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Na Maré seca dos anos 80, mulheres de Nova Holanda se organizaram na luta por direitos

Em tempos de precarização do saneamento e de avanço da covid-19, muito se fala sobre a ausência do poder público nas favelas garantindo serviços e saúde. Mas e sobre as estruturas de saneamento que já temos? Na busca por entender o processo de chegada da água no Conjunto de Favelas da Maré, nos deparamos com a história de mulheres fortes e organizadas, que 40 anos depois ainda são reconhecidas pelas conquistas da Chapa Rosa.

Foto da acima: Douglas Lopes
Reportagem: Breno Souza e Ruth Osório
Artes: Nícolas Noel
Edição: Fred Di Giacomo

por data_labe em 05/10/2020 às 11h34

Esta é a primeira reportagem de uma série sobre o direito à água na Maré. Uma parceria entre o data_labe e o Maré de Notícias.

“Quando cheguei aqui na Maré, por volta dos anos de 1980, tudo era muito precário e saneamento básico não tinha nenhum. Não tinha calçamento. Quando chovia nós tínhamos que ir daqui até na Avenida Brasil com um sapato pra chegar lá e calçar outro sapato de tanta lama que tinha aqui nesse local. Era tudo muito difícil e muito precário. Logo assim que tava no início da Chapa Rosa nós começamos a fazer movimentos na luta para conseguir água, esgoto, luz e tudo mais que nao tinha aqui”. 

Este relato é da Dona Helena Dias Vicente, de 70 anos, hoje aposentada e também uma das diretoras da Redes da Maré. Figura ilustre na luta pelo acesso à água potável na favela Nova Holanda, Helena foi integrante da Chapa Rosa, um coletivo só de mulheres da Maré engajadas na luta por uma vida mais digna para os moradores. A Chapa Rosa foi a primeira chapa eleita, por eleições diretas, para a Associações de Moradores da Nova Holanda, em 1984, num momento marcado pela participação de todos e que mudou completamente os rumos da favela.

Nessa época, Nova Holanda ainda era favela de barracos, construída pela prefeitura para ser um centro de habitação provisório, reunindo moradores removidos das favelas do Pinto e do Esqueleto. Esses moradores eram enviados para Nova Holanda até adquirirem os “hábitos necessários para sair da favela”. “Era um espécie de Minha casa, Minha vida mas com um processo pedagógico forte para incutir valores. Esse processo de reeducação de favelas que é sempre uma prática do governo: achar que pobres precisam ser reeducados dentro de um modelo burguês de práticas sociais”, conta Monique Carvalho, que escreveu uma dissertação sobre as memória e mobilizações da Nova Holanda, em 2006. 

// FOTOGRAFIA: Mobilização pré eleição para liderança da Associação de Moradores de Nova Holanda. Contribuições de pesquisa: Edson (Museu NUMIM - Redes de Desenvolvimento da Maré).
Chapa Rosa de porta em porta.
Contribuições de pesquisa: Edson Diniz (NUMIM – Redes da Maré).

Mulheres na linha de frente 

“Na época, a Eliana [que hoje é uma das diretoras da Redes da Maré] estava no primeiro mandato da Chapa Rosa e nós começamos a fazer os mutirões para conseguir água, para conseguir saneamento básico e fazíamos as reuniões na Escola Nova Holanda, onde a gente conseguia colocar numa noite mais de 200 pessoas e dali saiam representantes de cada rua, já com a ideia de ir lá na Cedae, de ir na prefeitura, de ir aonde pudéssemos para poder conseguir que eles viessem colocar água. Mas tudo era muito difícil. Quando começou o saneamento nos dias de mutirões, dias de domingo, os homens ficavam cavando as ruas e nós íamos levar lanche, levar água pro pessoal que estava cavando a rua pra poder trazer água. Porque a água só tinha lá perto da Avenida Brasil, onde tinha encanamento, nas ruas daqui não tinha nenhuma gota de água. A chapa sempre teve uma atuação muito forte, com a Eliana na Frente, ela tinha muito acesso às autoridades, sempre buscando, sempre na frente e nós as outras mulheres sempre apoiando e ajudando. Eu, Penha, Roseli, Dona Dalva, todas nós sempre apoiando ela nessa luta.”, conta Dona Helena e acrescenta:

Posse de Eliana, liderança das mulheres na Chapa Rosa. Contribuições de pesquisa: Edson (Museu NUMIM - Redes de Desenvolvimento da Maré).
Mulheres da Chapa Rosa em ação.
Contribuições de pesquisa: Edson Diniz (NUMIM – Redes da Maré).

“A Eliana foi a primeira presidente mulher de uma associação de moradores aqui no Rio de Janeiro, então até por esse fato [de ser mulher], muita coisa ela conseguia falando com as autoridades, muitas coisas a gente conseguiu pelo simples fato de ser uma mulher na linha de frente. Eu não posso esquecer de falar da Maria Amélia Belfort, que também foi uma grande guerreira nos ajudando. Ela foi uma das iniciadoras da creche, ficava com as crianças para as mães irem trabalhar, o que deu origem a creche comunitária. São muitas coisas que vamos nos lembrando, onde podemos  ver um pouco da história vindo à tona”. 

Atuação da Chapa Rosa: é possível ver ao centro Eliana, liderança local.
Créditos: Redes da Maré. Contribuições de pesquisa: Francisco Valdean (Museu MIIM).

Apesar do acesso à água afetar toda população da Maré naquela época, é muito simbólico que tenham sido mulheres as protagonistas dessa luta. A gente sabe que o acesso aos serviços de saneamento está longe de ser igual para todos, mas com mostra a reportagem da Agência Brasil, as mulheres são historicamente responsáveis por buscar água e manter a higiene do lar. Quanto pior o saneamento, mais sobrecarregadas e vulneráveis elas estão. Isso sem contar o risco de sofrerem violência sexual (durante o trajeto na busca por água), e das doenças.

Como apontado no trabalho Mulheres & Saneamento, os impactos da falta de saneamento vão para além das doenças, diminuindo também o potencial das mulheres para estudar e trabalhar.  Só em 2016, 12 milhões de brasileiras não tinham sequer o acesso a rede de distribuição de água. Ou seja, 11% da mulheres brasileiras estavam sujeitas a violência, doenças e tendo que que se mobilizar para conseguir acessar um dos seus direitos mais básicos: água. Se olharmos para os dados de acesso à coleta de esgoto, a situação é ainda mais preocupante: 26,9 de mulheres residem em moradias sem acesso, o que representa 25% das mulheres brasileiras. E ainda mais preocupante, dados do SUS 2013 apontam o registro de 353,5 mil internação e quase 5 mil óbitos de mulheres por infecções gastrointestinais ligadas ao saneamento básico.

Das lutas por direito ao cenário atual

“Os moradores viam a atuação da Chapa Rosa com bons olhos, porque todos precisavam de tudo. Hoje as coisas são mais difíceis porque a maioria dos moradores antigos [que estavam na luta por água] morreram. E os outros foram chegando e já encontrando tudo pronto”, diz Helena.

Puxadinhos de água são marcas registradas nas favelas do Rio de Janeiro. Isso porque os moradores vão erguendo suas casas e vão utilizando de técnicas cada vez mais criativas para levar água aos cômodos, o que é uma necessidade básica para qualquer ser humano. Em dias de muito calor todo mundo quer se refrescar, os moradores instalam e ligam os chuveirões e montam piscinas nas ruas para terem acesso ao lazer que lhes é negado. O não desperdício é um dever principalmente das companhias de abastecimento,  isso porque é comum observar em favelas o desperdício de água limpa em tubulações principais rompidas ou em péssimo estado de conservação. De acordo com o Sistema Nacional de Informação Sobre Saneamento (SNIS) de 2018, a Cedae apresentou mais de 30% de perdas na distribuição de água, só na cidade do Rio a perda atinge 29,5%.

Enquanto desperdícios ocorrem, à Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) divulgou em abril deste ano relatório com 550 denúncias de falta de água em favelas e bairros da Cidade do Rio e Região Metropolitana. Das 434 denúncias diretas, 11 denúncias são de comunidades do Complexo da Maré como Vila do Pinheiro, Vila do João, Parque Rubens Vaz e Nova Holanda. De acordo com o Censo Populacional da Maré lançado em 2019, 99,2% dos 47.758 domicílios do território são abastecidos com água canalizada dentro ou fora de casa. Dos 453 domicílios (0,3%) que não possuem canalização à maior parte estão no Parque Rubens Vaz, Baixa do Sapateiro, Parque Maré, Nova Holanda, Vila dos Pinheiros e Parque União. 

Na favela a luta nunca termina

A precarização do saneamento está matando e isso não é novidade, principalmente para as mulheres. Olhar para a nossa história é entender que, na favela, a concepção do direito não perpassa somente um caminho legal. O morador sabe que, se ele não lutar, ele não vai ter acesso. Monique traz esse discurso ao longo da vida:  “ainda que as pessoas não acordem e falem “hoje eu vou fazer um mutirão, eu vou lutar contra o capitalismo”, o morador tá precisando de uma coisa urgente. Ele não conta com o Estado, ele sabe que o Estado está muito longe. As formas como eles reagem à exploração do Estado é a organização, coletiva ou individual. Isso é desde da construção do Estado Brasileiro. Se a gente pensar na formação do Estado Nacional, para olhar para história do país, a gente vê que é isso: as pessoas se unindo para conquistar alguma coisa, para lutar por alguma coisa, só que isso é sempre muito apagado né. Essa história nunca é contada”.

Material de comunicação da Chapa Rosa do início dos anos 90.
Contribuições de pesquisa: Edson Diniz (NUMIM – Redes da Maré).
Chapa Rosa, de novo na luta!
Contribuições de pesquisa: Edson Diniz (NUMIM – Redes da Maré).

E essas são histórias de lutas que atravessam gerações: “eu acho que a Maré ela tem a mobilização comunitária como marca. A coletividade, a ideia de você trabalhar junto. Eu acho que isso é uma característica das favelas, dessa união. E aí eu arrisco a dizer, como hipótese, que isso é fruto da história, da memória, porque os avós lutaram, os pais lutaram. Ainda que a história não seja contada recorrentemente, mas tem uma memória que ela é ativada ali”, conclui Monique.

A reflexão é muito importante para todos nós. Ainda que estejamos o tempo todo gritando e lutando por melhores condições de vida e saneamento, é importante que façamos o exercício de pensar nas duras conquistas de grandes tubulações para o território, permitindo aos moradores acessar água potável sem precisar ir de barco até a Ilha do Fundão ou a pé até a Avenida Brasil. As lutas da Chapa Rosa são motivo de orgulho para Helena: “olhando assim para trás hoje eu me sinto orgulhosa de ver o que a gente tem hoje e saber que tudo isso começou com a Chapa Rosa, a própria Redes da Maré é a origem da Chapa Rosa. É um orgulho ver, agora, nessa pandemia, tantas buscas e tantas ajudas, então, sinto muito orgulho de ver que a Chapa Rosa não morreu.”

Dona Helena Edir em das ruas da Nova Holanda, onde mora.
Foto: Kamila Camillo


Longo e penoso caminho da educação à distância na Maré

 Falta de internet ou mesmo de um equipamento para acessar a plataforma de estudo estão entre os muitos problemas dos estudantes durante a pandemia

Por Elaine Lopes e Matheus Luiz Chagas em 05/10/2020 às 11h12

Esse texto é uma iniciativa #Colabora nessa Maré de Notícias, parceria entre o Projeto #Colabora e o Maré de Notícias.

A pandemia inviabilizou o ensino presencial, obrigando as escolas a buscar um novo modelo – e a desigualdade se mostrou em todo seu vigor, ampliando o abismo entre ricos e pobres no Brasil. Os vários dispositivos que possibilitam aulas remotas, em segurança sanitária – celular, notebook, tablet, computadores – não estão ao alcance da maioria dos moradores de favelas, carência que é só o início do problema. 

Basta ver o que acontece na Maré, maior conjunto de favelas do Rio. Maior do que 93% dos municípios brasileiros, apenas 42,4% dos 140 mil moradores têm computador, e 36,7% acessam a internet, segundo o Censo Maré, de 2013. Em outros bairros da região metropolitana da capital fluminense, 62,2% dos moradores possuem computador, e a internet chega à casa de 56,1% das pessoas, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, feita em 2013. Difícil garantir ensino remoto universal em tal cenário.

Moradora da Vila do João, uma das 16 comunidades da Maré, Ingrid Santos, mãe de duas crianças – Manuella, 8 anos, e João Marcos, 5 – sofre com os filhos e a dificuldade para acompanhar as aulas. “Tem ocasião que a internet fica dois, três dias sem funcionar; atrasa os exercícios, porque eles mandam pelo Facebook da escola diariamente”, narra ela. A falta de dispositivos também tem sido um problema. Com um único celular na casa, as crianças precisam esperar a mãe voltar do trabalho. Além disso, Ingrid não se sente em condições de ajudar nas aulas dos filhos, por ter abandonado a escola há muito tempo.

Outros desconhecimentos de pais e alunos são complicadores – muitos desconhecem as plataformas remotas por onde as aulas acontecem. Apesar de a Secretaria Municipal de Educação (SME) ter lançado um aplicativo durante a pandemia, poucos têm intimidade com esta tecnologia. A plataforma contém conteúdos direcionados para cada ano de escolaridade – da Educação Infantil à Educação de Jovens e Adultos -, e os estudantes não têm gastos com o consumo de dados para conexão. Desde o lançamento do aplicativo, foram registrados, pela Prefeitura, 6,1 milhões de acessos, número aparentemente alto, mas, se relacionado com os 641.141 estudantes da rede municipal, pode ser pouco. Se pensarmos que os estudantes precisam estar conectados, pelo menos, quatro vezes na semana, nestes 6 meses de pandemia, o volume deveria ser, ao menos, dez vezes maior. Nenhuma formação foi oferecida a pais e alunos para o uso da tecnologia.

Deuzilene Reis, conhecida por Deusa, não sabia das plataformas oferecidas pela Prefeitura. Ao ser informada pelos repórteres, tentou entrar, mas não conseguiu.  “Tenho muita dificuldade, meu esposo, que tem mais facilidade, perdeu um tempão e não conseguiu ativar o aplicativo”, relata a moradora do Conjunto Esperança. Difícil para ela e para o filho, Allan Reis Ribeiro, aluno do 6º ano da Escola Municipal Ruy Barbosa, em Bonsucesso, vizinho à Maré. Deusa acrescenta outra dificuldade. “Tem exercício que ele nunca viu, então, não sabe fazer”. Para não deixar o filho ocioso, ela formula algumas atividades e indica aulas no YouTube

Campanha que ajudou cursos pré-vestibulares de todo país

Para quem não consegue acesso às plataformas, a alternativa é utilizar as apostilas impressas nas escolas, mas é necessário agendamento prévio na direção das instituições, ou aguardar a distribuição do material ser feita pela Associação de Moradores. Ayla Macedo, aluna da Escola Municipal Ruy Barbosa, optou pelas apostilas, que imprimiu em casa por não saber onde poderia retirar o material. A mãe dela, Poliana Sousa, mesmo tendo impresso os conteúdos pedagógicos para filha, preferia que as aulas fossem remotas, o que facilitaria a rotina escolar. A escolha de Poliana só é possível porque ela tem boa conexão de internet e vários dispositivos em casa, uma exceção na na comunidade. 

Ayla estudando com as apostilas impressas em casa – Foto: Elaine Lopes

Localizado também na Maré, na Vila do Pinheiro, o CIEP Ministro Gustavo Capanema oferece aulas pelo Facebook para o Ensino Fundamental e a Educação de Jovens e Adultos. “Estamos fazendo postagens para a comunidade escolar e apoiando nossos alunos e responsáveis sobre qualquer dúvida”, diz Gisleide Gonçalves, diretora da escola desde 2016. Mesmo estando em uma plataforma popular na Maré, a adesão é baixa: 22% dos alunos do Ensino Fundamental e apenas 3% dos alunos do PEJA acessaram o serviço. A diretora atribui o problema à falta de acesso à internet. 

A presença dos pais se torna imprescindível no ensino à distância. Contudo é uma regalia que poucos conseguem oferecer, porque a maioria trabalha fora ou cuida dos muitos afazeres domésticos. 

Desafios do Enem na Maré

 Como acontece no Ensino Fundamental e na Alfabetização, a pandemia afetou também os estudos de muitos mareenses que vão prestar o Enem 2020. Ainda não há estudos que possam mostrar os impactos do ensino remoto nas favelas, porém, a PNAD Contínua, de 2019, feita pelo IBGE, informa que mais de 20% dos estudantes deixam as escolas em alguma etapa da Educação Básica no Brasil, e a tendência é o número aumentar no contexto atual. Os dados apontam também que 71,1% das evasões são de jovens negros e pardos. Os motivos são diversos:  jovens que precisam trabalhar, gravidez na adolescência e o próprio desalento. 

A professora de História Daniele Figueiredo faz parte do Curso comunitário UniFavela, que, desde 2018, prepara jovens e adultos da Maré para o vestibular. Para a professora, as falhas do ensino à distância ocorrem porque não se leva em conta a realidade dos estudantes de baixa renda: “O ensino remoto é algo novo e, por isso, tem muitas falhas, tanto por parte dos governos quanto do sistema educacional. O governo não dá nenhuma assistência. Prefere fugir da realidade como mostra a própria campanha do Enem 2020”, critica a professora.

O curso, assim como outros pré-vestibulares e escolas do Brasil, aferiu redução na frequência. O UniFavela tinha aulas presenciais de segunda a sexta-feira e aulões especiais aos sábados. “Muitos não estão conseguindo acessar as plataformas, são mães que tentam conciliar os estudos, têm os alunos que chegam cansados do trabalho e ainda precisam ligar o computador e o smartphone para assistir à aula”, lamenta Daniele.

Desde sua fundação, o curso tem como objetivo disseminar o ensino popular pela Maré. Uma das iniciativas foi o Unifacast, podcast produzido pelos próprios integrantes do curso para aprofundar debates em sala de aula e trazer reflexões sobre a educação popular. Recentemente, se juntaram ao projeto 4g para Estudar, que reuniu outros 30 pré-vestibulares comunitários no país. A cada R$ 20 doados na campanha, dois chips de internet eram garantidos para os alunos. Ao todo, R$ 600 mil foram arrecadados, e mais de 4 mil estudantes beneficiados em todo o Brasil. O curso conseguiu a doação de dois tablets para alunos que não tinham acesso às aulas. Além da campanha, foram distribuídas apostilas e folhas de redação. 

Luizy Reis prestará o Enem ainda indecisa entre História e Design, mas com a certeza de querer estudar em uma universidade pública. Com a pandemia, está passando por dificuldades para planejar os estudos. O pré-vestibular comunitário onde estuda passou a transmitir aulas remotas. “É muito diferente quando você tem uma rotina de estudo e do nada precisa se virar para compreender a matéria sozinha em casa, onde há pessoas que podem atrapalhar, e isso me faz perder o foco”, lamenta. Mas ter acesso à internet em casa ajuda. “Sigo canais que trazem resumos de matérias que vão cair no Enem. Procuro explicações para os conteúdos que preciso estudar, mas reconheço que nem todos têm esse privilégio de ter conexão em casa, graças a ela consegui manter essa rotina” comenta.

Enquanto Luizy, que estuda num curso comunitário, reconhece o privilégio do acesso à internet, Letícia Fernandes, moradora da Vila dos Pinheiros e estudante do Colégio Estadual Olga Benário, luta para conseguir o material didático. “As apostilas que seriam para ajudar na nossa preparação chegam atrasadas. Apenas recebi os materiais referentes ao primeiro bimestre, mas já estamos no terceiro. Eu me sinto despreparada em relação aos demais, por não ter acesso aos conteúdos”, constata.

Enquanto se discute o retorno às salas de aula, fala-se cada vez menos em medidas para amenizar o impacto das falhas do ensino remoto. Lições de desigualdade impostas aos pobres do Brasil.

Alternativas para brincar na pandemia

Na Nova Maré, crianças revelam criatividade para brincar e manter ciclos sociais

Por Pâmela Carvalho em 05/10/2020 às 10h30

Edição: Elena Wesley 
Fotos: Pâmela Carvalho e Douglas Lopes

Essa reportagem foi produzida com o apoio da Énois Laboratório de Jornalismo, por meio do projeto Jornalismo e Território.  

“A gente sente falta do banho de piscina!”. O desabafo de Luiz Felipe da Silva, de sete anos, exemplifica um dos efeitos da pandemia na Maré. A necessidade do isolamento social impediu que milhares de crianças e adolescentes usufruam plenamente de seu principal espaço de convívio: a rua. Sem poder brincar em grupo nem frequentar espaços de lazer e cultura como a Lona da Maré e a Vila Olímpica, os pequenos reinventam há mais de seis meses formas de garantir sua diversão em tempos tão difíceis.

Banho de piscina agitava Lona da Maré antes da pandemia. (Foto: Douglas Lopes)

A Vila Olímpica da Maré e a Lona Cultural Municipal Herbert Vianna são os únicos equipamentos públicos de lazer na favela. Na Lona, os banhos de piscina e mangueira refrescavam os dias quentes, e na Vila Olímpica, a piscina era utilizada para atividades como hidroginástica, natação e banho livre, aos finais de semana. Com a pandemia, tudo parou. 

A falta de incentivo público em espaços para lazer, esporte e cultura é um problema histórico e fez com que a população criasse suas próprias alternativas. As piscinas de plástico instaladas nas ruas são uma delas. A prática que reúne vizinhos de todas as idades já foi alvo de fake news pela imprensa tradicional, numa publicação que associava a aquisição das piscinas ao comércio ilegal de drogas. 

Enquanto os banhos de piscina são possíveis apenas de forma privada nas lajes, quintais ou ruas, crianças como Luiz Felipe criam outras opções de lazer. Junto à linha e ao papel, máscara e álcool em gel se tornaram indispensáveis para brincadeiras como “garrafão”, “pique-esconde” e soltar pipa. Jogos que não exigem muito contato também ganharam preferência. Adolescentes como Eduardo Melo dos Santos improvisam mesas de ping pong, com tábua e cabo de vassouras, para evitar o contato físico e seguir as medidas de proteção.

Eduardo e Pablo Caique jogando ping-pong. (Foto: Pâmela Carvalho)

“Eu queria voltar pra escola”

Não foi apenas o fechamento dos espaços culturais que prejudicou o lazer das crianças da Nova Maré. Eloá Cristina da Silva conta que uma de suas brincadeiras favoritas é criar formas e objetos com massa de modelar, porém a estudante de sete anos tem acesso ao material somente na escola. “Eu queria voltar pra escola pra ver meus amigos e poder brincar, mas ainda tem o Corona, né…”. Assim como todas as unidades da rede pública de educação do Rio, as 44 escolas da Maré estão fechadas desde o dia 16 de março.  

A Nova Maré, também conhecida como “Casinhas da Baixa”, é formada por um conjunto de cerca de 4,5 mil casas, arquitetado pelo Programa Morar Sem Risco, da Secretaria Municipal de Habitação. De acordo com o Censo Maré de 2013, crianças e jovens formam a maioria da população de aproximadamente 13 mil habitantes. A faixa etária de zero a 14 anos é responsável por 32,8% do total, e os moradores de 15 a 29 anos por 29,2%. O perfil aponta o quanto a Nova Maré deveria receber incentivos do poder público voltados à garantia de espaços e condições ideais para que crianças e jovens desenvolvam sua sociabilidade, redes de convívio e brincadeiras. O “brincar” é um direito de toda criança e jovem. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê o direito a “brincar, praticar esportes e divertir-se”. Mas, na Nova Maré, o que é assegurado por lei não é percebido pela população na prática.

Ilustração de Jamilly Vitória da Silva

“Agora a gente brinca em casa mesmo”

Em meio à suspensão de atividades dos escassos espaços de lazer disponíveis, restou à Jamilly Vitória, de oito anos, brincar mais em casa. Desenho, recursos audiovisuais como TV e vídeos no celular têm ajudado a divertir a quarentena. Mas conter os pequenos em casa não tem sido tarefa fácil. Enquanto Carlos Henrique da Silva, de quatro anos, experimenta um formato de corrida baseado em “pular do sofá para o chão”, sua mãe Hamana Gerônimo e sua tia Rhayane Silva se desdobram com a organização e manutenção da casa.

Frequentadora assídua da Lona da Maré, Luciana Chaves também adaptou suas principais atividades de lazer para o ambiente doméstico. A jovem de 21 anos tem revisitado brincadeiras com baralho e jogos que estimulam o raciocínio lógico. “O baralho é bom porque ajuda a pensar e a passar o tempo.”

Ilustração de Luciana Chaves, sobre suas principais atividades de lazer durante a pandemia.

“Meu squad no Free Fire é meu squad no futebol” 

Num período de poucos recursos, a criatividade fala ainda mais alto. Foi assim que Eduardo Melo dos Santos criou uma estratégia para estar perto dos amigos, ainda que à distância. Dudu, como é conhecido, recruta o mesmo grupo de amigos que costumava jogar futebol na rua onde moram ou na Vila Olímpica da Maré para jogar Free Fire, um jogo de ação e aventura muito consumido por essa faixa etária.

Moisés Miguel Silva e Kauã da Silva Santos, 16 anos, também recorrem ao celular. Ambos têm participado de partidas virtuais e consumido vídeos e tutoriais para se aperfeiçoarem nos jogos. Porém, a internet na Nova Maré não ajuda. Sinal fraco, pouca área de cobertura e pacotes de dados restritos diminuem as possibilidades de lazer virtual. Para driblar as dificuldades de conexão, os jovens dividem a internet, pedem a senha do Wi-fi de vizinhos, comércios locais e espaços de uso coletivo. 

Moisés e Kauã jogando Free Fire (Foto: Pâmela Carvalho)

Em seus estudos sobre brincadeiras afrobrasileiras tradicionais, o pesquisador e filósofo Renato Nogueira afirma que em aldeias indígenas, quilombos e outros povoados tradicionais no Brasil e no mundo, a brincadeira é vista como formadora do ser social. A identidade é construída pelo espaço coletivo, que alimenta o brincar e vice-versa. E é isso o que se percebe na favela, onde o provérbio hauçá, “para educar uma criança, todo o povo é preciso” é praticado no cotidiano. Na Nova Maré, as crianças e suas famílias têm se empenhado no processo de educar coletivamente através das brincadeiras, sobretudo em tempos adversos. Falta ao poder público se inspirar nesta inventividade e também buscar a garantia desse direito. 

Lona da Maré, um dos espaços de encontro e brincadeira para as crianças na Nova Maré, antes da pandemia. (Foto: Douglas Lopes)

Sem eles não tem cuidado: conheça o trabalho dos Agentes de Saúde na pandemia

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O Dia Nacional do Agente Comunitário de Saúde (4/10) é de luta para manter a população próxima de seus direitos básicos na Maré.

Por Thaís Cavalcante em 03/10/2020 ás 18h00

Receber acompanhamento de saúde em casa parece coisa de novela. Para a população de favela então, onde os serviços básicos custam a chegar, quase sonho. Essa é justamente a proposta do Programa de Agentes Comunitários de Saúde, que existe há mais de 30 anos para fortalecer o acesso da população mais vulnerável ao Sistema Único de Saúde (SUS).  

O programa foi implementado pelo Ministério da Saúde, cobre hoje 70% da população do país e integra as equipes de Atenção Primária. O Agente Comunitário de Saúde (ACS) é o profissional que tem o primeiro contato com o paciente antes de chegar ao hospital, em que é possível identificar os casos suspeitos de coronavírus, resolver as situações de infecção que apresentem sintomas leves e até conter o agravamento dos casos. 

Dedicados a exercer esse papel tão importante, nem dá tempo de comemorar. Neste domingo, dia 4 de outubro, é o Dia Nacional do Agente Comunitário de Saúde. Eles seguem na missão de estar próximo das pessoas, mesmo longe fisicamente. E não são poucos: cerca de 265 mil espalhados pelo Brasil. No município do Rio de Janeiro, esse trabalho é feito por mais de 4 mil Agentes.

Assim que a pandemia começou, os ACS receberam uma cartilha de recomendações para entender suas ações frente à pandemia. O material foi feito pela Secretaria de Atenção Primária à Saúde, equipe na qual os agentes fazem parte. Passar a informação certa para os moradores foi a principal estratégia orientada, além de promover a qualidade de vida às famílias, através de ações individuais ou coletivas. Seja na prevenção de doenças, acompanhando a reabilitação, cadastrando no sistema, orientando sobre os serviços disponíveis e outros. Além de ser obrigatório o distanciamento, a higienização das mãos e o uso de equipamentos de proteção.

Cuidando mesmo de longe

O Conjunto de Favelas da Maré lidera o número de covid-19 confirmados no Rio em territórios periféricos com 1.667 casos e 126 mortes, segundo levantamento do Painel Unificador covid-19 nas Favelas (02/10/20). Érica da Silva, Agente Comunitária do Centro Municipal de Saúde da Vila do João, na Maré, trabalha há seis anos e pela primeira vez precisou diminuir a visita domiciliar  e a circulação pelas ruas, becos e vielas. “Nossa rotina de trabalho mudou, né. Estamos mais presentes dentro na unidade [de saúde] passando informações de prevenção aos pacientes. No início, eles ficaram muito confusos, então esse trabalho é fundamental para ajudar as pessoas e atender suas necessidades, de alguma forma”, conta.

Ela lembra ainda que, em sua rotina antes da pandemia fazia curativos, preparava vacinação, acompanhava a melhora de pessoas debilitadas e demonstrava um cuidado enorme em cada visita. Agora o trabalho remoto é prioridade, com informações passadas na própria unidade de saúde ou por telefone. Já os pacientes da classificação de risco, como gestantes, idosos ou acamados, continuam com acompanhamento e cadastro presenciais, sem que o ACS entre no domicílio.

Leandra Santos, ACS do Centro Municipal de Saúde da Vila do João, concorda com a colega. “Nesse momento de pandemia foi um pouco delicado, porque a gente que está de frente tem uma outra visão, muitas pessoas não têm noção da proporção do problema. Tinha bastante dúvida sobre a pandemia, medo… esclarecer isso foi fundamental”, declara.

Leandra é uma das agentes mais antigas da unidade, são 17 anos de trabalho. “Como sou moradora, ser Agente de Saúde me deu a oportunidade de aproximar a minha comunidade dos serviços. Lembro que minha primeira área de trabalho foi na rua em que morava. Os meus usuários eram meus vizinhos, pessoas que me viram crescer. A gente acaba construindo uma grande família. Acompanhamos a gestação e até nos apegamos às crianças. Acredito que somos o elo da comunidade com a unidade de saúde”, conta.

Para ser um agente é preciso morar no território em que vai atuar, ter concluído o ensino fundamental e realizado um curso de qualificação básica da área. Mais do que isso, ela garante que é preciso disposição e dedicação para viver a profissão 24 horas. Seja na feira, no mercado e até no barzinho.

Serviço

Com o cenário de pandemia que ainda vivemos, um jeito seguro de demonstrar a importância da atuação desses profissionais é através do encontro virtual. A Comissão dos Agentes Comunitários de Saúde de Manguinhos preparou uma programação para a 5a Semana do ACS, iniciativa que vai contar com debates ao vivo, exibição de documentário e até entrega de máscaras de proteção para os profissionais.

Programação da Semana do ACS 2020 (on-line)

Dia 04/10 – Homenagem on-line à categoria

Dia 05/10 às 19h – Live: Apresentação do resultado do 1o Boletim da Pesquisa de Monitoramento das condições de Saúde dos ACS

Dia 06/10 às 19h – Live: ACS na linha de frente da pandemia

Dia 07/10 às 19h – Exibição do documentário: “Manguinhos resiste a mais uma enchente”

Dia 08/10 às 19h – Entrega de máscaras para ACS de Manguinhos e aula de relaxamento on-line

Dia 09/10 às 19h – Exibição do documentário: “Nossa água” e relatos de moradores e trabalhadores de Manguinhos durante a crise hídrica da geosmina no Município do RJ
Assista aqui: http://www.facebook.com/comacsmanguinhosrj

Ronda Coronavírus: Com dados equivocados, Crivella participa de debate pela prefeitura do Rio

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Prefeito diminuiu número de mortos por covid-19 e ignorou falta de medicamentos em hospitais

“Nós perdemos 8.000 pessoas, mas nenhuma delas por falta de equipamentos, médicos ou remédios.” Esta fala foi feita pelo atual prefeito, Marcelo Crivella, na noite de quinta-feira (01) durante o debate para a prefeitura do Rio de Janeiro. No mesmo dia, o Painel Rio COVID-19, com dados coletados pela Prefeitura, registrou o total de 11.024 mortes na cidade, além das 229 mortes que aguardam confirmação. 

Já a taxa de ocupação dos leitos de UTI para covid-19 na rede SUS, na capital, no dia 02 de outubro, é de 75% – tanto unidades municipais, estaduais e federais. E a rede  rede privada também contabiliza alta:  90% dos leitos para covid-19 estão ocupados, segundo Graccho Alvim, diretor da Associação de Hospitais do Estado do Rio de Janeiro.

Ao longo da crise da saúde, médicos relataram – e continuam relatando –  falta de medicamentos em diversos hospitais, como no Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, e também em Centros Municipais de Saúde como o da Vila do João. Isso sem contar com a  demissão de 7 médicos do Hospital Municipal Lourenço Jorge, em abril, por falta de condições de trabalho. Também em abril, médicos de hospital da Zona Oeste alertaram que, por falta de respiradores, a equipe teria que selecionar quais pessoas deveriam usar os respiradores e quais poderiam vir a óbito. Situação dramática que ainda acontece em muitas unidades de saúde da cidade.

Após 17 dias de média móvel de mortes em alta, o número voltou a cair no estado, chegando a 1.179 na noite de quinta-feira (01). O estado do Rio totaliza hoje (02/10) 270.395 casos confirmados e 18.665 mortes por covid-19. Desses, 106.078 casos e 11.077 mortes são na capital, segundo dados da Secretaria de Estado de Saúde. O Brasil tem registrado de março até agora 145.431 óbitos, 664 de ontem para hoje, além de 4.882.231 casos confirmados, 33.002 nas últimas 24h. No mundo, já são mais de 1 milhão de mortos e 34,4 milhões de casos confirmados da doença.

Nova fase da reabertura

Mesmo com os números em alta, a Prefeitura inicia a partir de 01 de outubro a fase 6B do plano de retomada de atividades da cidade, que terá duração de 15 dias de avaliação. O prefeito espera consciência da população – que já demonstrou não ter em praias e bares lotados –  e que usem máscara, mantenham a higienização e evitem aglomerações. 

Na fase 6B terão autorização para retorno:

  • Casas de show, com venda de ingressos pela internet, lugar marcado e limitação de 50% da capacidade de público;
  • Música ao vivo em bares e restaurantes, mas sem pistas de dança (boates ainda não têm permissão de funcionar).;
  • Cinemas e teatros podem vender comida e bebida e funcionar com 50% da capacidade;
  • Lonas e arenas culturais voltam a funcionar respeitando o distanciamento;
  • Casamentos, batizados e casas de festas infantis podem retornar com restrição de ? da capacidade;
  • Eventos de entretenimento em espaços abertos e fechados com 50% da capacidade, com exceção de rodas de samba e quadras de escolas de samba;
  • Feiras de artesanato, como a Feira do Lavradio, que já está liberada para acontecer no próximo sábado (03/10).

Como lidar com o novo normal?

Enquanto a vacina não chega, essa é a pergunta que foi feita nesta edição do podcast Maré em tempos de coronavírus. Eliana Sousa, diretora da Redes da Maré,  conversou com a psicóloga e moradora da Maré Fernanda Vieira e Maria Clara, também moradora da Maré, sobre como elas têm lidado com esse momento. Confira mais no perfil da Redes da Maré no Spotify.

#Praiou

Com mais de 10,6 mil menções no Twitter e máxima de 41°C (Climatempo) nesta manhã de sexta-feira (02), a praia foi o destino de muitas pessoas na cidade do Rio. Lembrando que embora as areias estivessem sem espaço, ainda é proibido a permanência na areia com cadeiras ou cagas, assim como também não é permitida a venda de bebidas alcoólicas e o aluguel de cadeira e guarda-sol na areia da praia.

Volta às aulas

A Justiça do Rio autorizou o retorno às aulas da rede privada a partir de 01° de outubro. Cabe ao município fiscalizar a implementação dos protocolos de saúde, assim como vai ser de responsabilidade municipal garantir a continuidade do ensino remoto aos alunos e responsáveis que assim preferirem. A rede pública ainda não tem previsão de retorno. 

Nenê do Zap

Não são apenas as mamães que precisam interagir com os nenês. A presença dos papais desde o início de suas vidas é muito importante para o desenvolvimento dos pequenos. Saiba mais na dica de hoje.