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Favela por favela: superação, união e o carinho dos moradores pelo Conjunto Esperança

Pela primeira vez, a Maré teria prédios habitacionais, em 1982, com a construção do Conjunto Esperança. Os 35 edifícios de cinco andares cada, foram erguidos entre o campus Maré da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Canal do Cunha, com um total de 1.400 apartamentos.

O Projeto Rio previa a remoção dos moradores das palafitas para a Zona Oeste, mas com a união de lideranças da Maré, os moradores acabaram sendo alocados para a região, que inicialmente tinha a estimativa de abrigar 7.000 pessoas. A Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro (CEHAB) foi a responsável pela seleção e instalação dos moradores no conjunto.

Serviços ausentes

Os moradores mais antigos contam que no início, a vida no novo conjunto não foi fácil, principalmente pela ausência de serviços públicos e comércios, o que retratava a falha de planejamento pelo governo da época.

Um desses moradores é Fátima Aparecida, de 68 anos, que vive há quatro décadas no Conjunto Esperança, 15 destes trabalhando na associação de moradores.

“No início era tudo prédio e mais nada, era tudo mato. A população sentia falta de um comércio, eu fazia compras e trazia de ônibus. O primeiro comércio foi de um senhor que vendia leite e pão de bicicleta. Ele berrava e os moradores desciam dos apartamentos, era o nosso iFood da época”, brinca.

Fátima lembra também dos pescadores que trabalhavam no entorno do conjunto, quando as águas da baía ainda tinham peixes, dos boatos sobre a favela ter sido planejada para ser um condomínio fechado, mas que o projeto não foi para frente, e como a Vila do João na época era a favela de referência, até mesmo para comprar pão.

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“Minha mãe dava aula de culinária na Ação Comunitária, na Vila do João. Usava até flores de abóbora nas receitas, algo que tinha muito por aqui.”.

Amor pela favela

Nas conversas com os moradores, é inegável o amor e carinho que se revela pelo território. Apesar de ser uma favela originalmente criada com prédios, às margens da Baía de Guanabara foram construídas pelos próprios moradores um conjunto de casas, conhecidas como Vila Esperança ou “Pata Choca”. 

Segundo o Censo Maré, hoje a favela é composta por 1.870 habitações, entre apartamentos e casas, e mais de 5 mil pessoas. Um dos moradores ilustres foi a vereadora Marielle Franco, que fazia questão de se dizer “cria da Maré” e passou parte da vida no Conjunto Esperança.

Pedro Francisco, presidente da Associação de Moradores do Conjunto Esperança há 12 anos, deixa claro o motivo da escolha da favela para morar. “Aprendi a amar e cuidar com todo carinho e respeito daqui. O Conjunto Esperança não é melhor e nem pior, apenas diferente”, opina.

Já Fátima afirma como gosta de ver no que a favela se transformou, com jardins e árvores que limpam o ar. “Hoje aqui é estilo Zona Sul: tudo organizado com praças, dois campos sintéticos e escola com muro multicolorido. As paisagens que vejo das minhas janelas são lindas, como o Pão de Açúcar, a Igreja da Penha e o Castelo do Instituto Oswaldo Cruz’, afirma orgulhosa. 

E conclui: “Tenho muito carinho pelo conjunto, pois minha vida foi aqui, vim com minha mãe, me casei, tive três filhos e agora são dois netos. Hoje o conjunto é um adulto ainda em fase de evolução”.

Diferença de temperatura entre favelas mareenses pode ser de até 2°C

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Diagnóstico sobre ilhas de calor e qualidade do ar nas 16 favelas da Maré, coletou dados sobre temperatura, umidade e qualidade do ar no território

Teresa Santos

O projeto Respira Maré: Diagnóstico sobre ilhas de calor e qualidade do ar nas 16 favelas da Maré, coletou dados sobre temperatura, umidade e qualidade do ar no território, entre março e setembro de 2023. O resultado da pesquisa foi apresentado em dezembro do ano passado e trouxe alertas para a comunidade: além das altas temperaturas, os mareenses convivem com grande variação térmica e níveis excessivos de gases e poluentes atmosféricos.  

Variação térmica

O projeto foi realizado pela Redes da Maré, com articulação dos eixos de Direitos Urbanos e Socioambientais (DUSA) e Direito à Saúde, com o apoio do Instituto Clima e Sociedade (ICS). A pesquisa estabeleceu 25 pontos de medição, organizados em cinco grandes áreas que agruparam as 16 favelas do conjunto.

De todas as áreas analisadas, a Nova Maré foi a região mais quente, com 28,3°C. Baixa do Sapateiro, Bento Ribeiro Dantas e Parque Roquete Pinto também tiveram temperaturas iguais ou superiores a 28°C. Além disso, essas favelas também foram diagnosticadas como as áreas mais secas da Maré. 

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Por outro lado, Nova Holanda, Parque União e Praia de Ramos foram os pontos menos quentes (e com maior umidade), com medições variando de 26,4°C a 27,2°C. Comparando as regiões mais e menos quentes, a diferença chegou a praticamente 2°C, indicando uma grande variação térmica no território.

Noites quentes

O relatório apontou ainda diferença importante no que diz respeito ao resfriamento noturno. Enquanto áreas como Marcílio Dias, Praia de Ramos e Parque Roquete Pinto experimentaram uma média de queda da temperatura de 3,5°C à noite, as regiões da Baixa do Sapateiro, Nova Maré, Morro do Timbau e Bento Ribeiro Dantas tiveram um resfriamento noturno de apenas 1,5°C.

Luiz Carlos Soares foi um dos jovens que atuou na coleta de dados do projeto e conta sobre a sensação de que a cada ano a favela fica mais quente. “No ano passado, meu ar-condicionado avariou e as noites foram muito ruins para dormir. Tive que tomar banho várias vezes para me refrescar, resultando em uma sensação de noite mal dormida”, relata.

Quanto à qualidade do ar, o estudo encontrou outros dados preocupantes. A concentração média de material particulado (PM2.5) esteve acima do nível considerado seguro pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em todas as áreas analisadas. De forma semelhante, a concentração de dióxido de carbono (CO2) também ficou acima da média global e do valor ideal para combater o efeito estufa nas cinco grandes áreas investigadas.

Saúde prejudicada

A pesquisadora Renata Gracie, Chefe do Laboratório de Informação em Saúde (Lis/Icict/Fiocruz), explica que a variação da temperatura no ambiente ou a manutenção da temperatura muito elevada pode ter diferentes efeitos nas pessoas.

“Pessoas saudáveis podem sofrer com dores de cabeça, mal-estar e perda da agilidade nas ações”, afirma. Segundo Renata, isso ocorre devido ao impacto do calor no sistema nervoso, no sistema circulatório, no sistema respiratório ou no sistema geniturinário, responsável por retirar as substâncias tóxicas e em excesso do nosso corpo.

Com relação à qualidade do ar, ao ultrapassarmos os limites estabelecidos, os problemas podem variar. Especialmente, agravando doenças respiratórias como a asma. Vale lembrar que, tanto o aumento da temperatura quanto a presença de poluentes no ar, podem impactar de forma mais séria idosos, crianças e gestantes.

Localização

Segundo Luna Arouca, uma das coordenadoras do projeto, um dos principais fatores que contribuíram para os resultados encontrados é a localização. A Maré está entre as três principais vias de acesso ao Rio de Janeiro: Linha Vermelha, Linha Amarela e Avenida Brasil, com grande circulação de carros. Além disso, há também a falta de política específica de mitigação desses impactos e uma carência de áreas verdes. 

Segundo Luna, o estudo traz dados importantes para subsidiar políticas públicas e ações específicas de enfrentamento desses problemas. “Além disso, reforça como organizações de favelas e regiões periféricas são atores fundamentais no desenvolvimento das políticas públicas, na produção de dados qualificados e no engajamento dos moradores”, destaca. 

Ela acrescenta ainda que, a iniciativa, reforça o papel dessas organizações como atores no debate de justiça climática, justiça ambiental e racismo ambiental.

Pescadores da Maré buscam alternativas diante da poluição e desafios ambientais

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Pescadores mareenses vêm se capacitando e transformando as embarcações para levarem grupos interessados em passeios turísticos pela região

O jogador de futebol tem o campo como local de trabalho, o ascensorista tem o elevador, o professor tem a sala de aula, já o pescador deveria ter o mar, mas a poluição da Baía de Guanabara tem deixado o profissional do mar cada vez mais longe das águas. Este é o caso dos pescadores da Maré. 

A pesca artesanal é uma atividade realizada por profissionais que praticam a pesca em pequena escala. Eles pescam para o consumo da própria família e para vendas locais. Porém, como a despoluição nunca chega às águas da baía, os pescadores mareenses vêm se capacitando e transformando as embarcações para levarem grupos interessados em passeios turísticos pela região, e roteiros de pesca por lazer nos finais de semana, ao longo de todo o ano.

As águas

A Baía de Guanabara é formada por 35 rios e 53 praias, que recebem 98 toneladas de lixo por dia, segundo levantamento da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, divulgado no site G1. De acordo com o site Museu do Amanhã, estima-se que atualmente restam somente 12% do espelho d’água da baía apto para a pesca artesanal. 

De acordo com o levantamento do Painel de Consultas do Registro Geral da Atividade Pesqueira, o Brasil conta com 1.035.478 pescadores profissionais ativos. Dados da Federação de Pescadores indicam a existência de aproximadamente 22 mil pescadores artesanais na cidade do Rio de Janeiro, organizados em cinco colônias registradas. Já o Ibama afirma a existência de três mil pescadores artesanais atuantes no município.

O plano B

Ao conversar com pescadores, é impossível não lembrar do acidente ecológico que ocorreu na Baía de Guanabara, no ano de 2000, no qual foram derramados 1,3 milhões de litros de óleo pela Petrobrás. Muitos conseguiram indenizações, com valores diferenciados, algo que não agradou a grande maioria. O derramamento de óleo diminuiu consideravelmente o volume e a qualidade do pescado, atingindo em cheio a atividade pesqueira. Desde então, alguns profissionais além de se dedicar ao ofício da pesca, dividem-se em um segundo ofício, como pedreiro ou ajudante de obras.

Um destes profissionais, é Paulo Cesar, de 63 anos, que há 30 anos atua na Colônia do Parque União, onde já foi possível pescar. Ele reclama da poluição e concorrência desleal com a pesca industrial. 

“Nós pescadores artesanais não temos chance nenhuma contra as redes de cerco que acabam com tudo. Inclusive, com o crescimento dos peixes. Além disso, ainda tem o chorume, químicas e óleo que os navios jogam quando lavam os porões. Hoje vivemos de esperança, pois acreditamos que ainda há vida na baía, mas é triste ver a Baía de Guanabara agonizando, ela pede socorro”, conclui. 

Samuel dos Santos, de 47 anos, conta que está no ramo desde criança e como segunda profissão, atua também como segurança. Samuel resiste e até afirma que comprou um novo barco, que ele pretende usar exclusivamente para a pesca. 

“Vimos a necessidade de investir cada vez mais em barcos maiores para sair da Baía. A dificuldade é encontrar lençol, plástico e saco de náilon, que danificam a caixa de marcha, o eixo e a hélice. Não temos incentivos do governo e vivemos de promessas da despoluição. Hoje 90% dos barcos da Colônia do Parque União se adaptaram para os passeios, restaram uns cinco. O pescador, se depender do peixe, morre de fome”, ressalta. O preço do passeio para um grupo de dez pessoas é R$400.

Praia sem peixe

Na Praia de Ramos, favela onde se encontra a Colônia de Pescadores Z-11, um dos filiados mais antigos, é José da Silva, de 58 anos. Conhecido como Barriga, ele faz parte da terceira geração de pescadores da família e garante que a Baía de Guanabara resiste e ainda tem vida, apesar de prejudicada. Ele reivindica melhorias para continuação da pesca artesanal.

“É necessário a dragagem dos canais do Cunha e Tubiacanga e da área da Praia de Ramos. Há muito lixo e chorume que vem de Duque de Caxias. Os projetos de retirada de lixo da Baía por parte dos pescadores não chegam em Ramos, nem o projeto das ecobarreiras funcionam como deveriam. Hoje, alguns colegas deixam a rede de lado para realizar os passeios, como solução para a sobrevivência.”

Wilson Soares, de 53 anos, com 12 anos de pesca, afirma que o pescador não deseja mais passar a profissão para os filhos. Para ele, há na baía o efeito da migração forçada e involuntária para a sobrevivência, onde pescadores se tornam catadores de materiais reciclados lançados ao mar ou adaptam o barco para o turismo de pesca.

“É muito sofrimento. É preciso acabar com o esgoto que vem das valas e a poluição do aeroporto do Galeão. Ainda tem a poluição industrial, como de empresa de roupas. Os projetos interesseiros de limpeza da Baía querem que o pescador só pegue os materiais recicláveis, mas precisamos tirar do mar as televisões, as geladeiras, os sofás e as vegetações. O pescador precisa entender que juntos somos mais fortes”, opina.

39 anos sem solução

O ambientalista e coordenador do Movimento Baía Viva, Sergio Ricardo, ressalta que o Canal do Cunha é um dos trechos mais contaminados da Baía de Guanabara. 

“Essa região era industrial nos anos 1980 e 1990 e tem, há décadas, a presença da Refinaria de Manguinhos. É uma área com mais de 2 milhões de pessoas e abrange favelas que são vítimas do racismo ambiental. O Programa de Despoluição da Baía de Guanabara foi iniciado em março de 1995. Portanto, há 39 anos e, até hoje, não foi concluído”, conta.

O ambientalista conta ainda que, a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Alegria, foi projetada para tratar 5.000 litros de esgoto por segundo, mas não trata nem 20% porque não foi construído o tronco coletor de esgoto. 

A Baía de Guanabara recebe 18 mil litros de esgoto por segundo. Caso funcionasse na capacidade total, somente a ETE Alegria já teria capacidade de tratar um terço dessa poluição. Ele considera absurdo que a Maré esteja ao lado da ETE Alegria e não tenha ligação com a estação.

Turismo comunitário

Ricardo ressalta que existe um ramo da economia chamado Turismo de Base Comunitária (TBC) ou turismo comunitário, que é uma política pública. “Aqui na Baía de Guanabara existem algumas experiências. Em Guapimirim houve um curso que formou cerca de 40 pessoas, pescadores, agricultores e caranguejeiros, que além de exercer sua profissão, passaram a ter uma outra atividade econômica”.

A iniciativa é um dos projetos do Baía Viva: o Pescatur, que busca em conjunto com a Trama Ecológica, de Duque de Caxias, e apoio de recursos do Ministério Público Federal, trabalhar em oito municípios da Bahia de Guanabara promovendo o turismo comunitário.

“Estamos fazendo cursos de turismo de base comunitária na forma de educação à distância, com o Comitê Pedagógico do Programa de Pós-Graduação em Ecoturismo e Conservação da Unirio, e o Departamento de Turismo da Uerj. É um programa de extensão que empodera os pescadores, sendo uma alternativa de geração de renda e ao mesmo tempo de valorização dos territórios das populações tradicionais”, explica o ambientalista.

Segundo o Ministério da Pesca e Aquicultura, a pasta busca articular e concretizar políticas públicas para a defesa, promoção e fortalecimento das comunidades pesqueiras artesanais e de seus territórios pesqueiros. Dentre as ações desenvolvidas, para o Ministério, destacam-se: o Programa Jovem Cientista da Pesca Artesanal, o Projeto Santiago, o Programa Boa Maré, o Programa Dos Territórios Pesqueiros Artesanais e a valorização da Cultura Pesqueira Artesanal.

Carnaval além da Sapucaí: desafios, resistência e comunidade

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Escolas de pequeno porte sacodem a poeira e dão a volta por cima 

Por Hélio Euclides e Juliana Neris

No último carnaval, ocorreu um episódio que causou grande repercussão no carnaval carioca. Tratou-se do pagamento milionário de R$ 10,3 milhões a uma modelo famosa para marcar presença em um camarote patrocinado. Surpreendentemente, essa quantia superou o investimento total da Prefeitura nos desfiles. De forma individual, a modelo recebeu mais do que o montante destinado pela Prefeitura  para os desfiles. Com um “incentivo recorde” às escolas de samba do Grupo Especial, que atingiu a marca de R$ 2,150 milhões, considerado o maior da história. 

No entanto,  as escolas que estão longe dos holofotes da Sapucaí enfrentam uma dura realidade financeira e estrutural marcada por desafios.  A cidade do Rio de Janeiro possui hoje cerca de 86 escolas de samba organizadas em grupos por ordem hierárquica: 12 do Grupo Especial, 15 da Série Ouro,e mais ou menos 60 distribuídas entre as séries prata e bronze e 17 do Grupo de Avaliação.  O grupo Especial e a série Ouro disputam na Sapucaí e as demais na Intendente Magalhães.

Neste cenário, é essencial compreender o processo de colocar um desfile para frente, mesmo diante de adversidades, e a resistência do samba enraizado nos territórios de favela, destacando a importância do elo com os moradores. As escolas não apenas batalham pela continuidade do desfile, mas também pela preservação da resistência e da memória do samba. Diante da escassez de apoio, suporte financeiro, invisibilidade e inúmeros outros desafios, algumas escolas de samba se veem obrigadas a encerrar suas atividades, fechando suas portas e com isso sua história. 

Carnaval Carioca: Críticas e Reflexões

O Maré de Notícias conversou com dois envolvidos no carnaval, um pesquisador e uma integrante de escola, que compartilharam suas experiências sobre como as escolas enfrentam as adversidades econômicas para garantir a continuidade de suas atividades e  analisam como essas questões impactam o maior espetáculo da Terra, destacando a necessidade de uma reflexão mais profunda sobre as estruturas que permeiam esse evento cultural.

Fabricio Castilho, é professor e historiador formado pela UFRJ, mestre em História da cultura afro brasileira pela UFRRJ e autor do livro  “Samba na escola: apoteose para uma educação antirracista e integrante do Departamento de Cultura da Mocidade Indepentende de Padre Miguel. Castilho provocou a refletir sobre a essência do carnaval e questionar para quem, de fato, está sendo feito esse grandioso evento cultural.

MN: Como você enxerga o carnaval  no comparativo das escolas de grande porte às de pequeno porte?

“Tenho bastante críticas em relação a isso. Hoje existe uma espécie de camarote do samba, onde os holofotes até mesmo da imprensa são voltados para o carnaval elitizado.  Dentro do que uma escola de samba se propõe a ser, da sua origem, da ancestralidade e da festa para o povo, do povo negro e isso reflete muito no que é o Brasil hoje de fato, tanto no contexto histórico quanto nos aspectos sociais.”

MN: Essa camarotização e elitização interferem no  papel do samba como fator social ?

“Precisamos lembrar que as escolas chegaram antes do sambódromo. Elas não existem  para desfilar, elas existem para o povo! É preciso antes de tudo entender o contexto em que o carnaval foi criado e quem o criou para o que está acontecendo nos dias atuais. A transformação social em produto comercial e com isso o afastamento do povo.”

MN: O que você pensa sobre a criação de  Políticas Públicas e Carnaval de dados para as escolas de pequeno porte? 

“Cultura é um direito. É também sobre o direito à cidade, ao lazer. Sobretudo a permanência e resgate da memória da escola e dar estrutura para desfilar através de políticas públicas pensando para além dos holofotes da Sapucaí. Há carnaval acontecendo em todo o Rio de Janeiro.”

A outra entrevistada é Patrícia Costa, representante da Unidos de Manguinhos, que ressalta a importância de não apenas focar no espetáculo grandioso da Sapucaí, mas também em dar atenção e apoio às escolas que desempenham um papel fundamental na preservação das tradições e raízes do samba.

MN: Como você percebe a principal diferença entre as escolas do Grupo Especial e aquelas da Intendente Magalhães, Grupo Prata, Bronze e Avaliação?

“A diferença se dá muito também pela ausência de patrocínios. Embora essa disparidade já tenha sido mais acentuada no passado, a realidade persistente é que muitas escolas enfrentam desafios orçamentários significativos para realizar o tão desejado desfile. O objetivo é não apenas viabilizar os desfiles, mas também capacitar essas agremiações para captar recursos de forma mais eficaz.”

MN: Qual é a sua opinião em relação aos patrocínios?

“A Escola nunca recebeu patrocínio, mas não vemos isso como um problema, enxergo como um incentivo e modernização. Mesmo assim, ajudamos nossas coirmãs de outros grupos na doação de fantasias. Esse ano recebemos ajuda da Unidos da Tijuca e para o carnaval do ano que vem, a  ajuda vem da madrinha, Estação Primeira de Mangueira.  O carnavalesco Evandro Sebastian está modificando, recriando, remodelando essas fantasias doadas para o desfile da escola para o próximo ano.” 

MN: E como é a preparação do carnaval com pouco recurso? Qual o maior desafio enfrentado tanto para colocar a escola na rua quanto de estrutura? 

“É difícil! Colocar um desfile para frente vai além dos ensaios e da produção de fantasias. É uma jornada marcada por superação, criatividade e trabalho árduo que dura todo o ano. Para nós escolas do grupo de avaliação, geralmente usamos a frase: Um dia de cada vez. Para o folião, o carnaval termina na quarta de cinzas, para nós ele já começa na dispersão, quando recolhemos as fantasias utilizadas durante o desfile, os ferros e armações, pois tudo será reutilizado.”

MN: Sem subvenção a tempo, qual o plano B?

“Durante todo o ano a escola promove eventos para arrecadação. A escola também aluga a quadra para futebol de areia e, comerciantes locais ajudam com doações para a feijoada da escola.  Dessa maneira, buscamos fazer o desfile acontecer, batendo de comércio em comércio e tendo ajuda das coirmãs.”

MN: Qual é a experiência de assistir ao desfile após dedicar todo o ano à preparação? “Sempre sinto como se fosse a primeira vez. Poder bater no peito e falar: eu sou Manguinhos. É o Quilombo Manguinhos. Preciso falar dos artistas anônimos que trabalham arduamente o ano inteiro, com pouco recurso  e conseguem fazer história. A escola enfrentou diversos contratempos esse ano, mas a força dos integrantes faz valer a pena cada sacrifício.

Dia 28 de novembro foi publicado, no Diário Oficial, o decreto  de número 53.632, referente à subvenção da Prefeitura do Rio para a realização do Carnaval 2024. Este valor deve cair na primeira quinzena de dezembro. É de suma importância que se debata uma regularização de valores e prazos para este repasse. Lei orgânica, para que não seja recorrente atrasos, e não tenha reajustes de valores condicionados sem que seja realizado por políticas públicas.

O carnaval carioca, ao ultrapassar os limites da Sapucaí, revela uma complexidade de desafios, resistências, superação e também beleza e muita alegria e diversidade.  Este olhar abrangente busca proporcionar uma compreensão mais profunda do que está por trás do brilho e da festa, explorando as histórias de perseverança e a importância cultural do samba nas favelas.

Folia empreendedora na Maré: Carnaval movimenta negócios locais

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Período festivo impulsiona empreendedores mareenses

Durante o carnaval, a cidade do Rio de Janeiro se transforma num solo fértil para o empreendedorismo. Surgem novos produtos e serviços para atender às demandas do período. E na Maré não é diferente. Diversos moradores enxergam o carnaval como uma oportunidade de impulsionar o negócio local ou de gerar renda extra para garantir o sustento da família nesta época. Além de poder exercer funções ligadas à economia criativa como a costura e confecção de acessórios artesanais.

De acordo com um levantamento realizado pelo SEBRAE Rio, o município registrou 223,2 mil empreendimentos ligados ao Carnaval, em 2023, o que significa um aumento de 6% no número de empresas em relação ao ano anterior. Em torno de 98% dessas empresas são de pequenos negócios: 75% são de Microempreendedores Individuais (MEI), 19% microempresas e 3% empresas de pequeno porte.

Com um público estimado de cinco milhões de foliões nas ruas do Rio de Janeiro, segundo dados da RioTur, a demanda por produtos e serviços durante o carnaval atinge níveis significativos. Isso representa um potencial lucrativo para empreendedores que conseguem atender às necessidades do público nesse período.

Renda Extra

Luciana Canuto, cria da Vila do João, sempre customizou suas próprias roupas nesse período e com o passar dos anos passou a produzir os acessórios das filhas nas festas de escola. Em 2023 ela iniciou um processo de capacitação que proporcionou a comercialização de suas peças: “As produções do carnaval compõem minha renda de maneira positiva, aumentando em torno de 30% nessa época. Ainda não é tão valorizado, mas está caminhando para ser e creio que em pouco tempo atingiremos níveis maiores”, conta. 

“Pra mim, o carnaval é muito importante para gente que é empreendedor de favela, pra gente ter crescimento e visibilidade. As pessoas passam a te enxergar como empreendedora e isso é muito bom”, reforça Luciana.

Liberdade Criativa

O período carnavalesco no Rio de Janeiro não é apenas uma festa cultural, mas também um impulsionador de pequenos negócios, proporcionando oportunidades para exercer a criatividade e para aqueles que buscam atender às necessidades do público e aproveitar o espírito festivo das periferias e da cidade. 

Para Rafa Feitosa, moradora do Parque União, costureira e empreendedora, a produção nesse período tem um grande significado para a favela: “É muito importante pois podemos vestir o nosso povo com a nossa própria arte”, afirma. Ela conta que a paixão pela produção e a criatividade começaram ainda na infância, ao produzir vestuário para suas bonecas. Hoje, a costureira já fez mais de 80 fantasias de carnaval para todas as idades. 

Os empreendedores da Maré constroem diversas alternativas para garantir a renda extra, ampliar os negócios e exalar a criatividade,  transformando este período em uma folia de oportunidades para a economia da favela.

Portela leva mães de vítimas da violência da Maré para a Sapucaí

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Escola de Samba Portela homenageia mães que perderam seus filhos pela violência 

Por Andrezza Paulo

É Carnaval e deveria ser uma época festiva, mas na última quinta-feira (8) mais uma mãe da Maré perdeu seu filho de forma violenta. A morte de Jefferson estampou os jornais escancarando a falha e letal política de Segurança Pública do Estado nos territórios de favela. Além disso, centenas de crianças também foram vítimas dessa violência ao serem colocadas em risco durante a operação policial que ocorreu em horário escolar. 

Às 11:45h da manhã foi emitido um comunicado pelas escolas de que os responsáveis deveriam buscar seus filhos, mesmo quando ainda se ouvia disparos. As ruas desertas e as crianças com o medo refletido em seus rostos. A violência armada ceifa vidas faveladas e gera traumas que jamais serão esquecidos e são as mães que ficam, que sofrem e que lutam para que este cenário um dia se modifique. 

Lembrando aqueles que partiram e ecoando a voz de quem fica

E são essas mulheres que serão homenageadas na Sapucaí pela Portela. A escola de Samba levará para a maior apresentação cultural do país, 16 mães de vítimas de violência incluindo as mareenses Bruna Silva que perdeu seu filho Marcus Vinícius, em 2018, quando ele tinha apenas 14 anos; Vânia Silva, mãe de Marvin; Dejanecy Ribeiro, mãe de Paulo e Hortência Alves, mãe de Gelson. 

Com enredo “Um defeito de cor” que fala sobre a trajetória de Luiza Mahin, seu filho Luiz Gama e os atravessamentos ligados à vida e luta da população negra, a escola de samba propõe, de forma simbólica em seu 5° carro, um encontro dessas mães com seus filhos. São dezesseis mulheres que não tiveram direito ao luto e buscam por justiça para os seus e para tantos outros jovens da favela. O desfile será televisionado pela TV Globo e a escola de Samba entra na Sapucaí na segunda-feira (12) às 23h.

Infelizmente, as mortes de Marcus Vinícius e de Jefferson não foram eventos isolados. Em 2023, o 7° Boletim de Segurança Pública registrou um aumento de 145% nas mortes em operações policiais referentes ao ano anterior, sendo 97% homens de até 29 anos.  No entanto, apesar da dor imensurável, é importante reconhecer a força e a resiliência dessas mães e que elas tenham suas vozes amplificadas e ecoadas pela Portela e em muitas outras esferas para que se faça justiça e uma política de segurança pública mais humana.