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Os cuidados começam no útero

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A segunda reportagem sobre a Primeira Infância traz, no Maré de Notícias, informações sobre a importância da atenção ao bebê ainda no útero e à mãe, garantindo a saúde dos dois e criando laços afetivos

Maré de Notícias #107 – Dezembro de 2019

Flavia Veloso

Na primeira reportagem da série sobre a Educação na Primeira Infância – Edição 106 -, o Maré de Notícias explica que a atenção da família à criança da faixa etária que vai até os 6 anos de idade é crucial, pois nesse momento são formados os tecidos neuromusculares, tornando um período propício para absorver informações e fixá-las.

O desenvolvimento de um feto ocorre de forma muito rápida, portanto, é importante que a mãe se cuide desde o início da gravidez. Ela deve revisar e atualizar, se preciso, sua própria carteira de vacinações e é aconselhável que proporcione a si mesma uma melhor alimentação e suspensão ou moderação com o consumo de bebidas alcoólicas. São atitudes que a mantém saudável e também evitam que o bebê se exponha a riscos que possam acompanhá-lo por toda a vida, como problemas motores, de inteligência, habilidades para absorver conhecimentos e até na saúde física ou emocional.

Recomenda-se uso de ácido fólico desde o início da gravidez, para que a formação do feto não seja prejudicada. “Por uma questão nutricional, aqui no Brasil, é comum que as gestantes tenham baixo nível de ácido fólico no organismo, já que não temos suplemento dessa substância nos alimentos”, explica Luiz Celso Vilanova, neurologista e professor da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

Embora não sejam totalmente conclusivos, existem estudos que buscam provar se os sintomas de estresse e ansiedade vividos pela gestante geram consequências negativas à criança depois do nascimento e até mesmo na vida adulta. Má formação do sistema nervoso central, prematuridade e baixo peso ao nascer são alguns dos problemas que podem ser causados pelo estresse da mãe.

Os injustos fatores externos

A gravidez não é um acontecimento fácil. As, aproximadamente, 40 semanas da gravidez são, sem dúvida, um período desafiador para a mulher. Mesmo nas gestações sem quaisquer complicações sérias, gerar um ser dentro de si mexe com o funcionamento de todo o corpo da mãe.

Segundo o médico e professor, é entre a 22ª e 24ª, mais ou menos, que os sentidos do bebê começam a ficar atentos. Ele ouve os sons exteriores, a voz da mãe e até consegue sentir os batimentos cardíacos maternos. É a fase em que as pessoas já podem socializar com a criança e começar os laços afetivos com ela. 

Naturalmente, a mulher fica mais ansiosa e preocupada durante a gravidez, e ainda há fatores externos que influenciam o emocional de uma  gestante, principalmente quando ela vive em situações socioeconômicas que não a garantem direitos básicos. O baixo poder aquisitivo pode restringir o acesso à saúde e à educação, expondo os pais e a família a diversos riscos. 

De acordo com o Dr. Luiz Celso Vilanova, isso também está associado à depressão materna e até à rejeição da família pela criança. “O bebê, no útero, acaba absorvendo os conflitos emocionais”, completa o neurologista. Por esse motivo, o apoio das pessoas mais próximas tranquiliza o momento de quem está gestando, sendo crucial para amenizar as questões externas.

Acompanhamento gratuito

Todo o período do pré-natal pode ser feito de maneira gratuita no Brasil, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), que é gerido, no Rio de Janeiro, pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS). O serviço prestado às gestantes da cidade é o programa “Cegonha Carioca”, que faz o acompanhamento desde o pré-natal até o parto, realizando exames e garantindo o melhor cuidado à mãe e ao bebê.

O programa proporciona estrutura e ações educativas a quem está gestando e a seu companheiro ou companheira, para que a gestante seja dignamente acolhida nesse período de intensas mudanças. Fazer uso desse equipamento pode ajudar na orientação das famílias, para melhor ponto de partida e acolhimento ao novo membro que vai chegar.

Esporte é vida

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Lazer, disciplina, respeito aos adversários e saúde: estes são apenas alguns dos muitos benefícios que o esporte traz para pessoas de todas as idades

Maré de Notícias #107 – Dezembro de 2019

Hélio Euclides

A definição de esporte é: prática individual ou coletiva, de jogo ou qualquer atividade que demande exercício físico, com fins de recreação, manutenção do condicionamento corporal e da saúde e/ou competição. Uma atividade sistemática, com uma organização preestabelecida, com regras. Ao andar pela Maré, percebe-se, cada vez mais, o aumento de projetos que estimulam a prática de esportes e atividades físicas. Em alguns casos, para lutar contra o sedentarismo; em outros, para desenvolver uma técnica esportiva.

Mas nem tudo são flores na vida de um atleta. Um dos obstáculos é a especulação imobiliária, que causa a diminuição dos espaços para o esporte e o lazer. Em toda a cidade é escassa a construção de praças e quadras. Na favela, até as calçadas estão desaparecendo.

Cuidados com a prática esportiva

Flávio Alves, professor de Educação Física e gestor de projetos, lembra que antes de começar uma atividade física é recomendado procurar um médico para um check-up. “Isso é para adultos e crianças. Um mínimo de esforço pode ocasionar uma parada cardiorrespiratória. Outro ponto é verificar se o professor é formado. Com o esporte praticado sem um profissional capacitado [para orientar] aumenta o número de pessoas com lesões na coluna e nos joelhos”, lembra.

O professor fica triste quando o esporte é usado para outros fins. Um desses momentos foi o Movimento Esporte Para Todos, que surgiu no Brasil em 1973. “O problema é que vinha por trás, com a política do pão e circo, uma forma de alienação por parte dos governantes militares. Com isso, as pessoas ficavam envolvidas com o esporte e esqueciam as questões políticas discutidas na época”, diz Flávio.

A visão do coração no esporte

Felipe Gomes é um exemplo de superação. Nasceu com glaucoma, teve catarata e ainda descolamento da retina. Com a perda da visão, o menino encontrou no atletismo uma forma de vencer esse obstáculo. Suas últimas conquistas foram duas pratas no Parapan, nos 100 e 400 metros e, recentemente, no Mundial, em Dubai, com dois bronzes, nos 100 e 400 metros. “Muitas vezes não dão importância aos especiais, mas ele conquistou o seu espaço”, acrescenta Denise Ramos, mãe de Felipe.

“Pelo esporte temos outra vivência e ampliamos novos horizontes. Sou morador de favela e o esporte me permitiu conhecer quatro Continentes, participei das maiores competições do mundo e ganhei todas elas”, conta Felipe. Por não ter local onde treinar, o atleta teve de mudar de cidade. “Hoje eu moro em São Paulo, mas tenho minha casa na Nova Holanda, que é minha base e onde encontro minha família”, comenta.

O esporte como paixão

Paixão Fla Maré: segundo diretora Simone Cristina, torcida é a maior do território | Foto: Douglas Lopes

Segundo o Censo Maré, realizado pela Redes da Maré, o conjunto de favelas reúne mais de 76 mil moradores que torcem por algum time de futebol. Desses, mais de 45 mil são flamenguistas. Esse amor rubro-negro fez surgir organizações como a torcida “Paixão Fla Maré”, fundada em 2016. A organização já inspirou outras duas torcidas: a “Paixão Fla Bagdá”, da Vila do João, e a “Fla Merengue”, do Salsa e Merengue. “Hoje somos a maior torcida dentro da favela. Vem gente de todos os lugares”, conta Simone Cristina, diretora da “Paixão Fla Maré”.

Em todos os jogos do Flamengo, o “Paixão Fla Maré” fecha a Via B/3, na Vila dos Pinheiros, com bandeirões no alto das casas e direito à bateria. “O foco é quem não tem condição de ir ao Maracanã, mas quer torcer no mesmo clima”, revela o ex-vascaíno, Nilson Chefão, presidente da torcida. Para quem desejar conhecer, eles garantem que o clima é familiar, com direito a pula-pula para as crianças.

A luta das crianças

Caio Yarlen, de 12 anos; Guilherme Vieira; Vivana Gentil; e Pedro Yago, todos de 14 anos, tentam derrubar seu principal adversário: a falta de patrocínio para participar do Campeonato Pan kids de Jiu-Jitsu, na Califórnia/Estados Unidos. Para conseguir o objetivo, os pais realizam rifas e devem criar uma vaquinha virtual única para os quatro. As crianças fazem parte do “Maré Top Team” (que significa melhor time), localizado no Parque União. O grupo é liderado pelo mestre Douglas Gentil, pai da atleta Vivana. “No início, quando chegávamos, os adversários falavam que não aceitavam perder para aluno de projeto e favelado. Hoje, somos favoritos nas competições que disputamos”, conta.

Apesar de não terem ainda passaporte, visto, passagens, estadia e alimentação, os atletas não param de treinar para fazer bonito nos Estados Unidos. “Eu luto contra a discriminação, para mostrar que aqui tem futuro. Me sinto orgulhoso de levar o nome da favela nas competições”, destaca Pedro. Para Caio, o esporte é uma realização: “Sinto alegria em estar no tatame, não consigo ficar sem lutar”, afirma. Agora, fica a torcida para que os quatro atletas cheguem ao tão esperado objetivo de participar dessa competição mundial.

Outro projeto que trabalha as artes marciais na infância é o “Luta pela Paz”. A instituição trabalha o esporte por meio de cinco linhas de ação: Boxe e artes marciais; Educação; Empregabilidade; Suporte Social e Liderança Juvenil. O objetivo é trabalhar o esporte e o desenvolvimento social. “Entendemos que não é só o esporte que vai mudar lá na frente, tem de ter um conjunto de ações para obter um resultado. O esporte com outras atividades faz a diferença”, conta Ana Caroline Belo, gerente de programa do “Luta Pela Paz”.

O projeto atendeu 1.800 jovens, de janeiro a setembro deste ano, todos estudando. Roberto Custódio é coordenador esportivo e educador do “Luta Pela Paz”, mas antes foi boxeador medalhista de ouro no Pan 2015 e, por 11 anos, atuou na seleção. “O esporte é benéfico para o desenvolvimento integral, trabalha a mente, ajuda no comportamento e na vivência”, explica.

BOXE:

Alguns espaços para a prática de esportes

Treino Funcional – Rua Joaquim Nabuco, 69 – Parque Maré

De segunda a sexta, das 6h às 15h; e das 18h às 22h

Mensalidade: R$ 30,00

Treino Funcional – na Praça da Nova Holanda

De segunda a sexta, das 6h às 7h; e das 19h às 20h

Mensalidade: R$ 30,00

Treino Funcional – na areia da Praia de Ramos

Segunda, quarta e sexta, das 17 às 19h; terça, quarta e quinta, das 9h às 10h

Mensalidade: R$ 40,00

Escolinha de futebol do Flávio – no Campo da Paty, Nova Holanda

Segunda, terça, quarta e quinta, das 15h20 até 16h40

Inscrições abertas em 2020, para a faixa etária de 3 a 25 anos

Mensalidade: R$ 30,00

Escolinha de futebol do Jandré – no Campo do São Cristóvão

Av. Brigadeiro Trompowski, 580 – Parque União

Faixa etária: de 6 a 14 anos

Mensalidade: R$ 50,00

Maré Top Team – Rua Ari Leão, 33 (3º andar da Associação de Moradores do Parque União)

Oferece Jiu-Jitsu, karatê, capoeira, Muay thai e boxe.

Oferece Jiu-Jitsu, karatê, capoeira, Muay thai e boxe.
De segunda a sexta: das 10h às 22h

Modalidades gratuitas.

Luta pela Paz – Rua Teixeira Ribeiro, 900 – Nova Holanda

Boxe, capoeira, luta olímpica, luta livre, judô, Jiu-Jitsu, Muay thai.

Faixa etária: de 6 a 29 anos

Modalidades gratuitas, com fornecimento de equipamento e uniforme.

Vila Olímpica da Maré – Rua Tancredo Neves, s/nº – Nova Maré

Alongamento, ballet baby, ballet infantil, ballet fitness adulto, caminhada orientada, dança de salão, equilíbrio, futebol, ginástica mix, karatê, hidroginástica, iniciação esportiva, natação família, natação infantil, natação adulto, Muay thai, treinamento funcional e zumba. Futsal em parceria com a Fundação Barcelona. Atividades esportivas para pessoas com deficiência em parceria com o Instituto Jacqueline Terto.

Modalidades gratuitas.

#LiberdadeRennanDaPenha

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Funkeiro, libertado em novembro, ainda terá o habeas corpus que determinou sua soltura analisado; sua prisão é vista por muitos como mais uma forma de criminalizar e  discriminar o funk.

Thaynara Santos

No último dia 23, Rennan da Penha, foi libertado do presídio Bangu 9, na Zona Oeste do Rio. O pedido pela liberdade do DJ foi formalizado pela Defesa no dia 11, e só foi possível por conta da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 7 de novembro, que derrubou a possibilidade de prisão de condenados em segunda instância. Ele foi inocentado das acusações em primeira instância, mas após recurso do Ministério Público do Rio (MPRJ), foi decretada sua prisão. O produtor musical ainda não está em total liberdade. O habeas corpus concedido a Rennan pelo STJ (Supremo Tribunal de Justiça) determina que a situação do acusado seja analisada com urgência. 

A prisão preventiva do DJ foi decretada em março deste ano. Rennan foi apontado como “olheiro” do tráfico e condenado a seis anos e oito meses (em regime fechado) pelo crime de associação ao tráfico pelo desembargador Antônio Carlos Nascimento Amado, da Terceira Câmara Criminal. Além disso, suas músicas foram consideradas como “apologia ao tráfico de drogas”.

Criminalização do funk

Rennan da Penha é um dos DJ’s mais conhecidos da atualidade e produtor do maior baile funk de favela no Rio de Janeiro, o “Baile da Gaiola”, realizado na Vila Cruzeiro (Complexo da Penha), Zona Norte do Rio. Rennan é uma personalidade de prestígio no cenário do funk carioca e paulista. Em 2017, o funkeiro popularizou o funk 150 bpm, o ritmo que transformou o funk nacional.

Nos anos seguintes, Rennan produziu e participou de músicas de sucesso como “Me Solta”, com Nego do Borel, e “Hoje Eu Vou Parar na Gaiola”, com MC Livinho. Neste ano, foi o vencedor do Prêmio Multishow de Canção do Ano pela produção da música com Livinho.

 Durante os sete meses em que esteve detido, artistas, intelectuais e funkeiros expressaram indignação por sua prisão. Muitos protestos foram realizados pela liberdade do funkeiro. Nas redes sociais, a hashtag #LiberdadeRennanDaPenha foi utilizada milhares de vezes, em postagens de protesto.

O Datalabe, Laboratório permanente de dados e de narrativas, produziu uma linha do tempo dos últimos 10 anos da história do funk. A pesquisa traz temas como a criminalização e a gourmetização, abordando datas importantes para o atual cenário do funk nacional, como o Projeto de Lei 4124, de maio de 2018, do deputado federal Chico Alencar (Psol), que classifica o funk como forma de manifestação cultural, e o fechamento da Via Show e Barra Music, principais casas de festas no Rio de Janeiro.

Maré a Céu Aberto

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Projeto desenvolvido pela Redes da Maré com o apoio do Itaú Cultural tem como objetivo enaltecer e   resgatar a identidade e a cultura mareenses

Maré de Notícias #107 – Dezembro de 2019

Thaynara Santos

O que é um museu? Um espaço fechado que concentra muitas obras de arte ou as expressões artísticas de um povo que remetem à memória e à sua identidade? O “Maré a Céu Aberto” traz esse questionamento. O projeto, realizado pela Redes da Maré com o apoio do Itaú Cultural, busca resgatar e enaltecer a identidade e cultura mareenses, resultado de uma forte ligação com o Norte e Nordeste do País.

No projeto, foram definidas Estações de Memória (locais emblemáticos na Maré) onde serão construídas intervenções artísticas e painéis de azulejos nas fachadas das casas com referências à memória local. A escolha das Estações tem como objetivo conectar as três principais vias do Rio: as Linha Vermelha e Amarela e a Avenida Brasil. As intervenções artísticas do “Maré a Céu Aberto” integrarão os espaços escolhidos previamente e possibilitarão o resgate, pelos moradores da Maré, da sua memória territorial, evidenciarão a importância social e cultural mareense, além de combater preconceitos e estereótipos que criminalizam os moradores e a Maré.

Criação dos azulejos

As oficinas de azulejaria do “Maré a Céu Aberto” acontecem às terças e quintas-feiras, às 16h30, no prédio central da Redes da Maré, na Nova Holanda. E nas quartas-feiras, às 18h30, no Centro de Artes Calouste Gulbenkian, Rua Benedito Hipólito, 125, Centro.  Jovens, crianças e idosos são bem-vindos às aulas. Alunos da Lona Cultural Herbert Vianna, alunos do pré-vestibular da Maré e as Griots (moradoras que, por meio de suas histórias pessoais, preservam e disseminam a história do território) da Nova Holanda já participaram da produção dos azulejos.

 Leticia Felix, arquiteta e moradora do Rubens Vaz, conta a sua experiência como uma das artistas do projeto, a partir da perspectiva de “cria” da Maré: “A proposta do ‘Maré a Céu Aberto’ é riquíssima, principalmente por respeitar o olhar do morador antes de qualquer intervenção. O morador se sente parte do projeto, o que é justo, já que o espaço é do morador, para o morador e não do visitante, para o visitante (mas pode ser também para ele). Fui escolhida para ser a artista com a intervenção na Praça do Parque União. Tomei como inspiração uma das características mais expressivas da Praça, o nordestino. A Praça é tomada pelo forró nos fins de semana. Muitas pessoas vêm de fora do Complexo da Maré para prestigiar os shows, atrações e afins”, explica.

Você sabia?

Muitas experiências buscam resgatar a memória e a identidade com o auxílio da arte e da cultura pelo mundo afora. Dois exemplos são:

– Rock Garden of Chandigarh, na Índia: localizado em um espaço repleto de árvores, plantas e lagos, é um museu composto por peças totalmente recicladas. As obras foram construídas pelo artista indiano Nek Chand, a partir de entulhos das construções da cidade, o que inclui tijolos, telhas, pedaços de concreto, etc.

 – Museo Casa de la Memoria, em Medellín, na Colômbia: é um espaço que oferece aos seus frequentadores uma imersão na memória, identidade e história do ser humano, por meio de obras que exploram o sistema sensorial. A Casa de la Memoria tem como missão contribuir para a transformação da lógica da guerra em direção a práticas mais civilizadas, pela realização de processos de construção e circulação das memórias dos conflitos armados e direitos humanos. 

Apagão, não!

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Blecautes danifi cam eletrodomésticos, estragam produtos armazenados em freezers e geladeiras e ainda tornam o calor mais insuportável sem ventiladores e ares-condicionados

Maré de Notícias #107 – Dezembro de 2019

Thaynara Santos

Frequentes, principalmente, no verão, entre 22 de dezembro e 20 de março, as quedas de luz, conhecidas como “apagões”, são um pesadelo para os cidadãos. O fenômeno é um corte ou colapso temporário de energia elétrica em diferentes locais. A maior parte dos apagões regionais ou locais é causada por danos nos sistemas de alimentação ou na transmissão das redes de energia elétrica.

Após um apagão, que aconteceu há cerca de um ano, Angel Soares, de 26 anos, perdeu sua televisão. Como muitos brasileiros, a moradora da Kelson, em Marcílio Dias, não sabia de seus direitos e ficou no prejuízo. Segundo o Procon-RJ (autarquia de Proteção e Defesa do Consumidor), em casos semelhantes, o consumidor tem o direito de solicitar reparação do dano causado. Ele deve procurar a empresa, que abrirá um processo para verificação do caso, aguardar orientação da concessória de energia, que na Maré é a Light, no prazo de 15 dias (previsto na Resolução 414 de verificação, da ANEEL), e 20 dias para o ressarcimento, que pode ser o conserto, a substituição ou o pagamento do valor do produto danificado. A própria empresa deve orientar o consumidor sobre a documentação necessária.

Chuvas de verão: tempestades são uma das causas dos apagões | Foto: Douglas Lopes

Alexandre Salem, engenheiro químico e professor-associado do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia) explica que os motivos para um apagão são muitos e podem ser somados simultaneamente. O professor também afirma que esse “não é um problema da favela, é um problema sistêmico e abrangente.”

Segundo a Light, existem três principais causas para que ocorra um apagão: ligações irregulares de luz (os famosos “gatos”), que causam sobrecarga nos transformadores; violência urbana, pela qual balas perdidas podem atingir cabos de redes e transformadores; e causas naturais, como tempestades, ventos fortes e quedas de árvores.

Nzaje: a cultura como refúgio

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Artista mostra como a multiculturalidade é o fertilizante ideal para o desabrochar de talentos

Maré de Notícias #107 – Dezembro de 2019

Nicolas Quirion*

Nzaje Vieira Dias, 21 anos, é um dos integrantes do novo espetáculo da Cia Marginal. Nascido em Angola, veio para o Brasil com apenas 2 anos de idade, junto com os pais. Mas não nos enganemos! Como faz questão de reivindicar, o chão dele é aqui: “Eu sou criazão da Maré! Muito cria. Não tem nem como… conheço tudo de ponta a ponta.”

Porém, em terras cariocas, Nzaje cresceu num caldo multicultural caraterístico: “Minha família toda é de artista”, conta ele. “Dentro de casa, a cultura sempre foi africana. Quanto mais eu puder manter essa cultura em mim, melhor. Da porta pra fora, tem o Brasil; e da porta pra dentro, é outra coisa.”

Ainda adolescente, Nzaje encontrou na Maré um terreno propício para desenvolver seus talentos. O projeto “Percussão Maré”, promovido pelo seu padrinho – o músico angolano Abel Duërë – ofereceu-lhe uma ótima oportunidade de esquentar os tambores. No âmbito das oficinas, vários profissionais de destaque vinham até a Vila do João para iniciar os jovens nas técnicas musicais. Para Nzaje, a experiência foi determinante: “Teve um dia que veio um professor novo, que trouxe pedestal, microfone e guitarra. Desde esse dia, já era. Eu lembro até hoje, quando cantei naquele microfone. Mano, não sei o que aconteceu aqui. Em menos de um ano, já estava com uma banda fazendo shows.”

A Banda “Crônicos” nasceu como consequência desse afã criativo. Inicialmente formada por Nzaje e seu irmão, a formação ganhou rapidamente a participação de um violonista e um percussionista, assim como a vocalista Caê. “Ela é de mãe índia, da tribo Guajajara do Maranhão, mas é ‘cria’ da Maré também”, explicou Nzaje. Para ele, a mistura cultural pulsante no grupo fazia todo o sentido, pois “os africanos e o brasileiros compartilham uma mesma história, a colonização e a escravidão. Eu acho que é bom manter essa cultura ancestral, tanto africana quanto indígena.” A banda de hip-hop alternativo, que se destacava pelo uso de instrumentos acústicos, chegou a se apresentar em inúmeros eventos dentro e fora da Maré, durante os seus quatro anos de atividade.

Mais recentemente, depois de intensa participação nas batalhas de rimas cariocas, Nzaje tem investido numa profícua carreira solo no universo do rap. Nesta ótica, decidiu adotar como nome artístico a grafia “Nizaj”, que corresponde à pronuncia brasileira do seu nome. Sempre com uma voz profunda, de levada impecável, os últimos lançamentos dele (todos disponíveis no canal Youtube do selo Black Owl Records) dão uma ideia da sua versatilidade: em “Mentiras”, o cantor continua explorando a veia acústica que fez o sucesso da Banda “Crônicos”; a canção “Vem comigo” traz uma onda repleta de sensualidade, enquanto a sua participação em “Crônicas” – ao lado dos comparsas mareenses  da Black Owl – vem se apoiando em sonoridades mais obscuras.

“Toquei na Maré inteira. Tocar aqui é como fazer um show em casa!”, se orgulha o jovem cantor. Mas apesar da ótima recepção da qual se beneficia hoje em dia, a vida desse filho de imigrantes angolanos nem sempre foi cor de rosa. Em particular, ele lembra ter sofrido bullying na infância, por causa da sua origem africana. No entanto, a criação oferece vias potentes de superação: “Hoje, pego tudo isso de ruim que aconteceu comigo e utilizo de forma benéfica. Eu acho que essa é a questão da arte.”

Nzaje e seu irmão caçula Elmer, que já participaram também de vários grupos teatrais, foram contratados pela Cia Marginal para encarnar moradores oriundos de Angola na peça “Hoje não saio daqui”. “É um projeto muito bom, que leva as questões africanas dentro da Maré, já que é uma favela que tem uma grande quantidade de pessoas de lá”, descreve Nzaje. Representar os seus conterrâneos dentro de uma ambiciosa produção teatral é um desafio que o artista aceitou com forte consciência política, como ele afirmou: “A minha arte é militante. Eu tenho algo a zelar. Tenho o meu espaço de fala como negro, como favelado e como estrangeiro.”

*Nicolas é francês, mora atualmente na Vila dos Pinheiros e cursa doutorado na UFRJ, onde estuda a presença de imigrantes estrangeiros nas favelas do Rio de Janeiro.