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Vila dos Pinheiros: quatro décadas de evolução

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Favela com nome de árvore se mantém firme em suas raízes

Maré de Notícias #158 – Março de 2024.

A árvore pinheiro-brasileiro chega a viver em média 700 anos, então, a favela de 41 anos que leva o nome da planta ainda é uma criança. A Vila dos Pinheiros foi inaugurada em 1983, dentro da segunda fase do Projeto Rio, que tinha o propósito de reassentar antigos moradores das palafitas das favelas da Baixa do Sapateiro, Parque Maré, Nova Holanda e Parque União. A favela é conhecida pelos moradores simplesmente como Pinheiro e nasceu fruto do aterramento dos manguezais da Baía de Guanabara que ligavam a Ilha do Pinheiro ao continente. 

O local também era conhecido como Ilha dos Macacos, por ser área de testes com os animais da Fundação Oswaldo Cruz. Hoje, o espaço também conhecido pelos moradores como Mata, tem o nome de Parque Municipal Ecológico Cadu Barcellos, ilustre morador, morto em 2020.

A penúltima fase de construção de casas na favela Vila dos Pinheiro aconteceu em uma área atrás da associação de moradores, passando a ser chamada com  um novo nome: Vila Pasqualini, em homenagem a um escritor. A parte final da favela foi construída em 2004, atrás do Ciep Ministro Gustavo Capanema, que recebeu moradores remanescentes de enchentes. Essas casas são conhecidas popularmente como Marrocos. 

Parte das casas originais foram derrubadas no início dos anos 1990 devido a um afundamento. Depois da construção da Linha Vermelha, após utilização de bate-estacas, o território foi estabilizado e os moradores reconstruíram as casas no terreno vazio. Um desses moradores é Valdecir Severino Silva, de 57 anos. Ele conta que veio de uma casa nas palafitas do Parque União, onde vivia com a mãe, para a Vila dos Pinheiros, no dia 15 de dezembro de 1983.

Valdecir  não acreditava na remoção, e lembra de um samba do bloco Boca da Ilha, do compositor Pelé: “disseram que a favela vai sair, isso é boato que surge por aqui…” Um diferencial da nova favela era a ausência de muros, onde moradores cortavam caminho pelos terrenos. 

“As paredes das casas eram chapiscadas e pintadas por cima, todas parecidas e, no início, quando voltava do trabalho acabava demorando a achar minha residência. As famílias grandes receberam casas duplex, mas quem ficou com uma casinha tinha um terreno grande. Vim no carro de mudança zoando… era uma novidade, me senti rico. Mesmo assim tinha gente que vendia a casa por uma merreca para voltar de onde tinha saído”, conta.

Uma das grandes dificuldades dos moradores era a ausência de comércios. “Tinha que fazer as compras no Supermercado Merci, em Bonsucesso. Para as obras, foram surgindo as primeiras casas de construções, com os donos Zé Gordo, Sidney, Meire e Mineiro, esse último no ramo até hoje. O pão era vendido por seu Djalma que vinha com balaio na bicicleta  tocando a sua buzina. A primeira padaria da Vila dos Pinheiros foi instalada na Via C4, a padaria do seu Jorge. Não tinha escola, então, as crianças e adolescentes estudavam com bolsa no Gama e Souza. Aqui foi evoluindo com o tempo”. 

Valdecir tem saudades do início da favela e recorda da inauguração do parque ecológico: “Era tudo bonito, com grama, acho que nunca vai ficar como naquela época. No passado, as ruas eram mais largas, depois vieram os puxadinhos”. 

Ele destaca a vantagem do lugar por ter ônibus para todos os lugares. “É um lugar valorizado. Se hoje fossem aterrar esse lugar, não fariam casas para nós e sim um condomínio para bacanas. Mesmo que um dia eu fique rico, vou continuar no Pinheiro”, garante.

‘Que a gente continue sendo o sonho dela’, diz filha de Marielle em festival 14M

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‘Festival Justiça por Marielle e Anderson’ reuniu diversos artistas em uma homenagem cultural na Praça Mauá

Por Hélio Euclides e Lucas Feitoza

Nesta quinta-feira (14) uma programação marcando os seis anos do assassinato da vereadora Marielle Franco, e seu motorista, Anderson Gomes foi realizada no  Centro do Rio de Janeiro. Os eventos foram organizados pelo Instituto Marielle Franco para pedir justiça pelo caso, mas também para a manutenção da memória e legado da parlamentar.

Uma missa na Igreja Nossa Senhora do Parto marcou a abertura seguida por uma marcha pelas ruas do centro e durante a noite o Festival Justiça por Marielle e Anderson encerrou a programação com shows de diversos artistas.

Às 12h, foi realizado o Ato por Justiça, que reuniu centenas de pessoas. A saída ocorreu na estátua de Marielle, no Buraco do Lume, uma praça pública em que Marielle costumava fazer discursos e prestava conta das suas atividades políticas. O ato foi encerrado na Cinelândia, em frente ao Palácio Pedro Ernesto, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, onde se encontra uma placa de rua com o nome da vereadora mareense. 

“São seis anos sem respostas. Sinto um misto de agonia, medo e tristeza. Esses são os mesmos sentimentos de uma mãe de jovem que é morto na favela quando vê os executores sendo libertados. Estamos todos numa situação sem resposta”, reclama Renan Nascimento, do Coletivo Cria.

O crime

A vereadora Marielle Franco e o motorista  Anderson Gomes foram mortos na noite de 14 de março de 2018. Ambos saíram de uma roda de conversa no Instituto Casa das Pretas, momento em que foram perseguidos por criminosos até o bairro do Estácio, quando o carro foi alvejado por treze tiros. Após seis anos do crime ninguém foi condenado. 

“Estamos na luta por justiça não só pelo caso da Marielle e Anderson, mas pelos que foram vitimados por agentes do Estado. São seis anos que nos perguntamos o porquê? Queremos justiça total, saber quem mandou executar e também uma reparação do Estado para a família. Isso vai servir de exemplo para que outras famílias, favelas e pretas não sofram com vidas interrompidas”, expõe a advogada Brisa Lima, do Instituto Marielle Franco. 

Luta e festa

A noite o festival Justiça Por Marielle e Anderson celebrou o legado deixado por Marielle. Com uma programação para todos os gostos com gêneros musicais que passaram do jazz, pop, samba e funk e mais, artistas mareenses foram bem representados com o grupo Dance Maré liderado pelo digital influencer Raphael Vicente, além da Drag Queen Preta Queen B Ru, Evy e Kaê Guajajara.

Durante momento de fala no festival, Anielle Franco, Ministra de Igualdade Racial e irmã de Marielle destacou: “As sementes não serão caladas ou interrompidas”, ressaltando ainda que sua irmã era um símbolo de alegria e que esse é o motivo de realizar o festival, além do clamor por justiça.

“Enquanto tiver sangue correndo na veia a gente vai levantar e seguir fazendo, a gente não quer ver nenhum outro corpo tombado em lugar nenhum. É por isso que a gente tá aqui hoje.”, concluiu Anielle. 

Luyara Franco, filha de Marielle, destaca a importância da arte como ferramenta para mobilizar a sociedade: “A gente faz o festival para celebrar o legado da minha mãe e honrar a memória dela, usando a arte como uma forma de política para conseguir juntar a juventude e ecoar o grito por justiça.”

O evento também estendeu o clamor por justiça das Mães de Maio. Ana Paula Oliveira, mãe de Johnatha Oliveira, assassinado por um PM em Manguinhos em 2014, destacou a atuação da vereadora. 

“Isso aqui é legado da luta de Marielle, da força dela, que sempre lutou contra as injustiças, pelas pessoas das favelas, que a todo momento tentam deixar invisíveis na sociedade!”.

Há seis anos que o grito de resistência ecoado por movimentos sociais “Marielle e Anderson presente, hoje e sempre” é um marco que mantém viva a memória da parlamentar e do motorista. Durante o evento, essa mensagem reverberou entre os artistas que passaram pelo palco e mostraram seu talento nas diversas manifestações artísticas. O público, entusiasmado, respondia com energia e punhos cerrados. A cantora Urias encerrou a noite de apresentação.

Seis anos é tempo demais!

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Para a resolução de qualquer crime

Jéssica Pires*

Família, amigos, companheira, eleitores, seguidores ou aqueles que não concordavam com aquele corpo ocupando aquele espaço, quem desejava que sua voz ecoasse mais, ou quem quiz a calar: ninguém imaginava. 

Já no dia seguinte do crime, que interrompeu a vida de Marielle e de Anderson Gomes, esse movimento se deu e o retrato disso é aquela icônica imagem da Cinelândia e ruas próximas ocupadas por pessoas que gritavam indignação. 

Perguntas sem respostas

No entanto, se tão pouco acreditava-se na possibilidade de um crime dessa natureza ocorrer, em pleno 2018, em plena cidade do Rio de Janeiro; não imaginava-se também esse movimento se criar. Ainda mais difícil de compreender é o fato de seis anos terem se passado e todas essas pessoas ainda não terem respostas sobre diversas perguntas.

Quem mandou matar Marielle? Qual a motivação do mandante do crime? Por que ainda não se avançou na investigação sobre a autoria intelectual do crime? Quem desligou, como e a mando de quem as câmeras de segurança do trajeto de Marielle e Anderson percorreram? Por que não existe uma atuação coordenada das instâncias em níveis estadual e federal sobre a elucidação do caso de Marielle e Anderson? Houve tentativa de fraude nas investigações? Por quem? 

Essas são algumas de uma série de perguntas sistematizadas pelo Instituto Marielle Franco, organização fundada pela família de Marielle como meio de lutar por justiça, defender sua memória mas também fortalecer outras mulheres que seguem movimentando estruturas e lutando por uma sociedade mais justa; mas também ecoadas por diversas pessoas e organizações que não naturalizam uma barbárie como essa. 

Acesso à Justiça

O acesso à justiça de famílias e vítimas da violência no Rio de Janeiro e no Brasil é historicamente alarmante. Infelizmente, o ano do assassinato de Marielle coincidiu com o crescimento representativo de uma onda conservadora que naturaliza a violência, tanto no campo institucional como em resultado de práticas de políticas públicas.

Quando olhamos para os dados das favelas e periferias o cenário é pior. No Conjunto de Favelas da Maré, só este ano já aconteceram sete operações policiais. Nessas, três pessoas foram assassinadas. Nos três casos, apenas em um — quando o jovem Jefferson Costa foi assassinado com um tiro à queima roupa às 11 horas, em plena Av. Brasil — foi realizada perícia no local. O que já evidencia a impossibilidade do acesso à reparação dessas famílias.

No caso de um crime político, como o de Marielle e Anderson, a demanda por justiça e reparação se faz ainda mais urgente, pela óbvia manutenção da democracia e o recado de intolerância dado junto à esse assassinato cruel.

A violência cometida contra mulheres, sobretudo mulheres pretas, que estão em cargos públicos, de 2018 pra cá, infelizmente não parou de crescer. São diversos casos, como os constantes e diversos ataques à Benny Brioli, vereadora de Niterói e primeira travesti eleita no Estado do Rio (PSOL).  

Lembrando que esse contexto coexiste com a Lei de Enfrentamento à Violência Política sancionada (Lei 14.192/2021), que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher durante as eleições e no exercício de direitos políticos e de funções públicas. 

O Instituto Marielle Franco e outras organizações da sociedade civil também têm pensado ações e projetos pelo enfrentamento a violência política contra mulheres negras.

Sementes de Marielle

Quando Marielle foi eleita e dois anos depois assassinada, apenas outras duas mulheres negras e de favela — Jurema Batista e Benedita da Silva — haviam ocupado assentos equivalentes na câmara municipal do Rio de Janeiro. 

As mulheres, sobretudo as pretas e de favelas ou periferias, são protagonistas de lutas por justiça e direitos, e não é de hoje. Porém após esse crime que ganhou repercussão internacional, tanto na política institucionalizada quanto na frente de organizações, coletivos e movimentos sociais, muitas vozes, corpos e cores surgiram e se fortaleceram pela luta de direitos. 

Como iniciamos falando, ninguém imaginava o movimento que se criaria, porém ainda sem respostas, e ainda vivendo desafios na garantia de direitos para mulheres, pessoas pretas, LGBTQIAPN+, de favelas, quilombos, indígenas seguimos na urgência de pautas e práticas antirracistas, antiLGBTfóbicas, feministas e populares, inspiradas no legado de Marielle Franco. Justiça e reparação nesse março de 2024. 6 anos é tempo demais!

*Jéssica Pires é jornalista e colunista do Maré de Noticias

Festival 14M celebra legado e pede justiça por Marielle e Anderson

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Hoje completam seis anos desde que a vereadora foi morta junto com Anderson, seu motorista. Festival na Praça Mauá reúne público numa homenagem cultural

O Festival Justiça por Marielle e Anderson acontece nesta quinta-feira (14), na Praça Mauá, a partir das 17h, no dia em que completam seis anos da morte da vereadora e seu motorista Anderson. O evento é gratuito e reúne diversos artistas sendo alguns deles do Conjunto de Favelas da Maré, local de origem de Marielle.

Kaê Guajajara, Dance Maré, Preta QueenB Rull compõe o grupo de artistas da Maré que vão se apresentar numa programação que se estende até as 22h. Além deles, a line-up do evento conta com DJ Duhpovo, Thiago El Niño, Delacruz, Evy, Yóun, Marcelle Motta e Teresa Cristina, Os Garotin, Ebony e Urias. Clique aqui para conferir os horários e a programção completa.

Em paralelo às atrações no palco, o evento conta com o Espaço Coruja Abdias, Carolina Maria e Marielle, no Museu de Arte do Rio, que tem como referência um dos principais projetos de lei da vereadora: a criação do Espaço Infantil Noturno no Rio, uma solução imediata a realidade de milhares de mães e pais que estudam ou trabalham à noite e não tem com quem deixar suas crianças pequenas. Para além de uma homenagem cultural, o festival celebra o legado de Marielle, luta por justiça, memória e reparação.

BRT Transbrasil: novo corredor promete facilitar a chegada dos mareenses ao centro da cidade

Após quase dez anos de obras e três mandatos da Prefeitura do Rio de Janeiro, BRT Transbrasil inicia fase de testes

Maiara Carvalho*

O Terminal Intermodal Gentileza (TIG) foi inaugurado em fevereiro, com cerimônia idealizada pelo prefeito Eduardo Paes e participação do presidente Lula, além de outras autoridades federais e municipais. Localizado no antigo Gasômetro do Rio de Janeiro, próximo à Rodoviária Novo Rio, o projeto busca integrar três tipos de serviço de transportes públicos: ônibus, VLT e o novo corredor de BRT Transbrasil.

A promessa é que o espaço consiga facilitar o acesso à Zona Central da cidade, conectando bairros de todas as partes da capital. No entanto, a operação acontece de forma gradual, e nesta primeira fase, o corredor Transbrasil não funcionará em sua totalidade. Já o VLT receberá mais uma linha que funcionará, assim como as antigas, ligando diversos pontos da região, além das linhas de ônibus que funcionarão dentro do Terminal.

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BRT Transbrasil

A primeira fase de operação do Transbrasil se estende, segundo a Prefeitura do Rio, até o dia 30 de março, na qual o novo corredor servirá apenas de passagem para o Terminal Gentileza. Saindo da estação Penha, com paradas em Ibiapina, Olaria, Cardoso de Morais e Santa Luzia, os ônibus articulados seguem até o terminal, sem paradas, a cada dez minutos, entre 12h e 14h.

Após a fase inicial, o BRT Transbrasil começa a funcionar de Deodoro até o TIG, com paradas em todas as estações do percurso, de 10h às 15h.  Até lá, as estações seguem sendo inutilizadas, mas com monitoramento aéreo das mesmas e das faixas seletivas que vão ser usadas, em breve, na Avenida Brasil. 

Maré e a espera ao BRT

O projeto BRT Transbrasil foi iniciado em 2015 e a proposta era que sua entrega acontecesse no fim de 2017. Contudo, as obras duraram quase dez anos, passando por três mandatos da Prefeitura do Rio de Janeiro. Em diversos momentos as atividades afetaram diretamente o trânsito de uma das principais vias de mobilidade da cidade, e consequentemente, a rotina dos moradores da Maré, que em sua maioria, utilizam diariamente a via para se locomover. 

As favelas que compõem o Conjunto de Favelas da Maré podem contar com seis estações do corredor Transbrasil, próximas aos pontos de ônibus do território (algumas já finalizadas, outras em andamento). A proximidade contribui positivamente para o uso do meio de transporte que está em implementação. Na fase inicial, os horários não atendem a quem precisa usar o serviço durante os períodos de maior demanda, o que se espera que seja modificado brevemente, após as fases de teste. 

Será que vai dar conta? 

Como já se sabe, os moradores de Campo Grande não foram incluídos no projeto de Eduardo Paes, e em caso de optarem pela agilidade prometida pelo prefeito para chegar até a parte central da cidade, terão que pegar uma condução até o Terminal Deodoro, seguir até o Gentileza e fazer baldeação até o Centro, totalizando três meios de transporte. Por um lado, há o benefício de não precisar passar por um possível engarrafamento na Avenida Brasil, por outro, há o cansativo processo para chegar até o destino, e o receio de que a frota não dê conta da demanda de passageiros que vão utilizar o serviço.

Pensar na possibilidade de que, após anos de espera, o Transbrasil não suporte o fluxo de pessoas dependentes do novo corredor e se torne mais um problema de mobilidade urbana da cidade, pode ser frustrante para os cariocas. 

Para o pesquisador Juciano Rodrigues, do Observatório das Metrópoles, a problemática do novo corredor se inicia pela falta de diálogo mais aprofundada com a sociedade, em decidir se o BRT Transbrasil seria, de fato, uma boa solução para interligar os dois pontos da cidade em que percorre os mais de 58 quilômetros de uma via fundamental da cidade. No entanto, quando perguntado sobre o Terminal Gentileza, ele acredita que o bairro escolhido foi pensado de forma estratégica para revitalizar e reestruturar a Zona Portuária,  e consequentemente, valorizar o mercado imobiliário.  Diz ainda que,  para os novos serviços (TIG e Transbrasil) funcionarem de forma eficaz, além do nível de oferta de transportes, é necessário também políticas de micro acessibilidade que possibilitem o uso dos meios de forma segura. 

“A princípio, é de se esperar que o acesso por ônibus para a área central melhore satisfatoriamente para a população da Maré e dos demais bairros adjacentes à Av. Brasil.”

*Maiara Carvalho é estudante de Rádio e TV da Universidade Federal do Rio de Janeiro e faz parte do projeto de Extensão Conexão UFRJ com o Maré de Notícias.

Caso Michael: trabalhador foi morto na sétima operação policial da Maré 

O jovem paraibano veio para Maré realizar sonho de ser operador de som

A sétima operação policial em 2024 na Maré, realizada na última quarta-feira (6), deixou mais uma vítima: o padeiro Michael Schumacher, de apenas 29 anos. Oriundo da Paraíba, o jovem veio para Maré aos 15 anos, com a perspectiva de conseguir melhores condições de trabalho e realizar o sonho de se tornar operador de som automotivo. Michael saiu como de costume às 4:20h da manhã do Salsa, uma das favelas do Conjunto de Favelas da Maré, para trabalhar.  Ele cruzava o Rio de Janeiro para chegar até a padaria na Zona Sul, emprego que ele mantinha desde que chegou no estado. Infelizmente, naquela madrugada, Michael foi atingido por disparo de arma de fogo, se tornando mais um trabalhador que perde a vida de forma violenta durante ações policiais no território.

Como se já não bastasse ter o maior dos direitos ceifados, o corpo do padeiro ficou estirado ao chão, sem socorro, sem reconhecimento e sem perícia: 

“A pior parte foi a polícia não ter prestado socorro. Deixaram ele no chão, jogado e os próprios moradores tiveram que levar ele pro UPA. Se tivessem prestado socorro, será que ele teria morrido?” questiona Luciana, cunhada da vítima.

Emocionada, Núbia, a irmã de Michael conta que os pais, que moram na Paraíba, estão muito abalados: “Meu pai está muito doente, minha mãe está à base de medicamentos e estão muito abalados. Eles não têm condições de vir pra cá. Vamos dar um jeito de levar pra lá, juntar os amigos, os familiares e cada um dá um pouquinho pra ele descansar onde nasceu”, diz. 

Em relato exclusivo ao Maré de Notícias, a família do jovem informa que a única evidência do ocorrido é a mochila do rapaz com a perfuração que a bala deixou. O material foi entregue à família em uma sacola pela Unidade de Pronto Atendimento da Vila do João.

Para identificar o rapaz, a família precisou abrir a mochila coberta de sangue e pegar os documentos que ele carregava ao lado da carteira de trabalho: “Só entregaram. Disseram que eram os pertences que estavam com ele e que não acharam os documentos. Tivemos que revirar a mochila e achamos a carteira encharcada de sangue e com a identidade”, conta Luciana. O corpo de Michael ficou cerca de sete horas na UPA aguardando a remoção pela Defesa Civil. 

Inicialmente, a Polícia Militar declarou que não havia registro de óbito durante a referida operação. No entanto, ao ser questionada novamente no dia seguinte, a resposta foi que “as investigações sobre o fato estão sob responsabilidade da Polícia Civil, e a SEPM [Secretaria de Estado da Polícia Militar] está colaborando integralmente com os procedimentos.” Sobre a omissão de socorro, o órgão não respondeu.

O eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré e o Maré de Notícias seguem acompanhando o caso de Michael Schumacher.