Home Blog Page 418

Operações Policiais à noite descumprem Ação Civil Pública na Maré

0

Em um intervalo de 15 dias, duas operações policiais surpreenderam moradores durante a noite, dificultando o retorno para casa

Moradores relataram duas operações policiais noturnas realizadas pelo Batalhão de Operações Policiais (BOPE) na duas últimas semanas. A primeira aconteceu no dia 29 de janeiro, compreendeu as favelas Baixa do Sapateiro e Morro do Timbau e aconteceu de 23h30 a 2h30. Já a segunda, nesta última quarta, 12 de fevereiro, começou por volta das 21h20 e se estendeu até às 01h, atingindo as favelas da Nova Holanda e Parque Maré. 

Na operação de 29 de janeiro, moradores relataram muitos tiros e palavras de ordem por parte da polícia militar dizendo que entrariam para matar. De acordo com informações, esta operação foi uma retaliação pela morte de um policial do Batalhão do Caju. Duas pessoas foram baleadas.

Nesta quarta (12), uma mulher foi baleada na barriga enquanto retornava da igreja nas esquinas das ruas Joaquim Nabuco e Princesa Isabel (Parque Maré). Além disso, um morador teve a moto alvejada por um tiro de fuzil de um dos agentes de segurança. Houve relatos de invasões a domicílios e danos materiais. 

Devido ao horário, tanto do início quanto do fim da operação, moradores relataram ter dificuldades ao dormir durante a noite, receosos com algum tipo de invasão policial em suas casas.

A Assessoria da Polícia Militar justificou a operação como uma medida necessária, apesar de não apresentar uma motivação mais concreta para a realização da mesma. A operação descumpriu determinações judiciais, tendo em vista que a Ação Civil Pública da Maré destaca que não foi identificada a presença de ambulância durante a operação, o que facilitaria no socorro da pessoa ferida.

Dudu: Um sorriso no rosto

0

Dudu leva alegria a todos por meio de livros, internet e associação por Pessoas com Deficiência da Maré

Hélio Euclides

Luiz Eduardo, de 9 anos, é uma criança cativante e muito feliz. Morador da Vila do Pinheiro, Dudu divide-se entre a sua mini biblioteca em casa, o canal O Dudu Feliz, onde mostra simpatia e motivação, e a Associação Especiais da Maré, coletivo de familiares que tem algum na família alguma Pessoa com Deficiência (PcD). Sua mãe, Valéria Viana, agradece a Deus o presente que ganhou, já que seu filho nasceu um dia depois de seu aniversário.

Valéria estava com cinco meses de gravidez quando descobriu durante os exames que o seu bebê teria Síndrome de Arnold-Chiari, uma má formação no sistema nervoso que interfere no equilíbrio. Os médicos recomendaram um aborto legalizado, pois ele estava com uma lesão na coluna. Ela tentou uma segunda opinião e foi ao Instituto Fernando Figueira, onde explicaram que não seria fácil, mas que estariam junto a ela. Ele nasceu com hidrocefalia, que é caracterizada pelo acúmulo de líquido cefalorraquidiano nos ventrículos cerebrais, mielomeningocele, um defeito congênito que ocorre quando os ossos da coluna não se formam completamente, e pé torto. Ficou um mês no hospital.

Dudu já perdeu as contas de quantas vezes explicou o motivo de andar de cadeira de rodas. Em muitas ocasiões ele responde, simplesmente, que nasceu assim. Ele acredita que o importante é que as pessoas entendam que todos somos diferentes e precisamos ser aceitas. Dudu já fez quatro cirurgias e tem acompanhamento trimestral do Hospital de Reabilitação Sarah, centro de neurorreabilitação e neurociências localizado na Barra da Tijuca. Além dos tratamentos externos, de quatro em quatro horas ele é submetido a um cateterismo uretral para esvaziar a bexiga e evitar infecção. A mãe reclama que é difícil achar um banheiro adaptado. “O deficiente não pode por causa disso desistir, precisa sair de casa e nunca se abater”, afirma Valéria. 

A leitura como aliada

Aos seis anos descobriu o mundo dos livros. Seu livro marcante foi O Menino Só, da autora Andrea Taubman, que soube da história de Dudu e o conheceu. A partir disso, ele começou a pedir livros pelas redes sociais e com isso, montou uma mini biblioteca em casa. Assim, ele começou a emprestar e trocar livros. “Eu era um menino só, mas depois que comecei a ganhar livros, eu não me sinto mais assim”, conta. 

No Into (Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia), conheceu a Doutora Germana Bahr, coordenadora do setor pediátrico, que lhe apresentou o Programa Fortalecer. O projeto faz uma parceria com o site Devoradores de Livros, que incentiva a leitura para os pacientes. Dudu resolveu participar e levou o prêmio de maior devorador em 2018, lendo mais de cem livros. Os livros passaram a ser seus companheiros inseparáveis. Ele lê em casa, nos passeios e durante seu tratamento no instituto. Depois disso, Dudu também chegou à internet e já é bastante conhecido nas redes sociais. Seu instagram conta com mais de mil seguidores. “O meu objetivo é incentivar a galera a ser feliz e ler. Antes me sentia só e o hoje o livro me faz viajar”, explica. Ele é um incentivador dessa felicidade, com o seu canal no Youtube e rede social instagram. 

Dudu e sua mãe, Valéria Viana , em um dos encontros do grupo Especiais da Maré

Mobilidade: um direito a todos

Dudu se diverte bastante andando pela favela e batendo papo. “Não quero que ele seja o centro das atenções, mas que seja respeitado”, desabafa Valéria. Ela diz que para o seu sustento recebe o LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social), que é um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência, mas que não é suficiente. Ela detalha que uma cadeira de rodas de qualidade custa R$1.800. “Só o cinto de uma cadeira de rodas custa 300 reais. A almofada é feita sob medida. Agradeço às pessoas que ajudam como Andreia Torres, do Grupo Soma de Amor, o Especiais da Maré e a One By One, que ajuda crianças com deficiência doando cadeiras de rodas”, diz. Ela para brigar pelo Dudu, já pediu ajuda à Defensoria Pública para conseguir fraldas e insumos.

O sonho do Dudu é uma cidade acessível, um local de maior qualidade para a pessoa com deficiência. “Não me sinto diferente por causa da cadeira, mas preciso me adaptar às ruas esburacadas e as calçadas tomadas pelos comércios na Maré. Algumas vezes a minha mãe entra na loja e eu fico do lado de fora esperando, pois nem todos os locais tem rampa”, fala. Para Valéria, a locomoção fora da Maré também é complicada, pois além de passagens caras, entregam um produto precário. “Os elevadores dos ônibus estão sempre ruins e os motoristas alegam que as empresas não permitem que eles ajudem. Já fui impedida de entrar num ônibus. Um motorista não queria que ninguém ajudasse e disse para aguardar um próximo veículo. Me senti super constrangida, mas com a ajuda dos passageiros consegui subir com o Dudu. Acredito que não querem que saiamos de casa”, reclama. 

É preciso respeito aos passageiros

Mediante situação contada por Valéria, que é a realidade de diversas outras pessoas com deficiência, entramos em contato com as assessorias de órgãos ligados à mobilidade urbana e a pessoas com deficiência.  

Por nota, o Rio Ônibus declarou que todos os veículos das empresas do Município do Rio possuem equipamentos que proporcionam acessibilidade aos passageiros com deficiências. Os defeitos nos equipamentos podem ocorrer durante as viagens, fazendo com que os veículos sejam encaminhados imediatamente para a manutenção. Por fim, o motorista só deve sugerir aguardar outro ônibus caso o equipamento apresente falha de operação.

Já a Secretaria Municipal de Transportes informou os equipamentos são fiscalizados com frequência para garantir que não haja dificuldades ao embarcar nos ônibus. Reforçou a importância da participação dos usuários para registrar irregularidades por meio do telefone 1746, para que o consórcio responsável faça os reparos necessários. A secretaria, assim como a Rio Ônibus, reforçaram que é obrigação das empresas orientar os motoristas sobre a operação do equipamento de acessibilidade.

A Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Tecnologia mencionou a realização de uma ação chamada Blitz Rio + Acessível voltada exclusivamente para fiscalização de ônibus. O trabalho feito em conjunto com a Secretaria Municipal de Transportes retirou de circulação mais de 80 veículos impróprios para uso. A secretaria busca uma aproximação com as empresas no sentido de fazer a conscientização das mesmas quanto aos direitos das pessoas com deficiência.

Você sabia?

No passado, a sociedade se apropriava de palavras preconceituosas e pejorativas para se referir a Pessoa com Deficiência (PcD). Somente em 1981, que foi tido como o ano Internacional da Pessoa com Deficiência, que essa realidade começou a mudar e, finalmente, implantou o termo correto. Em 2010, a Portaria 2.344/2010 da Secretaria dos Direitos Humanos, o termo PNE (Portador de Necessidades Especiais) foi oficialmente alterado para PcD. A mudança ocorreu ao observar-se que a deficiência não se porta, não é um objeto, mas tendo em vista que a deficiência faz parte da pessoa.

Para saber mais sobre a Associação Especiais da Maré, leia matéria feita na edição 109 do jornal Maré de Notícias, disponível também em nosso site.

Minha roupa é de Carnaval, meu cabelo é igual

0

Quais são as maiores tendências de cabelo e roupa para curtir o Carnaval 2020? A Maré tem os profissionais e lojas perfeitos para te fazer brilhar na folia

Maré de Notícias #109 – fevereiro de 2020

Flávia Veloso

O Maré de Notícias consultou especialistas em moda e barbearia na região, para dar as dicas que vão fazer o corpo e a cabeça da galera no Carnaval 2020. Com que roupa você vai cair no samba? Seja de body ou shortinho, de cabeleira, cabeluda ou descabelada, o importante é cair na folia!

O samurai das navalhas

Juninho Samuray, da Nova Holanda, estuda com frequência para conhecer as técnicas de corte e pintura | Foto: Douglas Lopes

O barbeiro mais falado nas nossas redes sociais é um rapaz conhecido como Juninho Samuray. Ele é cria do Complexo do Alemão e, há seis anos, corta cabelo na Maré, atrás do Campo da Paty, na Nova Holanda.

E essa fama não é à toa. Os cortes, desenhos e colorações feitas por Samuray são impecáveis. Ele acompanha as tendências e aprimora suas técnicas, para oferecer sempre o melhor aos clientes.

“Eu aprendi a cortar cabelo com um colega. A gente cortava o cabelo um do outro, e ele ia me ensinando. Um dia, ele se mudou, eu tive de passar a cortar meu próprio cabelo e ir me especializando sozinho. Na época, trabalhava como porteiro e fui mandado embora. Já tinha vontade de trabalhar como barbeiro, então entrei para a área. Peguei minha rescisão e meti a cara. Montei meu primeiro salão, atrás do gol do Campo da Paty”, contou Juninho, sobre a coragem que teve em mudar totalmente de profissão e de vida.

Hoje, seu salão continua atrás do Campo, mas não mais atrás do gol. Quem não o conhece e entra pela primeira vez em sua barbearia, suspeita da alta procura pelos serviços do barbeiro, isto porque o salão está quase vazio, no máximo com ele e mais dois clientes. O motivo é que o Samuray só faz seus cortes com horário agendado, justamente para que ele e seus clientes, que são da Maré e de outros lugares da cidade, fiquem confortáveis.

Elas também deixam na régua

Quem disse que barbearia não é lugar para mulher? Tanto é que a Artenisia Barboza, mais conhecida como Isa, comanda o próprio negócio, a Barbearia da Isa, na Baixa do Sapateiro, em frente à Praça do 18.

Há sete anos, ela veio do Ceará para a Maré, onde tem familiares. Conseguiu alguns empregos, mas sentia que não se encaixava em nada que arrumava. Queria mesmo era ser barbeira, mesmo ainda nem sabendo cortar cabelo, na época.

Começou a investir no seu sonho há três anos, fez cursos e montou o próprio salão, na cara e na coragem. Mas nem sempre foi fácil conseguir clientes. Ela começou sozinha no salão, e o preconceito, por ser barbeira, manteve o público afastado. “No começo, tive dificuldade. Vinha um ou dois. Depois foi se espalhando, fui mostrando meu trabalho e agora o salão vive cheio, principalmente nos fins de semana”, contou Isa. Hoje, ela trabalha com mais dois barbeiros, que ela contratou.

Um empreendimento novo que deu certo

A Barbearia do Rodrigo é pequena no tamanho, mas já é grande no sucesso que faz na Rua Principal da Vila do João, próximo ao ponto de mototáxi, quase chegando à Avenida Brasil.

Assim como Isa, Rodrigo Oliveira veio do Ceará e está na Maré há seis anos. Cortar cabelo é um ofício que veio da família e que o barbeiro aperfeiçoou depois de chegar no Rio de Janeiro, até montar sua barbearia, que tem um ano e quatro meses de funcionamento. Rodrigo nunca fez curso. Foi aprendendo as técnicas, assistindo a vídeos na internet e começou a praticar, cortando os cabelos de seus primos.

A localização da barbearia foi favorável para que o negócio prosperasse, por conta da intensa circulação de pessoas: “Quando comecei, aqui, foi fraco, mas perseverei. As pessoas começaram a conhecer meu trabalho e deu certo. Elas passavam, olhavam os cortes… Quem vinha, sempre elogiava e aí espalhava para outras pessoas”, contou Rodrigo sobre a trajetória do seu empreendimento.

Mesmo sendo uma barbearia com pouco tempo de estrada, a competência de Rodrigo e Juliano Alves, que também trabalha no local, tem atraído clientes até de fora da Maré, da Zona Norte à Zona Sul.

Tendências para os melhor visuais nos dias de festa

Nessas e em outras barbearias da Maré, o público masculino (e até o feminino que gosta desse tipo de corte) tem procurado técnicas específicas para curtir a folia com o penteado impecável.

O fade, que já foi chamado de “disfarçado”, é o corte mais pedido, que consiste na técnica de fazer um dégradé com o próprio cabelo do cliente, indo do corte mais baixo ao mais alto. O risco e os desenhosno cabelo também são detalhes de corte que estão bombando. Penteados feitos com pomada e laquê dão vida ao famoso “blindado”, uma técnica de penteado que deixa o cabelo intacto por horas, pronto para sobreviver aos dias intensos de bloco de rua.

Na área de descoloração e tintura, o que não falta é opção. O que a galera mais tem pedido nesta época do ano são os reflexos, que consistem na descoloração de vários pontos do cabelo, dando uma aparência de várias bolinhas louras. A descoloração de todo o cabelo, criando o platinado, tem sido moda há alguns anos no Carnaval carioca e, em 2020, não está sendo diferente. A partir da descoloração, também é possível fazer tinturados fios, é só aplicar a cor desejada. Outra técnica para colorir é feita com o aerógrafo, uma máquina em spray que permite o uso de várias cores, em uma aplicação rápida e muito criativa, que sai na água e não prejudica os fios, como acontece na descoloração.

Stefany veste conjunto dourado e Jonathan veste sunga prateada da Manhattan Modas. Camila veste body azul da SterBia Fashion. Acessórios da SterBia Fashion | Foto: Douglas Lopes

Para as fantasias, dá para apostar em muitas opções. Devido à febre da música “Verdinha”, da cantora Ludmilla, pode-se fazer fantasia sobre o tema de diversas formas. Outras opções como personagens de desenhos, Sol e Lua, flores, arco-íris, sereia, fantasia de casal e até com temas políticos vêm tomando conta dos últimos carnavais. Os bodies com meia arrastão, conjuntos de tops e shorts ou hot-pants (aqueles shorts ou biquínis bem curtinhos e de cintura alta) e arcos de diversos temas para a cabeça também são uma ótima opção para este ano.

E é possível se montar gastando pouco. “Pode pegar roupas que se tem em casa, cortar, escrever na blusa, colar enfeites e paetês com cola quente, pintar, fazer plaquinhas com frases… Dá pra ficar na moda gastando muito pouco”, dá a dica a produtora de moda Juliana Henrik, “cria” do Complexo do Alemão.

O que não pode faltar no Carnaval é muita, mas muita purpurina, criatividade, consciência e respeito às pessoas na hora de curtir. Uma boa folia a todos e todas!

Queremos agradecer especialmente à equipe da NoPrumo Barber: barbeiro Lucas Wolney, Matheus Oliveira, Magno Rodrigues, Rafael Costa; a David Vicente e Letícia Leal, que nos ajudaram na produção das fotos; a Letícia Santos, dona da casa onde fizemos as fotos para a matéria; aos modelos: Jonathan Monteiro, Camila Felippe e Stefany Vital; e às lojas de roupa Manhattan Modas e SterBia Fashion, que nos cederam as roupas.

Nunca é tarde para um sonho

0

Aos 69 anos de idade, José Renato persegue o sonho de ser psicólogo e viu nos estudos uma outra maneira de enxergar o mundo

Maré de Notícias #109 – fevereiro de 2020

Flávia Veloso

Em sua primeira experiência fazendo a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), José Renato Ferreira da Silva chamou a atenção de um repórter do Jornal Extra, pois não é comum ver um senhor de 69 anos aguardando no local de prova para prestar vestibular.

Seu José Renato é morador da Praia de Inhaúma, na Maré, junto com a esposa, Sônia. Nascido no interior do Rio de Janeiro, ele tem há anos a ideia de se formar em Psicologia, para poder ajudar as pessoas com questões psicológicas. Em 2019, após anos sem estudar, concluiu o Ensino Médio na Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Redes da Maré e deu o primeiro passo para alcançar seu sonho.

Um caminho cheio de obstáculos

A caminhada até esse momento não foi fácil. Seu José Renato largou a escola no antigo Ensino Primário, ainda criança, por conta de uma leucemia, da qual conseguiu se curar. Aos 59 anos, ele voltou a ter problemas de saúde, sendo diagnosticado com uma hérnia umbilical. Após passar por três cirurgias e ainda sentindo dores na época, encontrou na escola um ânimo para seguir em frente: “O que me restou foram os estudos. A escola me ajudou muito, porque me fez esquecer os transtornos que estavam acontecendo na minha vida”, contou.

Foi em 2016 que Renato voltou a pegar nos cadernos e canetas, quando se matriculou no Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA), próximo de sua casa. A ideia veio de Dona Sônia e, embora o marido tenha pensado em desistir algumas vezes, ela o incentivava a continuar. A insistência foi tanta, que o marido tomou gosto pelos livros e passava horas por dia, estudando. Quando tinha dúvidas, não hesitava em tirá-las com professores, amigos e vizinhos.

Conhecimento é para todos

Sônia sempre deu muito valor aos estudos, então batalhou para que os filhos concluíssem o Ensino Médio: “Mesmo morando na favela, quero que meus filhos tenham estudo. Trabalhei muito para que eles terminassem a escola sem precisar trabalhar”, explicou a matriarca. O mesmo exemplo ela e o esposo tentam dar aos fiéis da Assembleia de Deus, que construíram na Praia de Inhaúma, onde são pastores, para que os fiéis busquem conhecimento pelos estudos.

Seu José Renato conta que a ideia de se tornar psicólogo surgiu há muitos anos, quando estava se formando para virar pastor: “Um pastor bem antigo, chamado Timóteo, que ia me aprovar, passou uns 10 minutos olhando para mim, então pegou na minha mão e disse: ‘Vou te aprovar agora como pastor, mas eu profetizo que um dia você será psicólogo’. Eu comecei a chorar na hora, e aquilo nunca mais saiu da minha cabeça”, lembrou Renato, emocionado.

Profissionais que apoiam

Foi próximo à data da prova que José descobriu que estava inscrito no ENEM. A surpresa foi feita por suas professoras da EJA da Redes da Maré, que o inscreveram para que ele desse continuidade aos estudos. Mesmo não tendo achado a prova muito difícil, o morador da Praia de Inhaúma fez o vestibular de 2019 apenas como um teste, pois em 2020 vai realmente estudar para o ENEM. Ele se inscreveu no Curso Pré-Vestibular (CPV) da Redes da Maré, que prepara alunos com conhecimentos que os ajudam a ingressar em universidades, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), entre outras.

Sonia foi grande incentivadora para o retorno de José Renato às salas de aula em 2016 | Foto: Douglas Lopes

Tempero é sabor

0

Engana-se quem acha que salgando ou adoçando muito os alimentos, consegue deixá-los mais gostosos; existem muitas formas de se alimentar sem deixar faltar sabor no prato

Maré de Notícias #109 – fevereiro de 2020

Flávia Veloso

Para muita gente, comida sem sal é comida sem gosto. O grande problema dos excessos na hora de salgar ou adoçar os alimentos é que a saúde acaba pedindo socorro. A quantidade de pessoas no Brasil que desenvolve doenças relacionadas aos maus hábitos alimentares é altíssima, como hipertensão, diabetes e obesidade. A falta de exercícios físicos, uso de álcool e cigarros e baixa ingestão de frutas, verduras e legumes, e consumo de alimentos industrializados também são agravantes.

A hipertensão é uma doença crônica, caracterizada por níveis elevados da pressão arterial. No Brasil, um a cada quatro adultos são diagnosticados com hipertensão, que pode levar a doenças do coração como infarto, hipertensão e AVC. 

No ranking mundial, o Brasil ocupa o 4º lugar da lista de países com maior quantidade de diagnósticos de diabetes. O excesso de ingestão de açúcar, que causa aumento de glicose no sangue, pode influenciar no desenvolvimento da doença.

Os número de brasileiros diagnosticados com obesidade também é grande: 20%. Estudos do Ministério da Saúde ainda alertam que mais da metade da população do Brasil está acima do peso.

Aliados, quando presentes na quantidade certa

Sal e açúcar são essenciais para o funcionamento do organismo. O uso moderado pode ser até aceitável, mas isto varia de caso a caso, e só o acompanhamento com profissionais pode determinar se é liberado ou não. A nutricionista Gabriella Gachet alerta para o uso do sal rosa: “apesar de possuir menos sódio, ele também não salga tanto, então a tendência é colocar mais sal na comida”.

Boas opções para refeições saborosas são os sais de ervas, principalmente para substituir os temperos industrializados. O consumidor pode fazer as combinações que preferir, usando os temperos com as ervas de que mais gosta, usando uma quantidade de sal bem menor do que usaria normalmente. Mas cuidado: essa mistura não pode ser colocada exageradamente nos alimentos para que a quantidade de sal não ultrapasse o limite indicado.

Também pode-se encontrar diferentes tipos de sais de ervas já prontos, sendo vendidos em feiras. Na barraca da Maria da Penha Dias, aos sábados, na feira da Rua Teixeira Ribeiro, no Parque Maré, além da grande quantidade de opções de temperos puros, ela ainda vende caldos de carnes, legumes e outros alimentos. Estes caldos correspondem àqueles que vendem em supermercados, mas ela explica a diferença: “O que vende em mercado é aquele tablete gorduroso, e o que eu vendo aqui é bem mais saudável.”

Seu Edmilson Ferreira Simões também oferece variedade de cores, cheiros e sabores em sua barraca, na mesma feira e também na do Parque União, às quartas. Na mesa onde ficam dispostos seus produtos, é possível encontrar misturas de temperos que não levam sal, como a “Ana Maria Braga” e o “Edu Guedes”. Ele explica que comprar na feira é muito melhor para a hora de cozinhar: “Esses temperos de mercado não têm gosto de nada. Estes aqui são naturais, moídos na hora, com um cheiro gostoso. E quando bem conservados, duram até um mês”, observa.

Para não ter que tratar doenças, é bom se alimentar da melhor forma, cozinhando a própria comida, optando por alimentos naturais – como frutas, legumes, verduras, carnes e grãos -, diminuindo o consumo de sódio e açúcar e acrescentando ao paladar mais variedades de sabores, para que a comida seja sempre uma aliada, não uma inimiga.

Mobilização para lutar

Grupo de familiares de Pessoas com Deficiência encontram-se em Vila Olímpica para trocar experiências 

Maré de Notícias #109 – fevereiro de 2020

Hélio Euclides

Uma mãe reivindicando algo para seu filho é apenas um “apelo”. Agora, 300 famílias juntas por uma causa é uma poderosa ação na busca de direitos. É assim que funciona a Associação Especiais da Maré, grupo que realiza eventos e campanhas unindo pessoas que têm um familiar com deficiência e almejam melhorias em acessibilidade. Além de orientação, os integrantes, muitas vezes, recebem uma atenção que a sociedade não oferece, algo que virou uma marca da família “Especiais da Maré”.

Alusca Cristina, 30 anos, é mãe de Pedro Henrique, de 10 anos, que tem paralisia cerebral. Tudo começou com um parto complicado e um mês de internação de Pedro. Ao ir para casa, uma amiga percebeu que ele só tinha um olhar para cima e não se mexia. Alusca levou-o ao pediatra, que indicou o neurologista. “Levei um susto. Fui à internet e descobri o que era a doença. Naquele dia não quis ver ninguém, dormi com aquela dor. Quando acordei, tomei coragem, busquei meu filho na casa de minha mãe e fui à luta”, resume.

Essa história retrata um pouco a vida das mães que têm seus filhos com alguma deficiência. Como Alusca, muitas se sentem sozinhas e desamparadas. Para mudar essa realidade é que nasceu a Associação Especiais da Maré. A princípio, sete mães se reuniam para tirar dúvidas sobre tratamentos e se ajudavam pelas redes sociais. Essas mulheres viraram gestoras e outros dois grupos surgiram no WhatsApp – o de apoiadores e o de outras 300 famílias que também necessitam de um auxílio ou, simplesmente, querem conversar. 

Aquela Alusca sem rumo não existe mais. Hoje seu filho tem Home Care (cuidados em casa): fisioterapia, remoção na ambulância, professor domiciliar e fonoaudiólogo. Algo para melhorar a qualidade de vida dele. Mas ainda há algumas barreiras a derrubar, pois os locais de reabilitação ficam muito longe. “Muitas crianças perdem consultas por ser dia de operação policial. Outros, por ônibus que não param quando percebem o cadeirante. Além de voltar no meio do caminho com o filho com convulsão. Pelo grande número de deficientes, a Maré precisa de uma unidade de reabilitação”, propõe. Para lutar por esse objetivo e a reforma de uma sala oferecida pela Vila Olímpica, o grupo já está em fase de legalização da Associação.

O educador vai ao aluno

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), todos têm direito à educação, mas algumas pessoas com deficiência (PcD) não têm como se locomover até à escola. É nessa hora que Luiz Costa entra no circuito. Professor da Rede Municipal de Ensino, ele atua no Atendimento Educacional Especializado, lecionando nos domicílios. “Estou lotado no CIEP Ministro Gustavo Capanema, mas não atuo na sala de aula e, sim, nas casas dos alunos, que são matriculados como qualquer outra criança”, explica.

Uma vez por semana ele vai à casa do aluno e dá 2 horas de aula. Além disso, uma vez ao mês Luiz tem formação no Instituto Helena Antipoff, para organização e planejamento. Luiz é professor de sete crianças, cinco delas da Maré, mas acredita que esse ano o número deve aumentar por causa da demanda. Nesse período de trabalho, ele já percebe que os alunos estão avançando com comunicação alternativa e interação.

Essa forma de atuar começou há três anos. “A Alusca é protagonista, pois me fez conhecer a realidade deles. Foi à luta, para o seu filho ter dignidade e direitos. É uma facilitadora que articula, fazendo com que todos entrem de cabeça. Eu poderia fazer só o meu trabalho de professor, mas a articulação da Associação me cativou. Sinto-me honrado de estar nessa Associação, que reúne famílias fortes e acessíveis às causas. Isso me dá gás para trabalhar ainda mais”, conta. No trabalho, a Associação mobiliza outras instituições, comerciantes, empresários locais e músicos, em busca de cidadania.

A alegria de uma criança

Dudu, reconhecido pelo seu sorriso, no enconro do Guarda-roupa Solidário com sua mãe | Foto: Douglas Lopes

Quem olha Luiz Eduardo na cadeira de rodas, não imagina que Dudu, como é conhecido, é uma criança cativante e muito feliz. Além de gostar muito de ler, o menino de 9 anos é um membro ativo da Associação. “É muito bom ver a alegria das pessoas ao receber a cesta básica. Sinto que a minha missão na Terra é fazer o outro se sentir bem e isso me faz bem também”, explica. Para ir ao colégio, Dudu encontra muitos buracos nas calçadas, e percebe que quase não têm rampas. Contudo, isso não atrapalha o seu objetivo de estudar: a sua felicidade foi a Escola Municipal Paulo Freire, onde se sente bem por ser um espaço adaptado. 

Sua mãe, Valéria Oliveira, acha que os obstáculos fora da Maré ainda são maiores. O ponto de ônibus da Fiocruz, na pista de subida da Avenida Brasil, além de ser longe, a passarela é de degraus. Outra barreira na mobilidade da cidade é o acesso de cadeirantes nos coletivos, já que os motoristas não querem parar e outros nem sabem usar o equipamento. “Em alguns veículos estão quebrados e o motorista se nega a descer para ajudar. Ainda existem passageiros que reclamam quando o ônibus precisa ficar parado para o cadeirante subir. Quem cuida da mobilidade na cidade tinha de ficar um dia se locomovendo com a cadeira de rodas, para ver como é”, sugere. 

Uma luta travada pelo Home Care

Na Edição 107, de dezembro de 2019, o Maré de Notícias trazia, nas Dicas Culturais, a divulgação de um show beneficente, em que parte do valor iria para Maria Paula, de 12 anos, que tem paralisia e microcefalia. A menina estava de alta do hospital há dois meses, após internação por pneumonia, e aguardava a liberação de um Home Care para seguir o tratamento em casa. Com a negativa da operadora do plano de saúde, a solução foi pedir ajuda para aquisição de um CPAP, aparelho que facilita a respiração, além de medicamentos e fraldas.

Paulo Roberto, avô de Maria Paula, contou que já são cinco meses de negociação. “A justificativa é que é área de risco, só que tem duas empresas que atendem a Maré. Repassamos para a Unimed Rio, mas não deram atenção. Já ganhamos duas audiências, eles recorreram e estamos aguardando parecer”, diz. Ele acrescenta que o tratamento domiciliar foi recomendado pelo Hospital dos Servidores e pelo Prontobaby. 

O posicionamento da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é que a Lei nº 9.656/1998 não prevê cobertura obrigatória para procedimentos de atenção domiciliar, Home Care e assistência domiciliar. Dessa forma, a oferta do serviço de Home Care não é obrigatória para as operadoras de planos de saúde, exceto quando esse item está claramente estabelecido no contrato firmado entre a empresa e o beneficiário.

O Instituto Municipal de Proteção e Defesa do Consumidor – Procon Carioca – informou que o consumidor não pode, no momento em que mais precisa, ser surpreendido com a informação de que o plano não cobre determinada região. Portanto, a mera alegação de se tratar de área de risco não justifica a negativa no atendimento, considerando ainda que o local é atendido por outras operadoras. 

Alusca entende que o serviço não é um direito contratual, mais devido à gravidade de cada pessoa que venha a precisar, eles são obrigados a prestar o atendimento recomendado pelo médico. A assessoria da Unimed Rio informou que há um processo judicial sobre esse caso e não comenta processos em andamento. 

Ana Cristina e Gustavo Augusto em um dos encontros com outras mães e filhos na Vila Olímpica | Foto: Douglas Lopes