Violações e 300 horas de operações policiais marcam lançamento de dados sobre violência armada na Maré em 2019
Jéssica Pires O lançamento da 4ª edição do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré reuniu cerca de 100 pessoas na tarde dessa sexta-feira no Centro de Artes da Maré para apresentação e análise dos dados sobre violência armada na região em 2019.
Estiveram presentes Aline Maia, coordenadora do eixo de Direito à vida e Segurança Pública do Observatório de Favelas; Pedro Abramovay, diretor regional da Fundação Open Society para a América Latina e Caribe; Vitor Santiago, morador da Maré alvejado por agentes das Forças Armadas em fevereiro de 2015, moradores, ativistas dos direitos humanos, comunicadores e organizações locais.
Os dados coletados e apresentados pelo projeto “De Olho na Maré”, do Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré, revelou violações de direitos fundamentais e o impacto da violência armada, tendo como principal referência a percepção e o cotidiano vividos pelos mais de 140 mil moradores da Maré.
Em 2019, a Maré foi cenário de uma operação a cada 9 dias. Foram 49 mortes, num aumento de mais 100% em relação a 2018 (34 em decorrência de ação policial e 15 por ação dos grupos armados), e 45 feridos por arma de fogo na região em 2019. O caráter racista das mortes foi evidenciado na fala dos participantes.
A saúde e a educação dos que residem e trabalham na Maré também foram diretamente afetadas pela violência armada. Houve 24 dias de atividades suspensas nas escolas da região, totalizando até 12% dos dias letivos perdidos e 25 dias de atividades suspensas em unidades básicas de saúde.
Camila Barros incluiu um ponto muito importante na reflexão sobre os dados. “Falar da mulher, sobretudo da mãe favelada, é muito emblemático. Os dados quantitativos falam sobre os jovens negros que mais morrem, mas os qualitativos evidenciam a presença das mulheres que estão próximas nesse momento de luto”, observou a coordenadora do projeto durante a sua fala.
Além da apresentação de dados, foram discutidas propostas sobre o cenário de violações e impactos da política de segurança pública na Maré. “A favela é parte da cidade e as políticas de segurança pública tem que ter como foco a vida”, comentou Aline Maia.
Confira a íntegra da 4ª edição do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré com os dados completos: www.redesdamare.org.br
Briga entre Prefeitura e Organização Social causa demissões nos Centros Municipais de Saúde e Clínicas da Família.
Hélio Euclides
No dia 17 de janeiro, a Prefeitura do Rio de Janeiro assinou um termo de rescisão de contrato de gestão, anunciando o rompimento com a organização social (OS) Viva Rio. A OS administrava 78 unidades de saúde na capital – sete no território da Maré -, e está sendo substituída pela Empresa Pública de Saúde do Rio de Janeiro – RioSaúde. Com isso, os profissionais de saúde entraram em aviso prévio. Na favela, as unidades de saúde administradas em parceria com a Prefeitura são quatro Clínicas da Família e três Centro Municipais de Saúde (CMS), entre eles o localizado em Marcílio Dias.
No mês passado, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informou que a rescisão do contrato com a Viva Rio foi “uma decisão estratégica de gestão” e que a troca foi “uma escolha por serviços com mais qualidade e eficiência para o cidadão que busca atendimento”. A Prefeitura afirmou que a mudança vai garantir uma economia de R$ 200 milhões e que a RioSaúde abriu processo seletivo para contratar ou recontratar os profissionais que quiserem continuar trabalhando nas unidades. Profissionais do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) disseram que houve uma promessa de recontratação da equipe de farmacêuticos, técnicos de enfermagem, odonto e administrativos, mas voltaram atrás. “Isso foi uma crueldade e desrespeito dessa gestão”, comentou um dos funcionários demitidos que não quis se identificar. Equipe de limpeza e segurança também foram dispensados. Outras empresas terceirizadas farão o serviço.
As lideranças da favela estão preocupadas. “Mandaram as pessoas embora, mexeram com todo mundo. Tem profissional com 20 anos dedicados à saúde da Maré! Serão 2.500 profissionais desempregados. Isso é um jogo político dessa administração municipal”, comenta Vilmar Gomes, conhecido como Magá, presidente da Associação de Moradores do Rubens Vaz. Gilmar Junior, presidente da Associação de Moradores da Nova Holanda concorda com o colega. “Estão tirando o Viva Rio só por ser parceiro da Rede Globo. São profissionais que fazem bom atendimento, que escutam tiro e continuam o trabalho. Será que os novos vão se adaptar? Já temos que aturar o gasto de quase 100 mil reais por mês com óleo diesel para o gerador da Clínica da Família Jeremias Moraes da Silva e agora mais essa”, reclama.
Moradores também estão sensibilizados. “Esses profissionais não podem sair, pois mesmo quando estavam com salário atrasado, nunca deixaram de atender. Mas é preciso investimento na saúde, pois médico é difícil. Desde setembro tento marcar uma consulta para minha mãe, que é hipertensa”, conta Valter Brito, morador da Nova Holanda. Familiares dos profissionais estão angustiados. “Minha filha começou como agente de saúde e hoje é técnica de enfermagem. Ela está no projeto há 19 anos, desde quando era administrada pela Maré Limpa. Ela ama o território e o pessoal daqui. O que estão fazendo com minha filha é uma injustiça. Será que essas pessoas novas vão trabalhar na favela?”, questiona Elza Ferreira, mãe de Bruna de Lima.
Mesmo quem ficou reclama da redução de salário. No site da RioSaúde há os novos valores. Para enfermeiro, a empresa pública irá pagar o valor bruto de R$ 4.448,23, só que profissionais dizem que antes recebiam R$ 4.900,00. A diminuição é ainda maior, pois vão o valor líquido, após os descontos, fica em R$ 3.900,00. Em nota, a Organização Viva Rio classificou a medida da prefeitura de fim do contrato como “intempestiva”. Hoje a Viva Rio administra na Maré apenas a Unidade de Pronto Atendimento (UPA), em parceria com o Governo do Estado. O Fórum das Associações de Moradores da Maré em conjunto com a Redes da Maré estuda quais medidas vai tomar para defender os profissionais não readmitidos.
Quais os passos da empresa municipal?
Segundo assessoria, a partir do dia 11 de fevereiro a RioSaúde começou a admissão direta dos funcionários da OS Viva Rio que optarem por continuar trabalhando nas unidades de Atenção Primária da Área de Planejamento (AP) 3.1, que engloba a Maré. No site da RioSaúde há um edital de convocação para admissão direta de 1.164 funcionários, como médicos de diversas especialidades, enfermeiros, agentes comunitários de saúde, musicoterapeuta, educador físico, entre outras categorias. As contratações acontecem até o dia 20 de fevereiro, no Hospital Municipal Ronaldo Gazolla (HMRG), em Acari, das 8h às 15h.
Para as vagas não preenchidas e inexistentes no banco dos últimos concursos da RioSaúde, será realizado processo seletivo simplificado por tempo determinado. As inscrições são feitas no próprio site da RioSaúde. Conforme determina a legislação, a empresa pública convocará os aprovados no seu concurso público para as vagas das demais categorias profissionais, como assistente administrativo, assistente social, cirurgião dentista, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, técnico de enfermagem, técnico de saúde bucal, psicólogo, técnico farmácia e nutricionista.
Um passado bem recente
Até chegar a essas sete unidades de saúde primária, uma UPA e um Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSi), os moradores antigos lutaram junto aos órgãos governamentais para uma saúde pública na Maré. Na década de 1980, uma empresa privada realizava atendimento gratuito em duas unidades na Maré, uma na Nova Holanda, onde hoje é a associação de moradores, e outra no Morro do Timbau, no local onde se encontra o Espaço de Desenvolvimento Infantil Pescador Isidoro Duarte – “Doro”.
Com o fim do serviço privado, o Conselho de Saúde da AP 3.1 e moradores reivindicaram a implantação de unidades primárias de atendimento, pois só existia o Centro Municipal de Saúde Américo Veloso na Praia de Ramos e um posto gerido pela UFRJ na Vila do João. Após diversas discussões, foram implantados seis postos de saúde, onde existiam consultórios dentários dentro dos CIEPs. Essa foi a primeira vez na Maré ocorria a terceirização da saúde. Na época, a competência para administrar a saúde ficou a cargo da ONG Maré Limpa, que tinha sua sede onde hoje se encontra o Setor de Comunicação da Redes da Maré. Em Marcílio Dias, os primeiros atendimentos vieram por meio dos Médicos Sem Fronteiras, que atendiam em um galpão.
Fique de olhoNa Edição 108 do jornal Maré de notícias fizemos uma matéria que abordava a crise da saúde do Rio de Janeiro, incluindo funcionários com salários atrasados, falta de equipamentos, remédios e funcionários em algumas unidades. Neste momento, a relação entre a Prefeitura e a OS Viva Rio já tinha sido mencionada.
Em um intervalo de 15 dias, duas operações policiais surpreenderam moradores durante a noite, dificultando o retorno para casa
Moradores relataram duas operações policiais noturnas realizadas pelo Batalhão de Operações Policiais (BOPE) na duas últimas semanas. A primeira aconteceu no dia 29 de janeiro, compreendeu as favelas Baixa do Sapateiro e Morro do Timbau e aconteceu de 23h30 a 2h30. Já a segunda, nesta última quarta, 12 de fevereiro, começou por volta das 21h20 e se estendeu até às 01h, atingindo as favelas da Nova Holanda e Parque Maré.
Na operação de 29 de janeiro, moradores relataram muitos tiros e palavras de ordem por parte da polícia militar dizendo que entrariam para matar. De acordo com informações, esta operação foi uma retaliação pela morte de um policial do Batalhão do Caju. Duas pessoas foram baleadas.
Nesta quarta (12), uma mulher foi baleada na barriga enquanto retornava da igreja nas esquinas das ruas Joaquim Nabuco e Princesa Isabel (Parque Maré). Além disso, um morador teve a moto alvejada por um tiro de fuzil de um dos agentes de segurança. Houve relatos de invasões a domicílios e danos materiais.
Devido ao horário, tanto do início quanto do fim da operação, moradores relataram ter dificuldades ao dormir durante a noite, receosos com algum tipo de invasão policial em suas casas.
A Assessoria da Polícia Militar justificou a operação como uma medida necessária, apesar de não apresentar uma motivação mais concreta para a realização da mesma. A operação descumpriu determinações judiciais, tendo em vista que a Ação Civil Pública da Maré destaca que não foi identificada a presença de ambulância durante a operação, o que facilitaria no socorro da pessoa ferida.
Dudu leva alegria a todos por meio de livros, internet e associação por Pessoas com Deficiência da Maré
Hélio Euclides
Luiz Eduardo, de 9 anos, é uma criança cativante e muito feliz. Morador da Vila do Pinheiro, Dudu divide-se entre a sua mini biblioteca em casa, o canal O Dudu Feliz, onde mostra simpatia e motivação, e a Associação Especiais da Maré, coletivo de familiares que tem algum na família alguma Pessoa com Deficiência (PcD). Sua mãe, Valéria Viana, agradece a Deus o presente que ganhou, já que seu filho nasceu um dia depois de seu aniversário.
Valéria estava com cinco meses de gravidez quando descobriu durante os exames que o seu bebê teria Síndrome de Arnold-Chiari, uma má formação no sistema nervoso que interfere no equilíbrio. Os médicos recomendaram um aborto legalizado, pois ele estava com uma lesão na coluna. Ela tentou uma segunda opinião e foi ao Instituto Fernando Figueira, onde explicaram que não seria fácil, mas que estariam junto a ela. Ele nasceu com hidrocefalia, que é caracterizada pelo acúmulo de líquido cefalorraquidiano nos ventrículos cerebrais, mielomeningocele, um defeito congênito que ocorre quando os ossos da coluna não se formam completamente, e pé torto. Ficou um mês no hospital.
Dudu já perdeu as contas de quantas vezes explicou o motivo de andar de cadeira de rodas. Em muitas ocasiões ele responde, simplesmente, que nasceu assim. Ele acredita que o importante é que as pessoas entendam que todos somos diferentes e precisamos ser aceitas. Dudu já fez quatro cirurgias e tem acompanhamento trimestral do Hospital de Reabilitação Sarah, centro de neurorreabilitação e neurociências localizado na Barra da Tijuca. Além dos tratamentos externos, de quatro em quatro horas ele é submetido a um cateterismo uretral para esvaziar a bexiga e evitar infecção. A mãe reclama que é difícil achar um banheiro adaptado. “O deficiente não pode por causa disso desistir, precisa sair de casa e nunca se abater”, afirma Valéria.
A leitura como aliada
Aos seis anos descobriu o mundo dos livros. Seu livro marcante foi O Menino Só, da autora Andrea Taubman, que soube da história de Dudu e o conheceu. A partir disso, ele começou a pedir livros pelas redes sociais e com isso, montou uma mini biblioteca em casa. Assim, ele começou a emprestar e trocar livros. “Eu era um menino só, mas depois que comecei a ganhar livros, eu não me sinto mais assim”, conta.
No Into (Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia), conheceu a Doutora Germana Bahr, coordenadora do setor pediátrico, que lhe apresentou o Programa Fortalecer. O projeto faz uma parceria com o site Devoradores de Livros, que incentiva a leitura para os pacientes. Dudu resolveu participar e levou o prêmio de maior devorador em 2018, lendo mais de cem livros. Os livros passaram a ser seus companheiros inseparáveis. Ele lê em casa, nos passeios e durante seu tratamento no instituto. Depois disso, Dudu também chegou à internet e já é bastante conhecido nas redes sociais. Seu instagram conta com mais de mil seguidores. “O meu objetivo é incentivar a galera a ser feliz e ler. Antes me sentia só e o hoje o livro me faz viajar”, explica. Ele é um incentivador dessa felicidade, com o seu canal no Youtube e rede social instagram.
Dudu e sua mãe, Valéria Viana , em um dos encontros do grupo Especiais da Maré
Mobilidade: um direito a todos
Dudu se diverte bastante andando pela favela e batendo papo. “Não quero que ele seja o centro das atenções, mas que seja respeitado”, desabafa Valéria. Ela diz que para o seu sustento recebe o LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social), que é um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência, mas que não é suficiente. Ela detalha que uma cadeira de rodas de qualidade custa R$1.800. “Só o cinto de uma cadeira de rodas custa 300 reais. A almofada é feita sob medida. Agradeço às pessoas que ajudam como Andreia Torres, do Grupo Soma de Amor, o Especiais da Maré e a One By One, que ajuda crianças com deficiência doando cadeiras de rodas”, diz. Ela para brigar pelo Dudu, já pediu ajuda à Defensoria Pública para conseguir fraldas e insumos.
O sonho do Dudu é uma cidade acessível, um local de maior qualidade para a pessoa com deficiência. “Não me sinto diferente por causa da cadeira, mas preciso me adaptar às ruas esburacadas e as calçadas tomadas pelos comércios na Maré. Algumas vezes a minha mãe entra na loja e eu fico do lado de fora esperando, pois nem todos os locais tem rampa”, fala. Para Valéria, a locomoção fora da Maré também é complicada, pois além de passagens caras, entregam um produto precário. “Os elevadores dos ônibus estão sempre ruins e os motoristas alegam que as empresas não permitem que eles ajudem. Já fui impedida de entrar num ônibus. Um motorista não queria que ninguém ajudasse e disse para aguardar um próximo veículo. Me senti super constrangida, mas com a ajuda dos passageiros consegui subir com o Dudu. Acredito que não querem que saiamos de casa”, reclama.
É preciso respeito aos passageiros
Mediante situação contada por Valéria, que é a realidade de diversas outras pessoas com deficiência, entramos em contato com as assessorias de órgãos ligados à mobilidade urbana e a pessoas com deficiência.
Por nota, o Rio Ônibus declarou que todos os veículos das empresas do Município do Rio possuem equipamentos que proporcionam acessibilidade aos passageiros com deficiências. Os defeitos nos equipamentos podem ocorrer durante as viagens, fazendo com que os veículos sejam encaminhados imediatamente para a manutenção. Por fim, o motorista só deve sugerir aguardar outro ônibus caso o equipamento apresente falha de operação.
Já a Secretaria Municipal de Transportes informou os equipamentos são fiscalizados com frequência para garantir que não haja dificuldades ao embarcar nos ônibus. Reforçou a importância da participação dos usuários para registrar irregularidades por meio do telefone 1746, para que o consórcio responsável faça os reparos necessários. A secretaria, assim como a Rio Ônibus, reforçaram que é obrigação das empresas orientar os motoristas sobre a operação do equipamento de acessibilidade.
A Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Tecnologia mencionou a realização de uma ação chamada Blitz Rio + Acessível voltada exclusivamente para fiscalização de ônibus. O trabalho feito em conjunto com a Secretaria Municipal de Transportes retirou de circulação mais de 80 veículos impróprios para uso. A secretaria busca uma aproximação com as empresas no sentido de fazer a conscientização das mesmas quanto aos direitos das pessoas com deficiência.
Você sabia?
No passado, a sociedade se apropriava de palavras preconceituosas e pejorativas para se referir a Pessoa com Deficiência (PcD). Somente em 1981, que foi tido como o ano Internacional da Pessoa com Deficiência, que essa realidade começou a mudar e, finalmente, implantou o termo correto. Em 2010, a Portaria 2.344/2010 da Secretaria dos Direitos Humanos, o termo PNE (Portador de Necessidades Especiais) foi oficialmente alterado para PcD. A mudança ocorreu ao observar-se que a deficiência não se porta, não é um objeto, mas tendo em vista que a deficiência faz parte da pessoa.
Para saber mais sobre a Associação Especiais da Maré, leia matéria feita na edição 109 do jornal Maré de Notícias, disponível também em nosso site.
Quais são as maiores tendências de cabelo e roupa para curtir o
Carnaval 2020? A Maré tem os profissionais e lojas perfeitos para te fazer
brilhar na folia
Maré de Notícias #109 – fevereiro de 2020
Flávia Veloso
O Maré de
Notícias consultou especialistas em moda e barbearia na região, para dar as
dicas que vão fazer o corpo e a cabeça da galera no Carnaval 2020. Com que
roupa você vai cair no samba? Seja de body ou shortinho, de cabeleira,
cabeluda ou descabelada, o importante é cair na folia!
O samurai das navalhas
Juninho Samuray, da Nova Holanda, estuda com frequência para conhecer as técnicas de corte e pintura | Foto: Douglas Lopes
O barbeiro
mais falado nas nossas redes sociais é um rapaz conhecido como Juninho
Samuray. Ele é cria do Complexo do Alemão e, há seis anos, corta cabelo na
Maré, atrás do Campo da Paty, na Nova Holanda.
E essa fama
não é à toa. Os cortes, desenhos e colorações feitas por Samuray são
impecáveis. Ele acompanha as tendências e aprimora suas técnicas, para oferecer
sempre o melhor aos clientes.
“Eu aprendi a
cortar cabelo com um colega. A gente cortava o cabelo um do outro, e ele ia me
ensinando. Um dia, ele se mudou, eu tive de passar a cortar meu próprio cabelo
e ir me especializando sozinho. Na época, trabalhava como porteiro e fui
mandado embora. Já tinha vontade de trabalhar como barbeiro, então entrei para
a área. Peguei minha rescisão e meti a cara. Montei meu primeiro salão, atrás
do gol do Campo da Paty”, contou Juninho, sobre a coragem que teve em mudar
totalmente de profissão e de vida.
Hoje, seu
salão continua atrás do Campo, mas não mais atrás do gol. Quem não o conhece e
entra pela primeira vez em sua barbearia, suspeita da alta procura pelos
serviços do barbeiro, isto porque o salão está quase vazio, no máximo com ele e
mais dois clientes. O motivo é que o Samuray só faz seus cortes com horário
agendado, justamente para que ele e seus clientes, que são da Maré e de outros
lugares da cidade, fiquem confortáveis.
Elas também deixam na régua
Quem disse
que barbearia não é lugar para mulher? Tanto é que a Artenisia Barboza,
mais conhecida como Isa, comanda o próprio negócio, a Barbearia da Isa, na
Baixa do Sapateiro, em frente à Praça do 18.
Há sete anos,
ela veio do Ceará para a Maré, onde tem familiares. Conseguiu alguns empregos,
mas sentia que não se encaixava em nada que arrumava. Queria mesmo era ser
barbeira, mesmo ainda nem sabendo cortar cabelo, na época.
Começou a
investir no seu sonho há três anos, fez cursos e montou o próprio salão, na
cara e na coragem. Mas nem sempre foi fácil conseguir clientes. Ela começou
sozinha no salão, e o preconceito, por ser barbeira, manteve o público
afastado. “No começo, tive dificuldade. Vinha um ou dois. Depois foi se
espalhando, fui mostrando meu trabalho e agora o salão vive cheio,
principalmente nos fins de semana”, contou Isa. Hoje, ela trabalha com mais
dois barbeiros, que ela contratou.
Um empreendimento novo que deu certo
A Barbearia
do Rodrigo é pequena no tamanho, mas já é grande no sucesso que faz na Rua
Principal da Vila do João, próximo ao ponto de mototáxi, quase chegando à
Avenida Brasil.
Assim como
Isa, Rodrigo Oliveira veio do Ceará e está na Maré há seis anos. Cortar
cabelo é um ofício que veio da família e que o barbeiro aperfeiçoou depois de
chegar no Rio de Janeiro, até montar sua barbearia, que tem um ano e quatro
meses de funcionamento. Rodrigo nunca fez curso. Foi aprendendo as técnicas,
assistindo a vídeos na internet e começou a praticar, cortando os cabelos de
seus primos.
A localização
da barbearia foi favorável para que o negócio prosperasse, por conta da intensa
circulação de pessoas: “Quando comecei, aqui, foi fraco, mas perseverei. As
pessoas começaram a conhecer meu trabalho e deu certo. Elas passavam, olhavam
os cortes… Quem vinha, sempre elogiava e aí espalhava para outras pessoas”,
contou Rodrigo sobre a trajetória do seu empreendimento.
Mesmo sendo
uma barbearia com pouco tempo de estrada, a competência de Rodrigo e Juliano
Alves, que também trabalha no local, tem atraído clientes até de fora da Maré,
da Zona Norte à Zona Sul.
Tendências para os melhor visuais nos dias de festa
Nessas e em
outras barbearias da Maré, o público masculino (e até o feminino que gosta
desse tipo de corte) tem procurado técnicas específicas para curtir a folia com
o penteado impecável.
O fade, que já foi chamado de
“disfarçado”, é o corte mais pedido, que consiste na técnica de fazer um dégradé
com o próprio cabelo do cliente, indo do corte mais baixo ao mais alto. O risco e os desenhosno cabelo também são detalhes de corte
que estão bombando. Penteados feitos com pomada e laquê dão vida ao famoso
“blindado”, uma técnica de penteado que deixa o cabelo intacto por horas,
pronto para sobreviver aos dias intensos de bloco de rua.
Na área de descoloração e tintura, o que não falta é opção. O que a galera mais tem pedido nesta época do ano são os reflexos, que consistem na descoloração de vários pontos do cabelo, dando uma aparência de várias bolinhas louras. A descoloração de todo o cabelo, criando o platinado, tem sido moda há alguns anos no Carnaval carioca e, em 2020, não está sendo diferente. A partir da descoloração, também é possível fazer tinturados fios, é só aplicar a cor desejada. Outra técnica para colorir é feita com o aerógrafo, uma máquina em spray que permite o uso de várias cores, em uma aplicação rápida e muito criativa, que sai na água e não prejudica os fios, como acontece na descoloração.
Stefany veste conjunto dourado e Jonathan veste sunga prateada da Manhattan Modas. Camila veste body azul da SterBia Fashion. Acessórios da SterBia Fashion | Foto: Douglas Lopes
Para as
fantasias, dá para apostar em muitas opções. Devido à febre da música
“Verdinha”, da cantora Ludmilla, pode-se fazer fantasia sobre o tema de
diversas formas. Outras opções como personagens de desenhos, Sol e Lua, flores,
arco-íris, sereia, fantasia de casal e até com temas políticos vêm tomando
conta dos últimos carnavais. Os bodies com meia arrastão, conjuntos de tops
e shorts ou hot-pants (aqueles shorts ou biquínis bem
curtinhos e de cintura alta) e arcos de diversos temas para a cabeça também são
uma ótima opção para este ano.
E é possível
se montar gastando pouco. “Pode pegar roupas que se tem em casa, cortar,
escrever na blusa, colar enfeites e paetês com cola quente, pintar, fazer
plaquinhas com frases… Dá pra ficar na moda gastando muito pouco”, dá a dica a
produtora de moda Juliana Henrik, “cria” do Complexo do Alemão.
O que não pode faltar no Carnaval é muita, mas muita purpurina, criatividade, consciência e respeito às pessoas na hora de curtir. Uma boa folia a todos e todas!
Queremos agradecer especialmente à equipe da NoPrumo Barber: barbeiro Lucas Wolney, Matheus Oliveira, Magno Rodrigues, Rafael Costa; a David Vicente e Letícia Leal, que nos ajudaram na produção das fotos; a Letícia Santos, dona da casa onde fizemos as fotos para a matéria; aos modelos: Jonathan Monteiro, Camila Felippe e Stefany Vital; e às lojas de roupa Manhattan Modas e SterBia Fashion, que nos cederam as roupas.
Aos 69 anos de idade, José Renato persegue o sonho
de ser psicólogo e viu nos estudos uma outra maneira de enxergar o mundo
Maré de Notícias #109 – fevereiro de 2020
Flávia Veloso
Em sua primeira experiência fazendo a
prova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), José Renato Ferreira da
Silva chamou a atenção de um repórter do Jornal Extra, pois não é comum ver
um senhor de 69 anos aguardando no local de prova para prestar vestibular.
Seu José Renato é morador da Praia de
Inhaúma, na Maré, junto com a esposa, Sônia. Nascido no interior do Rio
de Janeiro, ele tem há anos a ideia de se formar em Psicologia, para poder
ajudar as pessoas com questões psicológicas. Em 2019, após anos sem estudar,
concluiu o Ensino Médio na Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Redes da Maré
e deu o primeiro passo para alcançar seu sonho.
Um caminho cheio de obstáculos
A caminhada até esse momento não foi
fácil. Seu José Renato largou a escola no antigo Ensino Primário, ainda
criança, por conta de uma leucemia, da qual conseguiu se curar. Aos 59 anos, ele
voltou a ter problemas de saúde, sendo diagnosticado com uma hérnia umbilical.
Após passar por três cirurgias e ainda sentindo dores na época, encontrou na
escola um ânimo para seguir em frente: “O que me restou foram os estudos. A
escola me ajudou muito, porque me fez esquecer os transtornos que estavam
acontecendo na minha vida”, contou.
Foi em 2016 que Renato voltou a pegar
nos cadernos e canetas, quando se matriculou no Centro de Educação de Jovens e
Adultos (CEJA), próximo de sua casa. A ideia veio de Dona Sônia e, embora o
marido tenha pensado em desistir algumas vezes, ela o incentivava a continuar.
A insistência foi tanta, que o marido tomou gosto pelos livros e passava horas
por dia, estudando. Quando tinha dúvidas, não hesitava em tirá-las com
professores, amigos e vizinhos.
Conhecimento é para todos
Sônia sempre deu muito valor aos
estudos, então batalhou para que os filhos concluíssem o Ensino Médio: “Mesmo
morando na favela, quero que meus filhos tenham estudo. Trabalhei muito para
que eles terminassem a escola sem precisar trabalhar”, explicou a matriarca. O
mesmo exemplo ela e o esposo tentam dar aos fiéis da Assembleia de Deus, que
construíram na Praia de Inhaúma, onde são pastores, para que os fiéis busquem
conhecimento pelos estudos.
Seu José Renato conta que a ideia de se
tornar psicólogo surgiu há muitos anos, quando estava se formando para virar
pastor: “Um pastor bem antigo, chamado Timóteo, que ia me aprovar, passou uns
10 minutos olhando para mim, então pegou na minha mão e disse: ‘Vou te aprovar
agora como pastor, mas eu profetizo que um dia você será psicólogo’. Eu comecei
a chorar na hora, e aquilo nunca mais saiu da minha cabeça”, lembrou Renato,
emocionado.
Profissionais que apoiam
Foi próximo à data da prova que José descobriu que estava inscrito no ENEM. A surpresa foi feita por suas professoras da EJA da Redes da Maré, que o inscreveram para que ele desse continuidade aos estudos. Mesmo não tendo achado a prova muito difícil, o morador da Praia de Inhaúma fez o vestibular de 2019 apenas como um teste, pois em 2020 vai realmente estudar para o ENEM. Ele se inscreveu no Curso Pré-Vestibular (CPV) da Redes da Maré, que prepara alunos com conhecimentos que os ajudam a ingressar em universidades, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), entre outras.
Sonia foi grande incentivadora para o retorno de José Renato às salas de aula em 2016 | Foto: Douglas Lopes