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É lixo? Nem sempre

Na segunda reportagem da série Educação Tecnológica, o tema é lixo eletrônico: o que é? Onde e como descartá-lo? Entenda os riscos que o meio ambiente enfrenta com os avanços tecnológicos

Maré de Notícias #103 – agosto de 2019

Flávia Veloso

O que você faz com o seu aparelho eletrônico ou eletrodoméstico, quando quer descartá-lo por defeito ou, simplesmente, porque quer trocá-lo por um mais atualizado?  Jogar no lixo comum não é a solução. O chamado lixo eletrônico ou e-lixo tem suas especificações para o descarte, devido aos prejuízos que causa ao meio ambiente; além disso, o que não serve para uns pode ser de grande serventia para outros.

 Não é à toa que aparelhos eletrônicos são substituídos ou descartados com dois ou três anos de uso. Estes equipamentos, em pouco tempo, perdem a capacidade de atualização e armazenamento, apresentando lentidão no processamento. As empresas de eletrônicos trabalham com a chamada obsolescência programada, fabricando produtos que têm “data de validade” – o que leva o consumidor a adquirir versões mais atualizadas. Em países como Itália e França, é proibido que as empresas trabalhem dessa maneira, e o descumprimento acarreta multa, como já aconteceu com Samsung e Apple. Esta prática não só dói no bolso do cidadão, mas também pode agravar a questão do e-lixo, uma vez que, quanto mais se compra, mais se descarta.

 Os exemplos italiano e francês não são seguidos no Brasil, que não tem qualquer lei que impeça a obsolescência programada. A falta de durabilidade dos eletrônicos faz com que os brasileiros, por exemplo, adquiram muitos telefones celulares, o que se demonstra pela grande quantidade destes aparelhos no País. De acordo com dados de 2018, da Fundação Getúlio Vargas, no Brasil há mais de um celular por habitante. E, segundo a Organização das Nações Unidas, em 2016, só o Brasil produziu 1,5 milhão de toneladas de lixo eletrônico, mas somente menos de 3% foram reciclados, indo contra a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS – Lei n° 12.305/2010). A PNRS foi instituída em 2010 e aborda, em seu conteúdo, todo o tipo de resíduo, inclusive o eletrônico, e estipula que é dever de empresas fabricantes, distribuidoras, transportadoras e vendedoras, consumidores e poder público lidarem com o descarte, recolhimento e tratamento dos produtos eletrônicos, dando uma nova utilidade para esse material ou destinando a disposição final, em aterros sanitários. Esta prática, a logística reversa, colocaria o País ao lado das nações que melhor tratam a questão do lixo, com uma legislação avançada e responsável. Contudo, apesar do amparo legal, a realidade brasileira é outra. Passados quase 10 anos da aprovação da PNRS, o lixo eletrônico ainda tem um destino errado e perigoso no Brasil.

Danos ao meio ambiente e à saúde

Prejuízos causados pelos componentes eletrônicos

As substâncias abaixo poluem o planeta e causam, entre outros problemas, doenças neurológicas, pulmonares, nos rins, fígado e ossos.

  • Chumbo, bário e outros metais pesados

Em contato com o solo, podem penetrar até atingir camadas aquíferas, causando contaminação.

Presentes em: televisores, monitores, câmeras fotográficas, entre outros.

  • Mercúrio e cadmio, entre outros.

Emitem gases poluentes ao ar e rios.

Presentes em: chips, entre outros itens.

  • Hidrocarbonetos

A queima de equipamentos que possuem esta substância polui o ar e o solo, também emitindo gases tóxicos.

Presentes em: chips e fios de cobre, entre outros.

Cada material em seu devido lugar

É assim que trabalha a empresa carioca de gestão de lixo eletrônico Tech Trash. A empresa presta serviços para pessoas jurídicas e físicas, fazendo recolhimento e descarte corretos. Os aparelhos são desmontados para separar todos os componentes e enviá-los aos seus respectivos locais de reciclagem. Há materiais, inclusive, como circuitos de placa-mãe, que são enviados ao Exterior para serem devidamente reciclados. Entretanto, nem tudo é realmente lixo, pois as peças de computador recebidas podem ser ainda usadas. Técnicos contratados pela Tech Trash testam cada peça, para consertarem e doá-las às instituições parceiras da empresa.

 E não basta só enviar para o ferro-velho. Estes depósitos, como explica Lucas Palazzo, fundador da Tech Trash, são verdadeiros inimigos do descarte correto do e-lixo. Além de não promoverem reutilização, os materiais não são devidamente reciclados. Por mais que os ferros-velhos comprem os aparelhos, as pessoas precisam se conscientizar e buscar locais que tratem devidamente os materiais.

Instâncias públicas e o papel cidadão

Parte da cadeia de responsabilidade pelo e-lixo é do governo. É previsto pela PNRS que cada prefeitura tenha seu plano de coleta seletiva, lidando corretamente com todos os tipos de resíduo, além do dever de fiscalizar o cumprimento das normas de destinação do lixo. Mesmo com estas regras previstas na Política Nacional de Resíduos Sólidos, observa-se, em contrapartida, uma grande quantidade de lixões e aterros sanitários como destino do lixo tecnológico, quando este tipo de resíduo precisa de um tratamento especial, por causa dos metais pesados que contém. A população também deve estar consciente de sua responsabilidade em relação ao descarte de seus produtos tecnológicos. Canais e rios nunca poderão ser o local de descarte de qualquer tipo de lixo.

Potencial econômico do lixo eletrônico

Lixo é dinheiro, e não enxergar isso é negar o poder de geração de empregos nesse setor. Assim como há catadores de diversos materiais recicláveis, os catadores de lixo eletrônico também estão no mercado. Mas não é simples, os trabalhadores desta categoria precisam de uma série de licenciamentos ambientais para que seu trabalho seja legal, como acontece com as cooperativas Coopama, de Maria da Graça, e Coop Céu Azul, de Vigário Geral. São poucos os trabalhadores da área de lixo eletrônico, devido à falta de incentivo e à quantidade de licenças necessárias para se trabalhar com esse tipo de material. Entretanto, na questão geral do lixo, são os catadores os responsáveis por 90% de todo o lixo reciclado no Brasil (Ipea, 2018), o que evidencia a enorme importância ambiental desta categoria.

E onde a favela fica no meio de tudo isso?

Se dificilmente as políticas públicas em prol de uma boa gestão do e-lixo estão presentes na cidade do Rio, nas favelas o cenário é ainda pior. Assim como as coletas seletivas não chegam a esses lugares, campanhas de conscientização não fazem parte do dia a dia dos moradores de periferias, agravando a forma como se lida com o lixo eletrônico.

 Por alguns anos, o projeto Fábrica Verde, uma parceria entre a Secretaria de Estado do Ambiente do Rio de Janeiro (SEA RJ) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), funcionava em algumas favelas, ensinando jovens favelados a consertarem computadores, depois destinando essas máquinas a escolas, ONGs, associações de moradores e centros comunitários. Os itens sem conserto, a Fábrica doava a cooperativas legalizadas, que se encarregavam da destinação dentro das normas ambientais. Os itens vinham de doações, que poderiam ser deixados no Ecoponto da Fiocruz. O projeto foi um respiro de sustentabilidade e responsabilidade ambiental no território favelado, com uma cadeia que ia desde a formação tecnológica de jovens, por meio da reutilização, até a destinação final correta. A Fábrica Verde já não funciona desde 2016, mas o Ecoponto da Fiocruz continua recebendo e-lixo.

Locais na Zona Norte do Rio que recebem lixo eletrônico:

– E-lixo (Coop Céu Azul)

Recebe todo o tipo e volume de eletrônicos e eletrodomésticos.

(21) 3474-2901

[email protected]

www.e-lixo-rj.com.br

Rua Isidro Rocha, nº 70 – Vigário Geral

– Coopama

Recebe todo o tipo e volume de eletrônicos e eletrodomésticos.

(21) 3215-7030

Rua Miguel Ângelo, nº 385 – Maria da Graça

– Instituto Vida Real

(21) 3105-3245

Rua Teixeira Ribeiro, s/nº – Nova Holanda (Complexo da Maré)

www.techtrashbrasil.com.br/pontosdecoletalixoeletronico

Quem tem medo do Conselho Tutelar?

Órgão, associado à punição, tem uma função muito importante: zelar pelos direitos da criança e do adolescente

Maré de Notícias #103 – agosto de 2019

Hélio Euclides

“A sociedade civil acha que substituímos o bicho-papão e que, aqui, tem um quartinho escuro para prender crianças”. Essa afirmação do conselheiro tutelar Flávio Santiago poderia ser piada, mas não é. Em pleno 2019, grande parte das pessoas desconhece a função do Conselho Tutelar, que alguns acreditam ter um papel punitivo. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, no artigo 131, destaca que o Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.

Na cidade do Rio de Janeiro existem 19 Conselhos Tutelares. A representação do órgão em Bonsucesso é responsável pela área da Maré. Lá, além de Flávio, há mais quatro profissionais: Rosimere Nascimento (Rosinha), Jacilene Martins (Nena), Elisângela Viana (Zanza) e Maria Stela (Stelinha). A Resolução 139 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) recomenda que cada Conselho Tutelar atenda a um grupo de 100 mil habitantes. “Nossa jurisdição é toda a Maré, Bonsucesso e Manguinhos. Só que a Maré tem 140 mil moradores e ainda não tem o seu exclusivo”, diz Zanza.

Este ano haverá eleição para conselheiro, no dia 6 de outubro. Rosinha adverte que não é um trabalho fácil, como acreditam. O Conselho funciona 24 horas, com plantões. “Muitas vezes, estamos de madrugada na rua, só o conselheiro e o motorista, sem segurança. Há uma deficiência estrutural, o espaço que trabalhamos é cedido por outro órgão O conselheiro tem de ter identidade com o trabalho”, diz Rosinha. Até o fechamento desta Edição do Maré de Notícias ainda não tinha sido divulgado o nome dos candidatos aptos para a eleição e nem os locais de votação.

Proteção para a criança e o/a adolescente

A não-compreensão do verdadeiro papel do Conselho Tutelar pode ser explicada por uma associação ao antigo Código de Menores, criado em 1927, com uma mudança em 1979, que tinha um caráter punitivo para os jovens; funcionava como instrumento de controle e destinava-se somente àqueles em “situação irregular”. O lema do Código de Menores era a preservação da ordem social e o Estado era responsável por providenciar a assistência às crianças e aos adolescentes abandonados, para “reeducá-los” ou “recuperá-los”.

Em 1988, com a Constituição Federal, a Constituição Cidadã, inicia-se uma nova fase. O artigo 227, da referida Carta Magna, reconheceu que o papel da família é fundamental na estruturação do caráter e na orientação dos indivíduos. Em 1990, entra em vigor o ECA, com a participação e a união de todos em prol da criança e do adolescente e o reconhecimento legal do direito à cidadania.  

No bojo dessas mudanças, é criado o Conselho Tutelar, cujo papel também está na Lei Federal 8.069, de 1990. Vinte e nove anos depois, o Conselho Tutelar ainda é entendido como um órgão punitivo, de ponte para abrigos, que tira a criança e o/a adolescente do seio da família e que é acionado, na maioria das vezes, em caso de violência.

O trabalho do Conselho Tutelar

Algumas pessoas têm uma interpretação errada do trabalho dos conselheiros e acreditam que eles precisam atuar em tudo. “Quando chega à delegacia, o adolescente infrator, acompanhado do responsável, não é necessário chamar o Conselho, pois ele não se encontra sozinho. Outro caso é se a pessoa achar uma criança, não se deve ligar direto para o Conselho. O ideal é tentar encontrar o responsável, que pode estar por perto. O mesmo caso das escolas, que deveriam checar e atualizar os dados dos responsáveis para o caso do atraso. Ter sensibilidade antes de chamar o Conselho, pois ao acionar, ele [o menor] vai para um abrigo, pois o menor só sai depois de uma audiência”, detalha Nena.

Diante da constatação de vulnerabilidade, o primeiro passo é ligar para o Disque 100, que garante uma proteção do denunciante. É preciso ter o nome da criança e do local onde o direito da criança não está sendo respeitado. Dessa forma, o Conselho é acionado. “Vamos ao local para garantir a proteção e zelar pelo direito. Eles têm o direito fundamental como todos nós temos. [É um] sujeito em desenvolvimento com direito e deveres. Precisamos defender escola e hospital para eles. Em alguns momentos, precisamos intervir para garantir o direito. Um dos nossos objetivos é a extinção do trabalho infantil e da exploração sexual, mas lembrando que não somos um braço da Segurança”, explica Zanza.

Algumas das atribuições do Conselho Tutelar*

  • Atender crianças e adolescentes e aplicar medidas de proteção.
  • Atender e aconselhar os pais ou responsável e aplicar medidas previstas no ECA.
  • Executar suas decisões, podendo requisitar serviços públicos e entrar na Justiça quando alguém, injustificadamente, descumprir suas decisões.
  • Encaminhar à Justiça, quando for pertinente.
  • Tomar providências para que sejam cumpridas as medidas socioeducativas aplicadas pela Justiça a adolescentes infratores.
  • Entrar na Justiça, em nome das pessoas e das famílias, para que estas se defendam de programas de rádio e televisão que contrariem princípios constitucionais, bem como de propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
  • Levar ao Ministério Público casos que demandam ações judiciais de perda ou suspensão do pátrio poder (o poder dos pais sobre as crianças).
  • Fiscalizar as entidades governamentais e não governamentais que executem programas de proteção e socioeducativos.

*Fonte: http://www.crianca.mppr.mp.br/pagina-866.html

BOXE:

Rede de proteção à criança e ao adolescente

Conselho Tutelar 11

Rua da Regeneração, nº 654 – Bonsucesso

Telefone: 2573-1013

E-mail: [email protected]

4ª Coordenadoria de Assistência Social e Direitos Humanos

Rua da Regeneração, nº 654 – Bonsucesso

Telefones: 2573-1697 / / 2573-1114

E-mail: [email protected]

Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) Nelson Mandela

Rua da Regeneração, nº 654 – Bonsucesso

Telefones: 3867-4854 // 96879-2468

E-mail: [email protected]

1ª e 2ª Vara da Infância da Juventude e do Idoso

Praça Onze de Junho, nº 403 – 3 ° andar – Centro

Telefone: 2503-6300 | das 9h às 18h

Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (DCAV)

Rua do Lavradio, nº 155 – Centro

Telefone: 2334-9869

8ª Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude (Leopoldina)

Rua Professor Plínio Bastos, nº 500 – Olaria

Telefones: 3976-5752 // 3976-5448

Coordenadoria de Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente

Rua São José, nº 35, 13º andar – Centro

Telefones: 2268-2100 // 2268-2313

*Fonte: http://cmdcario.com.br/

Como posso ser conselheiro?

Este ano já se encerraram as inscrições para quem almeja ser conselheiro tutelar. Os pré-candidatos ao cargo realizaram uma prova de conhecimentos específicos sobre o ECA e aguardam resultado. Aptos, vão poder participar da eleição no dia 6 de outubro. Segundo a conselheira Zanza, os requisitos para ser um conselheiro estão no artigo 133 do ECA. Nele, consta que o interessado ao cargo deve ter reconhecida idoneidade moral; idade superior a vinte e um anos; residir no município; estar no gozo dos direitos políticos; Ensino Médio completo e atuação profissional comprovada de, no mínimo, dois anos, com criança e adolescente. O conselheiro também precisa ter capacidade para mediar conflitos. Ela lembra que o mandato de conselheiro tutelar tem a duração de quatro anos e podia ter apenas uma reeleição, mas que, este ano, com a Lei 13.824, é permitido a reeleição para vários mandatos.

Vai um pão fresquinho aí?

Indispensável para milhões de brasileiros, o pão traz mais que nutrientes energéticos; na Maré, por exemplo, as padarias são a 13ª atividade que faz girar a economia local

Maré de Notícias #103 – agosto de 2019

Jéssica Pires

De manhã, à tarde e à noite. Não tem hora e nem lugar. Com manteiga, queijo ou aquele ovinho mole. Quentinho, não há quem resista. E ainda há quem diga que pode faltar tudo no dia, menos um pão fresquinho. O Maré de Notícias foi às ruas descobrir como anda esse produto tão importante no território e quem são os padeiros da Maré. O resultado vocês podem ver primeiro, aqui, e depois nas mais de 50 opções disponíveis nas 16 favelas.

O pão fabricado aqui no Brasil é bem diferente daquele que os franceses consomem. A receita veio, de fato, da Europa, no início do século XX, quando a elite brasileira fazia, com frequência, viagens à Europa e trazia muitos costumes para a cultura brasileira. Porém, a receita sofreu muitas modificações: o pão consumido atualmente no Brasil tem o miolo mais macio e fofinho, e casca mais crocante e dourada do que o consumido na França. 

A história do pão remonta à Pré-história, quando o homem descobriu que grãos como os de aveia, de cevada e, claro, de trigo, também poderiam servir como alimentos. Há registros, de cerca de 6 mil anos, que indicam que os egípcios descobriram, sem querer, a fermentação do trigo. Aos poucos, as receitam foram sendo aprimoradas, incluindo ingredientes, criando formas e sabores.

No Brasil, o nome “padeiro” veio da popularização de “panificador”, que é o profissional responsável por produzir pães. Não existe uma formação específica regulamentada no País para exercer a profissão. Cursos e especializações são as fontes de formação comuns no meio e, muitas vezes, indispensáveis na hora da contratação. Existem cursos de curta duração, a distância e até gratuitos.

Da bicicleta à padaria na Vila dos Pinheiros

O padeiro , hoje, tem seu próprio negócio, uma padaria na Via A/2, na Vila dos Pinheiros. Mas para chegar a ser empreendedor, primeiro ele aprendeu a profissão. Iniciou vendendo pão na bicicleta, na Vila dos Pinheiros, apertando a buzina para chamar a atenção dos clientes. Viu que era bom no comércio, chegava a vender 800 pães por dia. Depois foi trabalhar numa padaria perto de casa, como atendente. Com experiência, foi ser balconista na Tijuca. Mas não ficava feliz só em pegar no pão, queria prepará-lo.

Para realizar seu sonho, foi trabalhar em uma grande padaria em Copacabana. O que parecia a concretização de um desejo, virou pesadelo. A vaga que conquistou foi de faxineiro. Zé não desistiu, fazia a limpeza rapidamente para aprender a arte de fazer pão. O chefe não gostou muito desse atrevimento. “Fui mais além, comecei a chegar uma hora mais cedo, só para ficar na cozinha. O patrão chegou a falar que eu não podia mexer nos pães, pois minha mão tinha cheiro dos produtos de limpeza. Por sorte, o padeiro me defendeu, disse que eu lavava minha mão muito bem com álcool”, lembra.

“Vida de padeiro dá um livro. Chegar até onde estou, foi uma luta”, diz Zé, que conta ter trabalhado numa padaria que fazia 200 bolos por dia, e que uma vez quebrou 12 deles. Teve de pagar, perdeu R$60. Para ele, trabalhar perto de casa é muito bom, além de conhecer novas pessoas, que viram clientes. Na maioria das padarias, o carro-chefe é o pão francês. Na de Zé, os favoritos são a broa e o brioche. Outra curiosidade: Zé tem um paladar peculiar: os pães que mais gosta são a ciabatta e a baguete francesa. Ele fala que a concorrência é grande e, por isso, precisa ter sempre novidades.

De geração em geração

Artur Cesário é a segunda geração da família de padeiros da tradicional padaria “Beto e Beta”, de Marcílio Dias. A padaria fica em um ponto central da favela há 20 anos, e é referência de pão fresquinho, macio por dentro e crocante por fora. Esse é o resultado da receita do pai de Artur, que foi sendo aperfeiçoada durante os anos de trabalho da família. Artur teve um único emprego antes do convite do pai para ajudá-lo na padaria, e nunca mais teve vontade de sair. O filho e os sobrinhos seguem o mesmo caminho, já acompanhando a produção dos pães diariamente.

Apesar da concorrência, de acordo com Artur, hoje são sete padarias em Marcílio Dias, o volume médio diário da “Beto e Beta” é 1.200 pães por dia. Artur conta que nunca fez nenhum curso de aperfeiçoamento, tudo o que sabe aprendeu com seu pai e com a prática. Depois do pão francês, os preferidos dos seus fregueses são o suíço e o doce com creme.

Alimento sagrado

O pão também virou um símbolo sagrado e importante para muitas religiões, sobretudo as cristãs. Na história de Jesus Cristo esse símbolo aparece diversas vezes. Desde o nascimento da figura central do Cristianismo, o pão está presente. Jesus nasceu em Belém, que significa “Casa do Pão”. Já adulto, Jesus multiplicou cinco pães para uma multidão, na ocasião da morte de João Batista, o sacerdote que havia batizado Jesus.

Mas foi na “Santa Ceia” que o pão recebeu seu maior significado para os cristãos. Jesus levantou um pedaço de pão, ofereceu-o a seus discípulos e disse: “Tomai e comei todos vós, este é meu corpo, que é dado por vós. Fazei isto em minha memória”. O pão tornou-se, assim, um símbolo diário da importância de alimentar o corpo e a alma, dividir o que se tem com o próximo.

A economia do pão

A indústria de panificação e confeitaria registrou, em 2016, um faturamento de R$ 87,24 bilhões, o que representa um crescimento nominal (não considerada a inflação no período), de 3% em relação ao ano anterior, de acordo com os números da Associação Brasileira da Indústria da Panificação e Confeitaria (ABIP). Ainda com a ABIP, o Brasil consumiu uma média mensal de 658,79 toneladas de farinha destinada ao pão francês naquele ano.

De acordo com dados do Sistema Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), a “classe C” representa 80% das pessoas que afirmam ir frequentemente às padarias tradicionais. Na Maré, onde a maior parte da população se enquadra nessa categoria econômica, de acordo com o Censo de Empreendimentos Econômicos da Maré, produzido pela Redes da Maré e Observatório de Favelas e referente a 2014, o bairro tem 54 padarias. Entre as 143 atividades principais pesquisadas e analisadas pelo Censo, “padarias” é a 13ª em quantidade de estabelecimentos.

Os ilustres mágicos da farinha, água, sal e fermento, da Maré

Segundo a ABIP, são 8.140 padarias no estado do Rio de Janeiro. Apesar de o número já ser alto e um indicador do peso da categoria, as próprias associações e sindicatos afirmam que esse não é um número global e fidedigno, pois há muitos estabelecimentos informais. Isso também acontece com os profissionais. Consultado, o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Panificação, Confeitaria, Produtos de Cacau, Balas, Torrefação e Moagem de Café e de Produtos Dietéticos, Nutricionais e Macrobióticos e Similares do Município do Rio de Janeiro, Itaguaí e Seropédica (Stinpan) não soube precisar a quantidade de padeiros formalizados na Maré e afirmou necessitar de uma autorização interna e um prazo maior para informar o número de profissionais no Rio de Janeiro.

Muitos nomes

A cultura de comer um pão francês quentinho, pelo menos no café da manhã, está presente em todas as regiões do País e, em muitas delas, ele ganha um nome específico. Confira:

São Paulo: pãozinho

Baixada Santista: média

Maranhão: pão massa grossa

Rio Grande do Sul e Bahia: cacetinho

Pará: pão careca

Sergipe: filão e pão jacó

Paraíba: pão aguado

Rio de Janeiro: pão francês, pão de sal ou pão carioquinha.

A prática de violações de direitos continua nas operações na Maré

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Unidades do Comando de Operações Especiais (COE) realizaram uma operação de quase 12 horas nas favelas Nova Holanda, Parque União e Rubens Vaz. Moradores que vivem próximos da localidade informaram que, a partir das 6h30 desta quarta-feira (31), unidades da COE iniciaram a ação policial. Durante a manhã, o caveirão voador realizou rasantes e disparos pelas comunidades. A ação policial chegou ao fim às 18h.

O Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), Batalhão de Ações com Cães (BAC), Batalhão de Polícia de Choque (BPChq) e Grupamento Aeromóvel (GAM) participaram da ação no território. Do início da manhã até o início da tarde, a operação seguiu um padrão silencioso, com poucos confrontos armados, porém muitas denúncias de violações de direitos. No período da tarde, a favela Parque União foi o centro da operação, com a presença do Caveirão e intensos e violentos confrontos armados. 

Antes das 9h, um grupo de moradores denunciou à equipe do Maré de Direitos que um jovem foi mobilizado por policiais e poderia estar sofrendo agressões físicas e psicológicas. Chegando ao local, a equipe mediou a situação. O jovem foi encaminhado à delegacia para averiguação. No fim da tarde, o jovem retornou para a Maré.

A equipe do Maré de direitos identificou violações como: invasão à domicilio, roubos, dano ao patrimônio e violência física e psicológica. Entre os casos, houve a denúncia de um jovem que sofreu agressão física e psicológica dentro de casa. Segundo o jovem morador, que preferiu não se identificar, alguns policiais invadiram sua casa e quanto mais ele falava sobre os seus direitos violados pelos agentes da segurança pública, mais agressão sofria.

Dois homens morreram durante a operação. Jeferson Oliveira da Costa,  de 33 anos, e Luan Borges de Albuquerque, de 26, foram atingidos durante a ação no Parque União. Ambos foram direcionados a atendimento no Hospital Federal de Bonsucesso. Não há confirmação se os mesmos já chegaram mortos no hospital.

A Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar informou que aprendeu drogas e armas durante a operação. A equipe do Maré de Direitos segue recebendo denúncias via WhatsApp pelo número (21) 99924-6462, e acompanhando os casos. O que fica no território é a percepção de que violações de direitos fazem parte das estratégias da ação da polícia nas favelas.


Mãe e filha na universidade

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Uma, realizando o sonho de cursar uma universidade depois de muitos anos de luta; a outra, saindo do ensino médio direto para o superior; as duas em rumo ao diploma

Flávia Veloso

A família Duarte Belo ganhou, de uma vez, duas universitárias: a mãe, Zeneida, e a filha, Giovana. Elas são as primeiras de todos os familiares a entrarem no ensino superior. Giovana tem 17 anos, e começa a cursar Administração na Unicarioca, para onde passou pelo ProUni, para o segundo semestre deste ano. Zeneida, com 39 anos, está indo para o segundo período de Serviço Social na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

A história das Duarte Belo com o Curso Pré-Vestibular (CPV) da Redes da Maré começou com Zeneida, que trabalha na Redes desde 2010, e já havia sido aluna do CPV há alguns anos. Ela sempre quis fazer faculdade, mas faltava tempo para estudar. Em 2018, quando a filha estava concluindo o ensino médio e também queria alcançar o ensino superior, as duas começaram a frequentar juntas o pré-vestibular, e Zeneida recebeu da menina um gás para estudar para o vestibular, e o fazia nos fins de semana. Ela conta que o curso que escolheu a ajudará a desempenhar seu trabalho na Redes, com as visitas domiciliares que faz pelo território.

Quanto a Giovana, quando entrou no CPV, dividia seu dia em três turnos: pela manhã, revisava as matérias do vestibular; à tarde, fazia seu último ano do ensino médio no Colégio Estadual Professora Maria de Lurdes de Oliveira Tia Lavor, na Ilha do Governador; e à noite, ia para o CPV. Agora que passou para a faculdade, sua rotina será de cursar a universidade no período noturno e, no diurno, e fazer um curso técnico de logística que iniciou este ano.


Por mais que as vidas de mãe e filha agora sejam um pouco diferentes, as duas têm ideias muito próximas quanto ao CPV: o incentivo à favela aos estudos. Para Zeneida, as pessoas mais velhas precisam abraçar oportunidades como essa, e completa: “lembro que na minha sala, no pré-vestibular, a maioria era jovem, o que também é bom. Mas acho que os mais velhos têm receio de entrar, acham que não vão conseguir. Tem que ter muita dedicação, claro, mas não é impossível.” 

Giovana também expôs seu olhar sobre o CPV, dizendo que o aprendizado não vem somente dos livros didáticos: “os professores vão além do que se pede no Enem. Discutem feminismo, racismo. Muitas pessoas entram com a mente fechada, e saem muito diferentes, com menos preconceitos.”