas extrapolavam o núcleo básico – pai, mãe e filhos – e também abarcava os avós, tios, padrinhos, malungos (companheiro de viagem), confrades das irmandades religiosas. Assim, os historiadores têm encarado as formações parentais dos escravizados como instituições sociais extremamente complexas. São com esses estudos que eu dialogo ao longo do livro. As relações familiares dos “Escravos da Religião” ora convergiam para o que acontecia em outras propriedades escravistas, ora divergiam. Elas convergiam em relação ao controle dos senhores sobre sacramentar ou não as relações afetivas dos seus cativos, visto que muitas mães em Iguassú são descritas como solteiras, mesmo tendo relações estáveis; o casamento, na maior parte das vezes era realizado entre os cativos da própria fazenda; havia incentivo a formação de famílias. O que eles divergem: o caráter coletivo da propriedade escrava, você vender escravos, e assim separar famílias era mais difícil entre os “Escravos da Religião”, pois eles não eram propriedade de um monge específico, mas sim, cativos da instituição Ordem de São Bento. Então, vender um escravizado deveria passar pela anuência de toda a comunidade. Uma consequência disso, é que o futuro das relações familiares deles era um pouco mais previsível. Deste modo, pode ter partido dos próprios escravizados estabelecerem laços afetivos/familiares dentro da própria fazenda.
Imagina-se que para você, um historiador negro e católico, se debruçar sobre essa pesquisa tenha causado alguns impactos. Você pode comentar quais foram e como você os absorveu?
É um desafio enorme. A escravidão é um tema extremamente sensível para os brasileiros, pois os reflexos dela são sentidos até hoje. Ao ponto de não ter como falar sobre a formação do Brasil, sem falar dessa instituição que nos estruturou. Portanto, a período escravista não é um “tecido morto” da nossa sociedade, é uma “ferida aberta”. Estou falando de maneira geral, mas quando falamos da subjetividade das pessoas negras, isso também é verdadeiro. Nossas trajetórias, não se resumem a esse período, é claro, mas parte importante delas são perpassadas pela experiência do cativeiro. Por ser uma memória sensível, que nos remete às nossas feridas, que muitas vezes as famílias negras silenciam sobre o assunto. Meu trabalho como historiador é quebrar esses silêncios, remexer essas feridas para tentar entender como ela surgiu, como ela funcionou, o que ela diz sobre mim e nós. Ser um historiador negro católico, e estudar a vida dos “escravos da Religião” também é um desafio pois lida com outros silêncios ligadas aos vínculos da Igreja Católica com a Escravidão. Neste último ponto, o que a pesquisa me trouxesse foi ver como os próprios escravizados, a partir dos dogmas católicos, tentaram criar espaços de autonomia como as irmandades religiosas, criam laços familiares fundamentais para sua sobrevivência no cativeiro como o casamento, o compadrio. Ou seja, mesmo estando no lado mais fraco da relação, eles souberam utilizar com muita destreza os meios disponíveis para sobreviver, inclusive a religiosidade católica que lhes era imposta.
Você faz parte da Rede de Historiadores Negros. Que contribuições vocês esperam trazer para a historiografia brasileira? Que fatos podem ser reescritos? Vocês acreditam que pesquisas consagradas podem, por exemplo, ser revistas considerando a possibilidade de novos olhares advindos de recortes raciais mais legítimos?
A Rede de Historiadores Negros é uma das iniciativas que mais me encanta, e sou um entusiasta da proposta. Poder construir pautas e projetos com historiadores de todo o Brasil é uma experiência incrível. Não por acaso, escolhi lançar o livro pela nossa plataforma no youtube. Tem muitas iniciativas boas sendo construídas, como a parceria com o Portal Geledés, em que temos uma coluna chamada “Nossas Histórias”, todas as quartas. Acredito que movimentos como esse têm um potencial enorme para tensionar as diversas narrativas que excluem, ou menosprezam, o papel das populações africanas e afro-descendentes não só no que se refere a História do Brasil, mas do Mundo.
O número de escravizados e de atividades que eram desempenhadas por eles na Fazenda de Iguassú representa que aspectos sobre o ponto de vista desse latifúndio como uma simbologia da Escravidão?
A Fazenda de Iguassú era um verdadeiro complexo produtivo com centenas de escravizados que estavam alocados nas mais diversas funções. No século XIX, período que trabalho no livro, o carro-chefe da fazenda era produção de cerâmica. Mas outros escravizados estavam encarregados de produzir mantimentos como arroz, feijão, mandioca; cuidar do gado; realizar o transporte dessa produção até a cidade do Rio de Janeiro. Existiam aqueles com ofícios especializados como ferreiros, barqueiros, carpinteiros, calafates. Entre as mulheres haviam ceramistas, lavadeiras, cozinheiras, enfermeiras. Ou seja, eram o suor e o sangue desses africanos e seus descendentes que faziam esse enorme complexo funcionar.
O perímetro da Fazenda de Iguassú atualmente corresponderia a parte dos municípios de Duque de Caxias e Belford Roxo. São duas cidades com semelhanças e afastamentos, principalmente no aspecto econômico, já que Duque de Caxias ocupa o segundo lugar no ranking de arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços do Estado, perdendo somente para a capital. E Belford Roxo revela um histórico de abandono e desigualdade regional. Que reflexões essa fazenda traz sobre as contradições de se viver na Baixada Fluminense e também sobre seu povo?
Acredito que o meu trabalho, e de outros amigos do grupo de pesquisa “A cor da Baixada”, tem um papel importante de ressignificar o que é ser morador da Baixada Fluminense. Muitas das vezes, a única parte da história da região que chega a nós são os cenário de desigualdade social, abandono e violência. São questões importantes para refletir sobre o que somos, e tentar entendê-las é fundamental, mas elas não nos resumem. A partir da minha pesquisa, eu ressignifiquei minha própria relação com a Baixada. Comecei a ter um outro olhar sobre inúmeros lugares que passavam por mim desapercebidos, e até desprezados. Passava com frequência em frente a malconservada e sempre fechada Capela de Nossa Senhora do Rosário, que era a antiga sede da Iguassú, e não imaginava que ali fora um cenário importante na vida de um sem-número de pessoas escravizadas. Muito menos sabia que o bairro de São Bento fizera parte de uma grande propriedade da ordem monástica mais antiga do mundo Ocidental. Desconhecia também que os rios Iguaçu e Sarapuí, cursos d’água altamente poluídos pelos quais diariamente transito, nos anos de mil e oitocentos foram importantes vias fluviais. O local de trabalho de incontáveis escravos barqueiros foi também cenário de resistentes quilombos, que causavam uma imensa dor de cabeça às autoridades imperiais. Com o meu livro desejo que outras pessoas também consigam passar pelo mesmo processo. Conhecer a própria História é poder.
A partir desta terça-feira (22/06), mais 20 escolas municipais vão retomar o ensino presencial. A Secretaria Municipal de Educação informa que estas unidades escolares receberam as adequações necessárias para o cumprimento dos protocolos sanitários para o enfrentamento da Covid-19. Com essa medida, que atende às expectativas de pais e responsáveis, já serão 1.502 unidades municipais e mais de oito mil alunos com aulas aplicadas diretamente pelos professores, o que vai beneficiar estudantes de toda a rede, desde o berçário até o Ensino de Jovens e Adultos (EJA), incluindo as classes especiais.
Nesta nova etapa da retomada, 97% da rede municipal de ensino estarão funcionando com atividades presenciais. Vale lembrar que o ensino presencial é opcional, ficando a decisão de comparecer a cargo de alunos, pais e responsáveis. Quem preferir, pode continuar no modo remoto de estudo em suas diversas possibilidades.
Para garantir as melhores condições de trabalho a toda a comunidade escolar, a Rede Municipal de Ensino segue um rigoroso protocolo sanitário. É considerada apta ao retorno das aulas presenciais a unidade escolar que estiver adequada aos itens do checklist sobre insumos e instalações, que estabelece pontos diversos como instalações de dispensadores de álcool 70º em gel no prédio ou funcionário aplicando álcool 70º na mão dos alunos, além de bebedouros adaptados com torneira para enchimento de copos e garrafas. Recentemente, as unidades escolares municipais receberam R$ 18,1 milhões em verba para fazer ajustes e pequenos reparos.
No início do ano, a SME recebeu e distribuiu 800 mil máscaras descartáveis. Além disso, em maio foram adquiridas 336 mil máscaras PFF2. Cada profissional da educação, de merendeira a professor, recebeu seis máscaras deste modelo, que é considerado por especialistas como um dos mais eficientes na proteção individual.
Retorno é facultativo
O aluno que optar em não ir à escola seguirá estudando por meio do ensino remoto. Desde o início do ano letivo, no dia 8 de fevreiro, os estudantes da rede municipal podem conferir as videoaulas elaboradas e apresentadas por professores da rede municipal. O Rioeduca na TV vai ao ar pelo sinal aberto da TV Escola (canal 2.3) e também pela TV fechada: NET/Claro (canal 15), Claro TV (canal 8), Oi TV (canal 25), Sky (canal 21) e Vivo (canal 7). As videoaulas do Rioeduca na TV também ficam disponíveis no canal da MultiRio no Youtube. Além disso, no Portal MultiRio, uma área especial reúne informações sobre o Rioeduca na TV, como a programação, e conteúdos relacionados.
Dados de internet para os alunos
A SME disponibiliza ainda o aplicativo Rioeduca em casa, que pode ser baixado nos smartphones dos estudantes e responsáveis, disponível para IOS e Android. O acesso é gratuito, porque a Prefeitura está pagando pelos dados de internet para os alunos. Estudantes que não têm equipamentos para acessar a internet ou morem em áreas sem cobertura, recebem material didático extra impresso e, frequentemente, vão às escolas deixar as atividades didáticas. Em caso de dúvida, ela será esclarecida na próxima vez em que o aluno for à escola.
Confira a lista das 20 escolas que retornam ao ensino presencial