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Dia 13 de maio é marcado por manifestações em todo o país

Ativistas foram às ruas em cidades do país, Estados Unidos e Inglaterra no Dia Nacional da Denúncia contra o Racismo protestar contra o genocídio da população negra

Por Amanda Pinheiro, em 13/05/2021 às 20h30
Editado por Andressa Cabral Botelho

Gritos, raiva, tristeza, indignação e sede de justiça. Esses foram os sentimentos de quem esteve presente no ato neste dia 13 de maio, uma semana depois da chacina do Jacarezinho, que vitimou 28 pessoas. Além da cidade do Rio, o ato aconteceu em diversas cidades em todas as regiões do país, e em cidades como Nova Iorque e Londres, reforçando a importância das vidas negras, justamente no dia que os movimentos negros brasileiros celebram o Dia Nacional da Denúncia Contra o Racismo.

Entre as presentes, estavam as mães de Manguinhos, de Costa Bastos e da Maré, que deram apoio e falaram ao microfone disponibilizado pela Coalizão Negra por Direitos, organizadora do protesto. Bruna Silva, mãe de Marcus Vinícius foi uma das que falaram:

“A gente não tem o direito de comemorar o dia das mães. Mas gostaria de dizer que quanto mais matam, mais mães se levantarão. Só que estamos cansadas de tanta morte. Chega de chacina, chega de operações! Meu filho foi morto quando estava indo para a escola e me perguntou o que ele fez para a polícia. Isso tem que acabar”, disse Bruna Silva. Com faixas, máscaras e bandeiras, centenas de pessoas caminharam da Candelária até a Cinelândia pedindo por justiça e pelo fim do genocídio e operações policiais. 

Wesley Teixeira, que faz parte da Coalizão Negra por Direitos, afirmou que o ato é só o início de um grande movimento. “O ato é para nós como foi a Marcha das Mulheres Negras: o começo. No início da pandemia, cobramos vacina e auxílio emergencial. Não o suficiente, o Estado vem na favela e nos mata. Então, temos que vir para a rua e garantir a nossa sobrevivência, coisa que o movimento negro faz há mais de 400 anos nesse país”, disse. 

Registro durante a manifestação na Cinelândia. Foto: Amanda Pinheiro

Dia 14 de maio: o que veio depois da libertação?

A falta de políticas públicas de inclusão, remoções forçadas e movimentos de resistência no pós-abolição são alguns dos legados do Brasil negro

Maré de Notícias #124 – maio de 2021
Andressa Cabral Botelho

No dia 14 de maio, eu saí por aí/ Não tinha trabalho, nem casa, nem pra onde ir/ Levando a senzala na alma, eu subi a favela/ Pensando em um dia descer, mas eu nunca desci

14 de maio – Jorge Portugal e Lazzo Matumbi

A música interpretada pelo cantor baiano Lazzo Matumbi retrata a realidade da população negra ao longo desses 133 anos após a abolição: a liberdade chegou, mas não as garantias de inserção dessa população na sociedade. Se antes existiam os quilombos e as revoltas, depois da assinatura da Lei Áurea iniciou-se um novo processo de articulação negra em busca de igualdade e integração. Embora falemos desse assunto em 2021, a insegurança surgida em 1888 persegue a população negra até hoje e mostra que a assinatura da lei não representou uma ruptura com a discriminação racial.

Mesmo que hoje seja possível ver pessoas negras na televisão, nas faculdades de elite e ocupando cargos de liderança, elas ainda são uma exceção dentro da realidade brasileira. Na canção, Matumbi canta sobre o negro sem casa, comida, trabalho, acesso à saúde e educação, mas também sobre luta e resistência. No país, os números ainda são discrepantes e mostram o legado da escravidão e o impacto da falta de políticas de inclusão na vida de muitas pessoas pretas e pardas.

No mercado de trabalho, a população preta é a maior parte da força de trabalho do país, representando 53,7%; hoje, eles são 62,5% entre os 13,9 milhões de desempregados brasileiros. Entretanto, pretos e pardos têm presença mais acentuada nas áreas da Agropecuária (60,8%), Construção (62,6%) e Serviços Domésticos (65,1%), segundo a Síntese de Indicadores Sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2019.

Observando essas três áreas, é possível traçar um paralelo com o passado: os primeiros trabalhos realizados por negros no Brasil eram na agricultura, com o plantio de cana de açúcar, algodão e café. Na área de construção, os escravizados foram responsáveis por erguer as cidades, assim como pela abertura de estradas – entre elas, a Estrada Real, conjunto de vias que ligava a região das minas até o porto do Rio de Janeiro. Enquanto trabalhadoras do lar, as mulheres serviam as casas grandes no campo e na cidade.

Em roda de conversa, professores conversam sobre a trajetória do negro e o racismo no Brasil

Higienização e remoção

Antes mesmo do fim da escravidão, havia um movimento de negros livres e fugidos do interior ou de outras capitais para a cidade do Rio em busca de trabalho, por aqui ser a capital do país. Após 1888, isso se tornou mais frequente e, com a grande quantidade de pessoas desabrigadas, começaram a surgir os cortiços e as primeiras favelas. Entretanto, para os governantes, não era atrativo ter esse tipo de moradia nos grandes centros urbanos, principalmente no Rio de Janeiro, capital do país. Começa, então, no início do século XX, um processo de higienização desses espaços que parece não ter fim, removendo pretos pobres do Centro e de outras zonas de interesse, como a Zona Sul, para regiões mais afastadas.

“Ao pegar um mapa da cidade do Rio e fazer uma categorização por renda e cor, por exemplo, consegue-se perceber a nítida diferença entre onde brancos e negros habitam. E se você pegar um mapa histórico, consegue ver um deslocamento do Centro rumo às periferias”, afirma o professor e mestre em Geografia Filipe Gomes. Analisando dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de renda per capita de bairros e favelas, é possível entender a explicação do professor.

Antes de se tornar o terceiro metro quadrado mais caro da cidade, a Lagoa – e outros bairros da Zona Sul – abrigava muitos negros, principalmente por eles trabalharem em um complexo fabril que existia na região do Jardim Botânico, como a extinta Real Fábrica de Pólvora. Ali ainda existia a chácara da Baronesa da Lagoa Rodrigo de Freitas, que deixou a propriedade, depois da abolição, para os negros que trabalharam para a família. Para abrigar esses trabalhadores, cresceram no entorno as favelas Ilha das Dragas, Praia do Pinto e Catacumba. Nos anos 1960, com a especulação imobiliária na Zona Sul, começaram os processos de remoção. Frequentes incêndios devastaram as favelas, e os moradores dessas localidades foram removidos para os conjuntos habitacionais da Cidade Alta, Cidade de Deus e Maré, especificamente a Nova Holanda. Hoje, a renda per capita da Lagoa é de R$5.635, enquanto a da Cidade Alta é de R$277, a da Cidade de Deus, R$359 e a da Maré, R$394.

Essa é a história dos moradores das favelas da Lagoa, semelhante a de muitas outras pessoas que hoje vivem nos conjuntos habitacionais das favelas e periferias da cidade do Rio. “A partir do momento em que um determinado espaço se torna importante e visível, os ‘invisíveis’ têm que desocupá-lo, porque eles não podem estar na área que se torna de interesse”, destacou a professora e mestra em Ensino da História Lorraine Janis. Ela viu movimento semelhante no bairro em que foi criada, Padre Miguel: ali foi construído o Conjunto Residencial Cardeal Dom Jaime Câmara, em 1969, para abrigar as 26 mil pessoas expulsas de favelas do Leblon, da Lagoa e do Maracanã.

“Mas minha alma resiste, meu corpo é de luta”

Mesmo com a abolição, negros e mestiços continuam sofrendo discriminação racial, mas engana-se quem acha que a população preta, seja no pré ou no pós-abolição, assistiu passiva aos acontecimentos. Diversas foram as articulações para combater o racismo e promover a inclusão; graças a elas, hoje há políticas públicas (ainda que sejam poucas para 133 anos) que permitem gozar de direitos que, mesmo assim, deveriam ser acessíveis a toda a população.

A resistência se deu de diversas formas: através da educação, política, cultura. Os terreiros e blocos carnavalescos, as rodas de samba com feijoada, capoeira, jongo, funk, as manifestações culturais diversas vezes criminalizadas são até hoje formas de resistência da cultura afro-brasileira e uma herança de um passado que existe e resiste no presente.

Manifestação em 2018 contra fechamento da Casa de Jongo, ponto de cultura afro-brasileira no subúrbio do Rio. Foto: Ellis Rua

A Frente Negra Brasileira (FNB) surgiu em São Paulo em 1931 e teve núcleos em outros estados do país. Ela oferecia aos seus membros assistência jurídica, social e, principalmente, educação para que eles tivessem condições de se colocar no mercado de trabalho em pé de igualdade com pessoas brancas. Em 1944, surgiu no Rio o Teatro Experimental do Negro (TEN) que, por meio das artes cênicas, cumpriu o papel de ofertar aos seus participantes uma educação antirracista e o resgate da herança africana.

As duas iniciativas enxergavam a formação intelectual como ferramenta emancipadora. Conhecer a história do povo preto e do mundo era fundamental para mudar as estruturas sociais. “Ter atitudes antirracistas como essas é contribuir para abalar a própria base da sociedade que vivemos. Procurar trabalhar e redefinir essas relações étnico-raciais é mexer no alicerce da sociedade”, observa o professor de história e mestre em Relações Étnico-Raciais Fabrício Castilho. Para ele, ter um posicionamento antirracista é transformar as bases da educação a partir do conhecimento de outra narrativa, não contada nos livros de história.

O regime ditatorial não foi capaz de impedir a agitação dos movimentos sociais. Em 1978, reunidos na escadaria do Teatro Municipal de São Paulo, coletivos negros protestaram contra situações de discriminação racial, criando, assim, o Movimento Negro Unificado (MNU), uma das mais importantes entidades negras da atualidade. Um dos papeis do movimento negro é lutar pelo reconhecimento do dia 20 de novembro e pela recordação de lideranças negras, como Zumbi dos Palmares, que morreu nessa data. Além disso, entendem que o dia 13 de maio (e as consequências dele) não é para se comemorar e sim, refletir. Assim, as articulações negras ressignificaram a data para o Dia Nacional da Denúncia contra o Racismo, para se pensar em nos impactos negativos da abolição sem políticas de inclusão.

A partir das articulações de membros do MNU, diversas foram as legislações de combate ao racismo e ações afirmativas que surgiram como forma de promoção da igualdade racial. As leis que criminalizam o racismo, a inclusão do estudo da história afro-brasileira nos currículos escolares e a criação de cotas raciais em concursos são algumas das ações afirmativas para se buscar igualdade. Graças a essas articulações, é possível pensar na mudança da estrutura desigual do país.

Os mestres Filipe Gomes, Lorraine Janis e Fabrício Castilho no evento Herança Africana. Foto: Flamarion Ismirim

Conheça algumas dessas legislações importantes, embora não sejam tão vistas na prática:

Código Penal, art. 140, parágrafo 3º: injúria discriminatória;
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) art.68: reconhecimento à propriedade definitiva da terra para remanescentes e quilombolas, sendo papel do Estado emitir o título dessas terras;
Constituição, art. 215: defesa e valorização dos patrimônios culturais e promoção, difusão e promoção cultural;
Constituição, art. 216: reconhecimento e proteção de patrimônio cultural brasileiro, sejam bens materiais ou imateriais;
Lei nº 7.668/88: criação da Fundação Cultural Palmares, órgão que reconhece, certifica, promove e preserva valores culturais, sociais e econômicos negros que influenciam na formação da sociedade brasileira;
Lei nº 7.716/89 (Lei Caó): reconhece o racismo como crime inafiançável;
Lei nº 10.639/2003: obrigatoriedade do ensino da História da África e Cultura Afro-Brasileira nos currículos de educação básica das escolas públicas e privadas;
Decreto nº 4.887/2003: regulamenta o processo de identificação, delimitação, demarcação e titulação de terras quilombolas;
Lei nº 12.288/2010: criação do Estatuto da Igualdade Racial;
Lei nº 12.711/2012: garante a reserva de 50% das matrículas por curso em universidades.

Vacinação no Rio: antecipação de calendário e cronograma até outubro marcam a semana

Adiamento de quinta para sexta-feira da aplicação da D2 da CoronaVac também foi anunciado

Por Andressa Cabral Botelho, em 13/05/2021 às 12h35

A Secretaria Municipal de Saúde fez uma série de anúncios na última quarta-feira (12) referentes à vacinação na cidade do Rio. Além de anunciar a antecipação do calendário de primeira dose (D1) contra a covid-19 e o adiamento da aplicação da D2 de CoronaVac, o último anúncio foi o cronograma de vacinação que prevê que até outubro todas as pessoas com mais de 18 anos já terão recebido a primeira dose do imunizante.

Nesta quinta-feira (13), serão vacinados pela manhã homens de 48 e 47 anos dos grupos prioritários. No turno da tarde será a vez de mulheres de 47 e 46 anos, também dos grupos prioritários. Já na sexta-feira (14), homens de 46 anos dos grupos prioritários serão vacinados e no sábado (15), serão as mulheres de 45 anos.

Até o momento, o município não recebeu as doses da CoronaVac, o que faz com que a segunda dose (D2) desta vacina seja adiada. Nesta quinta-feira, estava prevista a imunização de idosos de 64 e 65 anos, que será adiada para a próxima sexta-feira. A expectativa é que a cidade do Rio receba remessa de cerca de 90 mil doses no dia 14 de maio para dar continuidade na vacinação.

No final do dia 12 de maio, a Prefeitura do Rio anunciou também uma série de calendários de vacinação de junho até outubro para a população de 59 a 18 anos que não faz parte dos grupos prioritários. A vacinação será dividida por gênero, com mulheres sendo vacinadas em um dia e homens em outros. O cumprimento do calendário depende, entretanto, da entrega dos imunizantes pelo Ministério da Saúde.

Além desses, tem também o calendário para grupos prioritários para pessoas de 45 a 18 anos, entre eles pessoas com comorbidades (lista PNI), pessoas com deficiência permanente, trabalhadores da saúde e guardas municipais envolvidos diretamente nas ações de combate à covid-19, ações de vigilância das medidas de distanciamentos social em contato direto e constante com o público. Pessoas com síndrome de down e doença renal crônica em diálise a partir dos 18 anos podem se vacinar em qualquer dia, independentemente da faixa etária.

Gestantes e puérperas com comorbidades a partir de 18 anos também podem se vacinar em qualquer dia, entretanto, precisam apresentar laudo médico detalhado justificando a necessidade de vacinação, além da assinatura do termo de esclarecimento disponível em coronavirus.rio/vacina. Elas devem receber apenas as vacinas Pfizer e CoronaVac, de acordo com a disponibilidade, por orientação do Ministério da Saúde.

Moradores da Maré reclamam de suspensão de atendimento odontológico nas clínicas da família

De acordo com secretaria, atendimentos seguem normalmente respeitando as normas de distanciamento

Por Amanda Pinheiro, em 13/05/2021 às 10h10
Editado por Andressa Cabral Botelho

Nos últimos dias, o Maré de Notícias recebeu informações de que os atendimentos odontológicos nas clínicas da família foram suspensos. No entanto, segundo a Secretaria Municipal de Saúde, os procedimentos não foram interrompidos e estão funcionando parcialmente. 
“A região da Maré não está com os atendimentos odontológicos suspensos. A Clínica da Família Diniz Baptista está funcionando normalmente e as demais unidades estão operando parcialmente, com reparos e pequenas reformas sendo feitas. A equipe de Saúde Bucal da área está atendendo as demandas”, informou a secretaria.

Frente Nacional Antirracista faz grande ato de protesto nacional ao dia 13 de maio, dia da “abolição”

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Ato contará com distribuição de cestas e camélias em favelas, comunidades quilombolas, indígenas e ribeirinhas

Por Redação, em 13/05/2021 às 09h10

A Frente Nacional Antirracista (FNA) vai fazer um grande ato nesta quinta-feira, dia 13 de maio, data da assinatura da Lei Áurea há 133 anos atrás, que oficialmente aboliu o trabalho escravo no Brasil.

Em todo o Brasil, haverá distribuição de cestas básicas em favelas, comunidades quilombolas, indígenas e ribeirinhas. Camélias também serão distribuídas.

Um manifesto elaborado pela Frente Nacional Antirracista também será divulgado, no dia 13. O documento promete denunciar a incompletude da abolição no país, pois a Lei Áurea alterou as relações de trabalho, sem criar mecanismos de amparo e inclusão no mercado de trabalho aos ex-escravizados e seus descendentes.

A camélia é uma flor que simbolizou a luta abolicionista brasileira. Era plantada nos jardins das casas e utilizada como marca de adesão militante.

“Escolhemos fazer nossas ações em comunidades quilombolas, ribeirinhas e em favelas, porque são espaços que, historicamente, simbolizam a exclusão. E é a partir desses lugares que acreditamos que devem vir as saídas dos impasses que atrasam o Brasil”, disse Priscilla França, representante da Educafro e da Equânime. Os atos vão acontecer de 10h às 12h, em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal.

No Rio de Janeiro, em função dos acontecimentos do último dia 6, serão distribuídas 2 mil cestas básicas para famílias, na Favela do Jacarezinho, que também receberão camélias. Atendendo a aproximadamente 8 mil moradores de favela. Em São Paulo, o ato acontecerá na Favela da Brasilândia.

“Esse ato no Jacarezinho é simbólico por tudo o que aconteceu. Mas levaremos cestas básicas para negros de todo o Brasil, e mostrar que a sociedade ainda deve para nós, negros, muita reparação”, disse Anna Karla Pereira, coordenadora da FNA.

Além de distribuição de cestas, camélias e cartões, o ato vai contar com faixas, cartazes e panfletos, remetendo à luta por liberdade do povo preto no Brasil.

A pandemia da fome nas favelas: A difícil sobrevivência entre a luta, o luto e o estômago vazio

Na coletiva “Um Ano de Derrotas! Qual a Solução?” movimentos comunitários das favelas insistem no retorno do auxílio emergencial e lançam campanha internacional para aplacar a fome na ausência do poder público.

Por RioOnWatch, em 13/05/2021 às 9h

Após dez meses do seu lançamento, o Painel Unificador Covid-19 nas Favelas, iniciativa colaborativa de produção de dados sobre o alcance da Covid-19 nas favelas, junto com à Rede Favela Sustentável*, se reuniu em sua quarta coletiva de imprensa. Lideranças comunitárias denunciaram a falta de políticas públicas de combate ao coronavírus nos âmbitos municipal, estadual e federal. O Brasil vive o segundo maior índice de mortes e infectados por Covid-19, com mais de 423.000 mortos e 15 milhões de casos desde março de 2020. Na coletiva de imprensa “Um Ano de Derrotas! Qual é a solução?”, realizada no último dia 29 de abril, 15 lideranças comunitárias pediram apoio da sociedade e comunidade internacional enquanto expuseram como as favelas vêm enfrentando, sem apoio das autoridades, a morte por coronavírus e a fome.

“Muito mais do que um discurso emotivo, porque tive vontade de chorar aqui várias vezes, eu quero trazer um discurso racional sobre o que está acontecendo nas comunidades agora. Uma ajuda de emergência no valor de R$150 ou R$350 [valor do auxílio emergencial pago pelo governo brasileiro] para uma família de 4 a 5 pessoas não dura nem uma semana. Somos forçados a nos reprogramar sem qualquer estrutura através de uma economia circular para nos alimentarmos com dignidade. É muito difícil enfrentar essa situação com um governo apático à tragédia social que está acontecendo.”

Anna Paula de Albuquerque Sales, Associação de Mulheres de Itaguaí Guerreiras e Articuladoras Sociais (A.M.I.G.A.S.)
Distribuição de alimentos na Casa do Raio Dourado de São Francisco de Assis

Insegurança alimentar é quando alguém não tem acesso pleno à alimentação. Hoje, em meio à pandemia, mais da metade da população brasileira está em situação de fome. Além disso, existe o nutricídio, que é quando “as pessoas são forçadas a comprar alimentos auto processados, o que gera problemas a longo prazo, como diabetes e doenças cardiovasculares”, explicou Andressa Cabral Botelho, da Maré de Notícias, ressaltando a vulnerabilidade nutricional que muitos moradores, mesmo que comam e matem a fome, estão expostos.

O Brasil havia deixado o Mapa da Fome da ONU em 2013, quando apenas 3,6% dos brasileiros estavam em situação de insegurança alimentar grave, mas voltou em 2018, com o retorno de 5% da população no patamar de insegurança alimentar grave. Com a pandemiasegundo o Inquérito Nacional sobre Segurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar, 9% da população está passando fome, isto é, 19 milhões de brasileiros.

Já em levantamento realizado entre novembro e dezembro feito por pesquisadores do grupo “Alimento para Justiça” da Universidade Livre de Berlim, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade de Brasília (UnB), mostrou um aumento da fome ainda maior: 15% da população brasileira está em insegurança alimentar grave, e 12,7% em insegurança alimentar moderada, o que significa que corriam o risco de deixar de comer por falta de dinheiro.

Os movimentos comunitários das favelas na coletiva do dia 29, e inúmeros outros, confirmam o aumento da fome e lutam para diminuí-la frente a falta de resposta do governo.

“As doações estão cada vez mais difíceis, não estamos conseguindo arrecadar. Uma mãe hoje veio me procurar para pedir uma cesta básica e eu não tinha para dar. Só pude dar alguns produtos. As pessoas estão distribuindo os filhos nas casas das pessoas, porque não tem nada em casa com o qual se alimentar. Conversei com um menino com menos de 12 anos e perguntei porque ele andava sumido. Ele me disse que está trabalhando num lava-jato e que estava dormindo lá”, observa Diocélia Galvão, Projeto Semeando o Amor de Cristo, Pavuna.

Nas favelas, uma pesquisa do Instituto Data Favela mostra que 68% dos moradores não tiveram dinheiro para comprar comida em ao menos um dia nas duas semanas anteriores ao levantamento.

“As favelas vivem na luta e no luto desde que nasceram. Estamos sendo segregados e não temos garantias de direitos sociais. Aqueles que mais morrem na pandemia são pobres, favelados e negros. Aqui na Cidade de Deus uma pessoa morre todos os dias e já temos um total de 142 óbitos. A gente fez uma ação em que ninguém [da mídia] apareceu para fazer a denúncia que estava morrendo uma pessoa por dia aqui. Um abandono total”, contou Iara de OliveiraAlfazendoCidade de Deus

A ausência de ajuda emergencial e o atual desemprego estrutural limitam a capacidade de ajuda das organizações. “A política do governo é uma política de contramão, cruel e genocida, que não só torna a recuperação impossível, mas parece estar tentando fazer o oposto”, opina Douglas Heliodoro, do Coletivo Conexões Periféricas, em Rio das Pedras.

Fome e Desemprego

O governo lançou ano passado um benefício financeiro para fornecer proteção emergencial no período de enfrentamento à crise causada pela pandemia do coronavírus. Porém, desde o começo, o valor de R$600 foi considerado baixo frente a necessidade das famílias e o aumento de preços dos alimentos em meio a crise da pandemia. Por três meses, entre janeiro e março, o governo federal parou de pagar o auxílio e as famílias ficaram completamente desassistidas. O desemprego atinge 14,4 milhões de brasileiros, maior contingente desde 2012.

Em março, o governo aprovou a retomada do pagamento do auxílio, mas com um valor ainda mais baixo: R$150 a R$375. Segundo o Dieese, em 12 meses, ou seja, ao comparar o valor em março de 2020 e março de 2021, o preço do conjunto de alimentos básicos teve aumento em todas as capitais brasileiras. O preço médio de uma cesta básica no Rio de Janeiro é de R$ 612,56.

A campanha Bolsocaro avança. Foto: BemBlogado

Desde o início da pandemia, as instituições comunitárias foram forçadas a intensificar as ações e aumentar exponencialmente os esforços, assumindo o papel do poder público. “O que está acontecendo é inacreditável. Nós, como sociedade civil, estamos fazendo parte do governo e estamos pagando um preço muito alto pela ausência de políticas públicas”, diz Ana Leila Gonçalves, do Centro Social de Fusão, em Mesquita.

Para os movimentos sociais comunitários, a política de morte destinada às favelas é explícita e opera um xadrez macabro: ou se morre de Covid-19, fome ou de tiros, uma vez que as operações policiais não cessaram nas comunidades, mesmo em meio à pandemia.

“Com essa pandemia, a gente teve que se virar para conseguir atender as pessoas, ir atrás de legumes, verduras. A gente se viu na obrigação a não deixar que essas pessoas voltassem sem atendimento. Na busca por atender essas famílias, a gente vai entrando em outras áreas, em outras comunidades e a gente vê a precariedade de serviço. Eu não diria nem precariedade de serviço, eu digo inexistência de serviços”, denuncia Cleide Jane, que atua na Associação Missão Resplandecer (AMIRES), em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, que atende pessoas que convivem com HIV.

Ação de doação de alimentos. Foto: Frente de Mobilização da Maré

Para Cleide Jane, o movimento comunitário não teve opção de se isolar ou permanecer em casa pois, “quando muitos fecharam as portas”, os ativistas locais “permaneceram com as portas abertas”, senão “as pessoas morriam de fome, não de Covid”. E desabafa: “Não sei quando as lideranças comunitárias serão incluídas na linha de prioridade para vacinação, porque precisam”.

Em janeiro, 21 coletivos do Painel Unificador e de outras 27 organizações chamaram atenção para a necessidade urgente de vacinar a população das favelas. Inclusive, para combater a fome. Na carta “Vacina da Favela, Já!”, registram depoimentos críticos sobre os efeitos colaterais da crise sanitária e econômica da pandemia nas favelas da Região Metropolitana do Rio.

Kádina Bastos, do Coletivo Fazendo Mágica com Tecido, afirma que a única solução é a vacina: “Chego a sentir um engasgo ao falar. Tenho recebido pedidos de cesta básica também, mas o baque maior foi ter perdido no final do ano passado uma costureira quando ela veio a óbito por Covid. Foi muito rápido. Se a vacina tivesse chegado na hora que era para chegar, ano passado, quem sabe, tanto ela quanto muitos outros não estariam conosco?”

A imunização no Brasil segue lenta. Até o momento apenas idosos foram vacinados e, em algumas cidades do país, recentemente começou a vacinação de pessoas com comorbidades. O balanço da vacinação contra o coronavírus divulgado pelas secretárias de saúde na sexta-feira (7/5), aponta que 34.914.631 pessoas já receberam a primeira dose de vacina contra a Covid-19. O número representa 16,49% da população brasileira. Porém, somente 8,3% da população já recebeu a segunda dose e está completamente imunizada. No Rio de Janeiro, no total, 2.450.422 pessoas foram vacinadas com a primeira dose, o que representa 14,11% da população do estado, de acordo com o mapa de vacinação do portal G1.

De acordo com as lideranças comunitárias, além da morte por Covid-19 e da violência da fome, moradores das favelas do Rio de Janeiro também têm dificuldade de enterrar parentes mortos pelo coronavírus ou de viver o luto com dignidade. “Há um grande número de subnotificações nos enterros, principalmente de comunidades pobres, em função primeiro da questão da segurança sanitária, dos protocolos para evitar contaminação. Mas acontece que também, as pessoas dessas comunidades não estão conseguindo localizar os seus entes que morreram, que foram enterrados de uma forma desorganizada, de uma forma descontrolada, sem nenhum tipo de monitoramento ou fiscalização dos órgão como a Santa Casa de Misericórdia, que é uma das entidades que gerencia esses processos dos enterros”, relatou Fabio Leon, jornalista do Fórum Grita Baixada.

Dados Participativos

PUF, como é chamado pelos integrantes do Painel Unificador Covid-19 nas Favelas, foi criado a partir da ausência de dados sobre a Covid-19 nos territórios. O Painel é realizado através de uma metodologia altamente participativa que, na falta de testagem em massa, compreende que as informações oriundas de uma base local qualificada são as que se aproximam mais da realidade.

A partir de fontes locais, o Painel começou a montar sua base de dados em julho de 2020 e a cada semana vem adicionando novas fontes. Mais recentemente, optou-se por uma metodologia de Zona de Influência de Códigos de Endereços Postais (CEPs), identificando os que melhor representam áreas de favela. A partir de dados por CEP, o Painel conseguiu captar dados de 268 favelas, sendo seis em municípios vizinhos, em especial Itaguaí.

“A coleta de dados realizada por este painel, reunindo fontes públicas e comunitárias, contribui para um diagnóstico mais próximo da realidade, já que a falta de dados fornecidos pela prefeitura torna ainda mais difícil fornecer informações fundamentais para a avaliação da situação… A dificuldade de acesso à saúde, os endereços mais difíceis de georreferenciar, são fatores que contribuem para uma maior letalidade nos bairros com mais favelas”, explica Renata Gracie, vice-coordenadora do Laboratório de Informação em Saúde da Fiocruz.

Já ocorreram mais mortes nas favelas do Rio de Janeiro do que em 164 países. Hoje, 11 de maio, o painel reporta 44.996 casos e 4.702 óbitos nas favelas da região metropolitana. O Painel Unificador atualmente cobre 66% dos domicílios das favelas na cidade do Rio.

As desigualdades sociais crônicas das favelas, como a falta de saneamento básico, de água potável, a lotação e a precariedade das unidades de saúde nestes territórios, a realidade da violência e de incursões policiais, além da fome, têm potencializado os casos de infecção e óbitos por coronavírus nas favelas do Rio de Janeiro. Ou seja, enquanto a pandemia ampliou e agravou ainda mais o quadro de desigualdades sociais, as desigualdades sociais nas favelas aprofundaram a pandemia nos territórios.

“As pessoas ficaram chocadas porque não podíamos nem comprar álcool em gel por causa do alto preço causado pelo aumento da demanda [pelo produto]”, conta Geiza de Andrade, educadora socioambiental da Vila Kennedy.

Assista a coletiva de imprensa na íntegra aqui:

*A Rede Favela Sustentável (RFS), o Painel Unificador Covid-19 nas Favelas e o RioOnWatch são projetos da Comunidades Catalisadoras.