Ação é em apoio à 8ª Campanha dos 21 Dias de Ativismo contra o Racismo
A instituição sociocultural Cinema Nosso preparou uma série de atividades especiais e gratuitas para marcar sua participação na 8ª Campanha dos 21 Dias de Ativismo contra o Racismo, no mês de março. A última delas, o Cine Debate especial em homenagem a Marielle Franco, com a exibição gratuita do filme “Sementes: Mulheres Negras no Poder”, dirigido por Éthel Oliveira e Júlia Mariano. Fora o longa, o público assistirá o primeiro episódio da série “Sob Traçantes”, de Luís Lomenha, que conta a história dos familiares da vereadora Marielle. O evento acontecerá nesta quinta-feira (14), às 18h30, data que marca os seis anos do assassinato da parlamentar.
A sessão será aberta ao público, com prioridade para mulheres negras, trans, indígenas e/ou refugiadas e acontecerá presencialmente no Cinema Nosso (Rua do Rezende, 80 – Centro). O objetivo das ações é promover reflexões sobre questões de gênero, raça e empoderamento, além de homenagear figuras importantes da luta contra o racismo e pela igualdade de direitos. As atividades foram cuidadosamente planejadas para envolver e inspirar o público. As inscrições podem ser feitas pelo formulário on-line até quarta-feira (13).
Maria Amélia construiu uma história junto a movimentos políticos de base comunitária, que culminou na gestão da Associação de Moradores da Nova Holanda
Por Andreza Jorge e Henrique Silva
Edição #158 – Jornal Impresso do Maré de Notícias
Maria Amélia Castro e Silva Belfort, que hoje dá nome à uma escola municipal localizada no Campus Maré, foi uma líder comunitária, empreendedora, compositora, ativista e mãe de seis filhos. Foi removida compulsoriamente de casa na extinta favela Praia do Pinto (na zona Sul do Rio) no final dos anos 60 para a favela Nova Holanda. Mas, ainda como moradora da Praia Pinto, já atuava como ativista nas lutas populares.
Ao chegar na Nova Holanda, construiu uma trajetória junto a movimentos políticos de base comunitária, que culminou na gestão da Associação de Moradores da Nova Holanda. A organizada, denominada Chapa Rosa, contava com Eliana Sousa Silva, hoje diretora da Redes da Maré, como presidente. A associação foi responsável por reivindicar políticas públicas fundamentais para o território.
Inspiração
Em entrevista para a pesquisa: A Nova Expressão das Mulheres da Periferia, realizada em 2009, pelo Centro de Atividades Culturais, Econômicas e Sociais (CACES), Eliana Sousa Silva destacou a importância de Maria Amélia no processo de mobilização comunitária e na construção de sua própria trajetória como liderança feminina de favela.
“Havia um grupo de mulheres através do qual tinha se consolidado uma forte tradição: toda luta daqui passou pelas mulheres. Tinha uma mulher chamada Maria Amélia Castro e Silva Belfort, que foi com quem aprendi e entendi muito sobre a necessidade de nos organizarmos como moradores. Ela me inspira no trabalho que faço ao longo dos anos. Ela foi fundamental e fez muita coisa acontecer aqui. Ela fazia parte de um grupo chamado: Grupo de Mulheres que lutava exatamente pelas necessidades mais básicas dos moradores. Então, a água que a gente tem hoje é fruto da luta dessas mulheres, assim como a creche.”, explica.
A força de Maria Amélia era um exemplo, pois chegava a lugares impensáveis para mulheres pobres, faveladas, mães. Como parte estruturante da ética feminista, o reconhecimento e fortalecimento de lideranças mais jovens é fundamental para continuidade da luta pelas mulheres por transformação social coletiva.
Carta ao presidente
No ano de 1979, Maria Amélia redigiu uma carta ao recém-empossado presidente João Figueiredo, que tinha anunciado o Projeto RIO para o Conjunto de favelas da Maré. O conteúdo da carta reflete uma abordagem centrada na aproximação, partindo de uma narrativa comunitária.
Rio de Janeiro, 23 de julho de 1979, Excelentíssimo Sr. Presidente dos estados unidos do Brasil: João Batista Figueiredo
Não vou pedir nada a vossa senhoria em particular. Como brasileira que sou, creio que o momento é, não de individualização, sim de comunitarismo, creio que todos os cidadãos devem pensar em termos de pátria, nação! Coletividade.” (Fonte – Arquivo Nacional)
Mobilização cultural
Maria Amélia, nos brinda com diversos exemplos da atuação política dela, como a participação na organização do 1º Encontro Popular pela Saúde, realizado na Cidade de Deus, em 1980. No evento foi apresentado um documento produzido pelo Grupo de Mulheres sobre os problemas enfrentados na Maré e ela escreveu um samba como registro criativo e poético marcando essa participação:
Lutando contra o azar Unidos sempre a cantar Soubemos organizar O primeiro encontro popular Foi tímido foi temido Mostramos a muita gente Que não somos formados de bandidos Sem confusão… Sem confusão Sem pires na mão, sem pires na mão
Maria Amélia
Compreendendo a importância das práticas culturais, Maria Amélia também estava implicada coletivamente com outros grupos do território, como o Bloco Carnavalesco Mataram meu Gato. Havia um desejo de mobilizar os moradores para a participação política e, a aproximação do Grupo de Mulheres com a quadra de samba, foi crucial para o reconhecimento desse grupo como ator político do território. Em entrevista para o jornal Favelão – A voz dos favelados, em 1982, Maria Amélia declarou:
“Como não conseguia mobilizar o pessoal para formar uma associação que é uma necessidade, consegui mobilizar para o bloco, que agora tornou-se um lugar familiar. O bloco ‘mataram o meu gato’, é praticamente o único lazer em Nova Holanda. Conseguimos mesmo, este ano, que o samba que seria cantado no carnaval, não fosse escolhido no gabinete, e foi escolhido na quadra.”
Feminismo favelado
Há uma urgência em resgatar essas ações e lançá-las sob a luz do agenciamento existente nos feminismos favelados que emergem de um olhar concreto na vivência diária e na opressão que atravessa cotidianamente esses corpos, ainda que de forma diferente e desproporcionais. Não existe um feminismo universal!
Ainda, na entrevista ao jornal FAVELÃO – A voz dos favelados, em 1982, quando perguntada sobre: “O que representou o Dia Internacional da Mulher?”, Maria Amélia respondeu:
“Não representou nada para a mulher favelada, é um dia comercial. Na vida comunitária pode ser um dia, quando nos juntamos não para tirar o sutiã em praça pública, mas para reivindicar os nossos direitos”.
Seguindo este mesmo pensamento, Maria Amélia foi uma figura crucial no 3º Encontro Feminista Latino-Americano, que aconteceu na cidade de Bertioga, no Estado de São Paulo, em 1985. Ela compareceu ao evento em um ônibus fretado, cheio de lideranças femininas de favelas do Rio de Janeiro, como forma de protesto, reivindicando a participação e denunciando a ausência de mulheres faveladas no Encontro.
Todas essas ações foram fundamentais para uma efervescência de liderança e mobilização comunitária que culminou na luta por reconhecimento desse território como um bairro.
Seguimos aprendendo com as que vieram antes de nós e abriram caminhos para sonhos maiores. Enaltecer os 30 anos de bairro Maré é celebrar a luta das mulheres e suas insurgências e seus feminismos favelados. É uma celebração plural, cheia de mãos e corações. É celebrar Maria Amélia e sua força criativa e insistente, enaltecendo quando na vida comunitária precisamos nos unir pela garantia do Direito a vida, contra o genocídio dos homens e meninos de nossa comunidade, contra a desumanização e reivindicação de nosso direito de existir.
De acordo com dados do Sebrae, o número de empreendedoras por volta dos 40 anos cresceu nos últimos anos e atingiu a maior marca em 2022
Recomeços depois dos 40 anos podem ser desafiadores, mas também emocionantes e gratificantes, principalmente para as mulheres de favela. Muitas delas optam por fazer mudanças significativas na vida nesta fase. Seja mudando de carreira, buscando novos hábitos, engravidando ou até mesmo iniciando ou terminando um relacionamento. Embora a população da Maré seja em maioria jovem, as mulheres acima dos 40 anos também representam uma parte significativa da população do território e mostram que nunca é tarde.
Escrevendo o futuro
No Brasil, as mulheres conquistaram o direito de estudar para além do Ensino Fundamental só em 1827, com a Lei Geral promulgada em 15 de outubro. Nesta época, as mulheres negras ainda eram escravizadas e, mesmo após a abolição em 13 de Maio de 1888, a população negra não tinha os mesmos direitos da branca, restando para a grande maioria apenas os trabalhos sub-humanos. Esta herança do período escravagista perpassa os dias de hoje e reflete na realidade de vida das mulheres da Maré e de outros territórios periféricos.
De acordo com o Censo Maré 2019, em torno de 3.959 pessoas entre 40 e 79 anos não sabem ler e escrever no território e, após os 50 anos, o índice de analfabetos é maior entre as mulheres. Porém, o Censo Escolar, coordenado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), em colaboração com as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, mostra que o número de inscritos na Educação de Jovens e Adultos (EJA) cresceu 23% na última década.
A Redes da Maré através do Projeto Escreva seu Futuro busca alfabetizar mulheres cuja conexão com o saber escolar nunca foi estabelecida. O objetivo é diminuir esse índice de analfabetismo resultado desta herança histórica e prepará-las para a emancipação.
O crucial sobre recomeçar é entender a importância da jornada para si própria como forma de autoconhecimento e de superação. A alfabetização para mulheres é uma questão fundamental para garantir o acesso à educação e o desenvolvimento pessoal e profissional delas, permitindo que adquiram conhecimentos, habilidades e autonomia em diversas áreas de suas vidas.
Mulheres de negócios
De acordo com dados do Sebrae, o número de empreendedoras por volta dos 40 anos cresceu nos últimos anos e atingiu a maior marca em 2022, com mais de 10 milhões de mulheres com seus próprios negócios.
O levantamento revela que 34,4% dos empreendimentos do país são comandados por elas e o Rio de Janeiro é o estado com maior número de empreendedoras, representando 38% do território nacional.
Mas quem são essas mulheres? Ainda de acordo com o levantamento do Sebrae, 48% das empreendedoras são negras e 67% possuem entre 35 e 64 anos, mostrando que ao chegar aos 40+, as mulheres estão cada vez mais engajadas a recomeçar e se destacar no cenário do empreendedorismo.
Fátima Donária começou seu negócio aos 50 anos. Ela conta que sempre cortou cabelo das irmãs e das amigas: “Fui voluntária em um abrigo de idosas e cortava cabelo com máquina, igual homem, bem baixinho e uma delas pediu um corte diferente e, eu dei meu jeito, mas isso me despertou e fui fazer o curso”, conta.
A cabeleireira revela que foi através do curso Maré de Belezas na Casa das Mulheres, projeto da Redes da Maré que, o lado empreendedor, falou mais alto e resolveu abrir o próprio salão no Parque União.
“Se não fosse esse curso, eu ia atender a domicílio por muito tempo… me aperfeiçoei, fui melhorando cada vez mais e isso foi me dando segurança para atender melhor as pessoas”.
Maternidade
Outro ponto que as mulheres com 40+ estão ressignificando é o momento da maternidade. O Núcleo de Inteligência da Folha de S. Paulo, a partir dos dados do sistema de informações sobre nascidos vivos do Ministério da Saúde, levantou que o número de mulheres que deram à luz entre os 40 e 44 anos cresceu 50%, entre 1998 a 2017. Além de filhos biológicos, a maternidade através da adoção também tem sido uma opção para mulheres 40+.
Jaqueline Conceição, de 52 anos, foi mãe de um menino aos 17 anos e sempre sonhou em ser mãe também de uma menina. Após anos de tentativas e abortos espontâneos, ela descobriu que tinha um tumor que a impossibilitava de gestar. Ela conta que sempre teve um grande coração e acolheu, por diversas vezes, crianças na casa dela. Três décadas depois do nascimento do primeiro filho, ela conheceu o amor novamente: Cristiane, a sua menina.
“Pela minha idade, e tudo que aconteceu comigo, eu não imaginava. A minha cunhada, mãe biológica dela teve uns problemas de saúde, eu levei ela pro hospital. O médico disse que alguém teria que cuidar do bebê. Assisti ao parto, me apaixonei pela Cris e tive certeza que ela era minha filha”, conta.
Emocionada, Jaqueline revela que está mais madura e sente que hoje respeita muito a personalidade da filha: “Aprendi com a idade algumas coisas. Quando ela diz: ‘vamos embora’, eu vou. Ela é minha amiga, é meiga, me beija, diz que eu sou linda, me abraça. A Cris é a alegria da minha vida”.
Ela reforça a importância da adoção: “Tem tantas crianças querendo carinho, tantas mulheres que não conseguem realizar o sonho de gerar um filho, mas o importante é o coração, então, não desista disso. Eu queria muito e não consegui, mas a vida me deu a Cris e parece que ela saiu de mim. Foi um presente de Deus”.
O etarismo é a discriminação ou preconceito contra pessoas com base em sua idade, geralmente direcionado a pessoas mais velhas. Infelizmente, é uma forma de discriminação comum e pode se manifestar de várias maneiras: como a exclusão de oportunidades de emprego, tratamento desigual no local de trabalho, estereótipos negativos sobre pessoas mais velhas, entre outras.
Com experiências artísticas que vão da pintura, teatro à fotografia, obras do artista chegam ao BBB24 para representar a Maré a partir do afeto
Affonso Dalua, o artista multilinguagem do Conjunto de Favelas da Maré, teve suas fotos e vídeos exibidos nesta quarta-feira na casa mais vigiada do Brasil, o Big Brother Brasil (BBB24). As fotos foram exibidas durante a festa do líder Lucas Henrique (Buda), também da Maré.
“Mano, é a minha favela, é a Maré.”, dizia Lucas emocionado enquanto via as fotos de Dalua.
Com 27 anos de vida, sendo uma década dedicada à fotografia que vai além do simples clique da câmera, Affonso tem um propósito direcionado e político. Ele afirma: “Penso a arte, no significado mais amplo da palavra, como um caminho para a produção de conhecimentos e tecnologias faveladas de afeto e enfrentamento às fobias que atravessam os marcadores sociais que definem minha existência.”
Isso significa que, para além de capturar imagens de paisagens ou pessoas, Dalua busca, com seu olhar cuidadoso e político, apresentar a Maré não como ausência em um território favelado frequentemente estigmatizado pela mídia, mas como um local diverso e potente, narrado através de suas imagens. Ele chama isso de construção imagética.
Uma das fotos exibidas no durante a festa do líder no BBB24 desta quarta-feira | Foto: Affonso Dalua
“A fotografia para mim representa um espaço de resgate de narrativas e memórias, um lugar onde construo a minha arte, a partir do meu território, o lugar onde me afirmo quanto um fotógrafo LGBTQIAPN+ que pauta não só esses corpos, mas outras narrativas que me atravessam e me fazem mergulhar nas memórias da Maré enquanto um favelado que pulsa arte e respira resistência.”, afirma o artista.
Compondo a equipe do Maré de Notícias, Affonso também mostra sua intimidade com a fotografia enquanto diagramador do jornal impresso que circula no território. Sobrepondo as imagens com o texto, rompendo com os formatos considerados tradicionais, entregando capas e páginas que ‘dão gosto’ à leitura. Ao ser questionado sobre o sentimento de ver suas obras no Big Brother, ele destaca a importância do reconhecimento.
“Felicidade de saber que minhas obras são reconhecidas quanto potência, e estar ocupando esse espaço enquanto um artista favelado é muito importante para reforçar que minhas obras tem impacto visual na cultura imagética carioca”.
Para conhecer mais sobre o trabalho de Affonso Dalua, basta acessar @affonsodalua no Instagram.
Michael Schumacher, de 29 anos, foi atingido quando saía de casa para trabalhar numa padaria no Flamengo, Zona Sul do Rio de Janeiro
“Acordei com o som de tiros na Vila do João”, comenta um morador assustado em rede social. Mais uma vez, moradores do Conjunto de Favelas da Maré despertam ao som de tiros e do Caveirão (veículo blindado) passando pelas ruas da Vila do João, Vila do Pinheiro, Salsa e Merengue e Conjunto Pinheiros. Iniciada na madrugada desta quarta-feira pela Polícia Militar, com equipes do Comando de Operações Especiais (COE) e do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) a operação fechou todas as 43 unidades de educação (municipais e estaduais) no Conjunto de Favelas da Maré, impactando 15.179 alunos.
Como a operação iniciou antes das 5 horas, alguns moradores ficaram impedidos de sair para trabalhar. “Quem mora aqui desse lado, por favor espere amanhecer”, alertou um morador preocupado.
Ainda de acordo com os relatos, uma pessoa foi morta durante a operação justamente ao sair para trabalhar. Trata-se do padeiro Michael Schumacher, de 29 anos, que saiu de casa por volta das 4h40 para ir para a padaria que fica localizada no Flamengo, Zona Sul do Rio de Janeiro, quando foi atingido.
Questionada, a assessoria da Polícia Militar afirmou, em nota, que não há registro desse óbito.
A Secretaria Municipal de Saúde também suspendeu o atendimento das Clínicas da Família Adib Jatene e Augusto Boal, e do Centro Municipal de Saúde Vila do João. Vale ressaltar que essa é a sétima operação do ano, onde 6 dos 20 dias do ano letivo foram interrompidos por operações policiais.
Mais violações de direitos
Uma pessoa foi ferida por disparo de arma de fogo, socorrida e levada ao Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha. Além disso, outras três pessoas relataram ter sofrido danos ao patrimônio durante a ação policial.
O impacto da violência policial na saúde mental
Uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) revelou que em comunidades com recorrência de operações policiais, a chance de um morador desenvolver insônia prolongada é 73% maior. Além disso, essa população tem o dobro de chance de desenvolver ansiedade e depressão se comparados com os moradores de favelas que não sofrem com essa rotina de violência causada pela polícia.