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Putz, pisei novamente no cocô

Andar pelas ruas e calçadas do conjunto de favelas da Maré sem sujar o calçado é desafio antigo 

Por Hélio Euclides, em Maré de Notícias – Impresso – Edição #140

Ao sair de casa, muitos mareenses podem se sentir dentro de um videogame: desviando de obstáculos para alcançar o prêmio final. No jogo da vida real, o obstáculo mais prosaico que eles encontram é um monte de fezes de animais. Além da sujeira, os dejetos de cães e gatos ainda podem transmitir doenças tanto para as pessoas, quanto para os animais. 

Coletar e descartar corretamente as fezes dos animais é fundamental para evitar a contaminação de praças, gramados e áreas públicas, evitando o risco de infecções parasitárias tanto de outros animais como de seres humanos. 

“Acho horrível andar pelas ruas e ver tanto cocô. Quando saio com meu cachorro, levo um saquinho e pego as fezes dele. Espero que mais pessoas tenham esse hábito”, diz Beatriz de Oliveira, moradora da Nova Holanda. 

Recolher as fezes dos animais das vias públicas deixa as cidades mais limpas. “Eu não tenho cachorro, mas se tivesse, não deixava solto como vejo acontecer. Acho que esse é o motivo de tanta sujeira pelas ruas da Maré”, conta Josefa Gomes, também da Nova Holanda

Segundo a patologista animal Clarice Macêdo Pessoa, professora de veterinária da Universidade Federal de Sergipe, em entrevista ao site A União, o perigo de dejetos dos pets na rua pode se transferir para os seres humanos: ao pousar nas fezes dos animais, as moscas carregam bactérias e as depositam em alimentos expostos em restaurantes, lanchonetes ou mesmo na casa dos moradores próximos ao cocô dos bichinhos, .

Essa é uma das maneiras de zoonoses, que são doenças transmitidas dos animais para o ser humano e vice-versa, aumentarem sua incidência. Entre elas estão parvovirose, verminoses e toxoplasmose, entre outras doenças. Para evitar esses transtornos e contando com o bom senso dos moradores, no Conjunto Esperança faixas recomendam que donos de cães não deixem para trás o cocô dos seus animais das ruas. 

É sempre recomendado que os tutores dos animais recolham os dejetos e levem-nos para casa para despejá-los no vaso sanitário ou juntá-los ao lixo doméstico. Além disso, é importante ressaltar que não recolher fezes do cachorro é passível de multa, como prevê o programa Lixo Zero da Prefeitura do Rio. A punição já era prevista na Lei de Limpeza Urbana desde 2001.

Campo de refugiados

O problema das fezes de animais expostas está por toda a cidade do Rio. Uma prova disso é que a matéria mais acessada no site do Maré de Notícias fala do cocô deixado nas ruas. Um dos motivos do problema seria a alta taxa de abandono de animais.

Um exemplo do desamparo dos bichinhos é a grande quantidade de cães e gatos no abrigo SOS Focinhos, localizado na Praia de Ramos. São 300 animais, sendo 170 gatos, que são tratados por cinco protetoras que nunca desistem. 

São elas Ana Lúcia Bezerra, Damiana Paulo, Lourdes Silva, (que cuida dos gatos ferais), Elza Silva (ela alimenta os cães de rua) e Heloisa Gomes, responsável pelo abrigo. “Não temos nenhum suporte financeiro, fazemos tudo por amor”, diz Heloisa. No abrigo os animais são encaminhados para castração e vacinação. 

Ela conta que eles não param de chegar. A maioria é abandonada à beira da Praia de Ramos ou na Avenida Brasil. “Todos os dias trazemos mais, aqui parece um campo de refugiados”, lamenta, acrescentando que, já na chegada, os animais recebem imediatamente alimentação e cuidados médicos. “Falta amor aos donos dos pets. As pessoas tratam os animais como se fossem um objeto ou algo imprestável. Muitos são deixados nas lixeiras”, conta. 

Para a protetora de animais, o preço alto da ração contribuiu muito para o abandono; outro motivo seria os custos das vacinas — que, ela defende, deveriam ser gratuitas. Heloisa acredita que o aumento no abandono de animais contribui para o problema do cocô espalhado pelas ruas: “É tudo uma questão de educação, conscientização, respeito à vida e ao meio ambiente.“

Sem ajuda nem dos órgãos governamentais ou do comércio local, ela lamenta a falta de apoio que faz faltar, em alguns dias, a alimentação dos animais: eles consomem 40 quilos de ração por dia, ou 1.200 quilos por mês. O abrigo também necessita de material de limpeza e para obras de conservação e ampliação. O grupo ainda cuida de 30 gatos em tratamento contra esporotricose (uma doença altamente contagiosa que impõe o isolamento do animal e medicação constante). Quem desejar ajudar o grupo é só enviar mensagem para: [email protected] ou ligar para (21) 99232-9529.

Para informações sobre unidades de atendimento clínico gratuito e esterilização de cães e gatos, acesse nosso site: https://mareonline.com.br/.

Por uma cidade mais limpa

O Maré de Notícias entrevistou a coordenadora da Vigilância de Zoonoses da Prefeitura do Rio de Janeiro Kemle Miranda sobre animais abandonados e os malefícios das fezes nas ruas.

1) Que perigo para a saúde das pessoas resulta do abandono de cães e gatos?

Seria a transmissão de zoonoses de relevância para a saúde pública, como a esporotricose e a raiva. Por isso a importância da posse responsável e da castração dos animais para evitar a procriação indesejável e o abandono. O Instituto Municipal de Vigilância Sanitária, Vigilância de Zoonoses e de Inspeção Agropecuária (IVISA-Rio), por meio do Centro de Controle de Zoonose e o Centro de Medicina Veterinária Jorge Vaitsman, oferece o serviço de castração gratuito para cães e gatos para os cariocas.

O tutor deve sempre recolher (sem contato direto) e descartar adequadamente as fezes do seu animal; é uma questão básica de higiene e urbanidade.

2) Quais doenças são transmitidas pelas fezes deixadas nas ruas?

Elas podem conter uma infinidade de microrganismos, por exemplo, bactérias, vermes, protozoários, entre outros, causadores no homem de enfermidades com sintomas neurológicos, dermatológicos e gastrointestinais. As doenças transmitidas pelo contato com fezes animais infectadas variam desde uma lesão de pele sem gravidade até uma situação clínica séria. Por isso, é de extrema importância que todos os animais sejam acompanhados por um médico veterinário para realização de exames e vermifugação periódica.

Confira abaixo os endereços das Unidades de Atendimento dos Animais [box para o site]

Parque Manuel Bandeira  Cocotá, Ilha do Governador.

Rua Marquês de Abrantes, n? 55, Flamengo.

Rua Cabo Bastos Cortes, s/n, Paciência.

Rua Sidney da Silveira, altura do Nº 97A, Bangu.

Estrada do Tingui, altura do N? 169, Campo Grande. 

Avenida Brasil, Passarela 09, Bonsucesso.

Largo Vicente de Carvalho, em frente ao número 96, Vicente de Carvalho.

Rua Dois de Fevereiro, 711, Engenho de Dentro.

Estrada do Mato Alto, 5.620,  Fazenda Modelo, Guaratiba. 

Os serviços de atendimento clínico e de esterilização de cães e gatos são gratuitos. Informações pelos telefones: (21) 2976-2893 e 2088-0097.

Filme ‘O Debate’ é exibido na Maré com roda de conversa com Caio Blat, Débora Bloch e Paulo Betti

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A trama do longa acontece nos bastidores do último debate presidencial antes do segundo turno das eleições no Brasil atual

Por Samara Oliveira

A noite desta terça-feira foi marcada pela exibição do filme nacional O Debate, na Maré. O evento aconteceu no recente inaugurado galpão do Espaço Normal, da Redes da Maré e contou com a presença dos atores do longa: Débora Bloch, Paulo Betti e Caio Blat. Débora que dá vida a personagem Paula, e Paulo Betti, que interpreta Marcos conduzem a trama de um casal recém divorciado após 17 anos de relacionamento. Ambos jornalistas divergem em opiniões sobre como conduzir a edição que o canal vai exibir dos melhores momentos do debate entre candidatos à presidência. 

Com direção de Caio Blat, o longa traz uma reflexão inicial: “Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência”. O filme aborda questões como liberação de armas, aborto, pandemia, situação econômica do país diante de um lockdown, entre outras pautas que atravessam a condução do atual governo federal nos últimos anos. A maior parte da trama é passada entre os bastidores do último debate presidencial antes do segundo turno das eleições no Brasil atual.

Paula (Debora Bloch) é a jornalista e apresentadora do jornal que defende e acredita na não isenção do jornalismo, defende o aborto legal, a não liberação de armas e um sistema mais rigoroso para controlar a pandemia, trazendo todos esses assuntos como pauta para o seu editor-chefe Marcos que apesar de concordar com o posicionamento político da apresentadora discorda que as questões devem ser pautadas no programa. 

Em entrevista exclusiva para o Maré de Notícias, Débora Bloch fala sobre as semelhanças entre sua personagem e si mesma. 

“Eu tenho muito em comum com a personagem. Todo posicionamento político dela eu me identifico. Isso foi uma coisa que me ajudou muito pra fazer o filme. Eu fui chamada em cima da hora, então tinha pouco tempo, mas como a maior parte das coisas que ela fala são coisas que eu penso, me facilitou para decorar o texto”, afirmou a atriz. 

Bloch também relembrou seu primeiro papel como jornalista que interpretou. A personagem da época era uma profissional recém formada cobrindo a campanha “Diretas já”, um movimento político social que lutou para a retomada das eleições diretas ao cargo de presidente da República no Brasil, durante a ditadura militar. Um trecho foi exibido no programa Conversa com Bial, do qual ela foi convidada. 

“Foi emocionante me ver ali aos 22 anos fazendo um filme sobre aquele momento político tão importante do Brasil, um momento histórico porque a gente não votava para presidente e anos depois estar fazendo esse filme fazendo uma jornalista num outro momento muito importante historicamente, né? Porque acho que essa é uma eleição histórica”, conclui. 

Alunos do CPV da Redes da Maré e do Núcleo de Formação em Jornalismo do Maré de Notícias assistem ao longa.
Foto: Douglas Lopes

“Vendo o filme de novo eu vejo que é uma homenagem para vocês jornalistas”, Paulo Betti. 

Ao final do filme, os atores iniciaram uma roda de conversa com o público presente no Espaço Normal, entre eles alunos do Laboratório de Jornalismo do Maré de Notícias e estudantes do Curso Pré-Vestibular (CPV) da Maré. Vitor Felix, professor do Pré Vestibular da Redes da Maré mediou a conversa.

Caio Blat complementou a fala de Betti sobre o papel do filme em retratar os assuntos pela ótica jornalística. 

“O jornalista o tempo inteiro tem que repensar o limite da ética dele para dar uma notícia, para dar uma opinião ou não. Eu acho que uma coisa que esse governo fez foi que o jornalismo se tornou muito mais opinativo e de alguma maneira muito mais comprometido nos últimos anos. Porque eles estavam sendo combatidos com mentiras, então o jornalismo teve também que se posicionar, né? Então o filme de alguma maneira faz uma revisão do papel do jornalismo na nossa democracia”, disse.

Helena Edir e Eliana Silva, diretoras da Redes da Maré e Debora Bloch, protagonista do filme. Foto: Douglas Lopes

‘Nem Todo filho Vinga’ estreia temporada em teatro no Leblon

 Espetáculo de companhia mareense tem atores do território e de outras favelas da cidade 

Por Redação

Depois do sucesso de público no Museu da Maré, o espetáculo da companhia mareense “Cria do Beco”, “Nem Todo Filho Vinga”, retoma a temporada no Teatro Municipal Café Pequeno, no Leblon, nos fins de semana de setembro. Ganhadora do 9° Festival de Teatro Universitário (Festu), em 2019, a produção foi baseada na obra “Pai Contra Mãe”, do escritor Machado de Assis (1839-1908). A cena desenvolvida por jovens universitários, negros e moradores da Maré, nasceu a partir da provocação feita pelo autor, que termina sua obra literária com a frase que dá título à cena: “Nem todo filho vinga”.

A obra traz a história do personagem Maicon, morador da Maré que, após passar para a Faculdade de Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), passa a confrontar os ideais de justiça do Estado Brasileiro. Diante dos inúmeros eventos de injustiça que ele e seu grupo de amigos vivem diariamente, ao longo do seu ano letivo, Maicon sentirá na pele como as políticas públicas – ou a ausência delas – influenciam todas as esferas da vida.

Para o ator Jefferson Melo, protagonista do espetáculo, o texto traz a narrativa favelada em sua essência, dos atravessamentos diários que o corpo favelado insiste em existir, em persistir na vida, no acesso à faculdade, a cidade e presença nesta sociedade excludente.

“O desconforto vai tocar os olhares preconceituosos de quem não consegue enxergar a favela. Nossa intenção também é fazer com que os nossos amigos favelados se reconheçam nas narrativas. A personagem fala muito de mim, dos meus amigos e vizinhos da minha comunidade. Maicon é um jovem preto, sonhador e militante. Ele luta diariamente para existir nos espaços de exclusão”, diz. 

A atuação é interativa entre atores e plateia. O objetivo é fazer do palco a favela, que se diverte, que faz festa, que tem a solidariedade em sua essência e que vive essa pluralidade cultural. A nova temporada tem como objetivo ampliar e afirmar cada vez mais a presença dos corpos favelados na cena teatral carioca, afirma Jefferson.

Fotos: José Bismark

SERVIÇO:

Nem Todo Filho Vinga

Dias: Sábados e domingos de setembro de 2022

Sábados às 20h

Domingo às 19h

Onde: Teatro Municipal Café Pequeno

Endereço: Av. Ataulfo de Paiva, 269 – Leblon

Ingressos disponíveis na plataforma Sympla na bio do Instagram @nemtodofilhovinga

O poder da informação para transformar a favela

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Dados pautam políticas públicas, fortalecem moradores e colaboram para melhorias nas regiões periféricas

Por Edilana Damasceno e Vinicius Lopes, em 14/09/2022 às 7h

Faz um mês que os recenseadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estão nas ruas do país, mas em territórios como a Maré isso não acontecia há pouco mais de 70 anos. Apesar da importância do censo nacional e de outras pesquisas levadas a cabo pelo órgão, especialistas como o cientista político João Roberto Lopes Pinto, coordenador do Instituto Mais Democracia, argumentam que nem sempre os levantamentos tradicionais dão conta de retratar a complexidade de territórios como as favelas, a começar pela forma como o IBGE nomeia esses espaços.

Eles são chamados de “aglomerados subnormais”; recebem essa categorização as áreas de ocupação irregular. “Se esses espaços são considerados aglomerados subnormais, significa que existe o normal, ou seja, a cidade é considerada normal e a favela, anormal”, explica o pesquisador.

Ainda que as metodologias do IBGE levem a resultados que representam o todo em alguns aspectos, outras singularidades ficam de fora. É o que acontece na Maré em relação ao saneamento básico, por exemplo. O Censo de 2010 do IBGE mostrou que somente 25% dos domicílios da Maré têm esgoto a céu aberto em seu entorno. Contudo, basta caminhar pelo conjunto de favelas para perceber que essa não é a realidade; na verdade, é um problema grave em muitas das localidades.

“É só passar na Bittencourt Sampaio, na Rua Sargento Silva Nunes, no Parque Maré, naqueles ‘miolos’ ali, que você acha muito esgoto a céu aberto. Tem morador que quer fazer um churrasco, ficar na porta batendo papo, e não consegue por causa do mau cheiro do esgoto e do entulho”, diz Gilmar Gomes, o Magá, que preside a Associação de Moradores da favela Rubens Vaz. 

Produção de dados

Se não há fidelidade nos dados levantados por órgãos públicos, ela é produzida dentro das próprias favelas. É no dia a dia relatado pelos moradores que o Cocôzap mapeia os problemas de esgoto, lixo e água na Maré, com o objetivo de preencher as lacunas deixadas pelos órgãos oficiais de pesquisa. O relatório Cocôzap: Sistematizando dados e formulando políticas, publicado em agosto pelo data_labe em parceria com a Fundação Heinrich Böll, registrou 120 queixas de moradores referentes a esgotamento sanitário somente entre janeiro e abril de 2021, inclusive nas áreas onde o IBGE não havia identificado a existência do problema. Dessas 120 reclamações, 70 são referentes a esgoto a céu aberto. 

Para Gilberto Vieira, diretor do data_labe e pesquisador de urbanismo e tecnologias, produzir dados sobre um problema é uma estratégia para mostrar ao poder público a realidade da população — é o conceito compreendido como “geração cidadã de dados”. 

“Se o que entendemos por cidadania é uma ideia desgastada e em crise, então precisamos ressignificá-la para garantir experiências comuns de ação e transformação social. Nesse sentido, a geração cidadã de dados se propõe a engajar a sociedade civil para usar suas próprias ferramentas a fim de buscar e acumular informação e conhecimento”, explica.


Do pioneirismo da geração cidadã de dados dentro das favelas nasceu o Censo Maré. Fruto de uma parceria entre a Redes da Maré e o Observatório de Favelas, quase 129 mil mareenses foram ouvidos. A partir dessas entrevistas, foram produzidos o Censo Populacional da Maré (2019), o Guia de Ruas da Maré (2014) e o Censo de Empreendimento Maré (2014).  

Nascido e criado no Parque União, Everton Pereira atuou como coordenador executivo do censo mareense e conta como ele serviu de estratégia para as organizações reivindicarem políticas públicas: com os dados, os argumentos por melhorias se tornavam mais fortes. 


                                            Foto: Rosilene Miliotti

Após mapear mais de três mil empreendedores na Maré (a maioria sem regularização) foram pensadas iniciativas voltadas à estabilidade financeira e profissional, como a criação de um serviço de atendimento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). 

No campo da educação, o censo identificou um quadro preocupante de evasão escolar: como muitas crianças estudavam fora da Maré, a necessidade de deslocamento fazia com que largassem as salas de aula.

“A partir desses dados dialogamos com muito mais embasamento com a Secretaria Municipal de Educação. Os dados levantados comprovavam o que a gente já dizia: para a mãe e o pai que precisam trabalhar, é complicado ter o filho estudando longe de casa. Assim, vieram mais escolas. Essas mudanças acabaram inclusive gerando um mercado de transporte escolar dentro da Maré”, lembra Everton. 

Para Magá, “a Maré é exemplo de como a participação social é importante para gerar transformação e segue atuante nesse sentido, com todas as 16 favelas do conjunto tendo uma associação de moradores. A gente nada no esgoto; se não houver um planejamento não vamos sair disso nem dar qualidade na vida ao morador. Tem que vir, sentar e conversar com a gente. A associação está aqui para isso”.

O censo nas favelas

Foi somente em 1949 que as favelas foram incluídas nos processos de pesquisa do governo. O censo daquele ano tinha objetivos bem diferentes do que hoje está sendo produzido  pelo IBGE: naquela época, o objetivo do governo era comprovar com dados que as favelas representavam um problema social; para resolvê-lo, era necessária a remoção das famílias. As informações coletadas, no entanto, indicaram que as favelas eram espaços vivos e com força cultural, ocupadas por pessoas que faziam a cidade funcionar. 

Assim, a partir da edição seguinte, houve mais abertura para a participação popular nos territórios; os dados coletados seriam usados para a elaboração de políticas públicas que atendessem às necessidades da população.


O pesquisador João Roberto Lopes Pinto define como política pública “a ação do governo para corresponder ao que prevê a lei e o direito”. Isso significa que a Constituição Brasileira garante que todo mundo tem direito à educação, ao transporte, a um meio ambiente saudável, entre outros. “Falar em algo que é público é pensar num bem comum a todos, por isso é impossível pensar nessas políticas sem que se conheça a realidade da população”, explica.

Desde 1936, quando foi criado, o IBGE é o principal órgão responsável por identificar esta realidade. A partir de pesquisas mais frequentes, como a trimestral Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua), ou do censo nacional, realizado a cada dez anos, o IBGE busca desenhar um panorama com dados sobre os cenários econômico e social, de mão de obra, empregabilidade e, principalmente, embasar políticas públicas.

Edição: Elena Wesley

Gráficos: Ju Messias

Evento na Praça da Nova Holanda celebra ancestralidade brasileira

Espaço de Desenvolvimento Infantil realiza ação para festejar herança cultural do Brasil e reforçar importância do cuidado com espaço público

Por Hélio Euclides, em 13/09/2022 às 10h27

A festa cultural Raízes do Brasil motivou moradores a ocuparem a Praça do Valão, como é conhecida a área de lazer que fica atrás do Espaço de Desenvolvimento Infantil (EDI) Professora Cleia Santos de Oliveira, na Nova Holanda. Na tarde da última sexta-feira (9), professores do EDI mostraram as tarefas que as crianças fizeram em sala de aula sobre a ancestralidade brasileira, por meio de cartazes que ornamentaram a praça e apresentações culturais diversas.

Isabel Thomas, professora de história da unidade escolar, estava contente por transformar a praça numa sala de aula, com um tema tão em evidencia. “É prazeroso quando se trabalha na gestão do desenvolvimento, no combate do preconceito e do racismo. Dessa forma, conquistamos novos formadores de opiniões, com respeito a diversidade, pois a criança não nasce racista, ela aprende com o entorno. Por esse motivo, trabalhamos o projeto pedagógico sobre a etnia, entre elas a cultura nativa. Conversamos com os alunos sobre a ancestralidade, acompanhando os povos originários, africanos e europeus, que ajudaram na nossa composição”, comenta.

Além de aprender sobre a verdadeira história do país, os presentes que lotaram a praça ainda se divertiram. “Ótima oportunidade de trazer as crianças para atividade que estimule elas a brincarem e serem felizes”, diz Adriana da Silva, moradora da Nova Holanda. Para Helena Edir, moradora da Nova Holanda e diretora da Redes da Maré, é importante que a ocupação territorial ocorra através de iniciativas deste tipo. “Muito legal o uso por meio de uma escola desse espaço que é o único destinado para o lazer das crianças da Nova Holanda. Não se pode desfazer desse local que traz tranquilidade para as mães e felicidade para as crianças. Acredito na necessidade de ocupar mais a praça, com vários eventos”, diz. 

Crianças do EDI Professora Cleia Santos de Oliveira participam de atividade durante o evento | Foto: Valéria Moura

A festa contou com barraquinhas que vendiam lanches, além de danças, brincadeiras e apresentações de grupos de capoeira e jongo. Tudo com foco na origem do povo brasileiro. “Desejamos desmistificar o que é a África, mostrando que os costumes desse continente não são do mal e sim algo cultural. Por outro lado, ocupar a praça e ao mesmo tempo estimular a cultura no território. Queremos ressaltar também que o prédio da unidade escolar não é algo mal-assombrado, que lá dentro tem vida e crianças. Dessa forma, colocamos cartazes nas janelas mostrando que todos precisam cuidar do prédio, que é um espaço público”, conta Isabela Costa, diretora do EDI Cleia Santos de Oliveira. Ao final do evento, a bateria da escola de samba Gato de Bonsucesso fez uma apresentação.

Disseminação de notícias falsas assombra cenário eleitoral, mas cuidados simples podem ajudar

Especialistas apontam que a desinformação pode causar transtornos e, mais uma vez, influenciar o rumo das eleições deste ano

Por Lucas Feitoza*, em 12/09/2022 às 12h50

Com a população cada vez mais conectada, abre-se um filão para os conteúdos falsos e as tentativas de golpes digitais. De acordo com a pesquisa TIC Domicílios de 2021, 81% dos internautas brasileiros usam a internet para navegar nas redes sociais, e 91% para mandar mensagens instantâneas. O levantamento foi realizado pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br). Enquanto isso, apenas 54% dos usuários usam a internet para ler revistas e jornais.

Isso abre espaço para o compartilhamento de conteúdos falsos que simulam notícias, conhecidos popularmente como fake news. Pessoas mal intencionadas criam conteúdos que parecem verdadeiros, para chamar atenção e gerar cliques nas páginas, desinformação e, em outros casos, podem resultar no “hackeamento”: variando de vazamento de dados à clonagem de contas nas redes sociais.

De acordo com indicadores da Safernet Brasil, em 2021, o principal motivo que levou os brasileiros a pedirem ajuda foram problemas com dados pessoais, correspondendo a mais de 339 atendimentos, seguido por exposição de imagens íntimas, com 273 casos. 

Bianca Muniz, analista de dados da Agência Pública, chama atenção para algumas práticas comuns de quem produz fake news. As “deep fakes” são vídeos manipulados para parecer que alguém, frequentemente muito conhecido, está falando algo. Ela usa como exemplo um vídeo compartilhado como sendo a jornalista Renata Vasconcelos repassando uma notícia falsa. Copiar a identidade visual, ou seja, as cores e fontes usadas por portais de notícias com credibilidade, para compartilhar materiais fora do contexto e até informações antigas.

A advogada Samara Castro, especialista em direito eleitoral e vice-presidente na Comissão de Dados e Privacidade da OAB-RJ (Ordem dos Advogados Brasileiros), explica que os golpes estão mais sofisticados pela engenharia social, que é a habilidade de se aproveitar da nossa vontade de ser beneficiado por algo. “Então sempre que algo parecer interessante demais, bom demais para ser verdade, provavelmente é porque não é”, afirma.

Uso da internet na Maré

O Censo Populacional da Maré de 2019, realizado pela Redes da Maré e pelo Observatório de Favelas, aponta que das 47.758 residências, apenas 17.515 ou  36,7% têm internet. A maioria dos moradores estão conectados principalmente pelo celular. É o caso do motorista de aplicativo Jorge André Paiva Soares, de 31 anos, morador da Vila do Pinheiro. 

Ele conta que usa a internet na televisão e no celular, não tem Facebook e a rede social que usa é o Instagram, por onde se informa. Quando quer confirmar se algo é verdadeiro, pesquisa no Google e em fontes confiáveis. Com a correria do dia a dia, desabafa que acaba sabendo dos fatos com atraso.

Jorge explica que geralmente não confia em nenhum link que recebe no WhatsApp, porém mesmo assim já foi vítima da desinformação, principalmente no período eleitoral. “A gente sabe que a guerra política é grande né? Um tentando atacar o outro”, afirma. Agora para saber se algum site é confiável ele tem uma tática: usa um antivírus, onde cola o link e verifica a segurança.

A atriz Taiane Gomes, conhecida como Leona Kali, de 25 anos, que também é moradora da Vila do Pinheiro, conta que usa o celular e notebook e se informa pela internet, através dos telejornais e dos amigos que se atualizam. Ela diz que é mais difícil ficar bem informada quando está ocupada e que as redes sociais servem para estar por dentro das novidades. “Mas ao mesmo tempo que a gente tem a facilidade, acho também perigoso porque na correria a gente não consegue confirmar se aquela informação é verdadeira ou não. Vejo muitas pessoas mandando vídeos para minha mãe e, quando vou ver, são falsos”, relata.

Informação pelo ‘zap’

De acordo com o DataSenado em uma pesquisa de 2019, do total de 2.400 pessoas ouvidas pela pesquisa, 98% disseram usar a internet principalmente pelo celular e 79% afirmaram que o WhatsApp era sua principal fonte de informação. A pesquisa mostra ainda que quanto mais jovens são os entrevistados, mais se informam pelas redes sociais.

Samara Castro acredita que, na favela, por conta do acesso precarizado à internet, as consequências se intensificam pela maior dificuldade na checagem das informações. Para ela, o uso do aplicativo de mensagem como principal fonte de informação se dá pela possibilidade de poder usá-lo mesmo sem internet. 

Para Bianca Muniz, com o avanço das redes sociais e o compartilhamento rápido das informações, “todo mundo tem que ser meio checador” porque se proteger de notícias falsas é interromper um ciclo de desinformação que pode ter consequências mais sérias.

Dados e as eleições

Segundo Bianca, os riscos do compartilhamento de conteúdos podem acarretar em desinformação eleitoral. Além disso, de acordo com dados da Safernet, em anos eleitorais, as denúncias de crimes cibernéticos aumentam. Nos primeiros seis meses deste ano foram 23.947 queixas, 67,5% a mais que no mesmo período do ano passado, onde foram registrados 14.289 casos.

Para o mareense Jorge André, muitos moradores da favela preferem não se envolver na reflexão política, o que os tornaria mais suscetíveis às armadilhas das fake news. O entrevistado acredita que isso reflete na escolha dos candidatos e que os eleitores votariam em quem “vem tapar um buraco, fazer um quebra-mola”.

Samara Castro comenta que é equivocado achar que pessoas com mais instrução estão imunes ao ciclo das notícias falsas na internet. “Arrisco-me a dizer que até o momento em que fecha a urna a gente tem a possibilidade de utilização de dados pessoais para se construir narrativas desinformativas, que podem ser extremamente eficientes e mudarem completamente o rumo das eleições”, diz.

Como se proteger de notícias falsas 

É possível afirmar que a melhor forma de combater a desinformação é investir no senso crítico. Mas existem ferramentas e formas de usar a internet que ajudam a evitar as armadilhas das informações que têm a manipulação como propósito. Confira abaixo algumas dicas:

1) Aplicativos de mensagens criptografados, como o WhatsApp, apresentam as condições ideais de disseminação de desinformação, pois dificultam o mapeamento e a verificação das informações enviadas. Na dúvida, evite compartilhar “correntes” ou mensagens cuja fonte foi omitida ou não verificada. Se der muita vontade de compartilhar, não esqueça de fazer uma rápida checagem antes;

2) Evite compartilhar notícias de sites que não são transparentes, que postam em anonimato ou veiculem discursos de ódio. Os conteúdos de teor sensacionalista devem ser evitados, pois geralmente estão associados às notícias falsas;

3) Preste atenção nos candidatos que apresentam seus planos de governo da maneira mais transparente possível. Além disso, siga páginas de agências de checagem de fatos, como a Agência Lupa e a Aos Fatos;

4) Utilize ferramentas que já estão disponíveis online que auxiliam no combate à desinformação. A Justiça Eleitoral criou uma página para reunir algumas das páginas reconhecidas pelo trabalho com a checagem de fatos. Para conhecer, clique aqui.

*Comunicador da primeira turma do Laboratório de Jornalismo do Maré de Notícias