Nas favelas da Maré, a população segue circulando pelas ruas, mas estabelecimentos estão mais vazios
Maré de Notícias #112 – maio de 2020
Hélio Euclides
O prefeito Marcelo Crivella determinou, no dia 24 de março, o fechamento obrigatório de parte do comércio da cidade como mais uma medida para conter a propagação do novo coronavírus. Pouco mais de um mês, o que se percebe na Maré, como em outras favelas do Rio, é o comércio aberto e muitos moradores caminhando, naturalmente, nas ruas. O não cumprimento do distanciamento social pode trazer o perigo da aceleração no número de moradores contaminados pelo coronavírus.
Diante de depósito aberto, funcionário da Comlurb realiza campanha de limpeza em ruas de maior circulação da Maré – Foto: Hélio Euclides
O fechamento das lojas na cidade foi
parcial, com autorização de abertura de farmácias, supermercados, hortifrútis,
padarias, pet shops, postos de gasolina e lojas de equipamentos médicos
e ortopédicos. Já em um outro decreto, do dia 22 de abril, a Prefeitura do Rio
de Janeiro determinou a suspensão, durante 10 dias, das 162 feiras livres, como
forma de evitar aglomeração.
Luiz Henrique Mandetta, quando ainda
era ministro da Saúde, afirmou que a economia iria sofrer muito mais se o
sistema de saúde entrasse em colapso. Um dos motivos de sua exoneração foi a
defesa do isolamento social, como precaução a um colapso na saúde, com ausência
de leitos para internação, algo que já ocorre na cidade. Para o ex-ministro, se
não fosse cumprido o distanciamento, a medida a ser tomada seria a quarentena
horizontal, com o fechamento de estabelecimentos considerados essenciais, como
ocorre em países da Europa.
A antiga gestão do Ministério da Saúde
seguia a linha da Organização Mundial Saúde (OMS) para combater o coronavírus,
enquanto o presidente Jair Bolsonaro continua defendendo a flexibilização do
confinamento e a volta à normalidade para o comércio. Em entrevista ao Canal
CNN Brasil, no dia 16 de abril, ele afirmou que o ideal é o comércio
funcionando a todo vapor, como ocorre nas favelas cariocas, como em Rio das
Pedras e Rocinha.
Anthony
Fauci, epidemiologista, em entrevista ao programa Good Morning America, advertiu que, nos Estados Unidos e em
qualquer outro lugar do mundo, a reabertura dos comércios e serviços não trará
recuperação econômica enquanto o vírus não estiver sob controle. Completou,
ainda, que suspender as medidas de isolamento é um ato negativo.
O
isolamento social e a economia local
Comerciantes sentem o impacto
realizado pelo novo coronavírus. O Maré de Notícias ouviu comerciantes das 16
favelas da Maré, e o relato foi que a pandemia impactou diretamente as vendas,
trazendo prejuízos aos estabelecimentos, apesar das lojas estarem abertas. São
poucos os clientes, pois os moradores, mesmo saindo às ruas, estão direcionando
os seus gastos basicamente à alimentação.
Com os estabelecimentos fechados pela
cidade, comerciantes acreditavam que as lojas da favela iriam lucrar com a
situação, o que não ocorreu. “Tem comerciante que está entrando em desespero.
Eu tenho angústias, pois quero trabalhar e não posso sair de casa”, diz Nevinha, comerciante de roupas em
Ramos.
Alguns comerciantes entrevistados
relataram respeitar o isolamento e a medida de fechamento de serviços não
essenciais inicialmente, mas destacam a necessidade de voltar a trabalhar,
apesar do medo. “Fiquei quase dois meses sem abrir. Nem queria voltar, mas
preciso pagar as contas. Alguns comerciantes são mais gananciosos, precisam
perceber a necessidade de criar formas de prevenção para todos, como o uso de
máscara e luvas”, conta Meri, que
tem uma loja de flores no Parque União. Eliane
Domingos, comerciante com loja de drenagem e limpeza de pele, na Vila do
João, ficou um período sem trabalhar. “A solução foi voltar, pois pela primeira
vez não tive como pagar minhas contas, nem o auxílio emergencial foi liberado”,
reclama. Ela acredita que o comércio poderia abrir em dia intercalados, para
diminuir os números de moradores nas ruas.
“Trabalho com conserto de pula-pula [cama elástica] e mochilas. Desde que começou a quarentena, não consegui consertar mais nada. Não está tendo festa, com isso não há aluguel de brinquedos”, expõe Kátia Lapa, do Conjunto Pinheiro. Por outro lado, o isolamento já começa a ser aceito por moradores. “Eu fico em casa, não saio, estou no grupo de risco. Meu filho, quando precisa sair, é sempre com o uso do álcool em gel. Como ele é atleta, faz exercícios em casa”, conta Beth Pereira, de 55 anos, moradora do Salsa e Merengue.
Mas nem tudo é prejuízo: com o
coronavírus, surgem pessoas que conseguiram ganham com a situação. Andrea Moreno, comerciante de um
mercado no Salsa e Merengue, relata que antes o álcool em gel não era
procurado, por isso custava pouco mais de R$ 10,00. Hoje, os fornecedores
aumentaram o valor, com o acréscimo repassado para o consumidor. Agora ela
vende o frasco de 450 mL pelo preço de R$ 27,50.
Isolamento,
relações econômicas e sociais
Para Shyrlei Rosendo, mestre em Educação e Políticas Públicas e
integrante do Eixo de Segurança Pública e Acessos à Justiça da Redes da Maré, o
isolamento social nas favelas é difícil. “Essa dificuldade passa por questões
econômicas, sociais e culturais. No que diz respeito à economia e a questões
sociais, temos aí o direito a ter uma alimentação e acesso a materiais de
higiene, o que se tornou bem difícil diante a pandemia, já que pessoas perderam
seu emprego ou estão recebendo um valor abaixo dos seus salários”, avalia.
Outra questão que Shyrlei apresenta é a moradia na favela, onde algumas casas são pequenas e com pouca circulação de ar. Isso prejudica a tarefa de cumprir a quarentena dentro de apenas um cômodo, mas reconhece a importância de se ficar em casa nesse período. “Nós, favelados, viemos de uma sociabilidade de ficar na rua, brincar na porta de casa, visitar amigos, ir ao bar e fazer churrasco… Agora temos de romper com isso para que a pandemia passe logo.”.
Usando máscara, comerciante segue abrindo sua barraca de lanches, localizada em frente à UPA Maré – Foto: Douglas Lopes
A grande quantidade de pessoas nas
ruas não é só por uma questão econômica e cultural. A pesquisadora acredita
que, em especial, se os bares estivessem fechados, uma parte das pessoas não
teria para onde ir. “Mas quem tiver a fim de uma resenha, de tomar uma cerveja,
vai dar um jeito para se encontrar. Tem gente que vai pra rua, com ou sem
comércio fechado”, comenta. Apesar de ainda ter movimento nas ruas, é possível
perceber alguns locais da Maré com menos gente. Na opinião de Shyrlei, as
pessoas estão com medo do coronavírus e sem grana.
Para Daniel Soranz, doutor e mestre em Saúde Pública, professor e
pesquisador da Fiocruz, é preocupante as pessoas não estarem cumprindo o
distanciamento social. “Não se pode cancelar o isolamento se não organizar o sistema
de saúde. A Favela da Maré está com unidades de atendimento primário com
fragilidade, com equipes reduzidas e ausência de testes. Assim, fica difícil
identificar qual região do bairro tem mais contágio e direcionar a higienização
específica. É preciso saber o vínculo imunológico da circulação do vírus”,
conta.
“A cidade precisa se organizar.
Ocorreu um caso de remoção de um doente de coronavírus da UPA do Alemão para a
Unidade da Maré; esse paciente deveria ir para um hospital”, diz. Para o
pesquisador, o ideal é se criar polos para receber doentes nas favelas. A
Rocinha e Manguinhos já avaliam a criação desses espaços, e a Maré precisa
também entrar nessa discussão, com um polo em alguma quadra de esportes.
Sobre economia, Daniel percebe que o comércio fechado para muitos é difícil, pois ficar sem trabalhar é insuportável. Ele acredita que o isolamento às cegas não vai durar por muito tempo. É necessário organizar o sistema de saúde e realizar a testagem em grande escala, pois só assim é possível saber o número de contaminados, os assintomáticos e evitar a disseminação da COVID-19.
Por determinação da Prefeitura do Rio, feiras livres ficaram 10 dias suspensas – Foto: Douglas Lopes
Números oficiais de casos divulgados da COVID-19 não refletem a realidade da Maré
Maré de Notícias #112 – maio de 2020
Jéssica Pires e Dani Moura
A Maré é formada por 16 favelas que reúnem mais de 140 mil moradores em
5,79 km² de área, sendo um morro. cuja população supera a de municípios do
estado do Rio de Janeiro, como Queimados e Maricá, por exemplo, que
contabilizam, de acordo com o Censo do IBGE de 2010, 137.962 e 127.461
habitantes, respectivamente. Há favelas na Maré com mais de 20 mil moradores,
como é o caso do Parque União, e outras, que concentram mais de três moradores
em um mesmo domicílio, em média, como o Conjunto Bento Ribeiro Dantas e a Nova
Maré. Domicílios que em grande maioria não passam de três cômodos.
Até o momento do fechamento desta matéria (04 de maio), a Maré tinha 30
casos confirmados de coronavírus, e seis óbitos, de acordo com o Painel Rio
COVID-19, que concentra e divulga as informações das secretarias de saúde sobre
os casos do novo coronavírus. Contrapondo os dados oficiais, diariamente são
vistos relatos de moradores nos grupos de WhatsApp da Maré, informando sobre óbitos de pessoas com
síndromes respiratórias. O movimento de uma possível subnotificação também
acontece em outras favelas do Rio: o Jornal Voz das Comunidades publicou, em
uma rede social no último dia 20 de abril, que o Complexo do Alemão tem mais de
mil casos suspeitos de coronavírus. O levantamento foi feito por profissionais
da Clínica da Família Zilda Arns. O Painel da Prefeitura contabiliza apenas
quatro casos na região.
A possibilidade de existir subnotificação é confirmada pelo Ministério da Saúde e por inúmeros estudos de instituições consagradas, como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Como não há testagem em massa, boa parte dos doentes assintomáticos ou com sintomas leves não chega a ser testada.
Duas clínicas particulares da Maré que estão realizando testes de COVID-19 cobram cerca de R$200 por testagem – Foto: BERNADO PORTELLA / FIOCRUZ
As evidências indicam, no entanto, que até mesmo o número de mortes de
casos graves de coronavírus é maior do que o confirmado oficialmente a cada
dia, pelo Ministério da Saúde e as secretarias estaduais. É o que mostram
alguns dados do Portal de Transparência dos Cartórios do estado do Rio. Em
comparação com 2019, houve um aumento de 2.500% do número de mortes por
síndrome respiratória grave, uma das consequências da COVID-19 no corpo. Outro
dado relevante é o aumento de 8.533% do número de mortes sem causa definida.
Um estudo da Fiocruz mostrou um aumento expressivo nas internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) este ano, no Brasil, em comparação com a média dos últimos 10 anos. Na contagem da Fiocruz, até 4 de abril deste ano, o Brasil teve 33,5 mil internações por SRAG, muito acima da média desde 2010, de 3,9 mil casos. Mesmo em 2016, quando houve um surto de H1N1, foram registrados 10,4 mil casos no mesmo período do ano.
Diante risco de contaminação por COVID-19, alguns atendimentos estão acontecendo na área externa das unidades de saúde da Maré – Foto: Douglas Lopes
Na Maré, a subnotificação é visível na UPA, com maior movimentação de
ambulâncias e relatos de moradores. Segundo funcionários da unidade, que
preferiram não se identificar, são atendidas cerca de 30 pessoas por dia com
sintomas do novo coronavírus na unidade. Porém, como a indicação é que testes e
internações sejam realizadas apenas em casos de sintomas graves ou gravíssimos,
a recomendação é que as pessoas se isolem em suas casas.
De acordo com informações coletadas pela equipe de Serviço Social da
Redes da Maré, as Clínicas da Família têm a recomendação de seguir o
acompanhamento on-line com as pessoas
que retornam para casa. Porém, não foi a realidade vivenciada por Felipe Afonso, morador da Nova Holanda:
“Eu já não aguentava mais de dor no corpo, tossindo muito, febre altíssima, sem
olfato, sem paladar. Então, no dia seguinte, fui ao posto e o médico me
atendeu, passou Azitromicina e Novalgina, e me recomendou ficar em casa. Até o
momento, ninguém entrou em contato comigo, faz 11 dias.”
“Meu pai fez uma tomografia no Evandro Freire no dia 20, dia em que foi
internado. Pela tomografia, diagnosticaram a COVID. Só que o exame de sangue
levava de 5 a 10 dias para o resultado. Quando aconteceu tudo (a notícia do
óbito), dia 27, a menina do Ronaldo Gazolla disse que o resultado do exame de
sangue ainda não tinha saído, e o óbito sairia como pneumonia viral com
‘suspeita de corona’, que depois eu poderia acionar pra poder trocar. Mas eu
disse pra ela: ‘no que isso vai mudar?’” Esse foi o relato de Michele Araújo, moradora do Rubens Vaz,
sobre a informação de tipo de morte que constou na certidão de óbito do pai,
Olavo Pereira, de 64 anos. A morte de Olavo, portanto, não conta como um caso
de coronavírus. A rapidez com que os casos têm evoluído e o tempo de testagem
também contribuem para o processo de subnotificação.
Clínicas particulares
Outro cenário que fortalece a possibilidade de haver subnotificação, em especial na Maré, é o da realização de testes em clínicas particulares. Ainda na 3ª semana de recomendação de distanciamento social, quando a Maré registrava apenas oito casos, de acordo com as secretarias de saúde, o Centro Médico e Odontológico Popular Pinheiro, da Vila dos Pinheiros, já havia realizado 22 testes, com sete deles com resultado positivo para a COVID-19. De acordo com a responsável de uma outra clínica particular da Maré, que preferiu também não se identificar, os laboratórios particulares só têm autorização para passar informações sobre os casos para a Secretaria Municipal de Saúde.
A publicitação dos casos confirmados é de responsabilidade das
secretarias municipal e estadual de saúde, após compilação dos dados digitados
nas plataformas oficiais nas Unidades de Saúde. É o que conta Mirza Rocha de Figueiredo, médica
epidemiologista do Núcleo Hospitalar de Epidemiologia do IFF/Fiocruz.
A Secretaria Municipal de Saúde informou que as notificações de casos
confirmados de COVID-19 levam em consideração o endereço informado no momento
do atendimento. A comunicação do Hospital Federal de Bonsucesso e do Hospital
Municipal Evandro Freire, da Ilha do Governador, confirmaram que seguem esse
padrão no processo de notificação. As equipes da Secretaria Municipal de Saúde
informaram, também, que estão atentas às classificações territoriais e
trabalham, continuamente, para identificar os casos em comunidades.
Bairros vizinhos da Maré
Enquanto a Maré, com mais de 140 mil habitantes, apresentava 30 casos e
seis óbitos por COVID-19, bairros próximos, cujo número populacional é inferior
ao da Maré, têm apresentado grande número de casos. Assim acontece com
Bonsucesso, bairro que atende às principais demandas das favelas da Maré, como
agências bancárias. O bairro tem cerca de 18 mil moradores, segundo o Censo
IBGE de 2010, e apresentava 81 casos e 10 óbitos, em 02 de maio. Estes dados
apontam um outro fator que favorece a subnotificação: muitos moradores que são
atendidos em clínicas e hospitais fora da Maré identificam os seus endereços
como bairros vizinhos e, não, Maré.
Cabe ressaltar a importância de os moradores da Maré identificarem os seus endereços residenciais, fazendo referência à Maré como seu bairro de origem, no momento do cadastro de atendimento nos hospitais e centros de saúde. Dessa forma, os dados poderão ser direcionados de forma correta nos bancos de dados dos hospitais.
O objetivo é estimular as artes nas favelas da Maré nesse novo contexto de distanciamento social. São bolsas de até 10 mil reais de 31 projetos serão contemplados
No pior dia desde o início da pandemia, o Brasil tem 9.897 mortes e soma 145.328 casos confirmados do novo coronavírus, segundo o Ministério da Saúde. Em 24 horas, foram confirmadas mais 751 novas mortes. É o maior número diário incluído no balanço desde o começo da circulação do vírus no Brasil.
Na cidade do Rio são 9.672 casos confirmados e 1.002 mortes. Na Maré, dados oficiais relatam apenas 37 casos confirmados e 3 mortes, número menor que o divulgado na última quarta feira (39 casos e 9 óbitos). A Secretaria Municipal de Saúde informou que não foi apenas na Maré que houve alterações nos dados anteriormente lançados. Outros bairros, como Leme e Tijuca, por exemplo, também passaram por ajustes da equipe de Vigilância Epidemiológica que trabalha para qualificar a informação. Por isso, os dados estão sujeitos à revisão. Mas segundo o Boletim de Olho na Maré, da Redes da Maré, são pelo menos 140 casos e 16 mortes na Maré. Os bairros vizinhos do conjunto de 16 favelas da Maré (Bonsucesso e Ramos) somam 150 casos e 15 mortes.
E mesmo com o número crescente de casos e mortes, ainda há muita gente na rua e pessoas preparando festas na Maré. Em Bonsucesso havia filas em bancos, loterias, farmácias e em lojas que não estão deixando os clientes entrarem e por isso há aglomeração na porta. Segundo a Fiocruz, o único remédio possível de conter o vírus é o isolamento obrigatório, onde pessoas não possam sair de casa, exceto para atividades essenciais.
Artistas, comunicadores ou produtores culturais moradores da Maré podem participar de uma chamada pública para bolsas de até dez mil reais. Serão escolhidas 31 propostas que tratem de temáticas relacionadas ao coronavírus, confinamento, saúde e prevenção. As inscrições abrem na próxima segunda-feira (11), mas o edital já está disponível para as novas formas de fazer arte, cultura e comunicação nas favelas. Os interessados podem se inscrever até o dia 23 de maio.
O Projeto Colabora e o Maré de Notícias estão com uma campanha de capacitação e renda para jovens comunicadores das 16 favelas da Maré que tenham interesse em escrever sobre Covid-19. A cada real doado, a Fundação Tide Setubal doará mais R$2 para possibilitar a geração de renda para o comunicador popular. Para fazer a sua doação, é só acessar o site do #Colabora.
Está no ar uma plataforma que conecta paciente com um grupo de médicos para atender gratuitamente pessoas com sintomas da doença (tosse, febre, falta de ar, dor de garganta etc). A pessoa se cadastra aqui no site e rapidamente um médico entra em contato e faz uma consulta por vídeo. Uma ajuda e tanto para quem está com dificuldade de acesso a equipamentos de saúde e para evitar aglomerações e contágios nas unidades.
Uma cartilha da Defensoria Pública do Rio informa sobre direito de detentos durante a pandemia de Covid-19. A cartilha lançada pelo Núcleo do Sistema Penitenciário (Nuspen), a instituição disponibiliza informações sobre a execução penal e as relações com a Secretaria de Administração Penitenciária (SEAP). Em linguagem clara e acessível, o manual destina-se, em especial, aos familiares das pessoas privadas de liberdade. A publicação informa também o cronograma semanal de recebimento dos itens permitidos aos internos de cada unidade prisional do estado do Rio de Janeiro.
Coletivos, projetos e ONGs de favelas e periferia de todo o Rio de Janeiro aderiram a campanhas para levar informação sobre a pandemia e ajudar no sustento das famílias que mais precisam, arrecadando fundos para doações de alimentos e produtos de limpeza e higiene. Saiba como aderir a ideia na matéria da edição 112 no Jornal Maré de Notícias. Amanhã, 09 de maio, a Campanha “Maré Diz Não ao Coronavírus” volta a distribuir cestas básicas, kits de higiene, quentinhas e máscaras para os moradores das 16 favelas da Maré. Na primeira etapa, a iniciativa distribuiu mais de 300 toneladas, entre itens de higiene e alimentos. Confira na matéria do repórter Hélio Euclides.
Campanha que nasce após demanda de moradores completa um mês
Hélio Euclides
“Você tem que agir como se fosse possível transformar radicalmente o mundo. E você tem que fazer isso o tempo todo”. Essa frase de Angela Davis, professora e filósofa, retrata um pouco a Campanha Maré diz NÃO ao Coronavírus. No momento de distanciamento social, no qual as pessoas estão sem trabalho, os casos de contágios e mortes só aumentam e os políticos não se entendem para encontrar solução, é preciso buscar formas de solidariedade e mobilização. Com esse objetivo, a campanha completou um mês com ações de arrecadação de doações, que são revertidas em quatro frentes: segurança alimentar; geração de renda; acesso a direitos e comunicação e disseminação de conteúdo.
A Campanha Maré diz NÃO ao Coronavírus arrecadou e distribuiu cestas de alimentos, kits de higiene pessoal e de limpeza para moradores das 16 favelas da Maré e quentinhas para pessoas em situação de rua. No total, foram entregues 328 toneladas de alimentos de porta em porta, distribuídos em 7.272 cestas básicas, além de 4.800 coelhos de chocolates, em uma ação na véspera da Páscoa. Também foram distribuídas 4.600 quentinhas para pessoas em situação de rua, na Cena de uso de Crack, na Rua Flavia Farnese, no Parque Maré, e Avenida Brasil, na altura do Parque União. As quentinhas foram preparadas pelas mulheres do projeto Maré de Sabores, da Casa das Mulheres da Maré.
Para a modalidade de doações porta a porta, foi desenvolvida uma metodologia de distribuição articulada com uma rede de parceiros locais, que conta com as 16 Associações de Moradores da Maré, a 4ª Coordenadoria Regional de Educação, sete unidades básicas de saúde, uma Unidade de Pronto-Atendimento (UPA), e o Conselho Tutelar. Essa parceria ainda conta com organizações não-governamentais e coletivos: Maré Vive, Conexão G, data_labe, EcoMaré, Luta pela Paz, Mães Especiais da Maré, Mães Vítimas de Violência da Maré, Maré Informação, Maré Longboard, Maré Solidária, Maré Vê, Maré 0800, Observatório de Favelas, Para Elas, Resistência Lésbica, Roda Cultural do PU, Skate Maré, Uerê e Vida Real.
A campanha se organiza e se mobiliza a partir de uma equipe de 300 voluntários que trabalham para viabilizar a campanha. Todo esse trabalho impactou diretamente 20 mil pessoas. No sábado, dia 09 de maio, se inicia o segundo mês de trabalho, mantendo as entregas de cestas básicas e refeições, e ampliando a atuação com mais três ações: a produção de máscaras por costureiras das favelas da Maré para distribuição à população local; edital público com bolsas para ações locais de coletivos de arte, cultura e comunicação que atuam na Maré; arrecadação de materiais de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) para distribuição aos profissionais que atuam nas sete unidades básicas de saúde e uma UPA da Maré.
A união em uma campanha
A campanha Maré diz NÃO ao Coronavírus surge de uma necessidade urgente, de dar uma resposta imediata nesse período da crise da pandemia para demandas que começaram a surgir nos contextos das 16 favelas. “A Redes da Maré vem na mobilização para o isolamento social, de diminuir o contágio, partindo da coerência e do trabalho que a gente faz, que é de pensar nas formas de contribuir num processo estruturante, que melhore as condições de vidas das pessoas, que fortaleça para que de fato se reestabeleçam os direitos dos moradores das favelas da Maré”, comenta Eliana Sousa, diretora da Redes da Maré.
“Quando nos vimos em meio a essa pandemia do coronavírus, percebemos que os problemas começaram a aparecer fruto da desigualdade social. Era necessário dar continuidade ao nosso trabalho que busca criar algum tipo de incidência nas questões estruturantes”, conta. Eliana percebeu que apareceram pessoas passando fome, outras precisando de orientação sobre determinados direitos e também moradores começaram a se contaminar e adoecer, demandando cuidados na área de saúde. Foi a partir daí que ela entendeu que era uma possibilidade da Redes da Maré contribuir para reverter esse quadro.
A campanha nasce para responder a necessidades territoriais. “Era muito importante responder essas demandas, como uma instituição que tem sua trajetória e história com o compromisso da melhoria da vida no conjunto das 16 favelas. Tentamos responder essa questão emergencial, mas também trabalhar de uma forma organizada, com uma lógica de tentar influenciar e contribuir com algo muito sério que é a segurança alimentar. É uma campanha que tem a pretensão de ser bastante abrangente e responder exatamente o que a população precisa”, conclui.
Uma Maré sem alimento
A campanha se construiu com a ideia de mobilizar recursos para transformar em cestas básicas e destiná-las às pessoas que passam por um problema social relacionado ao problema da segurança alimentar e geração de renda. Para reverter o aumento dos números de casos da Covid-19, a campanha se articula para perceber a situação de saúde das pessoas, junto às unidades básicas de saúde, e terem um atendimento sociojurídico.
Para Sebastião Antônio, conhecido como Tião, coordenador do Instituto Vida Real, quem mais está sofrendo é o trabalhador informal. “Essas pessoas são as que estão mais sentindo na pele essa pandemia. Elas querem uma ajuda, pois falta comida para os filhos, gente que não tem um grão de arroz dentro de casa. As dificuldades estamos sendo estampadas. É o momento de unir forças e trabalhar o social e o amor ao próximo. Precisamos mostrar que isso vai passar, que vamos reverter esse momento, todos pelo bem de todos”, diz.
Um outro problema que ele percebe são as fake news. “Estamos percebendo como as pessoas se encontram cercadas de notícias verdadeiras e também de falsas, e são essas que mexem muito com o psicológico”, expõe. Para reverter isso, a campanha também tem a frente da comunicação, com conteúdo audiovisual acessível para a população, com todas as informações apuradas e em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Para essa segunda etapa, a campanha deve eliminar algumas falhas, como a distribuição duplicada e verificação de cadastro. “Recebi a cesta, gostei muito, veio bastante coisa boa, até dividi com a minha prima. Aqui na comunidade muita gente foi demitida do seu trabalho, são essas pessoas que mais precisam. Se todos que merecem recebessem, seria bom. Uma pena que tem gente que se inscreveu e não precisava tanto”, expõe Alessandra Santana, moradora da Vila dos Pinheiros. A Redes da Maré solicita a ajuda dos moradores para que só recebam a cesta pessoas em situação de vulnerabilidade. Também esclarece que ninguém está autorizado a visitar domicílios e pedir informações como cartão de crédito.
São pelo menos 140 casos suspeitos de Coronavírus nas 16 favelas da Maré e 18 mortes, segundo o Boletim de “Olho no Corona, da Redes da Maré
O Boletim da Organização Mundial da Saúde (OMS) desta quinta-feira (7) registrou 6.539 mortes por Covid-19 no mundo em 24 horas. Desse total, 600 foram confirmadas no Brasil, o que representa 9,17% dos óbitos pela doença do novo coronavírus. Só na cidade do Rio são 9.051 casos confirmados e 919 mortes. Isso sem contar com a subnotificação, já que não há testagem para todos os casos suspeitos.
Na Maré, segundo o Boletim de “Olho no Corona”, da Redes da Maré, são pelo menos 140 casos suspeitos de Coronavírus no conjunto de favelas da Maré e 18 mortes. Os dados estão sendo levantados pela equipe de profissionais da área social junto à população e tem como objetivo chamar a atenção para os casos subnotificados, apresentar as demandas das unidades de saúde e contribuir para o planejamento de medidas de prevenção e controle da pandemia em favelas. A iniciativa é um desdobramento da campanha “Maré diz NÃO ao Coronavírus” e vai abordar a situação das unidades de saúde presentes no território. A cada semana, um tema relevante relacionado à pandemia em favelas e periferias será tratado. Nesta primeira edição, a falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) nos equipamentos de saúde da Maré e como os profissionais da área estão expostos à contaminação foi o tema abordado. O boletim já está disponível no site da Redes da Maré.
Numa tentativa de diminuir o número de casos subnotificados, Petrobras e Firjan prometeram ampliar a capacidade de realização de testes de diagnóstico de Covid-19 no Brasil. A parceria prevê pesquisa para um novo teste, com potencial de aumentar em cerca de 10 vezes a capacidade de análises e reduzir em até 85% os custos. O teste do tipo RT-PCR, de alta eficácia, custa em média R$90. Com essa iniciativa, o valor poderá chegar até R$13. Essas iniciativas precisam, entretanto, chegar aos territórios de favelas e periferias.
Moradores da Maré com Covid-19 relatam a dificuldade ao acesso a medicamentos prescritos por médicos nas unidades de saúde pública. O custo de antibióticos custam em média R$100,00 e segundo moradores, nas unidades de saúde não há distribuição desses medicamentos para os pacientes que não estão internados. Não haver medicamentos disponíveis para a população é ir contra a Política Nacional de Medicamentos, que prevê a distribuição de medicamentos gratuitos, a preços reduzidos, com segurança, qualidade e eficácia. Isso acontecer em tempos de crise econômica, nos territórios de favela, em meio a uma pandemia é, no mínimo, uma negligência gravíssima. Além do fato das diversas fake news sobre possíveis medicamentos que tratariam o coronavírus, fazendo com que muitos sumissem das prateleiras.
A circulação de pessoas pelas ruas da Maré e de bairros vizinhos – como Bonsucesso – tem sido muito alta, mesmo com o alto índice de óbitos na cidade do Rio. Além da percepção dos moradores, dados do Centro de Operações Rio (COR), em parceria com a Tim e a Cyberlabs, também confirmaram uma queda preocupante do isolamento social. Os cinco bairros com maior circulação estão na Zona Oeste e na Zona Norte. O primeiro, de acordo com os dados, é a região de Jacarepaguá, que registrou 3.079 pessoas durante o dia. O segundo é Campo Grande, com 2.364 pessoas, seguido de Santa Cruz com 1.961. A quarta e o quinta posições ficaram com a Zona Norte: São Cristóvão (1.954) e Ramos (1.935), bairro vizinho a Maré.
Diante disso, a prefeitura decretou a partir desta quinta-feira (07) o fechamento de alguns acessos ao calçadão de Campo Grande. Na medida chamada de lockdown parcial, grades foram instaladas nos acessos e apenas trabalhadores de serviços essenciais puderam transitar no bairro. O bairro centraliza o maior número de óbitos da cidade (40) e é o terceiro em número de casos confirmados (262).
A prefeitura estuda a ampliação da medida para outras regiões da cidade e especialistas da Fiocruz alertam para a necessidade urgente de lockdown, uma medida que prevê multa a quem estiver andando pela cidade sem ser para fazer compras ou ir ao médico. Uma espécie de isolamento obrigatório já adotada em outras cidades do Pará, Maranhão e Ceará.
Outra consequência da grande movimentação de pessoas é o número de profissionais de enfermagem no Brasil mortos pela Covid-19. De acordo com os dados reunidos pelo jornal El País, 73 profissionais morreram em decorrência da doença. O número supera o registrado pela Itália e Espanha juntas, os dois países que acumulam o maior número de mortes de enfermeiros pelo novo coronavírus.
Em duas semanas, a quantidade de pessoas negras que morrem por Covid-19 no Brasil quintuplicou. De 11 a 26 de abril, mortes de pacientes negros confirmadas pelo Governo Federal foram de pouco mais de 180 para mais de 930. Além disso, a quantidade de brasileiros negros hospitalizados por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) causada por coronavírus aumentou para 5,5 vezes. Esse foi o levantamento da Agência Pùblica, que levou em conta os dados de São Paulo, realidade não muito distante do Rio.
O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, anunciou nesta quinta-feira (07) que famílias que recebem até três salários mínimos receberão auxílio da prefeitura para realizar o enterro gratuito de seus entes durante a pandemia de coronavírus. A Secretaria de Infraestrutura, Habitação e Conservação do município do Rio oferece o sepultamento social custando até R$546, independente da situação socioeconômica.
O Clube de Regatas Flamengo divulgou nota oficial na noite de quarta-feira (06/5) que após realização de exames em 293 pessoas do clube, 38 testaram positivo para o novo coronavírus, sendo três em jogadores. Os nomes não foram revelados.
Um edital vai selecionar 20 organizações ou coletivos de comunicação popular, comunitária ou independente para apoiar no contexto das crises política, econômica, social e de saúde pública diante expansão da Covid-19 no Brasil. Os coletivos selecionados receberão um apoio de R$ 8.000 cada e integrarão a rede de comunicação da campanha #CompartilheInformação #CompartilheSaúde, que busca fortalecer o direito humano à informação neste contexto. Mais informações: http://artigo19.org/blog/2020/05/07/chamada-aberta-compartilheinformacao-compartilhesaude-saiba-como-participar-e-submeta-uma-proposta/
Outra iniciativa positiva é a do músico Rodrigo Viegas. O artista vai fazer nessa sexta-feira, dia 08 de maio, uma live arrecadando doações para a campanha Maré Diz NÃO ao Coronavírus, da Redes da Maré. Basta acessar o canal do YouTube do músico às 21h30.
Entenda a diferença entre algumas medidas de restrição:
Isolamento social – é, a princípio, uma sugestão preventiva para que as pessoas fiquem em casa;
Quarentena – é uma determinação oficial de isolamento decretada por um governo;
Lockdown – é uma medida de bloqueio total que, em geral, inclui também o fechamento de vias e proíbe deslocamentos e viagens não essenciais.
Levantamento da Pública mostra que mortes e hospitalizações de pretos e pardos sobem mais que em brancos; em São Paulo, recorde de mortes ocorre onde população negra é maior
Em duas semanas, a quantidade de pessoas negras que morrem por Covid-19 no Brasil quintuplicou. De 11 a 26 de abril, mortes de pacientes negros confirmadas pelo Governo Federal foram de pouco mais de 180 para mais de 930. Além disso, a quantidade de brasileiros negros hospitalizados por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) causada por coronavírus aumentou para 5,5 vezes.
Já o aumento de mortes de pacientes brancos foi bem menor: nas mesmas duas semanas, o número chegou a pouco mais que o triplo. E o número de brasileiros brancos hospitalizados aumentou em proporção parecida.
A explosão de casos de negros que são hospitalizados ou morrem por Covid-19 tem escancarado as desigualdades raciais no Brasil: entre negros, há uma morte a cada três hospitalizados por SRAG causada pelo coronavírus; já entre brancos, há uma morte a cada 4,4 hospitalizações.
Os dados são resultado de uma análise feita pela Agência Pública com base nos boletins epidemiológicos do Ministério da Saúde que possuem informações de raça e cor de internações e mortes por coronavírus. O Governo Federal divulgou esses números atualizados apenas até 26 de abril.
Covas abertas no cemitério Vila Nova Cachoeirinha, que atende a Brasilândia, bairro onde negros são metade da população e tem o maior número de mortes por Covid-19 – José Cícero da Silva/Agência Pública
Para cada morte em Moema, quatro morrem na Brasilândia
Em São Paulo, na maior cidade do país e a que conta maior número de mortes por Covid-19, são os bairros onde a população negra está mais concentrada que trazem a maior quantidade de óbitos pela doença. Segundo a Pública apurou, dos dez bairros com maior número absoluto de mortes causadas pelo coronavírus, oito têm mais negros que a média de São Paulo.
O bairro com maior número absoluto de mortes é a Brasilândia, com 103 casos. A região tem cerca de 50% da população negra — a média de São Paulo é de 37%. No extremo oposto, o bairro com menos negros da cidade, Moema, teve 26 mortes. A média de negros na região é de menos de 6%.
Mesmo ajustando-se as mortes à população, os dois bairros têm realidades diferentes: em comparação ao número de moradores de Moema, Brasilândia tem cerca de 25% a mais de mortes. A Pública considerou os dados do último Censo (2010) para os cálculos de população e raça/cor dos moradores.
Bairros da periferia e com mais moradores negros que a média de São Paulo têm visto os casos de Covid-19 dispararem — e com eles, as mortes. O Jardim Ângela, bairro com maior porcentagem de negros de toda a cidade, viu as mortes por coronavírus quase que triplicarem em cerca de duas semanas. Grajaú, Parelheiros, Itaim Paulista, Jardim Helena, Capão Redondo e Pedreira, todos bairros com maioria da população negra, mais que dobraram as mortes por Covid-19 nesse mesmo período.
O avanço do coronavírus na periferia de São Paulo vem encurtando a distância de mortes entre bairros mais ricos, onde surgiram os primeiros casos de Covid-19. Em 17 de abril, bairros com menos população negra que a média da cidade tinham 13% a mais de mortes que as regiões onde moram mais negros. Duas semanas depois, essa diferença caiu para 3%. Se a tendência se mantiver, os bairros onde vivem mais negros que a média da cidade devem ultrapassar os bairros onde vivem menos negros.
O jornalista Lucas Veloso, cofundador da Agência Mural de Jornalismo das Periferias, mora em uma das principais avenidas de Guaianases, bairro localizado no extremo leste da cidade de São Paulo. Ele observa que o movimento de transeuntes no local aumentou nas últimas semanas, em comparação à semana do dia 24 de março, quando o governador João Doria (PSDB) instituiu a quarentena no estado. “Nas duas primeiras semanas [depois do anúncio do decreto], as ruas estavam de fato mais desertas. O movimento da feira que acontece às quartas, por exemplo, tinha caído muito. Havia poucas barracas, poucos feirantes. Mas depois da terceira e quarta semanas, percebi que isso mudou”, relata.
Segundo ele, parte da população local não conseguiu parar por questões de renda. “Muitos dos que moram nas periferias fazem parte dos serviços essenciais. Então, o transporte público de manhã, na estação de trem, não diminuiu tanto. São entregadores, enfermeiros, seguranças. Então, como é um bairro pobre, de periferia, que muitas pessoas estão sujeitas a subempregos, o bairro não consegue parar totalmente”, analisa o jornalista.
Agora, ele observa que até mesmo as pessoas que conseguiam ficar em casa relaxaram as restrições da quarentena. “As pessoas tinham a esperança, no começo, de conseguir o auxílio emergencial do governo e não precisar sair de casa. Só que tem todas essas burocracias que as pessoas não conseguiram resolver, muitas pessoas não têm qualidade de internet e não conseguiram baixar o aplicativo, aí o dinheiro do auxílio não vem. Isso também é um fator que faz as pessoas voltarem às ruas.”
Os locais onde vivem mais negros são justamente os com menor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM). Os dez bairros com pior IDHM em São Paulo têm mais negros que a média da cidade. Já os dez com melhor IDHM têm menos negros que a média. Nos dez bairros com maior número absoluto de mortes, oito têm IDHM considerado médio, abaixo de 0,8. São justamente esses oito bairros onde a média de moradores negros está acima da média da cidade.
No Rio, bairros com mais negros que a média da cidade já acumulam mais mortes
PMRJ
No Rio, crescimento de casos de Covid-19 em bairros onde há mais moradores negros que a média da cidade tem levado essas áreas a registrarem cada vez mais mortes Na capital carioca, os bairros com mais negros que a média da cidade já têm mais mortes em número absoluto que os bairros com menos negros.
O crescimento de casos na periferia e nas favelas levou essas regiões a registrarem cada vez mais falecimentos. Atualmente, Campo Grande, com mais de 50% de moradores negros, é o bairro com mais mortes. A região passou Copacabana, que antes era o local com maior número absoluto de falecidos pela Covid-19. Após Copacabana, Bangu e Realengo, dois bairros com maioria da população negra, ocupam o 3 e 4º lugar com mais mortes na cidade.
A Rocinha, maior favela da cidade, já conta nove mortes nos dados oficiais. Médicos que atendem a comunidade contestam o número e apontam que já haveria 22 mortes na favela.
A relação entre quantidade de casos confirmados e mortes também é bastante diferente entre bairros ricos e pobres do Rio de Janeiro, o que pode apontar dificuldade de moradores das favelas e da periferia de fazerem exames. Na Rocinha, por exemplo, há mais que o dobro de mortes em relação aos casos confirmados que no Leblon. Os bairros com mais casos confirmados são Copacabana e a Barra da Tijuca.
No Amazonas, com colapso do SUS, brancos sobrevivem mais que negros
No Amazonas, entre as pessoas que desenvolvem quadros graves da Covid-19, são mais frequentes mortes de negros que brancos. Segundo a Pública apurou, a cada 2,4 negros em estado grave, há uma morte. Já entre brancos, uma morte foi registrada a cada 3,2 pacientes em situação grave.
O estado, que foi o primeiro a ter lotação máxima de unidades de terapia intensiva para pacientes com Covid-19, tem registrado um aumento mais expressivo entre negros em estado grave que entre brancos. No final de abril, em menos de uma semana, a quantidade de pacientes negros em situação grave mais que dobrou.
A maioria absoluta das mortes no Amazonas são de negros: mais de 13 negros morreram para cada falecimento de branco. A secretaria de saúde já registrou cerca de 850 doentes negros em situação grave e mais de 340 mortes. Já entre brancos, foram 81 casos graves e 25 mortes. Os dados de raça e cor foram atualizados em 29 de abril.
Em Manaus, a primeira cidade brasileira a registrar colapso do sistema de saúde público, mais de 13 pacientes negros morreram para cada morte entre brancos – Alex Pazuello/Semcom
Ministério da Saúde diz que não há estudos que apontem raça como fator de risco Apesar dos dados mostrarem que negros tiveram maior aumento de óbitos e registram mais mortes entre hospitalizados, o Governo Federal não divulga em detalhes essas informações. Não há, por exemplo, a informação de quantos casos foram confirmados por raça/cor ou o número de testes em negros, brancos e outros grupos.
Como explica Rita Borret, da Sociedade Brasileira de Medicina da Família e Comunidade, não divulgar esses dados impede que profissionais de saúde, a imprensa, pesquisadores e mesmo a população acompanhem se a subnotificação em negros é maior que em brancos. A médica explica que negros dependem mais do Sistema Único de Saúde (SUS) — uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indicava que, em
2008, a população negra representava 67% dos usuários do SUS.
“Se o acesso ao exame está difícil no sistema público, como você consegue saber se um paciente negro confirmou ou não a doença? E se há pessoas que sequer estão tendo a chance de serem atendidas, inclusive para internação, sabemos que a Covid-19 está subnotificada na população negra, mas não sabemos quanto”, analisa.
Foi o grupo de trabalho de saúde da população negra, da qual Borret faz parte, que pediu ao Ministério da Saúde que publicasse dados de raça/cor de mortos por coronavírus. O governo só passou a divulgar os dados no boletim referente a 11 de abril, sem detalhar dados de casos confirmados ou de testes. Questionado sobre a falta de dados mais completos, o ministério, já sob a gestão de Nelson Teich, chegou a afirmar que não há “estudos técnicos ou científicos que apontem cor ou raça como fator de risco da doença”.
“Nós sabemos disso, o problema não é raça, mas o racismo, que dificulta o acesso de negros à saúde. O acesso à saúde da população negra é muito pior que da população branca no país. E a gente não tem tempo, o coronavírus não dá tempo para fazermos um trabalho pedagógico sobre a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Precisamos que o Ministério esteja atento a essas questões o tempo todo, como está escrito na Lei.”, critica Borret.
Para Fernanda Campagnucci, diretora-executiva da Open Knowledge Brasil (OKBR), a ausência de dados sobre raça e cor é um problema para a análise do impacto que a Covid-19 tem em diferentes grupos. “Em alguns lugares começaram a fazer análises sobre como a população negra tem sido afetada de forma desproporcional, como nos Estados Unidos, por exemplo. Isso pode estar relacionado a diversos outros fatores, mas é importante ter o dado para começar a fazer esse tipo de análise aqui no Brasil”.
O último boletim Transparência Covid-19, publicação semanal organizada pela OKBR que avalia a transparência dos estados e Governo Federal na divulgação dos dados da pandemia, apontou que 32% dos estados divulgam seus microdados. Dos estados que disponibilizam seus microdados, apenas o Espírito Santo disponibiliza a base incluindo dados sobre raça/cor; no entanto, essa informação não é preenchida em todos os casos registrados (dos 3208 registros coletados até o dia 3 de maio, 1094 tinham o campo raça/cor ignorado).
No último dia 5, a Justiça Federal do Rio de Janeiro determinou que registro e divulgação de casos de coronavírus no país tenham obrigatoriamente informações sobre a raça/cor dos infectados.
Falta de dados sobre população negra é problema histórico no Brasil
A falta de dados oficiais sobre raça é histórica no país, afirma o advogado Daniel Teixeira. Ele é diretor do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), organização não-governamental voltada para a promoção da igualdade de raça e de gênero.
“Há vários fatores que podem explicar essa alta letalidade [da Covid-19 entre a população negra]. Justamente, ter informações melhores significa a gente, inclusive, confirmar ou até excluir a importância ou relevância de cada um desses fatores, conforme o caso. Porque aí está a riqueza que os dados podem fazer”, defende Teixeira, que diz que a falta deles pode ser “desastrosa”. O pesquisador pondera que a lacuna não ocorre apenas na área da saúde e é comum no país. “A falta desse tipo de recorte pode ser um impeditivo para que a gente tenha políticas públicas que deem conta dessa situação que, historicamente, desconsidera as dimensões de desigualdades estruturais no Brasil”, diz Teixeira.
A jornalista Christiane Gomes, coordenadora de projetos da Fundação Rosa Luxemburgo, em São Paulo, e integrante do coletivo negro Ilú Obá de Min, afirma que a pandemia escancara a desigualdade racial do Brasil, “fruto de um passado colonial que persiste ainda hoje”. “No começo da pandemia, se dizia muito que o vírus não escolhe classe social nem raça. Mas isso é uma falácia e os próprios números que comparam a quantidade de mortes em bairros como o Morumbi e a Brasilândia exemplificam isso”, afirma.
Ela pontua que o problema não é somente um reflexo da pobreza, mas que a discussão também tem que considerar gênero e raça. “Por exemplo, quem trabalha mais no trabalho doméstico? São as mulheres negras. Quem trabalha mais nos serviços de estrutura, de segurança? Enfim, que é a base da pirâmide social brasileira? É a população negra. Então, é essa população que está mais vulnerável e é a que menos consegue fazer isolamento social. Estamos falando de um problema macro, o Brasil é um país que tem o racismo na sua estrutura”, analisa Gomes, que defende maior transparência de dados da pandemia provocada pelo novo coronavírus, com o objetivo de orientar a gestão pública.
Prefeitura de Nova Iorque
Nos EUA, letalidade do coronavírus também é maior entre negros
O advogado Daniel Teixeira, diretor do Ceert, lembra que a falta de transparência sobre os dados raciais da pandemia também ocorreu em outros países, como os EUA, que oficialmente lidera o número de casos de infecções pelo novo coronavírus no mundo. “No CDC, Centers for Disease Control and Prevention, órgão que monitora os dados referentes à Covid-19 e outras doenças, também não se tem tido uma leitura ampla em relação aos dados”, pondera o especialista.
A pouca disponibilidade dos dados raciais levou a Johns Hopkins University, instituição que é referência na área de saúde no país, lançar um mapa mostrando quais estados norte-americanos têm produzido recortes raciais sobre a nova pandemia. De acordo com o mapeamento da universidade, apenas dois dos 50 estados norte-americanos, Illinois e Kansas, têm estatísticas raciais completas sobre casos confirmados, óbitos e testes para o novo coronavírus.
Desde a publicação do levantamento, houve melhora na transparência: o número de estados que disponibilizam dados raciais sobre os casos confirmados subiu de 34 para 42; já o número de estados que também disponibilizam dados raciais sobre as mortes provocadas pela Covid-19 subiu de 26 para 38.
“Eles estão monitorando e falando da importância para que o façam. É um apelo da universidade, para que isso seja considerado, tendo em vista o impacto desproporcional que já se verifica nos estados e cidades que já fazem esse monitoramento com recorte”, diz Teixeira.
Com os dados, foi possível atestar a maior letalidade da doença entre as comunidades negras no país, como mostraram reportagens da Reuters, sobre maior probabilidade de negros morrerem ao contrair Covid-19 e do Washington Post que repercutiu um estudo na Geórgia, que revelou desproporcionalidade da hospitalização de pessoas negras por Covid-19 no estado.
Teixeira alerta que os números disponíveis, nos EUA e no Brasil, ressaltam “a doença constante do racismo estrutural que se auto reproduz. “Essa é questão central do racismo. Não à toa que um dos movimentos mais fortes dos EUA hoje é o Black Lives Matter, as vidas negras importam. Essa afirmação se dá porque a morte [da população negra] desde sempre e cada vez mais é vista como parte da paisagem social. A ponto de haver pouca revolta com relação a essas mortes, em tão maior quantidade da população negra.”