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E aí, cria, vamos brincar de quê?

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Do tradicional pique-pega às dancinhas do TikTok, brincadeiras da molecada carecem de espaços adequados para o lazer

Por Flavia Veloso

“Descalço e sem camisa ia eu por aí / No tempo de moleque só andava assim / O sol a pino e a gente a correr no quintal”. A letra da música Infância, do “rei do pagode”, Reinaldo, destaca suas memórias como uma criança de favela. A partir dos versos da canção, conseguimos imaginar as nossas próprias experiências dos dias de moleque, isso porque as brincadeiras, sem dúvida, deixam lembranças marcantes por toda a vida.

Mesmo que a tecnologia tenha mudado as brincadeiras que hoje divertem e entretêm as crianças, aquelas que preencheram a infância de gerações não caíram no esquecimento. Quem nunca ouviu falar de pique-pega, pique-esconde, pique-bandeira, amarelinha, queimado, morto-vivo… a lista é infinita, assim como a imaginação dos pequenos.

Do Conjunto Esperança a Marcílio Dias, é impossível não reparar nas vozes infantis preenchendo as ruas e praças todos os dias. Isso não é à toa: a população dos territórios é muito jovem. Os mareenses de 0 a 14 anos representam 24,5% do total de habitantes, segundo o Censo Maré 2020. Como muitas casas não têm espaço o suficiente para brincar, a rua vira quintal.

Quando quer improvisar um quintal, William “Raio de Sol” (a criança mareense mais famosa do TikTok) vai com a mãe, Laudiceia Fernandes (a Dinda Lau), para uma quadra próxima à sua casa ou uma rua escolhida por ela. Lá, ele brinca com seus primos e crianças vizinhas, sempre sob supervisão da mãe: “Eu falo para ele ter cuidado com motos e bicicletas, porque muitas pessoas não respeitam. Explico que ele tem que prestar atenção às pessoas que estão à volta dele, não se deixar influenciar e evitar confusões.”

William “Raio de Sol”, famoso por participar dos vídeos do TikTok do irmão Raphael Vicente, costuma ir a uma quadra escolhida pela mãe para brincar em segurança – Foto: Gabi Lino

‘Desenrola, bate, joga de ladinho!’

Com o desenvolvimento acelerado de novas tecnologias, as brincadeiras evoluíram e aproximaram parceiros. Se há quatro décadas circuitos de TV aproximavam jogadores de xadrez em diferentes partes do mundo, hoje é possível, via celulares e computadores, qualquer um compartilhar qualquer coisa de qualquer lugar, e rapidamente. 

Um exemplo disso é o famoso adedonha (também conhecido como stop), que pode ser jogado, via sites na internet, por pessoas em qualquer lugar do planeta (se não contarmos com os ocupantes da Estação Espacial Internacional, em órbita da Terra). Isso sem falar nos jogos mais recentes que fazem a cabeça da molecada, como Free Fire, Minecraft, Fortnite e Roblox.

A tecnologia também derrubou o mito de que jogar videogame e mexer no celular são sinônimos de ficar parado: os jogos atuais funcionam à base de sensores de movimentos do corpo, como o popular Just Dance

Dançar, aliás, virou atividade lúdica desde a febre das coreografias do TikTok que contagiou a criançada. A rede social foi a mais acessada pelo público de 9 a 17 anos de idade durante a pandemia. Os pequenos deixaram o sofá para encostar o smartphone em algum lugar e interagir com os vídeos, reproduzindo os passos de dança sozinhos ou em grupo.

Direito fundamental

O gestor e produtor cultural, arte-educador e conselheiro tutelar Carlos Marra vê como fundamental o acesso das crianças às tecnologias e suas inovações: “É necessário que usemos essas ferramentas não para promover a alienação do mundo, e sim para fomentar e fortalecer o desenvolvimento das nossas crianças e adolescentes, até mesmo para promover comportamentos de socialização, criatividade e subjetividade.”

O conselheiro tutelar ainda destaca que esse contato deve vir acompanhado da atenção, orientação e supervisão dos responsáveis, em todos os espaços e ambientes de ocupação infantojuvenis. É inegável que, embora as tecnologias tenham aberto um leque imenso de possibilidades, elas não substituem as brincadeiras tradicionais que estimulam o fazer, a coletividade e o exercício da cooperação, das práticas positivas e da ocupação da rua e de espaços públicos enquanto lugares de lazer e diversão.

Para Carlos Marra, inclusive, essa ocupação “afirma a importância de a gestão pública ofertar o melhor serviço possível, já que brincar é um direito estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e precisa ser proporcionado por todas as esferas”.

Pequenos fissurados na tela: jogos como Free Fire e Minecraft fazem a cabeça da molecada – Foto: Gabi Lino

Espaços abandonados

Mesmo sendo um direito que deve ser garantido pelo Estado, não é isso que se vê na falta de cuidado de parques, praças, quadras e campos de futebol da Maré. Muitos locais se encontram abandonados, com brinquedos e aparelhos deteriorados, oferecendo risco a quem usa. Em vez de ser tarefa da Prefeitura, a manutenção desses espaços é feita por moradores, organizações locais e associações de bairro — e, mesmo assim, não é o suficiente.

O quadro se agrava quanto à acessibilidade e segurança de crianças com alguma deficiência. Juliana de Figueredo, mãe do Davi, que tem Transtorno do Espectro Autista (TEA), conta que levar o filho para brincar num espaço público dentro da Maré está cada vez mais difícil. “Falta segurança, manutenção e limpeza, e isso pode acarretar contato com objetos cortantes ou contaminados”, diz Juliana sobre os riscos aos quais o filho está exposto.

Segundo Carlos Marra, é necessário pressionar a gestão pública a partir da conscientização e mobilização dos moradores. Nesse processo, o protagonismo infantojuvenil pode garantir o cuidado da gestão pública com esses espaços, para que eles sejam acessíveis e seguros e proporcionem encontros que fortaleçam o desenvolvimento, a subjetividade, criatividade e sociabilidade das crianças.

Um chamado à brincadeira

É com esse protagonismo que o projeto Brinca Maré!, fruto do edital FOCA: Fomento à Cultura Carioca, está contando para revitalizar a Praça da Paz, que fica entre a Baixa do Sapateiro e a Nova Holanda. O local — que um dia foi tomado por lixo, já passou por uma reforma há alguns anos e hoje sofre com um novo quadro de abandono — ganhará uma cara nova até o fim deste mês. 

O projeto está sendo desenvolvido com a participação ativa de crianças que frequentam a Lona da Maré e a Biblioteca Lima Barreto. O Brinca Maré! oferece oficinas aos pequenos, mas eles almejam mais: as crianças listaram o que querem ver na praça depois da reforma, como bancos, plantas, brinquedos e, principalmente, manutenção e limpeza do espaço.

A arquiteta Laura Taves, que também é artista, educadora e responsável por escrever o projeto – com apoio de Isabella Porto e João Rivera –,, conta que o motivo de escolher a Praça da Paz para receber essa revitalização é fruto da necessidade de ocupar o local, estigmatizado pela violência, com lazer para as crianças.

 “A ideia é a gente trazer de volta o uso, insistir em certos espaços, não perder esse território para o lixo ou para outras funções que não são as deles. É mais uma tentativa de dar uso à função e, com o uso, fazer com que essa função permaneça, para que possa ser realmente uma praça, um lugar de brincar”, explica.

Arquiteta Laura Taves acompanhada de Marcia Queiroz e Julia Chagas na Praça da Paz, que vai receber revitalização – Foto: Gabi Lino

Inclusão no esporte muda vida de crianças com deficiência na Vila Olímpica da Maré

Projetos gratuitos atuam em parceria com as famílias e representam oportunidades em modalidades esportivas diversas

Por Hélio Euclides, João Gabriel Haddad e Rebekah Tinôco, em 10/10/2022 às 17h

Ao nascer uma criança com alguma deficiência, vem o impacto. Contudo, logo depois brota o desejo de fazer o melhor pelo filho. Há o anseio de fortalecer o processo de reabilitação, com a procura por especialistas. Porém, muitas vezes a família esbarra na falta de recursos financeiros para o tratamento. Na Maré, muitas famílias encontram um espaço na Vila Olímpica Municipal Seu Amaro para estimular a qualidade de vida e o quadro clínico na vida da criança por meio do esporte. Com os projetos Educar Pelo Esporte e o Instituto Jacqueline Terto, as crianças praticam atividades que estimulam o desenvolvimento, o condicionamento e o bem-estar. 

Segundo as Diretrizes de Estimulação Precoce de 2016, organizado pelo Ministério da Saúde, o cuidado com a saúde da criança, por meio do acompanhamento do desenvolvimento infantil nos primeiros anos de vida, é tarefa essencial para a promoção à saúde, prevenção de agravos e a identificação de atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor. Esse cuidado integral e articulado entre os serviços da atenção básica e especializada da Rede de Atenção à Saúde (RAS) do Sistema Único de Saúde (SUS) permitem que as crianças tenham um futuro com mais autonomia e inclusão social.

O trabalho de conclusão de curso Educação Especial e Inclusiva, apresentado em 2016 pela aluna da Universidade Cândido Mendes, Rosana Gomes Soares Elias, indica que todas as potencialidades da criança com deficiência intelectual e motora devem ser exploradas por meio de um trabalho efetivo de estímulo precoce. Esse estímulo pode ser realizado através de exercícios, jogos, atividades, técnicas e outros recursos. Segundo ela, os resultados da estimulação precoce geralmente são duradouros e proporcionam diversos benefícios para o desenvolvimento do indivíduo. Porém, para que eles fiquem mais evidentes, é necessário que seja realizado nos primeiros anos de vida, de forma regular e sistemática, sem descontinuidade e sem interferência de fatores negativos.

Uma Vila Olímpica para todos

A Vila Olímpica Municipal Seu Amaro atua na Maré há mais de 20 anos realizando a gestão de projetos esportivos, educacionais, sociais e de lazer, de forma gratuita. Um dos projetos implantados é o Educar pelo Esporte, que trabalha com a primeira infância como tema transversal de suas ações, tendo a Educação como linha de atuação. O Educar Pelo Esporte atende 892 moradores, sendo crianças, adolescentes e jovens contemplando atividades inclusivas para Pessoas com Deficiência (PcD). 

Andreia Simões, professora de educação física do projeto, atua na instituição há um ano. Para ela, o principal para trabalhar com a inclusão é ter muito amor. “A atividade esportiva somada ao amor é fundamental para que o aluno acredite que é capaz. Ser professora dessas crianças é ensinar e aprender, uma troca. Percebemos o desenvolvimento a cada aula, muitos chegam com comportamento agressivo e sem limite, depois ficam calmos e esperam o momento da atividade. Além da parte física, a aula serve de socialização, traz bem-estar e alegria. Com apoio da família fazemos um trabalho de excelência”, comenta. Ela dirige as oficinas de dança, natação, estimulação aquática e hidro movimento.

A professora diz que as mães elogiam, tem gratidão pelo trabalho e retribuem com carinho. As responsáveis afirmam que veem as mudanças na vida das crianças. Ana Angélica é uma delas. Moradora do Salsa e Merengue, leva a filha Clara Vitória, de oito anos, para as atividades na vila. A menina faz balé e natação. “Estamos há um ano na vila, neste local que nos dá novos horizontes. Minha filha perdeu o braço após uma descarga de energia e precisava de acompanhamento terapêutico. Após o acidente, ela começou a ficar deprimida. Com as atividades, percebo uma melhora. Hoje faz até estrelinhas com um braço só. A vila ajuda não só as crianças, nós mães precisamos trabalhar a mente, então é oferecido ginástica funcional, yoga e hidroginástica”, conta.

Davi Lucas mostra alegria na piscina | Foto: Hélio Euclides

Para muitas mães seria difícil realizar as atividades esportivas em instituições particulares. Leilce Nunes, moradora da Nova Holanda, valoriza a gratuidade das oficinas. “Não tinha como pagar, já que não trabalho para cuidar da minha filha, que nasceu prematura, tem paralisia na perna e problema na coluna e em um dos braços. As atividades ajudam a ocupar a mente das crianças, que se descobrem e há um desenvolvimento”, diz. Já Taís Dias, moradora da Baixa do Sapateiro, mãe de Thaíla Amorim, de oito anos, diz que as atividades não podem ser interrompidas e que na pandemia sentiu muita falta. “São sete anos que minha filha frequenta a vila. Por gestos percebo o desenvolvimento e vejo que ela gosta. Nas favelas tinha que ter mais oportunidades para as crianças deficientes”, comenta. 

Maria do Carmo, conhecida como Carmem, moradora da Baixa do Sapateiro, acredita que antes da indicação de prática de esporte, faltam médicos para o diagnóstico do quadro clínico das crianças. Ela leva sua filha Alice, de oito anos, após sugestão da psicóloga. “Acho perfeito o espaço para os autistas. Seria difícil sem este local para o exercício das crianças e estímulo para o desenvolvimento, pois não tenho condição de pagar por isso. Tem gente de outros bairros que procuram a vila”, expõe.

Milena Rodrigues, moradora do Parque União, mãe de Helena Rodrigues, de três anos, conheceu o trabalho por indicação do coletivo Especiais da Maré. Para ela, a Maré é muito grande e deveria ter mais espaços como esse espalhado pelo território. “Ela já reconhece a professora e a voz das amigas. Com as atividades de natação e balé ela melhorou e já fez até apresentação. A Maré pela extensão deveria ter outras unidades esportivas para PcD, pois para chegar aqui são 40 minutos, que preciso desviar dos carros e motos”, reclama.

As mães ressaltam a importância do Educar pelo Esporte. Esse é o mesmo pensamento de quem pratica as atividades, como Davi Lucas, de 13 anos. Ele fez questão de falar, mas sem abandonar a piscina. “É bom para se desestressar e é um estímulo para sair de casa. Tenho déficit de atenção, por isso frequento a vila há sete anos. Pratico iniciação esportiva, com várias atividades”, resume.

Uma vida dedicada ao esporte

Além do projeto Educar pelo Esporte, funciona também na vila o Instituto Jacqueline Terto que trabalha atividades físicas adaptadas. A fundadora Jacqueline Terto tinha um olhar especial para os projetos de inclusão da PcD. A atleta ultramaratonista, especialista em educação física adaptada e psicologia esportiva, mestre em psicologia social, teve um vasto currículo esportivo, inclusive sendo a primeira mulher brasileira a correr e completar quatro desertos: do Saara, Gobi, Atacama e Antártica. Ela faleceu em novembro de 2021, vítima de um infarto.

O Instituto Jacqueline Terto oferece desde 2017 ginástica corporal, natação família, hidroterapia, boxe adaptado, capoeira, ginástica hidro postural, condicionamento físico aquático, judô, jiu-jitsu, yogaterapia e atletismo. “Comecei como estagiária. A Jacqueline foi minha professora e aprendi com ela a focar nas pessoas com deficiências e em risco social. Ela deixou um legado, que com toda força vamos levar à frente. O instituto é importante para muita gente, percebemos a expressiva evolução na saúde. Aqui é minha segunda casa”, comenta Natália Lopes, professora de educação física. Para ela, as atividades do instituto estimulam a autoestima, demonstrando que a pessoa com alguma lesão é capaz de manter o condicionamento. 

O instituto tem como professor de educação física Wesley Palmeira, que tem deficiência visual. Ele começou há seis anos como estagiário, quando poucos abriram as portas. “Tive a oportunidade de conhecer a Jacqueline e recebi o abraço do instituto. Atuar com pessoas e na favela é muito bom. É gratificante fazer algo para quem realmente precisa. Os alunos chegam bem debilitados, usando muletas, andador e cadeira de rodas. Com as atividades, já com três meses percebem resultados. Há um acolhimento do aluno, dessa forma ocorrem as melhorias na parte física, emocional e social”, destaca. O professor dá aula de ginástica hidropostural e ginástica postural. A maioria dos seus alunos tem alguma lesão ou são amputados.

Clara Vitória mostra posição que aprendeu no balé | Foto: Hélio Euclides

Antonia Paiva, moradora do Parque Maré, é mãe de Matias, de seis anos, que frequenta os projetos do instituto há mais de um ano e ressalta o poder da reabilitação pelo esporte. “Meu filho é autista, hiperativo e tem indicativo de paralisia cerebral. Há um ano no projeto, percebo bastante evolução. Agradeço muito este trabalho, pois não tenho condição de gastos extras”, conclui. 

PcD na Maré

O Instituto Pereira Passos (IPP) elaborou um documento em 2013 demonstrando que na cidade do Rio de Janeiro se tratando de deficiência motora, 5,3% dos habitantes afirmaram ter alguma dificuldade de caminhar e/ou subir escadas sem a ajuda de outras pessoas, ainda que usando prótese, bengala ou aparelho auxiliar; 2% têm grande dificuldade e 0,4% não conseguem de modo algum andar.

Nesse ponto, é preciso chamar a atenção para os desafios que se apresentam para elaborar as políticas públicas, tendo em vista que a própria cidade ainda necessita de atendimento mais intensivo para esse público. A composição geográfica e habitacional característica da cidade, tendo 22% dos seus moradores em favelas, apresenta um grau difícil de acessibilidade e a necessidade de formulação de políticas de redução de danos.

O levantamento ainda ressalta que há forte correlação entre os dados das pessoas com deficiências auditivas, visuais ou motoras com a distribuição de renda da cidade como um todo. Entretanto, uma variação um pouco mais acentuada ocorre no caso daqueles com deficiência mental. Na cidade, 32% das pessoas vivem em domicílios com rendimento acima de dois salários mínimos; já entre as pessoas com deficiência mental, essa taxa cai para 28,3%.

“Há uma relação entre pobreza e deficiência. Por exemplo, famílias com mais recursos têm mais facilidade de estimular crianças com alguma deficiência mental desde os primeiros anos, e isso faz uma grande diferença. A escola, desde a educação infantil, pode ser um importante aliado para as famílias com menos recursos”, afirma a jornalista Claudia Werneck, fundadora da Escola de Gente, em entrevista ao site Data Rio.

O trabalho do IPP ainda traz dados específicos da Maré. Em 2010, a proporção de pessoas incapazes de andar ou subir escadas na Maré foi menor que a média da cidade, com 0,35% contra 0,43%. Pessoas mais idosas costumam ter mais problemas motores, e, segundo dados do mesmo ano, a taxa da população da Maré com mais de 60 anos é de 6,95%, cerca da metade da taxa da cidade, que é de 14,88% dos cariocas.

Entretanto, nos dados de 2010, a etnia é um aspecto que pode influenciar no desenvolvimento de problemas motores na Maré. Isso porque a taxa de pessoas negras incapazes de andar ou subir escadas é de 0,68%, ou seja, o dobro que de pessoas brancas, com taxa de 0,31%. Considerando a cidade do Rio, os valores são 0,35% para negros, quase metade da identificada na Maré. Os brancos são 0,53%.

A Prefeitura do Rio indica 18 unidades de saúde para algum tipo de atendimento fisioterapêutico:

  • Instituto de Neurologia Deolindo Couto – Avenida Venceslau Brás, 95 – Botafogo.
  • Hospital Municipal Rocha Maia – Rua General Severiano, 91 – Botafogo.
  • Centro Municipal de Saúde (CMS) Manoel José Ferreira – Rua Silveira Martins, 161 – Catete.
  • Hospital Escola São Francisco de Assis – Avenida Presidente Vargas, 2863 – Centro.
  • Associação Pestalozzi do Brasil (SPB) – Rua Visconde de Niterói, 1450 – Benfica.
  • Hospital Universitário Gaffree e Guinle – Rua Mariz e Barros, 775 – Maracanã.
  • Clínica de Fisioterapia Renascer – Avenida Braz de Pina, 2027 – Brás de Pina.
  • Clínica Nova Guanabara – Rua Uranos, 1461 – Olaria.
  • CMS Maria Cristina Roma Paugartten – Ra. Joaquim Gomes, s/n – Ramos.
  • Clínica da Família (CF) Felippe Cardoso – Avenida Nossa Senhora da Penha, 42 – Penha.
  • Policlínica Rodolpho Rocco – Estrada Adhemar Bebiano, 339 – Del Castilho.
  • Fundação Amélia Dias (Famad) – Rua Japurá, 115 – Praça Seca.
  • Hospital Municipal Álvaro Ramos – Avenida Adauto Botelho, s/n – Taquara.
  • CMS Alberto Borgerth – Rua Padre Manso, s/n – Madureira.
  • Policlínica Lincoln de Freitas Filho – Rua Álvaro Alberto, 601 – Santa Cruz.
  • Clínica Escola da Faculdade Bezerra de Araújo – Rua Carius, 163 – Campo Grande.
  • Serviço de Assistência Social Evangélico (SASE) – Rua Manaus, 98 – Realengo.
  • Ação Cristã Vicente Moretti – Rua Maravilha, 308 – Bangu.

Casa das Mulheres amplia atendimento para as adolescentes

Ao completar seis anos de atividades, equipamento da Redes da Maré responde a uma demanda que surgiu durante o período de isolamento da pandemia

Por Adriana Pavlova, em 11/10/2022 às 14h

Ao festejar seus seis anos de vida neste mês, a Casa das Mulheres da Maré, equipamento da Redes da Maré, comemora também o Dia Internacional da Menina em 11 de outubro ao ampliar sua atuação junto às jovens da região, com uma programação regular especialmente dedicada às mulheres com menos de 21 anos.

A grande estrela da temporada pensada para elas é a Terça em casa, guiada por uma equipe antenada e vibrante. São encontros que acontecem às terças-feiras à tarde, das 15h às 18h, com jogos, cinema com debate, passeios e experiências artísticas. A programação para meninas na Casa das Mulheres responde a uma demanda surgida durante o período de isolamento da pandemia, quando o espaço passou a receber um número maior de jovens para o atendimento psicossocial, um dos projetos centrais que acontecem ali. 

Como uma das missões da Casa é propor respostas coletivas a demandas individuais, a solução foi buscar atividades em grupo formatadas para atrair adolescentes de todas as comunidades. Na prática, desde 2021, a direção testou diferentes formatos até chegar à ideia da Terça em casa, com uma programação instigante e variada, incluindo passeios dentro e fora da Maré e, sobretudo, muita conversa.

“A pandemia deixou as meninas sem qualquer espaço de socialização. Com as aulas suspensas, muitas vezes elas sequer tinham um quarto em suas casas para viver um momento mais particular. Daí o aumento da procura por nosso plantão psicossocial e a nossa percepção de que era hora de agir e pensar em uma resposta coletiva”, explica Julia Leal, uma das coordenadoras da Casa das Mulheres.

Mesma língua

E o acolhimento das meninas começa pela equipe formada por jovens que falam a mesma língua da turma participante. À frente da Terça em casa está Stefany Silva, multiartista cria da Maré. Ela mesma, nos últimos anos, esteve em diferentes projetos da Redes, na própria Casa das Mulheres, incluindo o Laboratório Artístico (a formação para jovens do festival Wow). Com o tempo, passou a conduzir experiências com adolescentes, testando diferentes formatos até chegar a este, com uma programação variada e já em andamento desde maio passado. 

“Os projetos são artísticos, e há sempre a preocupação de estimular a autonomia das jovens, trabalhar tanto a individualidade de cada uma como o pertencimento ao território”, conta Stefany, assumindo o aspecto experimental no processo junto às adolescentes. “É um trabalho em transformação, que segue a metodologia da própria Redes, de ir percebendo a demanda e melhorando. É um espaço que pensa na questão qualitativa, nas temáticas raciais e territoriais, além de ter foco na saúde mental dessas jovens”, explica.

No dia em que a reportagem participou da Terça em casa, a programação foi dedicada ao cinema. As meninas e a equipe se encontram no que chamam de “casinha”, que nada mais é do que um anexo recém-aberto da Casa das Mulheres, com uma das entradas pela Rua Darcy Vargas (conhecida como Rua do Valão). 

Foram as próprias participantes que escolheram o filme do dia, a partir de três opções: Soul, uma animação da Disney-Pixar, foi o ganhador. A sessão teve pipoca e suco, e no fim uma conversa em roda, para que todas pudessem refletir juntas sobre a história do filme: a de um professor de música do Ensino Médio apaixonado por jazz, cuja vida não foi exatamente como ele sonhava. Joe, o protagonista, tem a chance de viajar para outra dimensão e, ali, ao ajudar uma criatura a encontrar sua paixão, também acorda para outros sentidos de sua vida. 

Nesse dia, a roda de conversa contou também com a participação da terapeuta ocupacional Sabine Passareli, residente do Instituto de Psiquiatria (IPUB) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que chegou para reforçar a equipe. Além dela e de Stefany, fazem parte do grupo a assistente de coordenação Myllenne Fortunato e as articuladoras Brenda Vitória e Andressa Dionísio. 

A maioria volta

Hoje, cerca de 35 jovens já passaram pela Terça em Casa e cada encontro tem de três a oito participantes. “A melhor resposta que recebemos é que a maioria volta, mesmo que nem todas as semanas”, diz Brenda, moradora do Salsa e Merengue. “Oferecemos propostas diferentes para elas se reconhecerem umas nas outras.”

Para a estudante Vitória Cristina Lima Carvalhães, de 20 anos, moradora da Nova Holanda, a Terça em casa tem sido um espaço de relaxamento. No dia da sessão do filme Soul, ela levou a irmã mais nova (que andava meio tristonha em casa), Maria Eduarda, para participar do encontro.

Programação para meninas inclui jogos, sessões de filmes com debate e muito mais | Foto: Gabi Lino

“Aqui me sinto aberta para conversar, porque somos só nós, garotas, para trocar experiências e opiniões. Num ambiente em que tem homem não me sinto à vontade para falar de mim”, diz a estudante do CIEP Professor Cesar Pernetta. 

Maré desconhecida

Os ganhos parecem, de fato, serem amplos. A Terça em casa também apresentou à Vitória uma parte da Maré nunca antes explorada por ela: o Parque Ecológico, na Vila dos Pinheiros.

“Eu nunca tinha ido à mata (como os moradores costumam chamar o parque), foi uma descoberta. É um espaço muito agradável, um lugar muito bom para ir com a família. E ali, com as outras meninas, fizemos uma experiência com novos sabores, para descobrir outras sensações”, lembra Vitória. 

A ida ao Parque Ecológico foi um dos passeios realizados pelo grupo nos últimos meses, numa proposta de circulação pelo território da Maré — como se viu no caso da Vitória, nem sempre as moradoras conhecem outras favelas do complexo. 

Também respondendo a um pedido das jovens, houve um passeio aos jardins do Museu da República e ao Museu de Arte do Rio (MAR) — nesse último, elas puderam ver a exposição Crônicas cariocas. Outra visita ao museu do Centro do Rio já está sendo agendada, dessa vez para a exposição Um defeito de cor, cuja temática é assumidamente racial. “O corpo favelado precisa transitar”, pontua Stefany.

Mulheres na Maré

Da mesma forma, nos dias das ações artísticas as atividades não são fixas. Já houve trabalho de silk, com tinta e tecido, a partir de questões relativas ao ciclo e à pobreza menstrual, e colagens respondendo à pergunta “O que é ser mulher na Maré?”. Outra atividade partiu de textos de Carolina Maria de Jesus para tratar do protagonismo das mulheres na Maré, e assim propor o que Stefany chama de “escrita automática”, que é deixar as palavras ou frases virem a partir de sensações. 

Os jogos, por sua vez, são um dos destaques da programação. Há os tradicionais, como Uno e xadrez, como também opções mais modernas de jogos brasileiros que estimulam diferentes habilidades das participantes, como criatividade, atenção, trabalho motor e até mesmo raciocínio matemático. 

A tarde de jogos da Casa das Mulheres se transformou em algo tão forte que o grupo acaba de criar um jogo próprio de cartas: é o Crônicas Maréas, ambientado na Maré e que levanta questões sobre sexualidade e reprodução. E, como o nome indica, trata-se de um projeto ligado ao canal de WhatsApp Maréas, da Casa das Mulheres, linha direta para questões de direitos sexuais e reprodutivos. Para acessar o canal, basta enviar uma mensagem para 99924-6462 e digitar 5. 

Palestras e encontros

As ações do Maréas para adolescentes vêm se desdobrando em palestras e encontros nas escolas de Ensino Médio da Maré, com jogos e conversas sobre sexualidade, e na Clínica da Família Américo Veloso, com distribuição de absorventes e roda de conversa. 

Outra ação que a Casa pretende retomar em breve, devido à grande procura no ano passado, é a que promove palestras sobre saúde sexual e reprodutiva, seguidas de encaminhamentos para colocação de DIU. Finalmente, outro projeto que deve ter continuidade nos próximos meses é o que oferece aulas de formação de manicure para jovens; este ano já aconteceram duas edições do projeto. O Terça em casa está aberto a todas as jovens da Maré de até 21 anos. Não é preciso inscrição; é só chegar e aproveitar.

Lula participa de caminhada no Complexo do Alemão

Mobilização conta com o apoio de organizações e coletivos de favela e tem como objetivo virar votos de eleitores de espaços de favelas

Por Jéssica Pires, em 11/10/2022 às 10h57

O candidato à presidência pelo Partido dos Trabalhadores (PT) Luiz Inácio Lula da Silva participa nesta quarta-feira do feriado de Nossa Senhora Aparecida de uma caminhada no Complexo do Alemão. O encontro acontecerá na Estrada do Itararé, região que recebeu obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

A caminhada foi mobilizada pelo fundador do jornal Voz das Comunidades, Rene Silva, e conta com apoio de diversas organizações, coletivos e lideranças comunitárias.  “A expectativa para essa visita é muito grande. Principalmente por ser um lugar que ele foi muitas vezes. Ele foi lá para lançar o PAC e acompanhou as obras. Quando os testes do teleférico começaram, ele também estava junto. Construir essa agenda e tudo isso que a gente quer fazer no Complexo do Alemão tem um simbolismo muito grande para as favelas do Rio de Janeiro”, comentou Rene.

A atividade terá início às 9h da manhã, quando o candidato se reunirá com lideranças comunitárias de algumas favelas, incluindo a Maré, na sede do Voz das Comunidades. Em seguida a caminhada começará, com concentração em frente ao Colégio Tim Lopes. O roteiro da caminhada prevê a passagem do ex-presidente e candidato pela creche que leva o nome de sua mãe, Dona Lindu. 

O trânsito na região sofrerá alterações por conta da caminhada e do grande número de pessoas que se espera. A recomendação dos organizadores é a utilização de transporte público preferencialmente. Lideranças comunitárias da Maré mobilizaram a saída de um ônibus, às 8h, do Pontilhão – Maré.

Para mentes saudáveis, justiça social

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Por Luna Arouca, em 10/10/2022 às 19h31

A data de hoje é marcada pela celebração do Dia Mundial da Saúde Mental, tema cada dia mais relevante no debate público e essencial para pensarmos o caminho que trilhamos enquanto sociedade. Os transtornos de saúde mental têm se tornado cada vez mais comuns em todo o mundo. A ansiedade, por exemplo, atinge mais de 260 milhões de pessoas no mundo. O Brasil inclusive é apontado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como o país com o maior número de pessoas ansiosas: 9,3% da população.

A pesquisa Construindo Pontes, realizada pela Redes da Maré, identificou problemas de ordem mental e emocional motivados pela violência no território da Maré: 31% dos entrevistados relataram prejuízos à saúde mental e emocional por conta da violência.

Nesse sentido, o problema do agravamento da saúde mental é uma questão mundial, mas ele pode ser aprofundado por outras condições sociais que existem em certos locais, como é o caso de regiões de favela e periferia, que além dos problemas advindos da negligência do poder público na garantia de direitos, são também alvo da política de segurança pública, que coloca moradores na mira do fuzil e em constante insegurança devido a ocorrência das operações policiais e dos conflitos.

A pandemia agravou o já profundo quadro de adoecimento mental, seja pela falta de emprego e renda, seja pelo isolamento social e restrição de circulação ou pela perda de tantas pessoas próximas sem acesso ao cuidado.  

Por todos esses motivos precisamos falar sobre Saúde Mental. Precisamos falar sobre acesso ao cuidado, sobre o tipo de cuidado e sobre formas de criar mais espaços para a promoção da saúde mental. Atualmente as unidades de saúde tem apoio das equipes especializadas (Nasf) para orientar atendimentos em saúde mental, quando os casos são mais graves eles são encaminhados para os Centros de Atenção psicossocial (Caps), e em caso de surto para unidades como o Instituto Pinel, para breves períodos de internação e cuidado intensivo.

Apesar das diferentes formas de acesso falta recurso e investimento nessa área e faltam mais equipes apoiando as unidades de saúde, profissionais nos Caps e mais do que tudo, falta uma política que entenda a saúde mental de forma integrada.

A promoção da saúde mental não é somente o atendimento com um profissional e o acesso a medicamentos. Para uma mente saudável é necessário: moradia saudável, alimentação, espaços de lazer e cultura, relações saudáveis, emprego e renda e claro, além do acesso a profissionais que em situações específicas possam apoiar e direcionar para o cuidado do adoecimento mental. Por isso a promoção da saúde mental não é uma tarefa somente da pasta de saúde, nem somente de profissionais especializados. Ela precisa ser discutida como tema transversal das políticas públicas e com moradores e usuários dos serviços.

Nesse sentido, a Redes da Maré com outros parceiros irá promover em novembro a II Semana de Saúde Mental da Maré (Rema Maré), com o objetivo de ampliar o debate e trazer oficinas e experiências de promoção da saúde mental para que os moradores possam vivenciar e conhecer.

Nesse contexto de agravamento dos fatores que provocam o adoecimento mental é fundamental unir esforços, promover diálogos, criar encontros para o fortalecimento de práticas e saberes que contribuam para o cuidado individual e coletivo, provocando mudanças locais mas também estruturais.

Luna Arouca é coordenadora do eixo Direito à Saúde das Redes da Maré

Saúde mental nos territórios carece de equipamentos

Segunda reportagem da série Raio x da Saúde na Maré traça o panorama dos serviços da Rede de Atenção Psicossocial no conjunto de favelas

Por Samara Oliveira

Segundo o Censo da Maré (2019), o conjunto de favelas tem cerca de 140 mil habitantes, sendo maior do que 96% dos municípios brasileiros — juntos, os territórios podem ser considerados uma cidade de médio porte. No entanto, a população mareense conta com apenas três Centros de Atenção Psicossocial (CAPS): o Caps II Carlos Augusto da Silva (Magal), localizado em Manguinhos, e mais o Capsi II Visconde de Sabugosa e o Caps-AD III Miriam Makeba, ambos localizados em Ramos. 

Os CAPS, que integram a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), são as principais referências de cuidado à saúde mental pública do país. Estes equipamentos foram criados para substituir a prática manicomial (o encarceramento de pessoas com distúrbios mentais); ali, equipes multiprofissionais atendem pessoas com sofrimento ou transtorno mental, seja por causas naturais ou pela dependência de drogas ou álcool.

CAPS I: Atendimento a todas as faixas etárias, para transtornos mentais graves e persistentes, inclusive pelo uso de substâncias psicoativas.

CAPS II: Atendimento a todas as faixas etárias, para transtornos mentais graves e persistentes, inclusive pelo uso de substâncias psicoativas.

CAPSi I: Atendimento a crianças e adolescentes, para transtornos mentais graves e  persistentes, inclusive pelo uso de substâncias psicoativas.

CAPS AD: Álcool e Drogas: Atendimento a todas faixas etárias, especializado em transtornos pelo uso de álcool e outras drogas.

CAPS III: Atendimento com até 5 vagas de acolhimento noturno e observação; todas faixas etárias; transtornos mentais graves e persistentes inclusive pelo uso de substâncias psicoativas.

CAPS AD III: Álcool e Drogas: Atendimento com de 8 a 12 vagas de acolhimento noturno e observação; funcionamento 24h; todas faixas etárias; transtornos pelo uso de álcool e outras drogas.

CAPS AD IV: Atendimento a pessoas com quadros graves e intenso sofrimento decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. Tem como objetivos atender pessoas de todas as faixas etárias; proporcionar serviços de atenção contínua, com funcionamento 24h, incluindo feriados e fins de semana; e ofertar assistência a urgências e emergências, contando com leitos de observação.

Caricatura de Carlos Augusto da Silva, o Magal, exposta na área interna do CAPS – Foto: Amanda Baroni

Magal

O batismo do CAPS com o nome de Carlos Augusto da Silva é uma homenagem ao morador de Manguinhos que sofria de transtorno mental e morreu em 2009 vítima de um espancamento. Atendendo as regiões de São Cristóvão, Benfica, Manguinhos e Maré através das clínicas de famílias e dos centros municipais de saúde, o Magal, como é conhecido popularmente, conta com equipe composta por psiquiatras, psicólogos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, assistentes sociais, terapeuta ocupacional, oficineira, agentes territoriais (redutores de danos) e educador social.

É na área de convivência do Magal que Matheus Alves, que faz acompanhamento na unidade há sete anos por causa da esquizofrenia, mostra com orgulho as notas antigas que coleciona. Além disso, Matheus gosta de admirar os desenhos produzidos por outros colegas do CAPS. Segundo a diretora Ana Paula Lima, o jovem é frequentador dos jogos de futebol promovidos pelo CAPS em parceria com o Colégio Estadual Compositor Luiz Carlos da Vila, que cede a quadra. 

Obras de artesanato são produzidas pelos usuários da unidade – Foto: Amanda Baroni

Angela Alves, mãe do Matheus, tem reclamações pontuais sobre a unidade, mas elogia o trabalho dos profissionais. “Às vezes falta remédio e o atendimento sempre demora muito, mas é muito bom. Aqui tem bastante atividades: ele joga totó, sinuca, futebol. Acho isso interessante para ele”, diz a vigilante de 40 anos.

Entre as diversas oficinas oferecidas pelo espaço algumas são voltadas para geração de renda dos próprios usuários. Entre elas, está a panelaterapia, que consiste na produção de empadas dentro da unidade; elas são vendidas pelo território e o lucro retorna para os alunos. A oficina de mosaico também funciona da mesma maneira e, segundo o técnico de enfermagem Alex Veras, de 52 anos, a atividade tem um importante papel no tratamento dos usuários.  

Alex relembra o caso de uma usuária do CAPS que, antes de iniciar o tratamento, precisou de uma intervenção que envolveu diversos órgãos públicos, como o Conselho Tutelar e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). A paciente estava com um quadro de depressão grave e trancada em casa com os cinco filhos — todos desnutridos e com doenças como tuberculose.

“Ela se tornou uma das melhores alunas de mosaico. Uma pessoa que precisou ser retirada da casa dela à força pelos bombeiros, foi internada… Gosto de mencionar esse caso porque ela começou a frequentar a oficina voluntariamente, e sempre foi muito pontual. Passou a se comunicar, contou para os colegas que gostava de ouvir louvor, e colocamos para tocar aqui. A gente escuta de tudo, cada um pede e a gente coloca. Ela já foi encaminhada para a clínica da família”, relembrou Alex.

Alex Veras é o responsável pela equipe técnica de enfermagem no Caps II Carlos Augusto da Silva (Magal), além de coordenar a oficina de mosaico – Foto: Amanda Baroni

Para a diretora do CAPS Magal, “é preciso implementar mais CAPS III se consideramos fechar manicômios, ou seja, não ter entrada dos nossos usuários em hospitais psiquiátricos quando estiverem em crise. Porque a função de um CAPS III é atenção à crise. Se há alguém ‘desorganizado’, precisando de ajuda para parar um pouco o corpo e ser cuidado, isso acontece dentro de um CAPS, não em um hospício”.

Ana Paula aponta os problemas causados pela existência de apenas uma unidade que atenda a população 24h, referindo-se ao CAPS-AD III Miriam Makeba: “Como somos uma unidade classificada como II não atendemos nos fins de semana. Se fôssemos III poderíamos cuidar daqueles em crise em todos os momentos.” A Secretaria Municipal de Saúde confirmou que há previsão de o CAPS Magal se tornar uma unidade de nível III até fim deste ano.

Miriam Makeba 

Inaugurado em 2014, o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) deve seu nome à cantora sul-africana Zenzile Miriam Makeba que, através da música, lutou contra o apartheid (regime de segregação racial implementado na África do Sul). A unidade atende os complexos da Penha e do Alemão e mais Vigário Geral, Ilha do Governador, Maré, Manguinhos e Parada de Lucas. O atendimento é feito por psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros e técnicos de enfermagem, assistente social e redutores de danos. 

Segundo a diretora Taiana Kronemberg, o centro médico “trabalha com um Atendimento Integrado entre Equipamentos Públicos e do Território (Atenda) em parceria com CAPSI, Redes da Maré, Clínica da Família Jeremias, CREAS, Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP) e Consultório Na Rua, de Manguinhos”. 

Ela explica que “toda segunda-feira à tarde nos reunimos e, além de discutirmos o processo de trabalho, vamos nas cenas de uso da Maré, do BRT, da Avenida Brasil e outras para fazer os atendimentos no próprio local”. As ações são acompanhadas por todo o corpo técnico de saúde mental da unidade.

Outro trabalho realizado diretamente na rua pelo CAPS AD Miriam Makeba é o de atendimento voltado para a população transexual; ele acontece às terças e quintas, de 19h à meia-noite. 

“Começamos a pensar nisso a partir de uma paciente que hoje é uma das nossas redutoras de danos. A população trans com que trabalhamos é a que fica na região de Bonsucesso; ela é muito vulnerável e sem acesso aos direitos básicos. O trabalho se dá na clínica da família ou na ajuda para tirar documentação, pedir a mudança de nome social ou cestas básicas. Hoje esse trabalho também se expandiu para Ilha do Governador”, diz Taiana.  

Má conservação

Em agosto deste ano, a equipe do Maré de Notícias recebeu denúncias sobre as condições estruturais e o serviço prestado aos usuários no Miriam Makeba. 

“A unidade está em péssimas condições, bastante quebrada, com infiltrações, sem material de trabalho. Só duas salas têm ar condicionado; as refeições oferecidas aos usuários são de baixíssima qualidade”, disse uma fonte que prefere não se identificar. 

Além disso, há relatos de uma drástica redução no quadro de profissionais, tanto no corpo técnico em saúde mental quanto de terceirizados — o que, segundo a fonte, seria uma violência com o processo de cuidados dos usuários: “A saúde mental é pautada no vínculo e no cuidado longitudinal.” 

Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, “os profissionais contratados em 2020 para o CAPS Miriam Makeba completaram o tempo limite permitido por lei para os contratos temporários e, diante disso, a RioSaúde fez um novo processo seletivo. Todos os profissionais que já atuavam na unidade tiveram a oportunidade de participar do processo e, desta forma, se enquadrar nos critérios legais para firmarem novo contrato de trabalho com a empresa pública”.

Sobre as refeições servidas aos usuários, a secretaria afirma que uma nova empresa de alimentação foi contratada e iniciou a prestação do serviço no dia 16 de agosto. Apesar das constantes denúncias em relação à estrutura do espaço, a secretaria respondeu que a unidade passa por manutenção periódica e que há quatro aparelhos de ar-condicionado em funcionamento. 

Visconde de Sabugosa 

Atendendo o público de até 18 anos, o Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSi) acolhe moradores do Complexo do Alemão e da Penha. Assim como nas outras unidades de CAPS, além da procura espontânea, os pacientes chegam geralmente encaminhados pelas clínicas da família — mas há também casos vindos de escolas e mesmo de ONGs.

Na edição 123 (abril de 2021), o Maré de Notícias mostrou o trabalho do CAPSi no atendimento de indivíduos dentro do espectro do autismo. O centro, referência para o tratamento de transtornos psíquicos em crianças, fica na Avenida Guanabara s/n, Praia de Ramos.