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14 anos depois: uma releitura da trajetória do Maré de Notícias

Após 149 edições, Flávia Oliveira retorna ao jornal Maré de Notícias para reescrever seu próprio artigo

Por Flávia Oliveira 

Há 149 edições, cá estava eu a divagar, em plena era da globalização, sobre a necessidade de o jornalismo mirar a vida, os hábitos, as urgências da vizinhança. Não era mais sobre pensar globalmente, mas sobre agir localmente. O Maré de Notícias, gestado no movimento social de base comunitária, nasceu marcado para se debruçar sobre esse terreiro em que 140 mil moradores se dividem em 16 comunidades. 

Em um pouco mais de uma dúzia de anos (se não errei nas contas), talvez não seja possível dizer que a Maré avançou o tanto que precisava e merecia. São diárias as informações de confrontos a bala e operações policiais, que fecham escolas e postos de saúde, paralisam atividades comerciais e a vida de inúmeras famílias. Mas é certo que o jornalismo mareense, a exemplo da atuação da sociedade civil, só fez melhorar.

O jornal ganhou versão online e, num piscar de olhos, botou a Maré no mundo e o mundo na Maré. 

Três anos atrás, na mais grave crise sanitária em um século desde a gripe espanhola, o jornal foi companhia, acesso à informação qualificada e prestação de serviços sobre o pesadelo da pandemia da covid-19. A Maré é celeiro de projetos sociais tornados (ou com potencial para se tornarem) políticas públicas, e o Maré de Notícias é parte disso. Uma evidência é o inédito modelo de distribuição de exemplares feito em parceria com o Espaço Normal, colaborando assim com uma agenda positiva sobre práticas de redução de danos e políticas de cuidado a pessoas que usam álcool e outras drogas.

No sufoco e na alegria, na doença e na saúde, no luto e na luta, nenhum acontecimento passa despercebido pela equipe do Maré de Notícias. As pautas se diversificaram, em linha com temas que tanto o povo da favela quanto líderes políticos planeta afora põem na mesa. Aqui se lê sobre inovação e direitos da criança, segurança pública e empreendedorismo, alimentação saudável e sustentabilidade, música e meio ambiente, investimento público e corrida eleitoral, racismo e redes de solidariedade. Está tudo aqui. 

Num exercício Sankofa — aquele em que aprendemos a olhar o passado para projetar o futuro —, este jornal pode se orgulhar do que já fez. E ousar ir além, porque já caminhou por longa estrada. E chegou.

Flávia Oliveira é jornalista, comentarista da GloboNews e da Rádio CBN, colunista do jornal O Globo, além de podcaster no Angu de Grilo. Nesta edição comemorativa, convidamos a repórter a revisitar seu texto, publicado na primeira edição do Maré de Notícias: Agir localmente.

Você pode ler o artigo escrito em 2009 acessando o QR code abaixo. (https://issuu.com/redesdamare/docs/mar__de_not_cias_ed_01_dez_2009__2_)

Qual é a cara da juventude mareense?

Ela mostra o poder da diversidade, da resiliência e da transformação ante os desafios

Por Andrezza Paulo

Segundo o Censo Maré (2013), este é um território jovem e negro. Dos moradores dos territórios, 62,1% se declaram pretos ou pardos e 51,9% têm menos de 30 anos. Jovens pretos que se envolvem em iniciativas locais e integram organizações e movimentos que trabalham para promover o desenvolvimento, a igualdade e a justiça social na Maré em diferentes frentes como educação, meio ambiente, direitos LGBTQIAP+, segurança pública, arte e cultura. É uma parcela que tem contribuído na construção de mudanças positivas em suas vidas e nas 16 favelas do conjunto, mesmo diante de dificuldades.

Qual a cara da juventude da Maré? É a da pluralidade. Encontramos acadêmicos, ativistas, funkeiros, pessoas do movimento LGBTQIAP+, artistas e outras tantas formas de ser e estar no mundo. O que podemos afirmar é que a juventude da Maré é forte, provocativa, viva, cada vez mais engajada e decidida a não aceitar menos do que merecem.

Pela Educação

A pesquisa divulgada em abril deste ano pelo Índice de Progresso Social (IPS), realizada pelo Instituto Pereira Passos (IPP), revelou que apenas 7% dos jovens da Maré frequentam a universidade

A Maré tem 49 escolas, mas apenas duas de ensino médio. Embora o acesso limitado à equipamentos e professores qualificados seja um dos maiores desafios da educação nas favelas, a frequente interrupção das aulas por operações policiais é outro fator que precisa ser considerado.

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Vitor Felix é professor e doutorando em literatura hispano-americana na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele conta que sua trajetória foi influenciada pela história da sua família e de outras pessoas que precisaram deixar a escola para trabalhar. 

“Ocupar os espaços universitários é fundamental, mas acho que esses espaços ainda não estão preparados para nossa presença, para os desafios que todo favelado leva para a universidade. É necessário que a favela chegue à universidade e diga quais as nossas necessidades, nossas lutas, porque o mundo universitário ainda é muito cego a tudo que vivemos aqui e o que precisamos superar para nos manter lá, estudando”, diz.

Tiago Carlos é professor de biologia e se debruça sobre o tema do racismo ambiental. Para ele, a Maré tem potencial transformador, mas a educação em relação ao meio ambiente e às mudanças climáticas no território é defasada. 

Tiago diz que aprende dentro do território, se instrumentaliza no ambiente acadêmico e retorna esse conhecimento para a favela: “Trabalho com jovens e muitos não entendem sobre horta, sobre o ambiente que a gente mora. Mas ainda assim, vejo neles um engajamento muito mais intenso que antes.”

Corpos livres

Na Maré, há diversos grupos dedicados à luta por direitos que abarcam sexualidade e gênero. Destacamos o Conexão G, organização com foco na temática dos direitos humanos e da promoção da saúde da população LGBTQIAP+ moradoras de favelas; o Entidade Maré, que tem suas ações concentradas no ativismo e na produção cultural; e a Casa Resistências, que atua na luta pela garantia dos direitos e construção de políticas públicas para mulheres LBT da Maré.

Camila Felippe coordena a Casa Resistências LBT e, para ela, a juventude mareense está reivindicando e disputando a apropriação dos espaços e promovendo acolhimento para os seus: “Cresci em um ambiente onde não conseguia e nem podia ser eu mesma. Na Casa Resistências, queremos que a pessoa se sinta em um ambiente acolhedor.” 

Camila ressalta ainda o poder da juventude neste processo de transformação social. Segundo ela, “os jovens já não aceitam ficar em lugares nos quais não são bem-vindos ou que não possam se sentir bem. Vejo a juventude da Maré como um grupo muito potente”.

Múltiplos perfis

Milu Almeida é artista do espetáculo Noite das Estrelas e sabe bem o que seu corpo representa: “Cada vez mais vejo as corpas LGBTQIAP+ se desenvolvendo mais rápido, isso é ótimo. Imagina com oito anos você saber e se reconhecer com uma criança viada ou uma criança trans, é lindo! Hoje compreendo o quanto a juventude é importante para a visibilidade LGBTQIAP+, porque é a partir das trocas com os colegas e amigos que vamos mostrando a possibilidade de futuro transgressor.” 

Luiz Menezes é estudante de ciências sociais da UFRJ e foi eleito conselheiro municipal da juventude do Rio de Janeiro em 2022, com o maior número de votos. O jovem é cria da Nova Holanda, e tem reivindicado neste espaço políticas públicas para a juventude negra, pobre e favelada.

 “Penso a favela como território que remonta um saber ancestral e de resistência dos povos negros; é o que se tem de mais legítimo no Brasil”, diz. 

Luiz também fala que a juventude não deve ser retratada com um único perfil: “Sou um jovem, negro, gay e favelado dentro da universidade, do conselho municipal e de tantos outros espaços de poder. A juventude não se dá de maneira universal. Pensar essa diversidade perpassa compreender dinâmicas de gênero, sexualidade, raça, classe, território e muitos outros atravessamentos. Por isso, as juventudes são protagonistas na luta por uma sociedade mais justa e igualitária.”

Arte e identidade

Suellen Melo é produtora cultural, fotógrafa, roteirista e diretora. Ela percebe a produção de imagens feitas na favela como uma disputa. 

“Isso é algo que me atrai no audiovisual e tantas outras artes feitas na periferia. Comecei a estudar como poderia fazer filmes e acabei fazendo dois filmes autobiográficos através do Museu da Maré, o Neguinha do Morro do Timbau e o Independência. Hoje compreendo que não preciso me envergonhar de quem sou, nem do que fiz pra chegar até aqui”, confessa. 

Stacy Ferreira produz manifestos culturais através dos versos. A jovem apresentou seu texto sobre a segurança pública na Maré para o presidente Luís Inácio Lula da Silva em março deste ano.

Segundo ela, a poesia falada permite elevar a voz de pessoas silenciadas: “A poesia nos possibilita manifestar em forma de arte a nossa resistência contra os ataques que enfrentamos na nossa casa. E eu vejo que hoje, os jovens da Maré estão servindo como canais de influência, mostrando a diversidade que a nossa favela tem”, explica.

Base primordial

Na música, há jovens que criam, espalham e multiplicam aquela que é, atualmente, uma das maiores potências da cultura favelada: o funk. Esse é o caso do DJ Renan Valle, que aconselha a juventude a seguir seus sonhos, mesmo diante das dificuldades.

 Negro retinto, Renan representa o jovem que, diariamente, é o que mais corre riscos de ter a vida ceifada pela violência e letalidade policial nas favelas. O DJ é enfático quando o assunto é os jovens da Maré: 

“Eu quero que eles vejam que são a base e podem, sim, mudar o mundo. Os ancestrais que ocuparam este território deixaram sementes, que são esses jovens. Eu também quero deixar a minha semente através do funk e mostrar para eles que existem outras formas de viver”, conclui.

Curso gratuito para produtores culturais de favelas

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Iniciativa para agentes culturais, pretos, indígenas e LGBTQIAPN+, oferecerá bolsa-auxílio de R$ 200 aos alunos

Estão abertas as inscrições para o curso “Formação Escuta”, voltado para produtores de cultura das periferias e favelas do Rio de Janeiro. A iniciativa promovida pela UNIperiferias em parceria com o Instituto Moreira Salles (IMS) é gratuita e vai oferecer bolsa-auxílio de R$ 200 aos alunos que preencherem cada uma das 20 vagas disponíveis. As inscrições são direcionadas preferencialmente para pessoas negras, indígenas, LBTQIAPN+, de baixa renda, e vão até o dia 18 de julho.

As aulas começam no dia 08 de agosto e vão até 02 de outubro na sede da UNIperiferias, na rua Teixeira Ribeiro, 535, no Parque Maré, uma das 16 favelas da Maré, zona norte do Rio. O curso acontecerá em dias alternados, das 18h30 às 21h, e abordará diversos temas pertinentes ao processo curatorial e à atuação profissional da área como leis de incentivo à cultura, captação de recursos e elaboração de projetos.

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Os professores vieram do mercado, como Milena Manfredini, Lorraine Mendes, Jean Carlos Azuos, Clementino Jr, Rodrigo Cae, Rôssi Alves Gonçalves, Mariana, Sobreira, Natalia Simonete e Carlos Ferreira.

Segundo a organização do curso, a proposta nasceu da vontade de fortalecer o conhecimento e aprimorar as práticas de produção cultural e seus atravessamentos com o campo do pensamento curatorial nas áreas da música, artes visuais, cinema e literatura. “ O curso é importante por conceber, inicialmente, uma estrutura de rede entre os diversos produtores e curadores culturais atuantes nas periferias e favelas da metrópole fluminense, assim como reforçar os conhecimentos teóricos e práticos, através de mentorias com profissionais que estão há anos no mercado da cultura”, destacou o coordenador de Cultura da UNIperiferias, Osmar Paulino.

Todo o processo de inscrição é online (neste link) e o critério de seleção será pelo engajamento prático com o campo da cultura das pessoas candidatas. A equidade de gênero e a diversidade étnico-racial, territorial e socioeconômico são fatores que também serão levados em conta na seleção. A proposta é que todos saiam do curso, de alguma forma, motivados e seguros a abraçar as oportunidades que surgem no mercado. Além de criar redes e canais de difusão de conhecimento.

Customização é opção para moda acessível 

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Michele Fashion mostra a criatividade da favela nas redes sociais

No meio da década de 1980 estreou uma série de TV intitulada Profissão Perigo, na qual o personagem Magaiver (MacGyver) aplicava conhecimento científico em itens do dia a dia com o objetivo de resolver problemas aparentemente insolúveis. Na Maré, assim como o personagem, Michele Fashion do @_fazcaraderica mostra como todo mundo pode, com criatividade, ser estiloso ou solucionar falhas ou defeitos em peças de roupas. Por meio das redes sociais, ela reforma e recria itens do vestuário, mostrando a seus seguidores que o que poderia virar lixo, na verdade é luxo.   

Michele Fashion

Michele Silva das Neves, ou melhor Michele Fashion, moradora do Morro do Timbau, destaca-se por meio do perfil “Faz cara de rica” nas redes sociais, mostrando que é possível estar na moda gastando pouco. Ela sempre gostou de moda e na hora de escolher o curso na faculdade não pensou duas vezes, escolheu moda. Para finalizar o curso, o trabalho de conclusão foi sobre o jeans. “Fiz uma ligação com o desenho animado Os Jetsons, olhando o futuro. Na monografia desenvolvi uma coleção com esse tecido na qual as peças eram desconstruídas, com formas diferentes, não como a gente vê hoje. Escolhi esse tema porque o jeans me fascina e por ser um produto fluente. As pessoas usam pouco ou descartam logo”, destaca. 

“O jeans é bom para se trabalhar e se desenvolver algo em cima. Se percebo que está rasgado, dá para cortar e fazer alguma coisa como transformar em bolsa. Uma bolsa que ficou ruim, pego um acessório e coloco na peça. Isso tudo é criatividade, um substantivo que é usado pelos outros para definir o meu trabalho”, acrescenta. Michele mostra que as roupas podem ser recicladas e até customizadas, não indo para o lixo, mas virando uma peça nova, ou ainda, exclusiva. 

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A estilista e fashionista mostra por meio da internet looks, levando moda acessível para todos. Ela gosta de customizar peças de brechós, utilizando o que tem em casa, que antes aparentemente não tinha vida útil. Faz uma transformação. “Nas minhas publicações dou dicas de moda acessível e tenho um quadro que as pessoas se identificam muito que é Prima rica x Prima pobre. Mostro que podemos ter looks incríveis parecidos com os das famosas, com peças de lojas populares, de brechós e até mesmo customizadas”, explica. 

Seu trabalho nas redes sociais começou quando foi demitida e logo depois perdeu a mãe, vítima de câncer. Para conseguir lidar com os acontecimentos, foi em busca de algo que ocupasse sua mente. “Fui demitida após a licença-maternidade e estava com meu filho bebê quando minha mãe morreu. Então criei esse espaço para ocupar minha mente e cuidar da minha criança em casa”, expõe. Ela exerce essa atividade na internet há quase cinco anos, o que afirma ser uma luta diária. Essa dedicação já proporcionou muitas alegrias, como a de mostrar seu trabalho de influenciadora no programa Cariocou, do SBT Rio, e a de conhecer sua inspiração, Bianca Andrade, mais conhecida como Boca Rosa, ex-moradora do Parque União, que no início da carreira também foi personagem do Maré de Notícias. 

“Falo do que sei, do que eu me formei para fazer e do que eu amo, que é moda. Digo que é um dom, pois consigo ver as roupas com outros olhos, identificar numa peça velha algo que pode ser transformado em algo novo”, diz. Os seguidores admiram o seu trabalho criativo e afirmam que Michele é uma inspiração para nunca desistirem dos sonhos. Seu desejo é ser reconhecida na favela, tanto como estilista quanto como influenciadora de moda. Pensado dessa forma, já tem uma meta: “Da Maré para o Mundo.”

“Quero poder mostrar para o mundo que os moradores de favela são do bem, que estudam e tem perspectiva de vida. Quero poder servir de inspiração para as pessoas que também moram em comunidade, para que corram atrás do que desejam. Quero que saibam que não precisam ter muito dinheiro para se vestir bem e estar na moda. Eles necessitam apenas enxergar que o valor da roupa é a sua personalidade, o seu olhar sobre ela. Com pouco podemos ser, criar e reinventar coisas incríveis”, conclui. Para o próximo passo, a influenciadora deseja conseguir uma participação no programa de TV É de Casa. 

Uma de suas seguidoras é Marcella Porto, moradora do Morro do Timbau, que já utilizou várias dicas, como o elástico nos vestidos por dentro, compras nas lojas que ela indica e a realização de customização de uma blusa. “Acho de muito valor a sua página, pois traz dicas de roupas muito parecidas com as de artistas e de marcas de grife, no qual podemos achar. As vezes até achar algo melhor e com valor acessível”, explica. 

Quem quiser acompanhar mais o trabalho de Michele é só acessar o Facebook, TikTok, Pinterest, Kawai, YouTube ou Instagram: @michelefashion_fazcaraderica.

Após 10 anos sem Amarildo, família segue sem apoio do Estado

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“Cadê o Amarildo?”, dez anos e a mesma pergunta… O pedreiro Amarildo Dias de Souza, de 43 anos, foi sequestrado no dia 14 de julho de 2013 por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), na porta de sua casa, na Rocinha. Amarildo foi torturado e assassinado, e o corpo nunca foi encontrado. 

A família, sem respostas, está há dez anos sem direito ao luto. Amarildo deixou seis filhos. Ele era o responsável pela principal renda da casa. A esposa segue com traumas e ainda não recebeu nenhum tipo de indenização pelo crime.

O filho de Amarildo, Anderson Dias, de 31 anos, conta que se tivesse que falar com os policiais teria só uma pergunta. “Cadê os restos mortais do meu pai?” Ele diz que a família continua morando na Rocinha e que seguem “unidos pedindo por justiça. Seguimos os ensinamento que nosso pai deu para a gente”.

A família enfrenta dificuldades econômicas. “Não tem nem como trabalhar, eu e meus irmãos fazemos bico dentro da comunidade, mototáxi, motoboy […] O Estado além de matar nosso pai, agora quer matar a gente de fome.” desabafa Anderson. A viúva, Elizabeth Gomes da Silva, também não consegue mais emprego.

Pouco avanço

O advogado responsável pelo caso, João Tancredo, conta que apenas na última quarta-feira (12), a 5ª Vara de Fazenda Pública determinou a intimação do Estado para pagar a indenização. Mas, segundo o advogado, “a família fala que considerando o atual governo [do estado], tem certeza que não vão receber”.

O caso Amarildo colocou em prova a confiança nas UPPs, abrindo debate sobre a importância de câmeras nos veículos, nas fardas dos policiais e em quem deveria estar ali protegendo.

Doze envolvidos no crime foram condenados na época. Mas de acordo com informações do G1, nenhum está preso e seis deles, ou seja, metade dos condenados continuam trabalhando normalmente na corporação.

Mudanças de abordagem

Para Marcelinho do Ciep, liderança comunitária da Rocinha, a ação das UPPs não mudou muito nesses 10 anos. “Existem alguns casos pontuais que eles continuam agindo com truculência principalmente com os jovens” conta.

Marcelinho reforça o tamanho da Rocinha, e acrescenta: “Hoje em dia tem lá nas UPPs alguns esportes. Mas são poucos pro tamanho da Rocinha. Se trouxessem junto com as UPPs trabalho social para ocupar os jovens principalmente no esporte, seria ideal”.

Entramos em contato com o Centro de Polícia Pacificadora, mas a assessoria de comunicação preferiu não se pronunciar sobre o assunto.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) informou em nota que o processo de tortura seguida de morte tramita em segredo de justiça e, por conta disso, não tem acesso às informações. E que ainda há recursos a serem julgados pelo Superior Tribunal de Justiça.

Essa matéria foi originalmente publicada pelo Voz das Comunidades e está sendo reproduzida com permissão do veículo.

Maré de Notícias: Jornalismo comunitário e seu legado de 150 edições

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Essa é a busca por um jornalismo comunitário ético, mobilizador e que ajuda a gerar mudanças para o território.

Por Jéssica Pires e Lucas Feitoza

Quando o jornal comunitário Maré de Notícias foi imaginado, havia um objetivo principal e inegociável: disputar com os veículos da chamada grande mídia a narrativa que produzia pautas baseadas em estigmas, racismo, marginalização dos moradores e na representação dos territórios apenas com o olhar da ausência e do negativo. Esse olhar não contribui para a resolução dos desafios presentes nesses espaços e, desde então, são 150 edições lutando para mostrar o outro lado dessas histórias.

O Maré de Notícias entende o jornalismo comunitário como um instrumento fundamental de visibilização e fortalecimento de memórias e identidades. Também temos um papel importante apresentando denúncias e serviços à população. Além da ética jornalística, acreditamos na importância de um olhar “de dentro” para construir essas narrativas, ações que apenas um jornalista comunitário conseguem fazer.  

A equipe de jornalistas e comunicadores, formada em sua maioria por moradores da Maré, desde 2009 tem produzido essas páginas, e está sempre atenta a como a Maré pode e deve ser representada. 

Dois elementos fundamentais na produção do jornalismo comunitário do Maré de Notícias são: a mobilização e a incidência. A mobilização nos guia a pensar como envolver os moradores e parceiros territoriais na produção e distribuição das notícias. A incidência, em como a partir das reportagens produzidas é possível buscar soluções e pressionar para que elas surjam.

Nessas 150 edições, muitas histórias foram contadas e transformações foram percebidas no território. Nesta matéria, contaremos algumas delas.

Segurança pública

As primeiras edições do Maré de Notícias evidenciavam o interesse das pessoas pela pauta, com base em pesquisa realizada entre os moradores. Na edição 6, o texto “Segurança pública deve garantir a vida” abordava o direito à vida a partir da notícia sobre um confronto que deixou seis mortos. A reportagem falava especialmente sobre a truculência da operação policial e relembrava outros casos com vítimas fatais — a maioria, crianças. 

Diferentemente da grande mídia, o Maré de Notícias enquanto jornal comunitário evidencia o impacto da segurança pública em geral e das operações policiais na vida dos moradores, assim como maneiras seguras de fazer denúncias e assegurar direitos. 

Momentos muito simbólicos foram a Marcha Contra a Violência na Maré e a mobilização para a redação de cartas pelos moradores, posteriormente encaminhadas ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ).

Saúde 

O direito ao saneamento básico sempre foi uma luta constante na Maré, desde os primeiros moradores. Garantir a saúde das pessoas começa por uma rede de saneamento eficiente e com o simples acesso à água potável. E este e outros temas têm sido temas recorrentes no jornal. Uma ferramenta importante para essa luta, a ACP do Saneamento Básico, foi pauta da edição 147 com a reportagem O preço do saneamento básico.

O Maré de Notícias foi uma ferramenta importante durante a pandemia do coronavírus para que os moradores, sobretudo aqueles que ainda têm dificuldades de acesso à internet, pudessem ter informações sobre formas de prevenção, auxílio emergencial, campanhas para amenizar a insegurança alimentar e a campanha de vacinação. 

Muitas informações da campanha Maré Diz NÃO ao coronavírus e do Vacina Maré foram veiculadas no Maré de Notícias. A edição 127, que exibiu a manchete Maré vacinada, é um marco desse período. 

Em 2022, publicamos a série de reportagens Raio- X da Saúde na Maré, que investigou o acesso dos moradores aos equipamentos no território, além de matérias tratando de temas como saúde mental e racismo no atendimento médico e violência obstétrica.

Potência do território

Desde a primeira edição, contamos com uma importante rede parceira: as associações de moradores das 16 favelas. Elas já foram nosso principal ponto de distribuição, e atualmente apoiam nossos distribuidores para que os exemplares cheguem aos moradores. Essa relação é uma das heranças da metodologia de trabalho da Redes da Maré, que reconhece a importância da ação das associações no território. 

Nestas 150 edições, aconteceram muitas mudanças no território, algumas chamam atenção para outros elementos que compõem a nossa região. 

Uma delas é a transformação da Rua Ivanildo Alves. Conhecida como “divisa”, na Baixa do Sapateiro, esse território marcado pela memória da violência hoje é uma área de lazer e brincadeiras, graças à criação da Praça da Paz. 

A construção do Memorial de Vítimas da Violência foi outro marco pautado pelo Maré de Notícias. 

A edição 130 trouxe a matéria Eu amo a minha rua, em que destacamos como o reconhecimento do nome das ruas pelo poder público pode aumentar a autoestima dos moradores. 

As passarelas e as travessias inseguras na Avenida Brasil vêm sendo uma cobrança nas páginas deste jornal há mais de dez anos. As edições 16 e 27 destacaram a precariedade das passarelas da Fiocruz e do Piscinão de Ramos. Na edição 28, trouxemos a matéria Travessia por um fio, problema que ocupou novamente as páginas da edição 140, no texto Insegurança constante

Só em abril de 2023 as duas passarelas foram finalmente reformadas.

Educação de qualidade

A Redes da Maré nasceu da demanda por educação no território; por isso, o tema faz parte da gênese do Maré de Notícias, sendo constantemente alimentado por pautas pela ampliação da escolarização. Importantes conquistas foram destaque, como o aumento do Campus Maré e a chegada de novas unidades escolares ao território.

Todos os anos, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) é tema de extensas pautas; entre as matérias da edição 115, destaque para Sem condição não tem graduação, que tratava da dificuldade de os alunos estudarem para o exame nacional durante a pandemia.

Ações das próprias escolas, que mobilizam pais e alunos para garantir a melhoria do espaço físico das escolas, sempre são pautadas. O Maré de Notícias também foi um canal importante para fortalecimento das campanhas de apoio à matrícula escolar e à mobilização para a construção de um Fórum Educacional na Maré.

Cultura e favela

O Maré de Notícias está sempre atento às produções, aos novos artistas e às expressões culturais das 16 favelas. Divulgamos e promovemos a agenda cultural do território e de seus principais grupos, como a Cia Marginal, Cia Cria do Beco, a Cia de Dança Lia Rodrigues e o grupo Mulheres ao Vento, entre outros.

A agenda dos espaços culturais, como a Lona Cultural Municipal Herbert Vianna, o Centro de Artes da Maré, o Galpão Bela Maré, o Pontilhão e o Museu da Maré, sempre marcou presença entre as pautas do jornal. 

Divulgar a programação do cenário artístico mareense nos ajudou a também falar de temas como acessibilidade, racismo, machismo e outros tipos de opressão também presentes na cultura. É o caso da edição especial 71, de novembro de 2016, inteiramente dedicada à cultura afro-brasileira.

Funk: O som da favela foi uma das matérias da primeira edição desse jornal e, ao longo do tempo, o ritmo esteve presente em diversos números do Maré de Notícias: Funk: Som de preto, de favelado e criminalizado, na edição 115; Funk conquista o mundo, mas ainda quer mais, na edição 131; e A importância do funk na cultura e economia periférica, na edição 148. 

Ainda há um longo caminho a percorrer, cheio de desafios a enfrentar, mas é notório o maior conhecimento que os moradores da Maré têm sobre seus direitos, construído através das narrativas contadas por eles. Como nestes anos de trabalho, continuaremos a falar mais alto para fortalecer, através das páginas do Maré de Notícias e com apoio de todo comunicador comunitário, ainda mais a nossa comunidade.