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Um sentido para a vida

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Morador da Nova Holanda, Seu João acredita que plantar é uma terapia – que dá sentido à sua existência e traz a natureza para o território

Maré de Notícias #106 | Novembro de 2019

Hélio Euclides

Quem vê João Alves dos Santos, 79 anos, cuidando de plantas pelas ruas da Maré, não imagina a história de vida desse potiguar, que começou a trabalhar cedo nas terras do seu pai. Foi lá que começou o seu amor incondicional pelas plantas. Muitos anos depois, em 2013 e já no Rio de Janeiro, perdeu sua esposa, o que o levou à depressão. Para superar a doença, passou a cuidar da natureza, deixando mais verde a Maré. “Para levantar dessa situação, comecei a varrer a Rua Carmela Dutra, na Nova Holanda. Percebi que há pessoas à minha volta, que conversar faz muito bem”, conta.

Nos cinco hectares de terra do seu pai, Seu João “puxava cobra dos pés”, ou seja, era um trabalhador que não abandonava a enxada. Só que um dia sofreu um choque térmico, que o deixou paralítico por quatro anos. Foi desenganado pelos médicos, mas, com fé, tomou um remédio dado por uma vizinha, que trouxe de volta seus movimentos. À procura de um tratamento definitivo, veio para a Cidade Maravilhosa, em 1974.

Cuidar da natureza é terapia

Seu João começou a cuidar de jardins utilizando a técnica que aprendeu na agricultura. “O primeiro lugar foi na Paróquia Jesus de Nazaré, depois na Escola Estadual Professor João Borges de Moraes, onde levei um susto, tinha mato da minha altura, com 1,62 cm. Agora, na Redes da Maré, é onde tento trazer vida às plantinhas da instituição”, diz.

O mareense não se separa do carrinho de mão e do seu capacete. “Por ser branco, já me chamaram de engenheiro”, comenta. Detalhe: uma das características de Seu João é a humildade. Apesar de ser um paisagista nato, não se considera um jardineiro por desconhecer os nomes de plantas. “Sinto que plantar me anima. Dessa forma, a preguiça para mim não existe”, acrescenta.

O que o deixa triste é ver o que plantou sendo maltratado. Por isso, ensina para as pessoas que planta significa vida. E, apesar de alguns problemas de saúde, Seu João acredita que cuidar da terra virou uma terapia. “Esqueço das dificuldades, como lembrar da minha casa, que está precisando de uma reforma urgente, mas não tenho condição financeira”, diz.

Maré Verde em atividade

Após o plantio de mil mudas de plantas e árvores no fim de setembro (uma parceria com o Projeto Verdejando, uma inciativa da TV Globo), o Maré Verde continuará suas ações de educação ambiental. A próxima acontecerá nos dias 6, 7 e 8 de dezembro, quando será realizado o 2º Encontro de Saneamento da Maré, no Parque Ecológico da Vila do Pinheiro – uma parceria com o data_labe, que será marcada por um mutirão de plantio. “Importante é lembrar que a Maré está entre as principais vias da cidade. Por isso, precisa de arborização, para se ter um impacto na saúde e na qualidade de vida. O desafio é conseguir uma consciência para o verde, como o fim do lixo espalhado”, explica Julia Rossi, bióloga e coordenadora do projeto Maré Verde.

Criação de uma composteira no espaço da Comlurb

Você sabia?

O Maré Verde, iniciado em 2018, é um projeto da Redes da Maré que visa desenvolver atividades de educação ambiental e mobilização social, que envolvam a comunidade escolar, moradores, catadores, Comlurb e outros atores locais.

Quem levanta a Maré

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O Bairro não para de crescer e conta com a força e a habilidade de pedreiros, ajudantes e mestres de obras para isso

Maré de Notícias #106 – novembro de 2019

Thaynara Santos

O conjunto de favelas da Maré foi consolidado entre os anos 1940 e 2000, a partir do trabalho coletivo e da necessidade dos próprios moradores ou por meio de programas habitacionais promovidos pelo Estado. Atualmente, 64,3% dos domicílios das 16 favelas da Maré são próprios. Boa parte das casas ainda é habitada pelas mesmas famílias que a ergueram. Em 1994, a Lei Municipal n° 2.119 aprovou a criação do Bairro Maré. Em oito décadas de existência, residências, comércios, bares e mercados foram construídos à margem da Avenida Brasil, por meio de ocupação espontânea (no início, muitas casas eram construídas em palafitas) e de intervenção pública. A Maré não para de crescer e, para isso, conta com o auxílio específico de uma categoria profissional: os trabalhadores da Construção Civil, sejam eles pedreiros, ajudantes ou mestre de obras.

Um desses muitos profissionais mareenses é José Francisco do Nascimento, de 30 anos. Pedreiro e morador da Nova Holanda, Francisco veio de Natal, Rio Grande do Norte, ainda pequeno. O pedreiro conta que o conhecimento da profissão passou de pai para filho e que cresceu em canteiros de obras, acompanhando o trabalho do pai. “Já tem uns 20 anos que eu trabalho nessa profissão, mas eu comecei como ajudante, olhando para aprender. Eu comecei mais por conta do meu pai, que é pedreiro desde que eu o conheço (risos). Gosto muito da minha profissão, porque é o que está me ajudando a sobreviver; está muito difícil conseguir emprego e estou desde criança trabalhando com isso, só sei fazer isso, então procuro fazer o melhor. Cada dia me especializando em alguma coisa. Já trabalhei em obras na Nova Holanda, na Baixa do Sapateiro, Vila dos Pinheiros, Vila do João, muitos lugares.”

José Francisco dos Santos | Foto: Douglas Lopes

Qualidade e compromisso

Por sua vez, Alexandre Goulart, de 37 anos, diz que aprendeu tudo sozinho, apenas “metendo a mão, errando, acertando e com a ajuda de Deus.” O morador do Parque União explica que a profissão que escolheu para sua vida, muitas vezes, é manchada pelas atitudes erradas de outros profissionais. “Para você ser um bom pedreiro, não importa o valor que você vai ganhar, o foco não é ganhar dinheiro. Porque tem duas diferenças, entre quem ganha o dinheiro e quem não entrega a obra. Eu trabalho de outra forma, eu recebo pouco, mas entrego a obra. Eu busco fazer um preço justo, que dê para o cliente pagar e entrego um serviço com qualidade: no prumo, na régua, no nível, na trena. Tudo no bom estado. Não adianta pegar a obra e depois o cliente precisar de mais dinheiro para refazer.”

José Francisco tem a mesma opinião sobre a ética do seu trabalho. “Todas as obras que eu faço, mesmo que seja só um quartinho ou botar uma cerâmica no chão, que leva mais ou menos um dia, são muito importantes para mim, porque eu gosto de mostrar o meu valor e que as pessoas vejam o valor que o pedreiro tem. Sempre tento fazer o melhor possível, não tem essa de obra melhor ou mais importante. A maioria das obras que eu fiz, foi aqui na Maré, apesar de ter trabalhado para alguns famosos. A gente precisa pegar todos os trabalhos que aparecem, mesmo que sejam pequenos e fazer com a maior responsabilidade e comprometimento”, diz o morador da Nova Holanda.

Um trabalho ainda desvalorizado

O trabalho exercido pelo pedreiro pode ser entendido como um dos ofícios mais antigos do mundo. Mesmo assim, seus profissionais ainda sofrem preconceitos e nem sempre têm seu trabalho valorizado. Nas vagas formais da área, divulgadas em sites de emprego, muitas vezes os únicos requisitos do contratante são o Ensino Fundamental incompleto e experiência anterior em obras. Existem alguns cursos e escolas de formação na área da Construção Civil, mas o aprendizado, normalmente, acontece no dia a dia de um canteiro de obras.

Muitos acreditam que pedreiros não possuem um nível alto de escolaridade e que são pessoas pobres que só servem para serviços pesados. Mas isso não corresponde à realidade: um pedreiro precisa ter noções básicas de diferentes aspectos que envolvem uma construção, como rede hidráulica e elétrica, saber fazer cálculos, escolher materiais, estar antenado com as novidades do mercado da Construção Civil, manusear diferentes ferramentas, entre muitos requisitos. “Não tem muita formação para essas coisas de pedreiro, então a gente precisa demonstrar conhecimentos, ter boas ferramentas, ter um material de qualidade, chegar no horário certo, ter respeito ao cliente e entregar o serviço sempre no prazo”, explica Francisco.

Construção Civil: geração de empregos e potencialização da economia na Maré | Foto: Douglas Lopes

Mulheres com a mão na massa

A Construção Civil ainda é uma área dominada por homens, mas o número de mulheres atuando em obras aumenta a cada dia. O surgimento de novos equipamentos e materiais de qualidade ajudam na mudança desse cenário. A presença feminina nos canteiros de obras busca confrontar o senso comum que afirma que mulheres não podem empreender os mesmos esforços físicos que os homens.

No Rio de Janeiro, o projeto Mão na Massa oferece cursos de formação, palestras e a possibilidade de inclusão no mercado de trabalho para mulheres que desejam trabalhar com Construção Civil. A iniciativa é da engenheira civil Deise Gravina, que realiza este ano a 16ª Edição do projeto. O público-alvo são mulheres de 18 a 45 anos, com Ensino Fundamental incompleto. A execução do projeto é do Instituto Maria Imaculada (IPPCAMI) e o financiamento é da Petrobras.

Especialização e mercado de trabalho

Existem muitos cursos na área e a dica é procurar um mais próximo de casa, com o melhor custo/benefício e ficar atento aos requisitos como idade e escolaridade. Instituições como o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Social da Indústria da Construção do Rio de Janeiro (Seconci-Rio) oferecem cursos de qualificação profissional, como: pedreiro de alvenaria, mestre de obras, pedreiro de revestimento, encanador, carpinteiro, entre outros.

A Redes da Maré oferece o curso Drywall (280 horas). Drywall significa “parede seca”, em Português, e é uma tecnologia que substitui as vedações internas convencionais de edifícios, como paredes, tetos e revestimentos, por placas de gesso parafusadas em estruturas de perfis de aço galvanizado. O curso tem como objetivo oferecer uma qualificação técnica na área da Construção Civil e tem duração de cinco meses. Público-alvo:  moradores da Maré, de 18 a 30 anos e que tenham o Ensino Fundamental completo.

Você sabia?

  • Em Portugal, o pedreiro é, por vezes, chamado de trolha, palavra que significa, em geral, ajudante ou servente de pedreiro.
  • O Dia do Pedreiro é comemorado em 13 de dezembro. 
  • A palavra “pedreiro” teve sua origem do latim petrarium, ou seja, relativo à rocha, rochedo, penhasco, penedo; pedra.
  • Piso Salarial – Construção Civil (Brasil 2019) – Pedreiro de obra: R$ 2.074,72 (Dados do site SINTRACONST – Rio)
  • Os trabalhadores cariocas da Construção Civil têm um sindicato, o SINTRACONST-Rio (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil do município do Rio de Janeiro), fundado em 1931.



A serviço da Maré

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ONGs fazem parte da história de lutas por políticas públicas e direitos no Brasil; mesmo em países desenvolvidos sua atuação é fundamental

ONG, OSC e OSCIPS. Em meio a tantas siglas, fica difícil compreender o significado e o verdadeiro papel das entidades. Organização Não Governamental (ONG) é um termo adotado pela Organização das Nações Unidas (ONU), mas significa o mesmo que Organização da Sociedade Civil (OSC), termo usado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). As Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) possuem a mesma função, a diferença é que, para ter no nome as duas últimas letras da sigla, são necessários uma certificação específica e o cumprimento de alguns requisitos previstos em lei. Ou seja, para quem é beneficiado pelos serviços, não há diferença. A Redes da Maré se encaixa na denominação de OSCIP.

ONG Luta Pela Paz: investindo na cidadania através do esporte | FELIPE KUSNITZKI

 Ainda que os serviços públicos sejam dever do Estado, as entidades da sociedade civil desempenham o papel de tentar sanar a carência de atendimento que continua existindo. “O Estado nunca vai chegar a todos os lugares, mesmo nos países mais ricos. Sempre vai haver necessidade de se ter organizações da sociedade civil”, explica Athayde Mota, membro da diretoria executiva da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG).

Luta por garantia de direitos e de políticas públicas

Não se pode subestimar as mobilizações feitas por quem se organiza por uma causa. Em muitos momentos, essas organizações, por meio de pressão, levaram planos praticados em seus espaços a esferas governamentais, emplacando políticas públicas e garantia de direitos. “Quando a sociedade se organiza, isso pode ter um impacto muito positivo, mesmo que, no início, só esteja suprindo uma responsabilidade que o governo não cumpre. Exemplos disso são a Lei Maria da Penha e o sistema de cotas nas universidades, que são fruto de mobilizações sociais”, disse Athayde.

“As ONGs são parte da sociedade organizada e representam interesses e visões de mundo variados.
Ainda que não devam, nem consigam substituir as ações do Estado, quando suas visões de mundo representam os segmentos invisibilizados, preteridos e explorados, as ONGs contribuem para tornar visíveis suas demandas, politizam as diferenças sociais e ampliam o acesso a bens e serviços sociais”
Joana Garcia, professora da Escola de Serviço Social da UFRJ

A estrutura do racismo

A escravização de negros africanos e indígenas brasileiros deixou profundas marcas na sociedade; após 300 anos de escravidão, o racismo ainda é uma ferida aberta no Brasil

Thaynara Santos

No Mês da Consciência Negra, o Jornal Maré de Notícias convidou Mônica Lima e Souza, coordenadora do LEÁFRICA (Laboratório de Estudos Africanos) e professora do Instituto de História da UFRJ para uma entrevista. Mônica ministrou o primeiro curso sobre História da África em 1992, na Universidade Federal do Maranhão, para graduandos no Brasil. Paralelamente à sua carreira acadêmica, produziu textos para a Educação Básica e para professores sobre o ensino de História da África e considera a sala de aula uma importante trincheira na luta antirracista.

Em 2009, publicou o livro “Heranças Africanas no Brasil”, na coleção Cadernos CEAP, no qual relaciona a História da África à história dos africanos e seus descendentes no Brasil. A professora tem diversas publicações em revistas acadêmicas sobre História da África. Recentemente, escreveu sobre o Cais do Valongo, conhecida como Pequena África, na Zona Portuária do Rio de Janeiro, como sítio histórico de memória sensível.

Maré de Notícias: Qual o papel da representatividade na discussão sobre racismo estrutural? Atualmente, percebemos que uma das principais discussões entre os Movimentos Negros no Brasil é a representatividade nas telenovelas, propagandas, etc.

Mônica Lima: O papel da representatividade é fundamental, porque está diretamente relacionado à construção de uma autoimagem. Como fui professora da Educação Básica por muitos anos, acompanhei e sofri com as imagens estereotipadas, distorcidas e invisibilizadas quando havia referência, nos materiais didáticos, à população negra – na África, no Brasil, nas Américas.  Isso vem mudando, sem dúvida, mas está longe de ser suficiente. É necessário utilizar novas referências para a escrita desses materiais, trazer o que vem sendo produzido no campo da História, da Literatura, da Arte. Certamente, a representatividade na mídia importa – e muito. Mas se as crianças e adolescentes não tiverem visto e conhecido, na sua formação escolar, personagens e histórias negras, terão menos instrumentos para ler criticamente a mídia. E, portanto, poderão de forma muito mais consciente lutar por representatividade – e uma representatividade que não se resume a estar lá, mas a estar de determinada maneira que questione o estereótipo.

MN: Qual a sua percepção sobre os impactos da política de cotas raciais nas universidades públicas?

ML: É uma revolução em marcha. Não tenho dúvidas. A presença muito mais expressiva de estudantes negros e negras trouxe muitas coisas positivas: o surgimento de diversos coletivos negros, a demanda por mais disciplinas e projetos que tratem sobre a questão racial, grupos de estudos reunindo esses estudantes, demandas por mais professores negros e por referências bibliográficas negras e africanas nos cursos – tudo isso foi/está sendo um vento forte benfazejo que varreu/varre as universidades públicas. Há que se fazer muito mais, mas esse passo foi importantíssimo.

MN: Democracia racial no Brasil: falácia ou verdade?

ML: Falácia total. O Brasil tem grande parte de sua sociedade atrapalhada pelo racismo e isso causa um sofrimento enorme. Causa morte e dor. A desigualdade racial nos índices (assassinatos, violência doméstica) é assustadora, bem como na diferença salarial entre negras/negros e brancas/brancos com a mesma escolaridade e desempenhando a mesma função. Temos heranças da escravidão, mas temos um discurso e uma série de políticas racistas no pós-abolição, que desnudam qualquer possibilidade de acreditar que nesse País o racismo é “cordial”. Temos um racismo horroroso, violento e entranhado. E ao negar esse racismo, só o fortalecemos.O pior caminho é o do silêncio. 

MN: O que diferencia o racismo estrutural do racismo institucional, já que os dois são derivados do mesmo preconceito?   

ML: O racismo estrutural é aquele que está na base, na estrutura que sustenta a sociedade. É o racismo que se percebe por todos os lados, tanto no dia a dia como na observação mais atenta sobre os dados e as estatísticas – que refletem esse racismo estrutural – e no contato com as políticas de Estado, que tiram e/ou reduzem oportunidades de ascensão para negras e negros, excluem e exterminam. É um racismo que vem de muito tempo, e que muda com muita dificuldade. Para mudar o racismo estrutural, é necessária toda uma mudança de mentalidade e de ações concretas para romper com ele. O racismo institucional tem como base o racismo estrutural, mas é aquele que opera e realiza dentro de instituições – como, por exemplo, a escola, ou mesmo uma empresa. É o racismo que segue as regras da instituição, mas essas regras não são questionadas como produtoras de desigualdades sociais e raciais. É o racismo que pode parecer “não existir” porque as instituições, em geral, se pretendem neutras – mas não são. É um racismo que dificulta a presença, a ascensão, o reconhecimento do talento, da inteligência, da criatividade de negras e negros nas diferentes instituições. É importante relacionar o combate ao racismo com políticas de reparação. Temos de falar de reparação. E já!

Todos contra a intolerância racial 

Não é necessário ser negro para discutir sobre o racismo. Mesmo o protagonismo sendo de pessoas negras que passam diariamente pelo preconceito racial, pessoas brancas, indígenas, asiáticas, entre outras, podem ajudar no combate deste mal. Segundo o dicionário, “racismo é a denominação da discriminação e do preconceito (direta ou indiretamente) contra indivíduos ou grupos por causa de sua etnia ou cor.” O preconceito racial pode manifestar-se em violência física ou verbal e também ser entendido como a crença de que uma raça/cor/etnia é superior à outra.

Uma ação preconceituosa somente é considerada racista quando a vítima está dentro de uma estrutura de dominação contra sua raça/etnia/cor. No Brasil, a Lei n° 7716, de 1989, do Código Penal brasileiro, prevê punições às pessoas que tiverem atitudes racistas, como discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, e crimes de ódio e intolerância racial.

Racismo estrutural

Do colorismo à falta de representatividade na TV: as muitas facetas do racismo estrutural | Foto: Douglas Lopes

O preconceito racial já está tão naturalizado que nem é possível perceber atitudes, hábitos e palavras racistas que existem no dia a dia. Ninguém questiona, por exemplo, de as novelas, uma paixão nacional, terem poucos atores negros. Como protagonistas, então, pode se contar nos dedos… Outro exemplo são os termos e expressões com origem racista que estão presentes no nosso vocabulário cotidiano. Pequenas mudanças de hábito podem ajudar a “desnaturalizar” o preconceito. A seguir, algumas expressões racistas naturalizadas na sociedade brasileira:

Homem chora

No mês mundialmente escolhido para a prevenção do câncer de próstata, é preciso debater a masculinidade tóxica

Hélio Euclides

Meninos não choram, precisam brigar, jogar futebol e usar roupa azul: esses são alguns comportamentos incutidos nos homens ainda na infância – e, com o passar dos anos, as regras vão ficando ainda mais rígidas. É por essas e outras que o tema “masculinidade tóxica” está criando um fuzuê. Uma parcela, ainda pequena, de homens começa a descontruir essas normas.

Para isso, eles tentam mostrar, com o diálogo, que existem dois tipos de homens: os em “desconstrução” e os em “decomposição”. Isso porque, esse segundo grupo, está mais propenso a ter depressão e infarto, entre outras doenças, e especialmente a viver norteado por regras e imposições que só trazem desconforto e problemas – para eles, para as mulheres e para a sociedade em geral.

Mas o que é ser homem?

No inconsciente coletivo, o conceito do que é ser homem traz embutido vários adjetivos: forte, viril, másculo ou até violento. Isso gera a “masculinidade tóxica”. Para ajudar a descontruir esse conceito nasceu o MEMOH, referência à palavra homem de trás para frente, um projeto que organiza oficinas e rodas de conversa entre homens, para refletir sobre comportamentos.

Para Caio Cesar, geógrafo e integrante do MEMOH, a masculinidade tóxica é um conjunto de características e ações limitantes e prejudiciais, que a sociedade delimita como coisas de “homens de verdade”. “Meu intuito é promover a equidade de gênero, fazendo o homem refletir sobre a sua maneira de agir consigo, com o outro e com a sociedade de maneira geral. Pensar junto com outros homens todas as regras sociais que nos são impostas”, esclarece Caio Cesar.

Caio acredita que a questão familiar é algo muito impactante na construção dos filhos e que, embora não seja a única, muito do que os homens trazem nos debates de masculinidade vem dessa vivência familiar e do quanto isso influencia nas suas ações. Caio entende que a mudança de pensamento virá de maneira estrutural e somente em longo prazo. “Mas a gente já percebe um interesse muito maior de homens por esse debate, que tem crescido bastante num curto espaço de tempo”, conclui.

Uma sociedade sem imposições

Pablo Poder, educador da Lona Herbert Vianna e professor de Educação Física da Vila Olímpica da Maré, há seis meses vem estudando e divulgando o tema da masculinidade tóxica. “Precisamos começar a conversar sobre o assunto. Uma vez um aluno brincou que descascando cebola é o único momento em que o homem chora. A partir daí, começa um debate. Chorar é algo nobre, como abraçar”, afirma.

Pablo percebe que o machismo foi imposto aos homens pela sociedade, mas quem sofre é a mulher. São elas que têm de bater na tecla da igualdade de salário, pois o mundo do provedor acabou, hoje as tarefas precisam ser divididas. O seu estudo mostra que a sociedade impõe à menina brincar de casinha, e que ela precisa amadurecer mais rápido. Do outro lado, o menino não pode jogar “queimada”, sendo indicado, para ele, apenas o futebol.

Pablo acha que as regras devem acabar. “A ideia de homem máquina sexual precisa acabar, também temos dias em que estamos cansados. Ensinam que o homem pode trair, ter mais parceiras. Mas quem não pensa assim, vai ficar com depressão, solidão e frustação. Nós, homens, gostamos de um círculo de amizade, falamos de masculinidade para não sermos excluídos, fazemos o que a sociedade quer, para sermos aceitos. Precisamos colocar a cabeça no colo da nossa companheira para desabafar”, comenta.

O educador é pai de duas filhas, uma de 8 e outra de 19 anos. Ele fica chateado quando ainda ouve a frase: Prenda suas cabras, que meus cabritos estão soltos. “Temos de ter uma criação igualitária. Meu avô era machista, mas sempre incentivava os meninos a ajudar nas tarefas de casa. Isso nunca mexeu com a minha masculinidade. É preciso plantar a sementinha, se fosse um remédio, as doses seriam homeopáticas”, conclui.

É preciso soltar o sentimento e conversar

Uma das principais consequências dessa armadura que o homem veste é distúrbio emocional. Entre elas, a ansiedade, depressão, insônia e vícios em pornografia, álcool, drogas, comida, apostas e jogos eletrônicos. “Uma ironia é falar que não choramos, pois somos machos. Nós temos sentimentos. Eu choro muito, especialmente com saudade da minha mãe e irmão. O verdadeiro homem é o que cumpre seu papel como pai e marido, em conjunto”, conta o auxiliar de serviços gerais Paulo Ronaldo, de 45 anos, morador da Nova Holanda.

A saúde do homem

Caio Cesar avalia que os homens acessam muito pouco o sistema de saúde por conta de uma noção de força e virilidade, de não conseguir pedir ajuda e ser ajudado. “Isso faz com que a gente tenha uma expectativa de vida bem menor que as mulheres. Há muitos mitos, pouco diálogo e informação em relação a áreas específicas do corpo dos homens”, acrescenta.

A masculinidade tóxica pode deixar o homem doente e até contribuir para o grande número de suicídios. Existem várias travas sociais que impedem que os homens procurem ajuda psicológica por acreditar que serão menos homens.

Pablo Poder acredita que a sociedade cria um perfil e tem quem não se enquadre. “Não procuramos ajuda médica e não desabafamos nem com os pais. Assim ficamos doentes, pois não somos uma máquina. Com 40 anos, precisamos procurar o urologista. Não vamos, por medo do exame do toque, algo que ainda é um tabu. Precisamos descontruir, ser natural”, avalia.

Novembro Azul: Prevenção ao Câncer de Próstata

Para a conscientização a respeito do câncer de próstata e da saúde masculina, foi criado um movimento internacional, denominado, no Brasil, de “Novembro Azul”. A Secretaria Municipal de Saúde indica aos homens que desejarem uma consulta, que procurarem uma Clínica de Família. A SMS, seguindo orientações do Ministério da Saúde e do Instituto Nacional do Câncer (INCA), não recomenda nem realiza indiscriminadamente o exame de toque retal para rastreamento de câncer de próstata em pacientes assintomáticos e sem fatores de risco.

Jefferson Barbosa, morador da Nova Maré: compartilhando as responsabilidades na criação dos fi lhos | Foto: Douglas Lopes

O povo fala:

“Homem é criado para ser machista. Somos secos, aprendemos na infância que chorar é coisa de boiola. Isso faz mal, ficamos nos remoendo por dentro, seguro no nosso mundo. Mas quando envelhecemos, vamos ficando mais sensíveis. Eu ainda travo os sentimentos. Acho que falta amor, olhar nos olhos e conversar. Estamos robotizados.”

Flávio Reis, de 46 anos.

“Está tudo errado, na vida não tem posição. Todos temos capacidade de ir em frente, mas esbarramos no preconceito. O mundo não pode julgar, temos de fazer o que gostamos, trabalhar no que desejamos. Por que todo cabeleireiro é taxado de homossexual? A lei precisa ser mais severa para mudar a sociedade.”

Talysso Rodrigues, de 35 anos, sendo 16 anos na profissão de cabelereiro.