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Ronda Coronavírus: decreto da Prefeitura restringe abertura de comércio nas favelas

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Iniciativa que promove diálogo entre adultos, bebês e crianças terá conteúdo disponibilizado no Maré de Notícias

Nas últimas 24h, foram confirmadas no país 881 mortes em um novo recorde de óbitos. A Secretaria Municipal de Saúde informou no fim desta terça-feira, 12 de maio, que são 10.816 casos confirmados na cidade. As favelas da cidade reúnem 362 casos e 114 óbitos. Só a Rocinha, que tem a maior quantidade de casos em favelas do estado, tem mais mortes confirmadas por COVID-19 que 860 cidades do Brasil. A Maré tem 38 confirmados e 7 óbitos. Bonsucesso e Ramos, bairros vizinhos, têm juntos 164 confirmados, e 30 óbitos.

O prefeito Marcelo Crivella anunciou na última segunda-feira, dia 11 de maio, novas medidas para reforçar o distanciamento social na cidade. Dentre elas, o fechamento do comércio nas favelas do Rio. Com exceção de farmácias e mercados, fica proibido do dia 12 ao dia 18 de maio, o funcionamento de todo comércio nas favelas da cidade. Como já noticiado pelo Maré de Notícias, o comércio nas favelas da Maré são, de fato, agentes que favorecem a aglomeração no território. Também fazem parte do pacote de medidas anunciadas pelo prefeito o fechamento de bares em toda a cidade.

No entanto, nesta terça-feira, já com a medida da prefeitura em vigor, boa parte do comércio não essencial na Maré continuou funcionando normalmente. No Parque União, identificamos lojas com atendimento pelo lado externo, com a utilização de cordas para limitar a entrada das pessoas, e a obrigatoriedade do uso de máscaras no interior das farmácias. A loteria da Caixa, da Rua Teixeira Ribeiro, voltou a funcionar, e no momento da nossa ronda, a fila era bem grande. A prefeitura suspendeu por sete dias a realização de apostas nas casas lotéricas. Ao todo, a Maré tem 3.182 empreendimentos segundo o Censo da Maré. 

A prefeitura também divulgou nesta terça-feira (12) que câmeras da CET-Rio vão passar a monitorar distanciamento entre as pessoas nas ruas. As 489 câmeras que normalmente monitoram o trânsito da cidade, contarão com um detector de aglomerações e o Disk-Aglomeração da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop) será acionado quando o software detectar aglomerações entre pessoas com 0,75m de distância entre si. O governador Wilson Witzel determinou que a Polícia Militar auxilie os municípios do Estado que decretarem o lockdown (ou confinamento obrigatório). A determinação foi feita em uma publicação do Twitter do governador. Um decreto deve ser publicado nos próximos dias.

A partir de hoje, 12 de maio, o conteúdo da iniciativa “Nenê do Zap” também estará na Ronda diária do Maré de Notícias. As dicas para as famílias sobre a primeira infância em época de pandemia também ganhará uma coluna mensal no jornal. Conheça o “Nenê do Zap”, um incentivador de conversas e interações entre pais, mães, familiares e cuidadores e crianças até os seis anos de idade na matéria de Jéssica Pires para o Maré de Notícias Online. E partir de amanhã, de segunda a sexta, teremos dicas para as mamães e papais lidarem com os pequenos de forma mais tranquila durante a pandemia. A equipe da Campanha Maré diz NÃO ao Coronavírus continuou nesta terça-feira o trabalho de entrega de álcool gel nas casas dos moradores da Nova Holanda, em conjunto com a Associação de Moradores local. Mais informações sobre a campanha podem ser conferidos no site: http://redesdamare.org.br/br/quemsomos/coronavirus

Mais diálogo entre adultos, bebês e crianças no Maré de Notícias

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O projeto “Nenê do Zap” alcança mais de 4 mil familiares e cuidadores durante a pandemia e agora terá o conteúdo disponibilizado no site do Maré de Notícias Online

Jessica Pires

Para um bom convívio diário, é importante desenvolver o diálogo com aqueles que convivem na mesma casa, principalmente com as crianças de até 6 anos, a chamada  primeira infância. Durante a pandemia do novo coronavírus, esse diálogo se torna ainda mais importante, já que essa parte da infância é considerada uma das mais importantes na formação de uma pessoa. Pensando neste  desenvolvimento, o projeto “Nenê do Zap”, que recebe curadoria da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, de São Paulo, disponibiliza dicas sobre a primeira infância para familiares e cuidadores que tenham interesse, via WhatsApp, gratuitamente. A iniciativa, que foi lançada em março de 2020, já alcança uma base de 4.300 contatos. A ideia surgiu com a identificação da importância do diálogo e interação com crianças na primeira infância, e é sem fins lucrativos.

A imagem pode conter: texto que diz "no Brasil e criançada em casa: E AGORA? Vamos nos proteger!"

A partir de hoje, 12 de maio, o conteúdo do “Nenê do Zap” também estará na Ronda diária do Maré de Notícias sobre o coronavírus com dicas para as famílias sobre a primeira infância em época de pandemia. O conteúdo também ganhará uma coluna mensal no jornal e será um incentivador de conversas e interações entre pais, mães, familiares e cuidadores e crianças até os seis anos de idade. Serão dicas e informações via WhatsApp e agora também via Maré de Notícias sobre cuidados, conversas e brincadeiras que podem ser feitas no dia a dia da criança. Em tempos de coronavírus, as informações, conhecimento e dicas para as famílias têm sido especiais sobre o assunto, incentivando hábitos de cuidado com os nenês e crianças em casa. 

“Conversa e interação são muito importantes para o desenvolvimento saudável de nenês e crianças. Isso porque 90% do nosso cérebro se desenvolve até os seis anos de idade. Bebês já nascem se comunicando e aprendendo muito na relação com os pais, familiares, cuidadores e o mundo ao redor”, destaca Sarah Maia, analista de comunicação da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. Segundo Sarah, crianças que crescem nesse contexto de interação são mais confiantes, e o objetivo da iniciativa é fortalecer esse processo. 

De acordo com Anna Maria Chiesa, Professora da Escola de Enfermagem da USP e consultora da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal da gestação até os 6 anos de idade, a interação é fundamental para que as crianças criem seu repertório de linguagem, por exemplo. “A convivência social é fundamental para que todo esse processo de desenvolvimento cognitivo, social e emocional se estruture da melhor maneira possível”, reforçou Anna.

A equipe do Nenê do Zap sinalizou o crescimento das inscrições no projeto na pandemia. Com o início das recomendações das autoridades médicas sobre distanciamento social, o conteúdo passou a ser dedicado com dicas de cuidado com a saúde, informação e conhecimento para que as famílias também cuidem da saúde emocional e possam enfrentar essa crise da melhor forma, considerando as diferentes realidades das famílias.

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De acordo com Sarah, há também um diálogo com coletivos  ligados aos movimentos da periferias de São Paulo para ouvir e entender as demandas de famílias periféricas, incluindo-as nos conteúdos do Nenê do Zap. O Maré de Notícias agora é parceiro do Nenê do Zap. As dicas da iniciativa estarão disponíveis no site do jornal e também nas redes sociais da Redes da Maré. Acompanhe, e para saber mais sobre o Nenê do Zap, acesse também www.nenedozap.com.br ou as redes do Nenê (Instagram e Facebook). E para receber as dicas semanais é só mandar um “oi” no WhatsApp do Nenê pelo número (11) 99743-8964.

Ronda Coronavírus: Favelas cariocas já somam 315 casos e 100 mortes

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Maré é a segunda favela com maior número de casos confirmados

A cidade do Rio de Janeiro nesta segunda-feira (11) chegou a 10.619 casos confirmados e 1.172 mortes por coronavírus., segundo o Painel Rio COVID-19. Em todas as favelas do Rio, os casos confirmados chegaram a 315 e 100 mortes. De acordo com o portal Covid nas Favelas, do Voz das Comunidades, a Rocinha é a que apresenta os maiores números, com 92 casos confirmados e 36 mortes, e é seguida pela Maré, com 39 casos confirmados e 9 mortes. O boletim De Olho no Corona, da Redes da Maré, já contabilizou até o dia 3 de maio pelo menos 140 casos e 16 mortes. 

O coletivo Voz da Comunidade também lançou hoje um aplicativo para o celular, tanto para IOS quanto pra Android. A ideia é disseminar as informações da pandemia nas favelas pra o maior número de pessoas, e assim pressionar o poder público para garantia de políticas públicas efetivas para as populações de favela.

Na favela da Nova Holanda, uma das 16 da Maré, frascos de álcool gel foram distribuídos pela campanha Maré Diz Não ao Coronavírus, da Redes da Maré. A entrega foi feita em parceria com a associação de moradores da Nova Holanda.

O  Hospital de Campanha do Maracanã, na Zona Norte do Rio, começou a receber na noite deste sábado (09) os primeiros pacientes do SUS infectados pela Covid-19. A unidade, inicialmente, funcionará com capacidade para 170 leitos, 50 deles de UTI. Os outros 230 serão entregues à população ao longo da próxima semana. Ao todo, dos 400 leitos, 160 serão de UTI. 

A Caixa Econômica Federal está aguardando o governo federal divulgar novo calendário para detalhar pagamento da segunda parcela do Auxílio Emergencial. Nesta segunda-feira deveria chegar um novo lote da Dataprev e do Ministério da Cidadania com as respostas dos pedidos de auxílio que estão ainda em análise.

A Prefeitura do Rio, por meio da Secretaria Municipal de Educação, atualizou nesta segunda-feira (11) as atividades do aplicativo SME Carioca 2020 para os alunos da Rede Municipal estudarem durante o período de suspensão das aulas. Agora, os estudantes têm uma série de atividades de todas as disciplinas programadas até o dia 15 de maio. O aplicativo oferece conteúdo pedagógico para todos os segmentos, da Educação Infantil ao Programa de Jovens e Adultos. De fácil manuseio, pode ser baixado via celular e computador pelo endereço eletrônico e no site da MultiRio, produtora de conteúdos educativos.

Estão abertas as inscrições para artistas, comunicadores sociais ou produtores culturais moradores da Maré para chamada pública de bolsas de até dez mil reais. Serão escolhidas 31 propostas que tratem de temáticas relacionadas ao coronavírus, confinamento, saúde e prevenção. As inscrições vão até o dia 23 de maio. Mais informações no edital. E o Maré de Notícias continua com a campanha de arrecadação para a capacitação e renda para jovens comunicadores da Maré que tenham interesse em escrever sobre Covid-19. A cada real doado, a Fundação Tide Setubal doará mais R$2 para possibilitar a geração de renda para o comunicador popular. Para fazer a sua doação, é só clicar aqui. Ajude a comunicação de favelas e periferia!

COVID-19 derruba comércios

Nas favelas da Maré, a população segue circulando pelas ruas, mas estabelecimentos estão mais vazios

Maré de Notícias #112 – maio de 2020

Hélio Euclides

O prefeito Marcelo Crivella determinou, no dia 24 de março, o fechamento obrigatório de parte do comércio da cidade como mais uma medida para conter a propagação do novo coronavírus. Pouco mais de um mês, o que se percebe na Maré, como em outras favelas do Rio, é o comércio aberto e muitos moradores caminhando, naturalmente, nas ruas. O não cumprimento do distanciamento social pode trazer o perigo da aceleração no número de moradores contaminados pelo coronavírus.

Diante de depósito aberto, funcionário da Comlurb realiza campanha de limpeza em ruas de maior circulação da Maré – Foto: Hélio Euclides

O fechamento das lojas na cidade foi parcial, com autorização de abertura de farmácias, supermercados, hortifrútis, padarias, pet shops, postos de gasolina e lojas de equipamentos médicos e ortopédicos. Já em um outro decreto, do dia 22 de abril, a Prefeitura do Rio de Janeiro determinou a suspensão, durante 10 dias, das 162 feiras livres, como forma de evitar aglomeração.

Luiz Henrique Mandetta, quando ainda era ministro da Saúde, afirmou que a economia iria sofrer muito mais se o sistema de saúde entrasse em colapso. Um dos motivos de sua exoneração foi a defesa do isolamento social, como precaução a um colapso na saúde, com ausência de leitos para internação, algo que já ocorre na cidade. Para o ex-ministro, se não fosse cumprido o distanciamento, a medida a ser tomada seria a quarentena horizontal, com o fechamento de estabelecimentos considerados essenciais, como ocorre em países da Europa.

A antiga gestão do Ministério da Saúde seguia a linha da Organização Mundial Saúde (OMS) para combater o coronavírus, enquanto o presidente Jair Bolsonaro continua defendendo a flexibilização do confinamento e a volta à normalidade para o comércio. Em entrevista ao Canal CNN Brasil, no dia 16 de abril, ele afirmou que o ideal é o comércio funcionando a todo vapor, como ocorre nas favelas cariocas, como em Rio das Pedras e Rocinha.

Anthony Fauci, epidemiologista, em entrevista ao programa Good Morning America, advertiu que, nos Estados Unidos e em qualquer outro lugar do mundo, a reabertura dos comércios e serviços não trará recuperação econômica enquanto o vírus não estiver sob controle. Completou, ainda, que suspender as medidas de isolamento é um ato negativo.

O isolamento social e a economia local

Comerciantes sentem o impacto realizado pelo novo coronavírus. O Maré de Notícias ouviu comerciantes das 16 favelas da Maré, e o relato foi que a pandemia impactou diretamente as vendas, trazendo prejuízos aos estabelecimentos, apesar das lojas estarem abertas. São poucos os clientes, pois os moradores, mesmo saindo às ruas, estão direcionando os seus gastos basicamente à alimentação.

Com os estabelecimentos fechados pela cidade, comerciantes acreditavam que as lojas da favela iriam lucrar com a situação, o que não ocorreu. “Tem comerciante que está entrando em desespero. Eu tenho angústias, pois quero trabalhar e não posso sair de casa”, diz Nevinha, comerciante de roupas em Ramos.

Alguns comerciantes entrevistados relataram respeitar o isolamento e a medida de fechamento de serviços não essenciais inicialmente, mas destacam a necessidade de voltar a trabalhar, apesar do medo. “Fiquei quase dois meses sem abrir. Nem queria voltar, mas preciso pagar as contas. Alguns comerciantes são mais gananciosos, precisam perceber a necessidade de criar formas de prevenção para todos, como o uso de máscara e luvas”, conta Meri, que tem uma loja de flores no Parque União. Eliane Domingos, comerciante com loja de drenagem e limpeza de pele, na Vila do João, ficou um período sem trabalhar. “A solução foi voltar, pois pela primeira vez não tive como pagar minhas contas, nem o auxílio emergencial foi liberado”, reclama. Ela acredita que o comércio poderia abrir em dia intercalados, para diminuir os números de moradores nas ruas.

“Trabalho com conserto de pula-pula [cama elástica] e mochilas. Desde que começou a quarentena, não consegui consertar mais nada. Não está tendo festa, com isso não há aluguel de brinquedos”, expõe Kátia Lapa, do Conjunto Pinheiro. Por outro lado, o isolamento já começa a ser aceito por moradores. “Eu fico em casa, não saio, estou no grupo de risco. Meu filho, quando precisa sair, é sempre com o uso do álcool em gel. Como ele é atleta, faz exercícios em casa”, conta Beth Pereira, de 55 anos, moradora do Salsa e Merengue.

Mas nem tudo é prejuízo: com o coronavírus, surgem pessoas que conseguiram ganham com a situação. Andrea Moreno, comerciante de um mercado no Salsa e Merengue, relata que antes o álcool em gel não era procurado, por isso custava pouco mais de R$ 10,00. Hoje, os fornecedores aumentaram o valor, com o acréscimo repassado para o consumidor. Agora ela vende o frasco de 450 mL pelo preço de R$ 27,50.

Isolamento, relações econômicas e sociais

Para Shyrlei Rosendo, mestre em Educação e Políticas Públicas e integrante do Eixo de Segurança Pública e Acessos à Justiça da Redes da Maré, o isolamento social nas favelas é difícil. “Essa dificuldade passa por questões econômicas, sociais e culturais. No que diz respeito à economia e a questões sociais, temos aí o direito a ter uma alimentação e acesso a materiais de higiene, o que se tornou bem difícil diante a pandemia, já que pessoas perderam seu emprego ou estão recebendo um valor abaixo dos seus salários”, avalia.

Outra questão que Shyrlei apresenta é a moradia na favela, onde algumas casas são pequenas e com pouca circulação de ar. Isso prejudica a tarefa de cumprir a quarentena dentro de apenas um cômodo, mas reconhece a importância de se ficar em casa nesse período. “Nós, favelados, viemos de uma sociabilidade de ficar na rua, brincar na porta de casa, visitar amigos, ir ao bar e fazer churrasco… Agora temos de romper com isso para que a pandemia passe logo.”.

Usando máscara, comerciante segue abrindo sua barraca de lanches, localizada em frente à UPA Maré – Foto: Douglas Lopes

A grande quantidade de pessoas nas ruas não é só por uma questão econômica e cultural. A pesquisadora acredita que, em especial, se os bares estivessem fechados, uma parte das pessoas não teria para onde ir. “Mas quem tiver a fim de uma resenha, de tomar uma cerveja, vai dar um jeito para se encontrar. Tem gente que vai pra rua, com ou sem comércio fechado”, comenta. Apesar de ainda ter movimento nas ruas, é possível perceber alguns locais da Maré com menos gente. Na opinião de Shyrlei, as pessoas estão com medo do coronavírus e sem grana.

Para Daniel Soranz, doutor e mestre em Saúde Pública, professor e pesquisador da Fiocruz, é preocupante as pessoas não estarem cumprindo o distanciamento social. “Não se pode cancelar o isolamento se não organizar o sistema de saúde. A Favela da Maré está com unidades de atendimento primário com fragilidade, com equipes reduzidas e ausência de testes. Assim, fica difícil identificar qual região do bairro tem mais contágio e direcionar a higienização específica. É preciso saber o vínculo imunológico da circulação do vírus”, conta.

“A cidade precisa se organizar. Ocorreu um caso de remoção de um doente de coronavírus da UPA do Alemão para a Unidade da Maré; esse paciente deveria ir para um hospital”, diz. Para o pesquisador, o ideal é se criar polos para receber doentes nas favelas. A Rocinha e Manguinhos já avaliam a criação desses espaços, e a Maré precisa também entrar nessa discussão, com um polo em alguma quadra de esportes.

Sobre economia, Daniel percebe que o comércio fechado para muitos é difícil, pois ficar sem trabalhar é insuportável. Ele acredita que o isolamento às cegas não vai durar por muito tempo. É necessário organizar o sistema de saúde e realizar a testagem em grande escala, pois só assim é possível saber o número de contaminados, os assintomáticos e evitar a disseminação da COVID-19.

Por determinação da Prefeitura do Rio, feiras livres ficaram 10 dias suspensas – Foto: Douglas Lopes

Subnotificação de casos: a Maré é bairro!

Números oficiais de casos divulgados da COVID-19 não refletem a realidade da Maré

Maré de Notícias #112 – maio de 2020

Jéssica Pires e Dani Moura

A Maré é formada por 16 favelas que reúnem mais de 140 mil moradores em 5,79 km² de área, sendo um morro. cuja população supera a de municípios do estado do Rio de Janeiro, como Queimados e Maricá, por exemplo, que contabilizam, de acordo com o Censo do IBGE de 2010, 137.962 e 127.461 habitantes, respectivamente. Há favelas na Maré com mais de 20 mil moradores, como é o caso do Parque União, e outras, que concentram mais de três moradores em um mesmo domicílio, em média, como o Conjunto Bento Ribeiro Dantas e a Nova Maré. Domicílios que em grande maioria não passam de três cômodos.

Até o momento do fechamento desta matéria (04 de maio), a Maré tinha 30 casos confirmados de coronavírus, e seis óbitos, de acordo com o Painel Rio COVID-19, que concentra e divulga as informações das secretarias de saúde sobre os casos do novo coronavírus. Contrapondo os dados oficiais, diariamente são vistos relatos de moradores nos grupos de WhatsApp da Maré, informando sobre óbitos de pessoas com síndromes respiratórias. O movimento de uma possível subnotificação também acontece em outras favelas do Rio: o Jornal Voz das Comunidades publicou, em uma rede social no último dia 20 de abril, que o Complexo do Alemão tem mais de mil casos suspeitos de coronavírus. O levantamento foi feito por profissionais da Clínica da Família Zilda Arns. O Painel da Prefeitura contabiliza apenas quatro casos na região.

A possibilidade de existir subnotificação é confirmada pelo Ministério da Saúde e por inúmeros estudos de instituições consagradas, como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Como não há testagem em massa, boa parte dos doentes assintomáticos ou com sintomas leves não chega a ser testada.

Duas clínicas particulares da Maré que estão realizando testes de COVID-19 cobram cerca de R$200 por testagem – Foto: BERNADO PORTELLA / FIOCRUZ

As evidências indicam, no entanto, que até mesmo o número de mortes de casos graves de coronavírus é maior do que o confirmado oficialmente a cada dia, pelo Ministério da Saúde e as secretarias estaduais. É o que mostram alguns dados do Portal de Transparência dos Cartórios do estado do Rio. Em comparação com 2019, houve um aumento de 2.500% do número de mortes por síndrome respiratória grave, uma das consequências da COVID-19 no corpo. Outro dado relevante é o aumento de 8.533% do número de mortes sem causa definida.

Um estudo da Fiocruz mostrou um aumento expressivo nas internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) este ano, no Brasil, em comparação com a média dos últimos 10 anos. Na contagem da Fiocruz, até 4 de abril deste ano, o Brasil teve 33,5 mil internações por SRAG, muito acima da média desde 2010, de 3,9 mil casos. Mesmo em 2016, quando houve um surto de H1N1, foram registrados 10,4 mil casos no mesmo período do ano.

Diante risco de contaminação por COVID-19, alguns atendimentos estão acontecendo na área externa das unidades de saúde da Maré – Foto: Douglas Lopes

Na Maré, a subnotificação é visível na UPA, com maior movimentação de ambulâncias e relatos de moradores. Segundo funcionários da unidade, que preferiram não se identificar, são atendidas cerca de 30 pessoas por dia com sintomas do novo coronavírus na unidade. Porém, como a indicação é que testes e internações sejam realizadas apenas em casos de sintomas graves ou gravíssimos, a recomendação é que as pessoas se isolem em suas casas.

De acordo com informações coletadas pela equipe de Serviço Social da Redes da Maré, as Clínicas da Família têm a recomendação de seguir o acompanhamento on-line com as pessoas que retornam para casa. Porém, não foi a realidade vivenciada por Felipe Afonso, morador da Nova Holanda: “Eu já não aguentava mais de dor no corpo, tossindo muito, febre altíssima, sem olfato, sem paladar. Então, no dia seguinte, fui ao posto e o médico me atendeu, passou Azitromicina e Novalgina, e me recomendou ficar em casa. Até o momento, ninguém entrou em contato comigo, faz 11 dias.”

“Meu pai fez uma tomografia no Evandro Freire no dia 20, dia em que foi internado. Pela tomografia, diagnosticaram a COVID. Só que o exame de sangue levava de 5 a 10 dias para o resultado. Quando aconteceu tudo (a notícia do óbito), dia 27, a menina do Ronaldo Gazolla disse que o resultado do exame de sangue ainda não tinha saído, e o óbito sairia como pneumonia viral com ‘suspeita de corona’, que depois eu poderia acionar pra poder trocar. Mas eu disse pra ela: ‘no que isso vai mudar?’” Esse foi o relato de Michele Araújo, moradora do Rubens Vaz, sobre a informação de tipo de morte que constou na certidão de óbito do pai, Olavo Pereira, de 64 anos. A morte de Olavo, portanto, não conta como um caso de coronavírus. A rapidez com que os casos têm evoluído e o tempo de testagem também contribuem para o processo de subnotificação.

Clínicas particulares

Outro cenário que fortalece a possibilidade de haver subnotificação, em especial na Maré, é o da realização de testes em clínicas particulares. Ainda na 3ª semana de recomendação de distanciamento social, quando a Maré registrava apenas oito casos, de acordo com as secretarias de saúde, o Centro Médico e Odontológico Popular Pinheiro, da Vila dos Pinheiros, já havia realizado 22 testes, com sete deles com resultado positivo para a COVID-19. De acordo com a responsável de uma outra clínica particular da Maré, que preferiu também não se identificar, os laboratórios particulares só têm autorização para passar informações sobre os casos para a Secretaria Municipal de Saúde.

A publicitação dos casos confirmados é de responsabilidade das secretarias municipal e estadual de saúde, após compilação dos dados digitados nas plataformas oficiais nas Unidades de Saúde. É o que conta Mirza Rocha de Figueiredo, médica epidemiologista do Núcleo Hospitalar de Epidemiologia do IFF/Fiocruz.

A Secretaria Municipal de Saúde informou que as notificações de casos confirmados de COVID-19 levam em consideração o endereço informado no momento do atendimento. A comunicação do Hospital Federal de Bonsucesso e do Hospital Municipal Evandro Freire, da Ilha do Governador, confirmaram que seguem esse padrão no processo de notificação. As equipes da Secretaria Municipal de Saúde informaram, também, que estão atentas às classificações territoriais e trabalham, continuamente, para identificar os casos em comunidades.

Bairros vizinhos da Maré

Enquanto a Maré, com mais de 140 mil habitantes, apresentava 30 casos e seis óbitos por COVID-19, bairros próximos, cujo número populacional é inferior ao da Maré, têm apresentado grande número de casos. Assim acontece com Bonsucesso, bairro que atende às principais demandas das favelas da Maré, como agências bancárias. O bairro tem cerca de 18 mil moradores, segundo o Censo IBGE de 2010, e apresentava 81 casos e 10 óbitos, em 02 de maio. Estes dados apontam um outro fator que favorece a subnotificação: muitos moradores que são atendidos em clínicas e hospitais fora da Maré identificam os seus endereços como bairros vizinhos e, não, Maré.

Cabe ressaltar a importância de os moradores da Maré identificarem os seus endereços residenciais, fazendo referência à Maré como seu bairro de origem, no momento do cadastro de atendimento nos hospitais e centros de saúde. Dessa forma, os dados poderão ser direcionados de forma correta nos bancos de dados dos hospitais.