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Ondas de calor como tema no G20 o que são e como enfrentá-las?

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André Magno Neves, Carolina H. Galeazzi e Winnie Pereira*

No ano de 2023 vivemos o ano mais quente em 125 mil anos, segundo cientistas do Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus (2023). As alterações climáticas estão alimentando extremos cada vez mais destrutivos, incluindo inundações que mataram milhares de pessoas na Líbia, fortes ondas de calor na América do Sul e a pior temporada de incêndios florestais já registrada no Canadá.

Este ano, todos os olhares estão voltados para o G20, evento que reúne os países com as maiores economias do mundo anualmente para discutir iniciativas econômicas, políticas e sociais. Tratado no G20 desde 2017, o Grupo de Trabalho (GT) de sustentabilidade ambiental e climática tem ganhado cada vez mais força. São discutidos a adaptação preventiva e emergencial frente a eventos climáticos extremos; pagamentos por serviços ecossistêmicos; oceanos; além de resíduos e economia circular. Além dele o GT de Redução do Risco de Desastres aborda questões críticas relacionadas à gestão de crises e catástrofes em escala global. Desempenha papel crucial na promoção da resiliência, prevenção e mitigação de riscos nos países membros. Durante nosso cotidiano sentimos e vemos o quanto é urgente agir de maneira eficiente para mitigar os efeitos das mudanças climáticas.

Se recuarmos do global para o local, em 2023 vivemos períodos de calor intenso no Rio de Janeiro, e vimos muitas notícias sobre a seca na Amazônia e as inundações no Sul do país. O El Ninõ, agindo em conjunto com o aquecimento global, veio nos dar uma amostra de como será nosso futuro próximo. No Rio de Janeiro, vivemos ondas de calor (que acontecem quando a temperatura está acima do normal por vários dias seguidos) cada vez mais frequentes e de maior intensidade. O “Rio 40 graus” está virando “Rio 60 graus”.  Além dos riscos diretos para saúde, com problemas cardíacos e respiratórios, e indiretos, como incêndios, problemas no sistema elétrico por excesso de demanda, quedas de luz, falta de água, aumento dos preços dos alimentos e da água, falta de alimento e de água, entre outros. 

Neste contexto, a Maré também precisa se preparar para atravessar as ondas de calor, intensificadas pelo aquecimento global. As temperaturas crescentes se tornam uma ameaça, expondo a comunidade a riscos consideráveis. É preciso adaptação. Diante desses desafios, existem algumas soluções para suavizar o calor dentro de casa e tornar o ambiente mais suportável. 

Ilhas de calor e estratégias para enfrentá-las no dia a dia

Para compreender os desafios das mudanças climáticas é importante abordar o conceito de “ilhas de calor”. Esse fenômeno é a formação de áreas urbanas onde as temperaturas são significativamente mais elevadas do que nas áreas circundantes. Ou seja, a sensação térmica pode ser ainda maior do que aquelas anunciadas pelo Alerta Rio.

Conforme relatório recente divulgado pela Redes da Maré, o Respira Maré, as temperaturas podem variar em até 2°C dentro do território. Isso diz respeito ao armazenamento de calor pela forma e materialidade da cidade e à dificuldade de dissipar esse calor, geralmente realizada a partir da ventilação natural. Um morro que barra os ventos dominantes, ou mesmo prédios que impedem a passagem do vento, fazem com que um local possua maiores dificuldades de se resfriar. O fator de visão de céu (o tamanho de céu que enxergamos a partir da rua e da configuração de seus prédios) indica o quanto esse calor pode ser dissipado. Em uma praça, por exemplo, o vento tem maior acesso que em uma rua estreita. O lado positivo é que na rua estreita há o autosombreamento dos prédios, evitando que a radiação direta acesse os apartamentos. A materialidade urbana é outro fator importante. Cada material possui características que absorvem e que tem capacidade de armazenar mais ou menos calor. Quanto mais um material absorve e armazena, mais ele libera calor para o interior da residência, mas também para a própria rua, mantendo uma temperatura média mais alta que em outras regiões, com outras materialidades que refletem o calor.

A medida mais eficaz para diminuir as temperaturas urbanas é a arborização, devido à capacidade das plantas de realizar a evapotranspiração (o processo pelo qual a água é perdida pelas folhas das plantas em forma de vapor), e também impedir que os raios solares acessem certos lugares, através do sombreamento. Quanto mais as plantas sombrearem paredes, lajes e pisos, menos essas superfícies aquecem. Identificar e promover áreas com vegetação proporciona não só sombra refrescante, mas também melhora a qualidade do ar. Incentivar espaços verdes nas proximidades, como praças e parques, quando possível, criar ambientes agradáveis para a comunidade curtir durante os dias mais quentes.

As plantas e árvores têm a capacidade de absorver a água da chuva, permitindo que ela seja gradualmente liberada no solo permeável, em vez de escoar rapidamente sobre o concreto das vias pavimentadas. Isso ajuda a prevenir o acúmulo de água em ruas e terrenos, protegendo a comunidade de inundações e minimizando os impactos negativos das chuvas intensas. Inclusive, essa recomendação não apenas se traduz em benefícios para a saúde, mas também contribui para a beleza estética e a qualidade de vida das comunidades. 

Pode-se também modificar os materiais para diminuir o calor absorvido. Por exemplo, pintar telhados e paredes externas com cores claras para refletir os raios solares pode reduzir de maneira significativa a absorção de calor nas habitações. Uma jogada simples, mas eficiente, contribuindo para ambientes internos mais frescos, aliviando o desconforto térmico. A cor branca, por exemplo, absorve apenas 20% da radiação solar, enquanto o preto absorve quase 100%. O asfalto também pode ser pintado, e, dessa forma, atuar na diminuição das ilhas de calor.

Figuras 1 e 2: Material divulgado pela extensão multidisciplinar Local-Global: ações urbanas pelo clima (@local-global.ufrj), ligada ao Laboratório de Conforto Ambiental e Eficiência Energética da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU/UFRJ).

Conforme indicações da UNICEF Brasil, sugere-se também não caminhar longos percursos sob o sol em horários mais quentes ( entre 9hs e 16hs), sempre procurar caminhar pela sombra, fazer pausas, se possível, e se hidratar regularmente e mais do que a sede pede. Cuidar da população mais vulnerável como idosos, grávidas e crianças. Em casa, sempre que possível, fechar as venezianas ou cortinas durante os períodos mais quentes do dia e abrir as janelas durante a noite para refrescar a casa. Usar ventiladores e aparelhos de ar-condicionado, se disponíveis. 

Seria importante pensar, a longo prazo, em possíveis espaços de refúgio, sombreados e com disponibilidade de água potável, nas ocorrências de calor extremo ou de colapso de energia. A colaboração entre a comunidade local, autoridades e organizações é crucial para implementar e aprimorar algumas soluções. Juntos, podem criar iniciativas que não só encarem os desafios do calor extremo, mas também promovam uma Maré mais fresca, saudável e resiliente. O problema das mudanças climáticas já está aqui e está nos afetando agora. E assim, a mudança também começa agora, e é hora de agir coletivamente para construir uma Maré mais resiliente para todos. 

*Grupo de pesquisa e extensão Local-global: ações urbanas pelo clima.

Conheça os impactos positivos da ADPF das Favelas na Maré

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Por projeto De Olho na Maré

Na última quarta-feira (13), integrantes da Redes da Maré estiveram no Supremo Tribunal Federal para o início do julgamento da ADPF 635, conhecida como ADPF das Favelas, que tem o objetivo de reduzir a letalidade policial. 

A instituição, junto de outras organizações da sociedade civil, é amicus curiae (amiga da Corte) da ação e, portanto, faz parte do corpo de defesa da ADPF. Na ocasião, a advogada do Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça Marcela Cardoso apresentou a sustentação oral. Em sua fala, Marcela assinalou a importância desse instrumento jurídico na defesa do direito mais básico de todo o ser humano que é o direito à vida e destacou como as populações já vulnerabilizadas por outros marcadores são as mais prejudicadas pela atuação belicosa do Estado. 

O impacto da ADPF 635 na Maré

A Maré é um território que, historicamente, tem sido alvo de políticas de segurança pública marcadas por arbitrariedades, com centenas de operações policiais realizadas ao longo dos anos. Somente em 2024, o território já enfrentou 39 ações com essa característica. O Eixo de Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça (DSPAJ) da Redes da Maré, por meio do projeto De Olho na Maré, desempenha um papel fundamental na coleta de dados sobre a violência armada no Conjunto de Favelas da Maré. Desde 2016, por meio do Eixo, a Redes vem monitorando a dinâmica da violência no território com a realização dos Plantões de Operação, onde é feito o acolhimento de vítimas de violência, mediação de conflitos e facilitação no acesso a direitos com profissionais do direito, da psicologia e do serviço social trabalhando in loco durante as ações policiais. Essa forma de atuação tem como objetivo garantir a presença ativa e comprometida da sociedade civil organizada com a segurança e os direitos das comunidades afetadas.

Dada a frequência e o impacto dessas ações, torna-se cada vez mais imperioso que as intervenções policiais sejam conduzidas sob regulamentações rigorosas e eficazes, que assegurem a proteção da vida e dos direitos dos moradores e moradoras, não apenas da Maré, mas de todas as favelas do Rio de Janeiro. É precisamente essa a proposta da ADPF 635. Mas, afinal, qual tem sido a real influência da ADPF sobre as 15 favelas da Maré?

De acordo com os dados produzidos pelo De Olho da Maré, os índices de operações e mortes variam e não seguem de forma constante. Isso porque não podem ser analisados como fatos isolados e estão sujeitos à influência da conjuntura política e fatores internos e externos. A ADPF é um dos fatores de relevância que impactam na redução da letalidade durante as operações.

Os anos de 2018 e 2019 apresentaram um número de mortes superior ao de operações, e especialmente 2019, foi um ano de grande crescimento da letalidade policial na Maré. Isso se explica pela conjuntura do governo Wilson Witzel, que se pautou no discurso de militarização, incluindo a famigerada frase “a polícia vai mirar na cabecinha e… fogo!”. No mesmo ano, o índice de Mortes Decorrentes de Intervenção Policial (MDIP) no estado também cresceu, chegando à maior taxa nos últimos 10 anos, segundo os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). A isso, soma-se o fato de a Ação Civil Pública da Maré (ACP-Maré), uma iniciativa judicial coletiva que versa sobre segurança e redução de letalidade policial na Maré, ter perdido a sua validade.

Entre 2020 e 2021, em decorrência da ADPF 635 e do fator pandemia do COVID-19, houve redução no número de operações e no índice de mortes na Maré. O ano de 2022 trouxe um novo aumento relacionado à agenda eleitoral do governador Cláudio Castro, baseada em uma política de segurança pública de policiamento ostensivo, operações policiais e maior letalidade. Entre as cinco maiores chacinas policiais na história do Rio de Janeiro, duas ocorreram em 2022. Além disso, no dia 25 de novembro do mesmo ano, uma operação na Maré deixou oito mortos. Uma análise das taxas de Mortes Decorrentes de Intervenção Policial (MDIP) em 2022 evidencia essa disparidade: na Maré, a taxa alcançou 20,3 por 100 mil habitantes, um número significativamente superior aos 8,3 registrados no Rio de Janeiro e aos 3,2 da média nacional.

Não há uma tendência histórica constante e, sim, contextos e tensionamentos que se expressam nos dados apresentados, e que podem apontar para as oscilações e uma não observância de padrão.

Nos últimos anos, a Maré tem sido marcada por uma escalada preocupante de operações policiais, com destaque para 2023 e 2024. Embora este ano ainda não tenha terminado, já se registaram 17 mortes em 39 operações policiais, incluindo duas de policiais, mais que o dobro de fatalidades do ano passado. Esses números, porém, revelam apenas uma parte da realidade vivida pelos moradores e moradoras da Maré e de outras favelas do Rio de Janeiro. A violência vai muito além dos dados de óbitos: envolve o cotidiano de quem convive com o medo, com a presença constante de forças de segurança e com os efeitos profundos que essas intervenções têm sobre a comunidade.

Outra questão fundamental diz respeito à realização de perícias. Historicamente, o número de investigações forenses em casos de mortes decorrentes de intervenções policiais tem sido extremamente baixo. Para enfrentar essa lacuna, a ADPF 635 estabelece diretrizes legais que visam assegurar a realização de investigações forenses em casos de violência estatal nas favelas. A medida sobre as perícias busca garantir a imparcialidade, a transparência e a eficácia das investigações, salvaguardando os direitos das vítimas e promovendo a responsabilização dos perpetradores. De acordo com os dados do De Olho na Maré, desde 2016, foram registrados 145 homicídios provocados por agentes de segurança pública durante operações policiais nas favelas da Maré. Em apenas 9 dessas mortes houve a realização de perícia criminal.

Em 2024, houve apenas duas perícias para 17 mortes. A primeira ocorreu no caso da morte de Jefferson Araújo Costa em 8 de fevereiro, em um dos acessos ao Parque Maré. A segunda investigou a morte de dois policiais do BOPE no Morro do Timbau, no dia 13 de junho. Importante salientar que nesse mesmo dia, outras duas pessoas foram mortas e não houve realização de perícia para esses homicídios. As duas perícias evidenciam uma série de desafios nesta agenda, uma vez que somente os policiais tiveram direito à investigação e o caso de Jefferson foi de grande repercussão e sua morte ocorreu na Avenida Brasil e não no interior do território. Segundo Luiz Carlos Junior, coordenador do De Olho na Maré,  “a Segurança Pública, assim como todas as outras políticas públicas, está sujeita a constantes disputas entre o cenário político e a influência da sociedade civil organizada.” A sociedade civil exerce o controle social para garantia de direitos aos cidadãos, impactando significativamente nos efeitos das estratégias adotadas pelo Poder Público. Por controle social, a equipe de pesquisa do De Olho na Maré entende a participação popular na construção e monitoramento de políticas públicas, de forma democrática e transparente. Na Maré, uma série de fatores vêm influenciando os resultados das dinâmicas no campo da segurança pública nos últimos anos, como mostram dados produzidos pelo grupo de pesquisa De Olho na Maré.

Familiares dão continuidade ao Memorial das Vítimas da Violência Armada na Maré

Parentes das vítimas imortalizaram suas emoções em azulejos que serão implantados na ampliação do Memorial em 2025

No coração de Berlim, na Alemanha, encontra-se o Memorial do Holocausto, dedicado aos seis milhões de judeus mortos durante o regime nazista. Já no Centro de Medellín, na Colômbia, é instalado o Museu Casa da Memória, que lembra os mais de 200 mil mortos provocados por conflito armado. Na Maré, tem o Memorial das Vítimas da Violência Armada, uma homenagem às vítimas letais da violência de Estado no território. Na tarde da última sexta-feira (8/11) familiares das vítimas estiveram presentes na Areninha Cultural Herbert Vianna para dar continuidade ao memorial para 2025. 

A homenagem começou com uma oficina livre de azulejaria, onde os parentes das vítimas imortalizaram suas emoções. “Um lado legal é ver participantes que estão retornando. Elas têm um desejo sobre-humano de deixar a homenagem ao seu ente, registrar a dor e também o amor. O memorial tem o objetivo de deixar vivo essas homenagens e fortalecer essa rede de amor”, lembra Laura Taves, coordenadora do Projeto Azulejaria, da Redes da Maré. Os azulejos confeccionados serão implantados na ampliação do Memorial, para 2025. 

O encontrou lembrou que as vítimas não são números, mas que tem diversas histórias impactadas pelo não direito à Segurança Pública que é vivenciado, historicamente, por moradores de favelas. “Não podemos naturalizar as mortes. A Constituição de 1988 afirma que todos somos iguais perante a lei e temos direitos. Essa ferramenta nos faz lutar por uma Maré que queremos e não aceitar as violações. O memorial 2025 mostra a luta diária dessas mães. Queremos pegar essa energia para lutar pela reparação coletiva. Hoje temos aqui o tom da esperança e que a mobilização é possível”, comenta Liliane Santos, analista de incidência política, da Redes da Maré.

“Hoje podemos nos expressar realmente sobre a nossa luta por meio do azulejo”

Maria da Conceição

No evento ocorreu uma roda de conversa sobre o direito à memória, ao luto e justiça, com um espaço de acolhimento para os familiares das vítimas. “O memorial é o local da saudade e de mostrar algo que não queríamos que tivesse acontecido. Esse encontro mostra afeto e luta de uma rede de energia. Cada um tem a sua história e merece atenção. Queremos escutar e propor uma contrapartida, de mostrar que essas pessoas não são apenas um CPF e que não estão só. As pessoas mortas são seres humanos, temos que potencializar e trazer isso à tona”, afirma Lucas Lima, psicólogo social do Eixo de Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça, da Redes da Maré.

Um luto que se transforma em luta

Os trabalhos foram cercados por emoção, pelo encontro dos familiares das vítimas, que demonstraram amor a quem não se encontra fisicamente, mas está presente no coração. “Venho sempre participar deste memorial, essa já é a terceira vez. Sinto a dor, algo que mexe no meu emocional, a saudade do meu filho Marcos Paulo, que não está comigo há 14 anos. Se tivesse vivo estaria com 40 anos. O painel é um momento legal e algo emocionante”, diz Djanicy Conceição, moradora do Morro do Timbau. Já Maria da Conceição, membro do Coletivo Mães Enlutadas da Maré, estava construindo o memorial pela primeira vez. “É uma oportunidade de expressar a saudade do meu filho Taylor, que esse mês completa 6 anos de seu assassinato. Uma violência que não tem fim nas favelas. Hoje podemos nos expressar realmente sobre a nossa luta por meio do azulejo, colocando tudo para fora, o sofrimento de mães”, conclui. 

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O evento fez parte da programação do Novembro Negro, da Casa Preta da Maré, em conjunto com o Eixo de Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça. A cerimônia, além da participação de moradores da Maré, contou com a presença de Fabiana Silva, pedagoga e ouvidora-geral da Defensoria Pública do Rio de Janeiro. 

O memorial fica localizado próximo a Areninha Cultural Herbert Vianna, na Rua Ivanildo Alves, s/nº, Nova Maré.

ADPF 635: deixando os números falarem

Em 20 anos, as polícias do Rio de Janeiro mataram, no mínimo, 2 pessoas por dia

Por Projeto De Olho na Maré

O Brasil frequentemente aparece nas manchetes internacionais como o país com os maiores índices de homicídios em números absolutos. No entanto, pouco se fala sobre a proporção significativa desses assassinatos cometidos por agentes do Estado. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, houve 46.328 mortes violentas intencionais no Brasil em 2023. Das 46.328 mortes violentas intencionais, as forças policiais brasileiras foram responsáveis pela morte de 6.393 pessoas em todo o país em 2023. O número de mortes resultantes da atuação policial no Brasil quase triplicou em uma década, de acordo com o Anuário de Segurança Pública do ano de 2023.

Qual é a situação no Rio de Janeiro? 

A polícia do estado do Rio de Janeiro se destaca pelo uso frequente e excessivo da força e isso se expressa nos números: entre 2003 e 2023, as polícias do Rio de Janeiro estiveram envolvidas na morte de 21.498 pessoas durante intervenções policiais, de acordo com os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e do Instituto de Segurança Pública (ISP). Isso significa, pelo menos, duas mortes por dia. Em 2023, o estado é o terceiro em letalidade policial, com uma taxa de 5,4 mortes por 100 mil habitantes, ficando atrás apenas do Amapá e da Bahia, como aponta o Diagnóstico da Segurança Pública Fluminense Pós ADPF 635, publicado pelo FBSP. Esse índice é superior à média nacional, que permaneceu com uma taxa de 3,1 por 100 mil habitantes no mesmo período. Para se ter uma ideia, a taxa de letalidade policial na Maré é de 6,4 por 100 mil habitantes, segundo dados de 2023 do De Olho na Maré com base nos dados do Censo do IBGE (2022). A ADPF 635 incidiu exatamente nesse cenário.

Segundo o Diagnóstico da Segurança Pública Fluminense Pós ADPF 635, as mortes resultantes de intervenções policiais no Rio de Janeiro caíram 52% de 2019 para 2023. Apesar da diminuição, o mesmo estudo aponta que para se chegar a um cenário minimamente aceitável, a redução teria que ser de 66%.

Nesse cenário, o uso excessivo da força é ainda mais alarmante nas favelas e comunidades urbanas, onde as operações policiais tendem a violar uma variedade de direitos e resultam em um número desproporcional de mortes. Podemos, assim, afirmar que o Brasil enfrenta uma situação de violência endêmica que, no caso do Rio de Janeiro, é intensificada pela atuação das forças policiais e pela intensidade da violência estatal. Esse cenário se torna especialmente brutal nos territórios periféricos e nas favelas, onde a ação do Estado é historicamente marcada por um uso desproporcional da força.

A análise dos dados revela dois períodos de queda nas mortes causadas por intervenções policiais no Rio de Janeiro: o primeiro entre 2008 e 2013, e o segundo, a partir de 2020, oscilando até uma nova queda em 2023. De acordo com o estudo mais recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a primeira queda nas mortes por intervenções policiais no Rio de Janeiro está relacionada à introdução de programas de policiamento voltados para a gestão de conflitos, como as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). A segunda redução significativa, registrada em 2019, está relacionada à Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 635, que tem como objetivo conter atos do poder público que violem ou ameacem direitos fundamentais. Esses direitos incluem o direito à vida, à dignidade, à segurança e à inviolabilidade do domicílio, além de garantir a igualdade e a prioridade na proteção de crianças e adolescentes como um dever do Estado.

O que é a ADPF 635?

A ADPF 635 desempenha um papel essencial ao reforçar a importância de mecanismos de controle, fiscalização e transparência na atuação policial. Trata-se de uma conquista significativa da mobilização de moradores e moradoras de favelas e de ativistas de direitos humanos, que há anos reivindicam políticas de segurança pública menos letais. Protocolada em 2019 pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e por organizações da sociedade civil, o instrumento foi utilizado pelo Supremo para restringir operações policiais durante a pandemia da COVID-19, permitindo-as apenas em casos “absolutamente excepcionais” e exigindo a preservação de registros visuais em todas as intervenções.

Diversos pedidos foram feitos na ação, sendo os principais: 

  • A formulação de um plano de redução da letalidade policial e de controle de violações de direitos humanos;
  • A vedação ao uso de helicópteros como plataformas de tiro ou instrumentos de terror;
  • A obrigatoriedade de que os órgãos do Poder Judiciário, ao expedir ordem de busca e apreensão, indiquem, de forma mais precisa possível, o local, o motivo e o objetivo, sendo que o cumprimento dos mandados deve se dar durante o dia;
  • A determinação para que haja ambulâncias e equipes de saúde nas operações policiais;
  • O reconhecimento de que a realização de operações em perímetros nos quais estejam localizadas escolas e creches deve ser excepcional;
  • A publicização de todos os protocolos de atuação policial;
  • A instalação de equipamentos de GPS e de sistemas de gravação de áudio e vídeo nas fardas dos agentes;
  • A compatibilização das perícias com parâmetros normativos;
  • O aprimoramento das investigações de possíveis crimes cometidos por policiais.

Algumas destas medidas ainda serão votadas.

Hoje, no dia 13 de novembro, o STF inicia o julgamento de mérito da ADPF das Favelas. Na ocasião, o plenário iniciará a leitura do relatório do caso, que apresenta o histórico da ação, seguida das sustentações orais das partes envolvidas. A data para a votação final será definida posteriormente. 

Casa das Mulheres da Maré celebra 8 anos de luta

Espaço segue tornando mulheres faveladas em protagonistas da própria história

“As mulheres são as máquinas que transformam o mundo”. A frase é de Lúcia Xavier, coordenadora geral de Criola, convidada para a mesa ‘O que é Justiça Reprodutiva?’ .

A citação da ativista de direitos humanos ilustra como foi o sábado (9) em que a Casa das Mulheres da Maré (CdMM), da Redes da Maré, celebrou oito anos de existência e resistência. Além da conversa com Lúcia Xavier, que foi mediada pela estudante e mareense Anna Cecília, o evento ofereceu um dia repleto de atividades como oficina, palestras, espaço kids e até mesmo distribuição de kits com ecobag, adesivos e panfletos.

Nós somos controladas porque ficamos férteis três vezes ao mês, enquanto o homem é fértil 24h por dia, todos os dias no mês

Lúcia Xavier

Um dos principais acontecimentos do dia foi o lançamento da Pesquisa ‘Saúde Sexual e Reprodutiva:o que dizem as mulheres da Maré’ desenvolvida pela CdMM, equipamento da Redes da Maré. O estudo, inédito, apresentou dados sobre a saúde sexual e reprodutiva no conjunto de favelas da Maré e de Marcílio Dias.

Aniversário também é lugar de promover pautas urgentes

No dia 9 de novembro, o encontro “Criar Futuros: Maré, Território de Cuidados” teve início por volta das 10h. A campanha é uma realização do projeto Onda Verde, da Casa das Mulheres da Maré, que busca fomentar e viabilizar o debate sobre direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, sobretudo das moradoras de favela, que têm suas vidas atravessadas por questões de raça e classe.

Vitória Régia da Silva, da Gênero e Número também foi uma das convidadas do evento. A jornalista expôs o atual cenário nacional e internacional em que está o debate sobre justiça reprodutiva e o direito ao aborto seguro.

À tarde, foi a hora da praça do Parque União ser preenchida pelo verde. Como explica Andreza Dionísio, articuladora da Casa das Mulheres da Maré, “a Onda Verde é um marco na luta pela descriminalização do aborto na América Latina e da América Central”, diz.

Como não poderia ser diferente, a importância da participação social não foi esquecida. A iniciativa Cepia e a campanha Nem Presa Nem Morta promoveram uma oficina interativa na qual todas as pessoas presentes no evento poderiam tirar dúvidas relacionadas à IST’s (infecções sexualmente transmissíveis), aborto legal, sexualidade e outros tabus.

No fim da noite, a arte tomou conta da praça do Parque União. A artista Mariluz realizou uma oficina de rebolado, na qual mostrou as etapas ritualísticas de conexão entre dança, espírito e corpo, e a cantora e atriz Leci Brandão realizou o seu tão aguardado show, logo depois do encerramento da 3º edição do Festival Comida de Favela.

Saiba quem são os campeões do Comida de Favela 2024

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Festival que teve início em outubro, visa valorizar a gastronomia local da Maré

No último sábado (9), a praça do Parque União ficou mais animada do que o normal. Centenas de pessoas estiveram presentes na noite de encerramento da 3º edição do Festival Comida de Favela, promovido pela Casa das Mulheres da Maré, espaço de protagonismo feminino e favelado através da arte e da educação.

Além da divulgação dos campeões do Comida de favela 2024 e do show da famosa sambista Leci Brandão, o evento também foi cenário para o lançamento do Guia gastronômico da Maré: comida de favela 2024. A publicação, desenvolvida pela Redes da Maré, narra a trajetória dos 16 bares, restaurantes e lanchonetes que participaram neste ano.

O festival, que teve início no dia 10 de outubro, na Casa das Mulheres, com a presença da Chef Kátia e o show do grupo Samba Que Elas Querem, é uma forma de intercâmbio gastronômico entre o restante da cidade e a Maré, além de fortalecer o comércio e trazer visibilidade para a gastronomia local. Sua primeira edição aconteceu em 2015.

Além das principais premiações, três mulheres (dentre os 16 finalistas) receberam o prêmio de menção honrosa Marivalda dos Santos, que recebeu esse nome em homenagem a uma mareense de coração e sergipana de berço conhecida como uma das grandes cozinheiras da Maré. Marivalda estava presente e entregou o prêmio às selecionadas ao lado de Gaby Fernandes e Lua Brainer, as mestres de cerimônia do evento.

Valéria Nascimento, da Petronio Lanches; Maria Helena, do Bar e Pensão Edson Potiguar e Christiane Farias, da Doce Sabor foram as escolhidas. A decisão de selecionar somente mulheres se deu pela necessidade de valorizar o papel das mulheres na construção de novos futuros para a favela.

Torta salgada e hambúrguer artesanal conquistam 1º lugar no Festival

Após 8 mil votos (recebidos por júri profissional e público geral), os pratos apresentados pelo Espaço Fernanda Telles, do Morro do Timbau, e pelo Estilo BBQ House, da Vila dos Pinheiros, ganharam o título de melhores pratos da Maré.

A torta salgada de sardinha artesanal de Fernanda Telles conquistou o 1º lugar na categoria: comida de rua e quiosque.

“Se eu não tivesse ganhado eu também estaria satisfeita por conta de tudo o que eu vivi, tudo o que eu passei nesse mês. Foi muita luta, muita garra. Esse ano eu venci e vai ter travesti preta no Comida de Favela. Esse prêmio eu dedico para a minha mãe e para todas as pessoas que apontavam pra ela e diziam que eu só seria um corpo prostituído e drogado na esquina. Mas não, eu sou a Fernanda Telles com dois ll e microempreendedora”, conta Fernanda.

A segunda e terceira posição ficaram com os estabelecimentos ‘Sabor do Nordeste’ e ‘Empatias’, respectivamente.

O 1º lugar da categoria: bar, pensão e restaurante foi recebido pelo hambúrguer artesanal ‘Estilo Terra e Mar’ (que faz um mix com frutos do mar e carne bovina).

“Primeiramente, muito obrigado! O festival foi uma experiência incrível para a gente. Foi uma forma de mostrar que a Maré pode estar onde ela quiser. A Maré é da Maré para o mundo! Há cinco anos tentamos fazer um trabalho com qualidade, sabor e referência. E tudo isso dentro da Maré, sem precisar sair daqui. Isso é muito importante!”, diz Natália Pio da Silva, esposa e sócia de Diego Santos de Mello.

A segunda e terceira posição ficaram com os estabelecimentos ‘Quero Pizza Forneria’ e ‘Cheffonas Gastrobar’, respectivamente.