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Lei Maria da Penha 11 anos depois, as mulheres ainda lutam pelo direito à vida

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Considerada um marco na defesa dos direitos humanos no Brasil, a Lei nº 11.340 melhorou o cenário da agressão à mulher, mas ainda há muito o que mudar

João Ker

A cada 2 segundos, uma mulher é vítima de violência física ou verbal. Quando você terminar de ler esse texto, o número de mulheres que foram espancadas, xingadas, estupradas ou coagidas já vai ter ultrapassado a casa dos milhares. É difícil imaginar que esses números já foram ainda maiores no Brasil, mas essa realidade só começou a ser transformada em 2006, quando a Lei Maria da Penha (nº 11.340) foi aprovada no País, criando um marco nos direitos humanos de toda a América Latina. Mas acreditar que essas agressões foram completamente extintas é impossível e, agora, no aniversário de 11 anos da Lei, a luta pela existência digna das mulheres em um País que insiste em enxergá-las como “especialistas dos preços de supermercado” continua forte e necessária como sempre.

“A Lei 11.340 é diferente, porque prevê vários tipos de violência. O seu artigo 7º é muito rico e um marco importante, porque o direito penal prevê o princípio da legalidade. Não há crime sem lei que o defina. Colocar essas formas de violência no papel – como a violência psicológica, por exemplo – obriga a polícia e o judiciário a investigarem e punirem, respectivamente”, explica a advogada Nayra Gomes Mendes, 28 anos, pós-graduada em Gênero e Direito pela Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. “O que mais mudou foi o enfrentamento das mulheres sobre a violência que sofriam. Esse é o perfeito exemplo para a definição da palavra ‘empoderamento’. A Lei é séria e tende a ser cumprida, por isso vale a pena denunciar e não mais sofrer calada”, complementa.

Ainda assim, os números recentes da violência contra a mulher assustam. De acordo com o último Dossiê da Mulher, divulgado neste ano pelo Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, 132.665 mulheres sofreram algum tipo de violência entre janeiro e dezembro de 2016. As taxas de homicídio doloso, onde há a intenção do crime, subiram pela primeira vez nos últimos 10 anos. E os registros oficiais do Estado ainda apontam que 16 desses casos configuraram feminicídio, ou seja, quando o crime ocorre unicamente motivado pelo ódio contra o gênero. Em outras palavras: a mulher morre pelo simples fato de ser uma mulher. Mais necessário ainda é destacar que nem todos esses assassinatos passam pelas delegacias, e a realidade conta com números muito maiores que os oficiais.

Os locais de ocorrência desses crimes também têm muito a dizer sobre o Brasil atual e o quão pouco ele mudou nos últimos anos. Nos quadros divulgados pelo Dossiê, o lar aparece em segundo lugar como local de maior incidência dos casos, totalizando 40,7% das tentativas de homicídio, 34,6% dos homicídios “bem-sucedidos”, 70% das lesões corporais e 66% dos estupros. “Antes, a frase ‘em briga de marido e mulher ninguém mete a colher’ era uma realidade nossa, e as próprias autoridades policiais diziam isso às vítimas de violência. A violência doméstica é muito perigosa, principalmente porque ocorre no mundo privado, dentro dos lares, na intimidade. Por isso, as medidas protetivas para afastar um agressor do lar são tão importantes, mas insuficientes. Impossibilitar essa aproximação da vítima e de seus familiares muitas vezes recupera a dignidade de uma mulher e contribui para que ela sobreviva àquela situação, evitando até um crime de feminicídio”, defende Nayra, que pesquisa o tema desde que entrou na Graduação em Direito.

Hoje, o Estado do Rio de Janeiro conta com 14 Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (DEAMs) espalhadas por seus municípios. “Lá, o atendimento é especializado, com profissionais focados em perceber até a mais sutil das violências e dar o encaminhamento apropriado para esses casos”, afirma Nayra. Ainda assim, apenas no primeiro semestre de 2017 já foram registrados 37 assassinatos e 119 tentativas de homicídio doloso. Daí a importância de conhecer seus direitos, a melhor forma de acessá-los e como fazer com que eles sejam levados a sério.

 Maria da Penha: brasileira, mulher e vítima de violência

A conquista dos direitos alcançados com a Lei Maria da Penha, assim como a de quaisquer outros ao longo da história, não foi nem um pouco fácil e só veio após 20 anos de luta da sua inspiradora. A cearense Maria da Penha é uma mulher real como tantas outras brasileiras que, em 1983, se viu vítima de agressão doméstica. Seu marido, o professor universitário Marco Antônio Heredia Viveros atirou nas suas costas enquanto ela dormia. Ela sobreviveu, voltou para casa paraplégica e foi mantida em cárcere privado, enquanto a história contada para os vizinhos e familiares foi a de que um assaltante tentou invadir seu lar. Apenas 15 dias depois, veio a segunda tentativa de homicídio, por meio de um chuveiro propositalmente danificado para que ela morresse eletrocutada durante o banho. Foi então que Maria da Penha teve a coragem de denunciar seu agressor e começar uma das mais longas e históricas batalhas jurídicas do País.

Hoje, exatos 11 anos depois de Maria ter conquistado um fato sem precedentes na nossa legislação, a rede de proteção às mulheres brasileiras é mais sólida e abrangente. A Lei que leva seu nome prevê cinco tipos de violência contra a mulher e cobre grande parte de seus desdobramentos. Além das DEAMs, a denúncia também pode ser feita pelo Disque 180, uma linha criada pela Secretaria de Apoio às Mulheres, em 2005, especialmente para esse tipo de caso. Mas, apesar de 98% dos brasileiros conhecerem a Lei Maria da Penha, de acordo com um estudo levantado pelo Instituto Patrícia Galvão, ainda há um trabalho de disseminação da informação muito forte a ser feito.?

As pesquisadoras apresentaram suas impressões e vivências durante a pesquisa sobre violência contra mulheres e meninas | Foto: Elisângela Leite

Na Maré, um primeiro passo rumo à conscientização e ao auxílio das vítimas de violência doméstica será dado no dia 2 de setembro. A data irá marcar a inauguração de um novo serviço oferecido pela Casa das Mulheres: a assistência social voltada especificamente para esses casos, com foco especial no aconselhamento jurídico. “Por meio de uma parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro e seus estudantes de Serviço Social, nós iremos mostrar para as moradoras todas as ferramentas legais que elas têm à disposição para enfrentarem esse tipo de abuso”, comenta Shirlei Villela, coordenadora do espaço da Redes da Maré que, desde a sua inauguração, em outubro, já oferece cursos profissionalizantes de alta gastronomia e rodas de conversa com as moradoras do local. De acordo com ela, o projeto irá possibilitar o acesso à informação de forma mais inclusiva: “Não teremos nenhuma burocracia! É só chegar, que nós atenderemos”, assegura.

O Dia Visibilidade Lésbica

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29 de agosto é dia de reflexão sobre o tema

Hélio Euclides

“O armário é o mais seguro, mas é sofrido, pois rouba sua dignidade, alegria de viver e saúde mental”, expressa Dayana Gusmão, assistente social e membro do Coletivo Resistência Lesbi de Favelas. Um sentimento de que assumir a sexualidade é difícil numa sociedade preconceituosa. Para melhorar essa situação de medo, era necessário lutar. Com o desejo de organização e união, o movimento de lésbicas começa a caminhar no Brasil nos anos 1980, com grupos e coletivos independentes, tendo participação em fóruns, articulações e partidos políticos. O ano de 1996 tem importância histórica, pois foi realizado na cidade do Rio de Janeiro o primeiro Seminário Nacional de Lésbicas (SENALE), momento significativo para a visibilidade e aprofundamento de demandas da categoria no cenário político. A partir do encontro, foi escolhido o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica em 29 de agosto. Já o Dia da Visibilidade de Bissexuais em 23 de setembro.

Dayana entende que o momento é de conquistar espaços. “O movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) é bem divulgado, e o 8 de março (Dia Internacional da Mulher) também. Ao contrário do 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, e o 29 de agosto, o do Orgulho Lésbica, essas duas últimas ainda pouco lembradas. Sabemos que não há divulgação, pois incomodamos, e queremos direitos. As datas representam um dia de reflexão e de luta. Hoje estamos mais fortes, pois há um trabalho de base, mas temos muito a alcançar. Para superar as retiradas de direitos, temos de estar mais organizadas ainda”, afirma.

Ela acredita que a vida na favela é diferente. “Aqui há um nível de pouca informação, que reproduz violência e preconceito. Não temos coragem de expressar na rua a nossa afetividade, nem andar de mãos dadas. Para gente é tenso esses simples gestos, tudo mais difícil. Por outro lado, não vou sair da favela, aqui está a minha história. A Maré é resistência, acabamos de realizar uma marcha contra a violência, um ato simbólico e marcante”, comenta.

“Avançamos na discussão, mas não na implementação. No mercado de trabalho sempre esbarramos em obstáculos. Um exemplo, são as dificuldades das lésbicas masculinizadas, e se ela for negra, ainda terá obstáculo a superar em dobro. O preconceito não diminuiu, ainda há opressão. O Brasil é o País que mais mata LGBT. Contra isso, precisamos lutar com força, sendo incisivas contra o pensamento conservador. Temos de ocupar os espaços de movimentos de mulheres em geral”, conclui Dayana.

Estando desde o início no movimento, Virginia Figueiredo é fundadora da Liga Brasileira de Lésbicas (LBL) e, em 1996, foi a 1ª lésbica no Brasil a ser candidata a vereadora. “O Brasil precisa ser, de fato, um País Laico, e termos mais representantes feministas, negras e LBT (Lésbicas, Bissexuais e Transexuais) nas esferas de políticas públicas. Sempre é importante ocupar as ruas pela luta de direitos e pela falta deles, principalmente na atual conjuntura nacional e internacional, em que o racismo, machismo, capitalismo e a cultura de ódio avançam. Ser sapatão num mundo tão machista é a própria revolução”, afirma Virginia.

Thamiris de Oliveira é participante de movimentos sociais e de atividades coletivas lésbicas e feministas. Uma de suas preocupações é com a saúde pública, um mecanismo de tratamento que não contempla as lésbicas. “Pensando no atendimento ginecológico, que por vezes não é capacitado às nossas especificidades, podem repercutir no preconceito, recusa de procedimentos médicos e num desconforto no trato da nossa saúde”, lembra. “Ainda temos medo de andar na rua, de demonstrar nossos afetos, de não sermos aceitas na família e por ‘amigos’, de termos de responder às expectativas de feminilidade nos postos de trabalho, de sofrer violência psicológica, física, verbal, de não ter forças de continuar os estudos; enfim, uma série de violações que diariamente respondemos com nossa resistência”, informa.

Para Thamiris, a igualdade de gênero e o respeito às sexualidades devem estar coladas:  “Nosso amor é revolucionário. Uma frase de Nina Simone, mulher negra norte-americana, resume a nossa luta: Liberdade para mim é isto: não ter medo”.

As Produções Marginalizadas

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Ana Paula Lisboa

Às manifestações artísticas, sociais, linguísticas e comportamentais de um povo ou civilização damos o nome de cultura. Portanto, fazem parte da cultura de um povo as ações e manifestações ligadas às expressões artísticas: teatro, música, dança, religião, gírias, pichações nos muros, comidas, bebidas, a melhor forma de se construir uma casa, o melhor dia para se fazer uma festa, mitos, mesmo quando essa definição é, muitas vezes, confundida com “ser uma melhor educação, desenvolvimento, bons costumes, etiqueta à mesa ou elitização”. Talvez a “confusão” aconteça porque ainda hoje muitas produções culturais produzidas nas favelas e periferias, e inevitavelmente por pessoas pretas, não sejam reconhecidas ou legitimadas como cultura ou como produção cultural.

 A capoeira, o samba, o rap e o funk são grandes exemplos de produções culturais vindas das periferias e que, em algum momento, foram proibidas, seja socialmente ou legalmente, de serem produzidas, ouvidas, dançadas, cantadas, vividas, em determinados momentos do País. Nesse momento, não há um ritmo que seja tão favelado, tão criminalizado como o funk. Não só no Rio de Janeiro, favelas de São Paulo e de Minas Gerais passam pelas mesmas questões de proibições pela polícia.

 

Roda de Samba “Mulheres ao Vento” em apresentação no Centro de Artes da Maré | Foto: Douglas Lopes

É proibido proibir

 Atualmente, tramita no Senado Federal um Projeto de Lei enviado por Marcelo Alonso, web designer de 47 anos, morador da zona norte de São Paulo, área da cidade que concentra vários “fluxos”, como são chamados os bailes que acontecem na rua, normalmente feitos com as equipes de som acopladas aos carros. A proposta, além de proibir, criminaliza o ritmo como crime de saúde pública (sem mencionar como seria feito, quem seria criminalizado, quem fiscalizaria).  É bem possível que as 21.985 pessoas que assinaram apoiando o Projeto sejam boa parte daquelas que não conseguem dormir nas noites de sexta e sábado, por conta do som alto e da falta de organização desses eventos. O texto do Projeto de Lei afirma que “é fato e de conhecimento dos brasileiros, difundido inclusive por diversos veículos de comunicação de mídia e internet com conteúdo podre (sic) alertando a população o poder público do crime contra a criança, o menor adolescente e a família”. Crime de saúde pública desta ‘falsa cultura’ denominada funk” só tem mesmo a intenção de declarar que não gosta do ritmo e que não quer ele na porta da sua casa. Sem observar os milhares de empregos e renda gerados, sem considerar que é tarefa da Secretaria de Cultura, e não da Secretaria de Segurança, talvez em parceria, essa organização.

 Em 2009, a ALERJ aprovou a lei que transformou o funk em patrimônio cultural do Rio, mas nem por isso ele se tornou mais aceito. O projeto das UPPs, que tentou trazer mais segurança para a cidade, elegeu o ritmo como vilão. E mesmo com dois editais da Secretaria Estadual de Cultura premiando criações artísticas diretamente ligadas ao funk, ele ainda é tratado como caso de polícia. Projetos que ganharam os ditos editais, mesmo premiados pelo Estado, precisaram negociar com a polícia para acontecer em territórios populares. Não é o caso da Maré, mas ainda assim eventos que não têm o ritmo como foco são vistos, aparentemente, como mais culturais e até mais aceitos.

 Cultura e Entretenimento

Isso também pode acontecer devido à mistura de definições do que seria cultura e o que seria entretenimento. Dá-se aquela confusão de que cultura seria algo maior, que te coloca para pensar, que te faz refletir sobre um determinado tema, que incomoda. Enquanto o entretenimento te aliena, só te diverte, te relaxa, usado como manobra para tirar os seus pensamentos e foco para o que realmente deveria importar.  E não existe nada mais político que estar na rua e é assim que se realiza a maioria dos eventos nas favelas.  Outro bom exemplo são as rodas culturais, que podem ser, sim, um entretenimento da juventude, mas também fazem pensar nas questões sociais.

Existe também a diferenciação da cultura como um fazer quase altruísta, algo feito por amor e que não precisa de dinheiro, enquanto o entretenimento é capitalista e explorador. Mas é fácil pensar assim, quando todas as contas do produtor e dos artistas estão pagas. E como seria difícil na favela se produzir sem o apoio dos comerciantes e, consequentemente, dos consumidores! Um trabalhador que realiza suas funções de segunda a sexta, e aos sábados decide gastar o seu dinheiro em um evento dentro da favela, é alguém que acredita naquele território.

 

Maré de Notícias #80

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Romper o signo da guerra urbana

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POR ELIANA SOUSA SILVA / ITAMAR SILVA / MARCELO BURGOS

Para o Jornal O Globo em 24/08/2017

O Rio vive, há décadas, sob o signo da “guerra urbana”. Tal representação, contudo, mais mascara do que explica uma realidade bem mais complexa
do que sua pretensa redução a uma luta entre forças do bem contra o mal. Como se sabe, a configuração de grupos armados de traficantes e milícias
em favelas e territórios populares está historicamente associada a formas perversas de articulação com agentes do Estado, tornando tudo bem mais difícil de ser compreendido.

Também é verdade que o signo da “guerra” vem construindo uma configuração homóloga a ela, definindo comportamentos que contribuem para confirmar a sua existência. A isso se segue uma corrida armamentista, que desperta gulosos interesses do tráfico de armas pela “guerra do Rio”. O resultado desse encadeamento é o absurdo aumento da letalidade e do sofrimento entre os próprios policiais e suas famílias, e entre os moradores das favelas e periferias da metrópole, vítimas preferenciais dessa lógica funesta.

As UPPs representaram uma trégua parcial nesse processo, sobretudo para os territórios populares onde foram instaladas, mas nunca foram encaradas pelos moradores das favelas como uma solução sustentável. Conforme pesquisas no período de maior êxito da experiência das UPPs, eles a viam como positiva, mas muito mais porque a percebiam como uma pacificação da própria polícia, na medida em que com as UPPs são suspensos, momentaneamente, as piores arbitrariedades policiais praticados de modo costumeiro nas favelas.
Com o esgotamento da experiência das UPPs e o recrudescimento das incursões policiais, a população das favelas e periferias vive nesse momento uma situação de absoluto terror. Embora a grande imprensa venha noticiando com frequência o drama dos moradores, a tragédia diária vai além do que sai nos jornais. Mas, talvez, o mais grave do quadro atual seja a ausência de perspectiva, que tende a produzir fatalismo e resignação na população, mas também perda de sentido para os próprios policiais quanto à racionalidade de suas ações. Eles próprios são vítimas da narrativa da ideia da guerra, e que precisa transformá-los em “heróis” que “morrem pela sociedade”, como têm reiterado as autoridades policiais, quando, a rigor, do que precisam é serem tratados como profissionais da segurança pública.

Esse cenário de ausência de perspectiva permite que, perigosamente, se aceitem como legítimas posições como a do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Sergio Westphalen Etchegoyen, que, insistindo no signo da guerra, admite a inevitabilidade de perdas humanas nas operações com as Forças Armadas no Rio: “Vai acontecer. É previsível que aconteçam coisas indesejáveis, inclusive injustiças. Ou a sociedade quer ou não quer”, declarou Etchegoyen para uma plateia de empresários, no evento “Brasil de Ideias”, em agosto, no Rio.

Essa crise profunda de perspectiva cria, paradoxalmente, uma janela de oportunidade para uma ampla renovação do paradigma da segurança
pública historicamente adotado no Rio. Para isso, é necessário que a sociedade civil, sobretudo as organizações de bairros, favelas e periferias,
as universidades, o Ministério Público, a Defensoria Pública e as lideranças políticas realmente comprometidas com o bem-estar da população se irmanem na construção de um espaço público de diálogo e de defesa de uma política de segurança suste ntável e pautada pela linguagem dos direitos.

Acreditamos que o primeiro resultado palpável dessa mobilização possa ser a desconstrução do signo da guerra e o entendimento de que a segurança pública é um serviço público, que deve ter como fundamento inegociável o reconhecimento do direito à vida de todas e todos os cidadãos fluminenses, independentemente do seu CEP.

Eliana Sousa Silva é diretora da Redes Maré, Itamar Silva é diretor do Ibase, e Marcelo Burgos é professor do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio

Desculpe o transtorno, estamos em obras

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Após um ano paradas, as obras do BRT Transbrasil são retomadas.

O Bus Rapid Transit, mais conhecido pela sigla BRT, que na tradução significa Transporte Rápido por Ônibus, teve sua obra retomada na Avenida Brasil. A Transbrasil, com orçamento contratual de 1,4 bilhão de reais, começou as obras em janeiro de 2015. O prazo para o término do corredor expresso era até o fim de dezembro de 2016, fim do mandato do prefeito Eduardo Paes. Acabou sendo suspensa em julho do ano passado para evitar transtornos ao trânsito durante as Olimpíadas Rio 2016. A obra deveria ter sido retomada após as Paralimpíadas, em setembro de 2016, o que não ocorreu. O corredor terá 32 quilômetros de ônibus expresso e ligará o Centro da cidade a Deodoro.

Quem circula pela Avenida Brasil deve ter reparado os engarrafamentos diários que mexem com a vida do carioca. “Talvez fosse a solução se implantado nos anos 1980, quando a cidade começou a sua consolidação, em especial a Zona Oeste. Essa seria uma demanda, mas 30 anos depois, os BRTs são obras tardias. Além de serem projetos que trouxeram remoções, em virtude de exploração imobiliária”, revela Jorge Luiz Barbosa, geógrafo e diretor de cultura do Observatório de Favelas.

A obra agora segue em frente à Praia de Ramos, com diversas máquinas retirando asfalto, operários a refazê-lo e inúmeros caminhões de materiais, todos com a inscrição “terra prometida”. Para Jorge, a obra não vai trazer nenhuma terra prometida. “A mobilidade é um direito universal, uma forma de acessar a saúde, educação e cultura. Essa extensão pela cidade não foi associada à questão da locomoção, que há 50 anos só vem aumentando o período em que o passageiro fica dentro do ônibus, hoje de duas a três horas”, detalha.

Após a conclusão, a expectativa da Prefeitura é que sejam atendidos 900 mil passageiros por dia, sendo o BRT que provavelmente terá maior demanda entre os outros três já implantados. Os quatros BRTs juntos terão 178 km de corredor para ônibus articulados. “O BRT veio para suprir a fragmentação da cidade, mas veio junto o monopólio territorial. Nasceu pela função de estar junto à copa e às olimpíadas. É um serviço público, realizado por particulares, nas mãos das concessionárias. É um transporte que, no futuro, pode ficar sucateado, como o metrô, que não supre as necessidades de integração”, prevê.

Jorge credita que para o transporte público funcionar é necessário integração. “O primeiro BRT nasceu em Curitiba, mas não deu certo, pois não acompanhou o crescimento da cidade. O transporte público precisa ter uma integração de fato, se materializar com as ciclovias, barcas e ônibus convencionais, ampliando a locomoção e oportunidade na cidade. O sistema precisa ter uma ligação modal, hoje ele funciona para si mesmo”, avalia. Ele entende que a favela precisa estar integrada ao corredor. “Quando começou o projeto da Transbrasil, não se falava em estação, a favela ficava de fora, seria um corredor ligando um ponto a outro, sem paradas. Não é só ônibus maiores e novos, é preciso ter uma ligação com as comunidades. É preciso uma cidade compartilhada e, não, fragmentada”, afirma. Ele exalta que o transporte precisa ser pensado para o ser humano e como sujeito de direitos. “Era necessário investir no sistema hidroviário, com estações no Fundão, na Praia de Ramos e Penha, relembrando os portos e investimentos no litoral norte, algo eficaz e racional”, conclui.

 

A estação do BRT Maré já está em funcionamento , mas já tem reclamações de usuários.
Foto: Elisângela Leite

Os problemas nas estações do BRT que já estão em funcionamento

Para a compra do bilhete ou recarga do cartão RioCard, o passageiro utiliza a máquina ou o guichê. Nas duas opções, o usuário pode não conseguir o seu objetivo. Quem utiliza as estações reclama das máquinas sempre com defeito e, no guichê, da recarga máxima ser de apenas 10 reais – o que corresponde a duas passagens. “No dia anterior a máquina estava quebrada, aqui na estação Maré. Esse sistema está horroroso. Às vezes tenho de ir para outra estação para colocar crédito”, desabafa Maria do Socorro Sousa, moradora do Parque União.

A máquina para a aquisição de bilhetes vive com defeito e no guichê ( à direita) o usuário só pode colocar R$10,00 de recarga. Foto: Elisângela Leite

Outro problema é a falta de orientação sobre a utilização da máquina. Eliete Santos, moradora do Rubens Vaz, não conseguiu manusear o equipamento e desistiu. “Queria colocar 40 reais, mas vou para o guichê e ficar com menos da metade. São algumas dificuldades, como a distância. Outro dia, coloquei a recarga no guichê e quando cheguei na roleta não tinha entrado, então tive de voltar para reclamar. Falta até equipamentos, antes eram duas, agora ficamos só com uma”, revela.

Na estação Santa Luzia, em Ramos, também há reclamações. “Quase todo dia uso essa estação e o serviço. O equipamento do RioCard vive com defeito e, no guichê, um valor irrisório”, detalha William Domingos, morador do Conjunto Pinheiros. Esses transtornos atrapalham a vida dos usuários. “O serviço oferecido é horrível, um sistema lento. Quero colocar mais dinheiro e não consigo. Já fiquei na mão por causa disso”, confessa Joel de Jesus, morador de Ramos.

Funcionários das estações disseram que, muitas vezes, a máquina trava por falta de retirada de valores. Outro problema apontado é o calote constante, com quebra de dispositivos e portas de vidro. Eles acreditam que o serviço fica inferior, com gastos extras com os consertos.  E o prejuízo fica para os usuários que usam a roleta. “Penso que os que entram por fora, para não pagar a passagem, são pessoas com problemas financeiros. Só que o risco de serem atropelados pelo ônibus é grande”, adverte Juliana Monteiro, moradora de Nova Holanda.

A Secretaria Municipal de Transportes respondeu que já tomou conhecimento desta questão e enviará uma equipe nas estações citadas para uma vistoria e tomar medidas cabíveis para que o serviço seja prestado de forma satisfatória para os usuários.

 

As estações do BRT Transbrasil na Maré

A obra do BRT Transbrasil está na fase do asfaltamento, mas uma estação teve o seu início realizado e interrompido. “Entramos em contato com a concessionária sobre o abandono da estação em frente à Vila do João. Eles fizeram a limpeza do ambiente e prometeram retomar as obras. Aqui será a maior estação, a mais próxima da Linha Amarela. Acredito que, após a conclusão, o trânsito vai melhorar”, anuncia Paulinho Esperança, diretor social da Associação de Moradores da Vila do João.

Essa estação já teve uma polêmica, se terá o nome de Vila do João ou Fiocruz. “Entendo que no futuro terá de ter uma discussão sobre o nome das estações. Os presidentes de associações vão se reunir para entrar num consenso sobre os nomes a indicar das estações que funcionarão nas passarelas 6, 8, 10 e 12”, observa Paulinho.

A Secretaria Municipal de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação confirmou que serão 18 passarelas/estações e que, no momento, os nomes não estão definidos.

 

É pau, é pedra, é o fim do caminho

Em todos os lugares da Avenida Brasil que terão uma estação, as passarelas fixas foram substituídas pelas feitas de andaimes e madeiras. “O que fizeram foi péssimo. Montaram uma passarela próxima a fios e depois maquiaram com canos separados. Outro problema é a descida íngreme, o medo é derrapar, imagine um cadeirante. A passarela balança de um lado para o outro na hora do rush. Quando passo, peço a Deus para não cair”, desabafa Raquel Mattos, professora na Praia de Ramos, sobre a passarela 12.

A nova passarela não agradou. “Está feia, ainda bem que é provisória. Apesar de que montaram em frente ao Conjunto Esperança como provisória e está até hoje”, lembra Naid do Nascimento, moradora da Praia de Ramos. As reclamações são inúmeras. “Essa passarela é horrível, não tem iluminação e as rampas são muito inclinadas, já vi idosos caírem”, denuncia Susana França, também moradora da Praia de Ramos.

A Secretaria Municipal de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação informou que a principal melhoria do BRT será na acessibilidade, com transporte público e passarelas. Além disso, há melhorias no sistema de drenagem nos locais da obra.