“Olhares sobre a Covid em favelas: ciência, participação e saúde pública” é o tema encontro
Por Jéssica Pires em 12/08/22 às 8h. Editado por Daniele Moura.
No dia 18 de agosto de 2022 serão apresentados os resultados e as múltiplas ações realizadas a partir da pesquisa Vacina Maré, em um seminário na Fiocruz. O estudo integra uma campanha inédita de vacinação e é resultado de uma parceria importante da organização referência em saúde pública e pesquisas científicas com a Redes da Maré e a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Além de apresentar resultados, o encontro tem como objetivo planejar os próximos passos da pesquisa e potenciais colaborações.
Fazem parte da programação a apresentação dos resultados gerais e lições aprendidas da pesquisa, pelo coordenador do estudo, Fernando Bozza; as ações de engajamento, mobilização do território e comunicação com lançamento de produtos documentais; além de mesas temáticas sobre o estudo. Demais pesquisadores de diferentes instituições nacionais e internacionais envolvidas no projeto irão apresentar aspectos do estudo e compartilhar impressões.
Será apresentado um documentário sobre a campanha Vacina Maré, e trabalhos com temáticas diversas, todos realizados a partir da pesquisa sobre a vacina, como: “Iniquidade e impactos da pandemia de Covid-19”, “Estudos de Coorte da Maré” e “Consequências de longo prazo da Covid-19 no território”. Um segundo dia de encontro contará com uma visita à Maré.
“O objetivo do Seminário Vacina Maré é compartilhar com parceiros, pesquisadores e as equipes que estão trabalhando o projeto, os dados que já temos organizados até agora e criar um espaço de reflexão coletiva sobre a pesquisa”, compartilha Luna Arouca, coordenadora do Eixo Saúde da Redes da Maré, que participou de todo o processo de organização, articulação e mobilização do processo da campanha.
Luna complementa dizendo que espera que este seja um momento de encontro, troca, aprendizado e fortalecimento do diálogo entre a Redes da Maré, a Fiocruz e os parceiros envolvidos. “Nossa expectativa é que a partir de metodologias participativas e colaborativas consigamos ter uma melhor reflexão sobre os dados, mas também desenhar novos projetos e ações em conjunto..”
O Seminário é organizado pela Fiocruz e tem como público-alvo parceiros, a comunidade acadêmica e científica. Não é aberto ao público geral. A Fiocruz vai transmitir ao vivo pelo YouTube.
Especialistas e ativistas dos temas levantaram problemáticas sobre segurança pública pela ótica e vivência do morador
Por Daniele Figueiredo, Edith Medeiros, Ricardo Pereira e Samara Oliveira em 11/08/22 às 15h19
O que fica para os moradores após a saída da operação policial da favela? Quem de fato se sente seguro com a presença do caveirão? São vários os mecanismos de violência que permeiam a vida do favelado e impedem que se pense em outras perspectivas de política de segurança pública. Esses foram alguns dos temas da mesa “Tecendo redes: (in)segurança pública e os impactos nas violações de direitos humanos para moradores de favela” que fechou o primeiro dia do 1º Congresso Internacional Falando Sobre Segurança Pública na Maré, nesta quarta-feira (10).
Tainá Alvarenga (34), assistente social e coordenadora do Maré de Direitos; Patrícia de Oliveira (48), ativista pela Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, e Maria Júlia (52) defensora pública do Estado do Rio de Janeiro, trouxeram as suas experiências e indagações de como se pode ampliar os caminhos para os moradores de favelas, com uma política de segurança que ameaça e viola os direitos humanos de quem vive nesses territórios.
Provocadas pela coordenadora do Eixo Arte, Cultura, Memórias e Identidades da Redes da Maré, Pâmela Carvalho, sobre o porquê do termo (in)segurança pública dentro dos territórios periféricos as convidadas abriram o debate sobre o tema.
Complementando a fala da assistente social, a defensora pública Maria Júlia contribuiu afirmando que “a ausência de política também é uma forma de política” e continuou “permanentemente precisamos fazer uma disputa pela existência de políticas públicas reconhecendo que sua ausência, é sim uma escolha do estado. E é uma escolha racista, classista, porque obviamente quem está sendo atingida é a população favelada e negra”.
A ativista Patrícia Oliveira que vivenciou de perto as problemáticas levantadas pela assistente social e pela defensora pública iniciou sua participação lembrando que o motivo que a impulsionou para estar na luta por direitos foi ter reencontrado seu irmão após ele ter sobrevivido à chacina da Candelária, que aconteceu no centro do Rio em 1995. “Sou do tempo que a mídia automaticamente falava bandido, hoje ela fala em suspeito. Isso é fruto de muita luta.”
Para a ativista, uma das dificuldades no debate sobre segurança pública é que as forças policiais passaram a usar as mesmas narrativas, sobre direitos humanos das pessoas violadas nas favelas e nas ruas, afirmando que os policiais também são trabalhadores. Mas destacou “os policiais têm caixinha para pagar os seus próprios advogados para se defenderem”. Além disso, Patrícia também relembrou nominalmente que os advogados que as famílias das vítimas do estado tinham acesso eram justamente aqueles que defendiam as forças de segurança. E finalizou com uma crítica: “Que o Ministério Público perceba que deve haver um diálogo quando se pensa segurança pública. Quem tem o poder de parar com as operações é o próprio ministério, diferentemente da defensoria”, afirmou.
Foto: Gabi Lino | A ativista Patricia Oliveira compartilhando experiências
Pensando em soluções e ações de redução de danos para os temas levantados, Tainá Alvarenga destacou o trabalho do projeto Maré de Direitos, do Eixo de Segurança Pública e Acesso à Direitos da Redes da Maré, com acolhimento às famílias das vítimas com demandas externas como ida a delegacia ou IML. Já Maria Júlia, com o olhar mais voltado para o judiciário e as forças de segurança, ressaltou a necessidade do Ministério Público realizar investigações autônomas sobretudo quando as violações de direitos são vindas da Polícia Civil levando a outro debate sobre a urgência da independência das perícias que hoje é vinculada também à Polícia Civil.
Congresso promove diálogo sobre os territórios periféricos e seus desafios
Por: Elaine Lopes (*) e Hélio Euclides em 11 /08/22 às 14h. Editado por: Jéssica Pires
O 1º Congresso Internacional Falando Sobre Segurança Pública na Maré, realizado no Centro de Artes da Maré, na Nova Holanda, trouxe na segunda mesa de conversa da tarde de quarta-feira (10/08) o tema: “Segurança Pública, Militarização e Violência Policial”. O encontro com formato de “território de partilha” contou com três convidados: Leandro Marinho, pesquisador do Programa de Direito à Vida e Segurança Pública do Observatório de Favelas, Giselle Florentino, economista e coordenadora executiva na Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial, e Monique Cruz (pesquisadora da Justiça Global e professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com mediação de Samara Oliveira, jornalista do jornal Maré de Notícias.
Giselle Florentino, antes de compor a mesa, fez uma prévia ao Maré de Notícias sobre os seus anseios: “Será uma discussão de forma racializada, classista a partir de territórios que são cotidianamente deflagrados com conflitos armados provocados pelo Estado.” Já na roda de conversa, Florentino exaltou o potencial da Baixada Fluminense, com necessidade da produção dos próprios dados e memórias, como forma de luta. “A gente constrói um território que é o dobro da população da cidade do Rio, mas que sofre com índices brutais de pobreza e 30% de auto de resistência. Isso é o resultado de um Estado que oferece só a ponta do fuzil. Na câmara só há homens e desses, apenas três negros. Vivemos uma política enfraquecida.”
Foto: Gabi Lino | Giselle Florentino compartilha experiências sobre a violência política da Baixada Fluminense
A mesa também teve a participação de Leandro Marinho, doutor em Ciências, que registrou a importância de falar de um tema atual, e na favela. “Quando grito pelo direito à vida, na favela entendem, mas fora acham estranho. Os números mostram uma grande violência na Baixada Fluminense, com 43 políticos vindo a óbito de 2015 a 2020. Já são 12 execuções de 2021 a 2022, e esse número ainda vai crescer. Há o autoritarismo, algo que vem do início do século passado, que surgiu com os barões. A morte virou questão econômica, onde quem perde mais é a população mais sofrida. Depois de 2018 aumentou o número de execuções, por ocorrer a acoberta de crimes.”
Outra convidada foi Monique de Carvalho Cruz, que integra o Coletivo de Negras e Negros do Serviço Social Dona Ivone Lara. Quando perguntada sobre a participação no congresso, Monique disse que ficou grata pela possibilidade de ter sido mobilizada para pensar sobre as questões do seminário. “Eu comentei que estou sem esperança, e eu realmente estou. Acho que a conjuntura está muito difícil, mas a possibilidade de estar aqui me fez pensar, eu não posso ir para esse lugar que tem tanta construção importante e não falar alguma coisa sobre a possibilidade que a gente tem de mudança a partir dessas iniciativas coletivas.”
A jornalista do Maré de Notícias, Samara Oliveira, mediou o Território de Partilha e avaliou a mesa como um debate positivo. “É uma ação rica, que reúne especialistas que trazem um tema específico para esse debate dentro da Maré, esse território que sofre com violações. Todos aqui estão em prol da união desta população para o debate e perceber a potência para as conquistas”, comenta.
Deivid Matos, de 29 anos, fez questão de marcar sua participação tirando suas dúvidas com os integrantes da mesa. Deivid tem consciência da importância desse evento e declara: “Acho fundamental a gente discutir a política de segurança pública relacionando ela com outras, tais como educação dentro de um espaço favelado, porque essa população é a mais afetadas por essa política que tem no núcleo das suas ações o corpo negro como alvo. “
Mariana Suzano (26), compartilhou que foi a primeira vez que participou de um congresso dentro de uma favela e enfatiza que o debate está sendo muito rico. Suzano teve a oportunidade de apresentar o seu trabalho nesse evento e está animada com a experiência. A organização do evento avaliou como positiva a reunião da mesa e acrescentou a importância do debate de pensamento. “Discutir esse tema com membros voltadas para ADPF das Favelas (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), para falar do território é valioso. É positivo as articulações”, finaliza Lucilene Gomes, advogada do Eixo de Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça, da Redes da Maré.
O 1° Congresso Falando sobre Segurança Pública na Maré continua hoje (11/08) e amanhã (12/08) no Centro de Artes da Maré, na Rua Bittencourt Sampaio, 181, Nova Holanda. Acesso pela pista sentido Zona Oeste da Avenida Brasil, na altura da passarela 10.
Foto: Gabi Lino
(*) Elaine é aluna da primeira turma do Laboratório de Jornalismo Maré de Notícias
Ação acontece nas favelas Parque União, Nova Holanda, Parque Maré e Rubens Vaz
Moradores das favelas Parque União, Nova Holanda, Parque Maré e Rubens Vaz foram acordados na madrugada desta quinta-feira (11) com uma operação policial. Antes das 6h já eram diversos os relatos do som de troca de tiros, voos rasantes de helicóptero sobrevoando a região e sendo utilizado como plataforma de tiro. Muitas pessoas também foram surpreendidas com a abordagem policial em domicílios. E estabelecimentos comerciais foram depredados.
Em nota a assessoria de imprensa da PMERJ informou que a operação conta com equipes do Comando de Operações Especiais (COE), da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE) e da Polícia Civil e dentre os objetivos pretende cumprir mandado de prisão dos responsáveis pela morte do policial militar Sandro Santos da Silva, que aconteceu em janeiro.
Há informações de pelo menos três pessoas feridas e uma pessoa morta durante a ação.
Sem cumprimento de determinações e com direitos violados:
Até o momento a operação policial descumpre algumas das determinações da ADPF das Favelas: a de operações policiais começarem após às 6h da manhã, do helicóptero não ser utilizado como plataforma de tiro e a da necessidade de uma ambulância estar disponível para socorro de feridos.
A Clínica da Família Jeremias de Moraes da Silva, que atende a região da Nova Holanda, interrompeu o funcionamento e a Clínica da Família Diniz Batista dos Santos mantém o atendimento à população, mas suspendeu as atividades externas, como visitas domiciliares. As informações são da Secretaria Municipal de Saúde.
De acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Educação, 19 escolas tiveram aulas suspensas nesta quinta-feira, por conta da operação. O atendimento aos alunos está acontecendo de forma remota.
Nesta quinta, diversas atividades estão previstas para acontecer no 2º dia do Congresso Internacional Falando Sobre Segurança Pública na Maré, promovido pela Redes da Maré. Eliana Sousa, diretora da organização, fala sobre as atividades do do encontro em meio a operação policial que ocorre em quatro favelas da Maré:
“A violência não nasce aqui, não somos pessoas violentas. Somos pessoas violentadas”, diz Fernanda Viana, assistente social e moradora da Maré
Por: Andrezza Paulo, Luiz Menezes* alunos do Laboratório de Formação em Jornalismo do Maré de Notícias e Hélio Euclides. Editado por: Jorge Meloe Jéssica Pires
Na tarde de quarta-feira (10/08) ocorreu o segundo momento do 1º Congresso Falando sobre Segurança Pública, no Centro de Artes da Maré, na Nova Holanda. Os trabalhos foram abertos com uma intervenção sobre o racismo ambiental e logo depois seguiu com a Roda de Conversa: O Contexto da Violência Armada na Maré, que contou com a participação da assistente social Fernanda Viana, coordenadora da Casa Preta da Maré, Edson Diniz, co-fundador da Redes da Maré e Raull Santiago, ativista dos coletivos Papo Reto, Movimentos, Perifa Connection, Favela & ODS. Além da mediação da jornalista Jéssica Pires, coordenadora do Jornal Maré de Notícias.
A intervenção que aconteceu do lado de fora do Centro de Artes mostrou a importância de se pensar violência num contexto maior do que a questão armada. Os integrantes do Eixo Direitos Urbanos e Socioambientais da Redes da Maré destacaram que o racismo ambiental, como o lixo largado na rua ou o entupimento dos bueiros, em dias de chuva, em função dos resíduos, são um tipo de violência sofrida por moradores das favelas. Essas ações trazem prejuízos, como doenças e mostram a ausência de uma implementação de política pública. “Queremos conscientizar sobre as questões do saneamento básico, que é um direito, não só em algumas partes da cidade”, enfatiza Felipe Bacelar, mobilizador e articulador do eixo.
Camila Barros (34), uma das organizadoras do Congresso, afirma a importância do encontro. “A realização desse evento é uma atitude política” e destaca a importância da mesa:
“O objetivo é juntar diversos atores para discutir a segurança pública numa perspectiva que vá além de apenas polícia e presídio.Temos mais de 300 pessoas inscritas, quase 50 convidados de vários estados do Rio de Janeiro e até de fora do Brasil. A gente está bastante animado. Tivemos apresentações de trabalhos e pesquisas e o objetivo realmente é compartilhar experiências. Normalmente o que a gente entende como congresso acontece no espaço acadêmico, então falar sobre segurança pública dentro do território da Maré foi uma atitude política. As pessoas da favela que sofrem o impacto da violência, são as pessoas daqui que precisam compor, gerir e pensar sobre segurança pública.
Camila Barros
Foto: Gabi Lino | Intervenção artística chama atenção para outros tipos de violências e violações, como a violência ambiental
Dialogando sobre o Contexto da Violência Armada na Maré:
Camila diz que a construção da Roda de Conversa: O Contexto da Violência Armada na Maré é uma forma de resgatar o histórico da construção social e violência armada no território. “Pensamos nessa mesa para trazer o histórico da Maré de construção social e como a violência armada atravessa essa construção aqui. Além disso, trouxemos uma pessoa de fora para mostrar os desafios da segurança pública e do contexto de violência armada não só na Maré, como fora dela também”, destaca.
Edson Diniz (51), abriu a roda de conversa parabenizando a importância da realização de eventos como esse na construção de uma outra sociedade possível e demonstra a urgência de não naturalizar as violações de direitos nas favelas. “Porque a gente continua normalizando que as chacinas nas favelas continuam acontecendo”, conta.
Diniz atenta para o histórico construído socialmente sobre a periferia. “Para entender o porquê isso é naturalizado”. E enfatiza que a favela sempre foi estigmatizada. “Hoje em dia é vista como o lugar do crime”, expõe. O historiador aponta os caminhos para uma nova narrativa: “Precisamos produzir conhecimento para acabarmos com esses estigmas. Por isso é fundamental estarmos fazendo esse movimento aqui”, conclui.
Fernanda Viana (41), complementou que o congresso é um grande passo de mudança. A assistente social destaca a experiência de hoje como parte importante da construção de uma narrativa a partir dos próprios moradores. “A mesa de hoje é o lugar para gente falar, disputar essa narrativa, produzir saberes diante do que acontece. Somos nós a falar e somos nós a produzir”, diz.
Mãe, preta e moradora da Maré, como se apresenta, Fernanda ressalta a incidência da política de (in) segurança pública nos corpos pretos de maneira precoce.
“A gente demora a se descobrir como mulher, mas como preta vem rápido. Ter esse recorte enquanto preta e favelada faz a gente entender muito cedo como nosso corpo é afetado pela segurança pública”, diz. Fernanda aborda o sentimento enquanto mãe na Maré que no lugar do “Eu te amo” seguem com uma série de instruções de como se portar em contexto de violência armada. “Qual a cor dessas crianças?”, questiona. “Me deparo com uma estrutura que precisa de muito engajamento político dos cidadãos. Porque essa é uma política, que diferente das outras, não foi constituída com participação popular.”
Fernanda Viana
Segurança Pública como uma luta constante
Raul Santiago (33), cria do Complexo do Alemão, denuncia como o acesso à segurança pública não é pensado para moradores de favelas e periferias. “Na prática somos vistos como inimigos da segurança. A segurança pública não chega para a gente. Quando ela entra na favela é na figura de um fuzil e de um carro blindado da polícia”, exclama.
As operações policiais têm sido constantes nas favelas do Rio de Janeiro. Sendo a guerra às drogas o principal motivo utilizado pelas polícias para a violação de direitos nos territórios periféricos. “A guerra às drogas é a manutenção do racismo. Guerra está para os pretos, pobres e periféricos. Já as drogas estão para todos”, avalia Santiago e vai além: “Bala perdida é uma falácia para reduzir o homicídio nas favelas”, contou.
Santiago chama atenção para a rotina dos pais e mães que vivem nas favelas:
“Eu enquanto pai tenho que treinar meus filhos a se protegerem de tiroteio. Isso é a coisa mais absurda”, exclama. Edson Diniz provoca: “O que é infância nessa cidade? Temos vários tipos de infância. O menino do Leblon tem uma vivência completamente diferente do menino da favela. A infância precisa ser discutida na cidade também.”
Raul Santiago
Mediando em busca de direitos
Para Jéssica Pires (31), mediadora da mesa, o congresso é um momento histórico na Maré e uma oportunidade de vivenciar, discutir, propor estratégias e apresentar os desafios da Segurança Pública. Ela diz ser fundamental pensar estratégias e fazer apontamentos fora dos momentos de conflitos armados. “É pensar em Segurança Pública, mas não em um contexto de medo ou de tensão. A gente não tá falando de segurança a partir da violação. A gente tem a oportunidade de reunir pessoas que pesquisam segurança pública olhando para Maré”, relata.
Reforça ainda a importância da sociedade civil na construção de uma sociedade mais justa.
“Enquanto a sociedade legitimar essa política de segurança pública que o Rio de Janeiro hoje constrói nas favelas, a gente não vai ter avanço. Não adianta a gente culpabilizar o Estado enquanto toda uma sociedade legitima as ações desse Estado, então a participação da sociedade é fundamental para a gente incidir em políticas e transformar esse espaço com políticas mais iguais.”
Jéssica Pires
A conversa contou com a participação popular e entrevista ao Maré de Notícias. Vanderlei (58), nascido na Maré e professor na Escola Municipal Primário Erpídio Cabral de Souza (Índio da Maré), não escondeu sua alegria de poder compartilhar o que achou da mesa além de falar sobre a necessidade de espaços como esse nas favelas:
O seminário é da máxima importância. Um dos maiores problemas da Maré é essa violência que vem de fora para dentro e fazer uma reflexão sobre o assunto é fundamental. Produzir um conhecimento sobre essa questão dentro da Maré e com as pessoas que vivem e que sofrem esse por conta dessa política de segurança pública é muito importante. Essas reflexões precisam se espalhar o máximo possível para criar uma consciência nas pessoas, para que esse assunto seja cada vez mais debatido não só na mesa de hoje, mas nas esquinas, nos bares, nos bailes funks, nas escolas e em todos os ambientes.”
Vanderlei
O 1° Congresso Falando sobre Segurança Pública na Maré continua nos próximos dias 11 e 12 de agosto no Centro de Artes da Maré, na Rua Bittencourt Sampaio, 181, Nova Holanda, próximo a Avenida Brasil, na altura da passarela 10.
Alunos de escolas e projetos falam de uma Maré que desejam
Por: Ana Beatriz Pires (*) e Hélio Euclides em 10/08/22 às 11h12. Editado por: Jéssica Pires
“Muito tiro, pouca aula e muita operação. E sem aula e muitas pessoas mortas. Fim.”
Esse é o relato de uma criança das 1,5 mil que fizeram as cartas entregues ao Tribunal de Justiça (TJ-RJ). Nelas as crianças pediam a volta da Ação Civil Pública, que contempla direitos e o reconhece a importância das vidas das pessoas que moram na Maré.
Algumas dessas cartas estavam expostas no 1º Congresso Falando sobre Segurança Pública com Crianças e Adolescentes da Maré, realizado na tarde de ontem (09/08), com oficinas e atividades, na Lona Cultural Municipal Herbert Vianna, na Nova Maré. O congressinho com as crianças e adolescentes faz parte do 1º Congresso Internacional Falando sobre Segurança Pública na Maré, organizado pelo Eixo de Segurança Pública da Redes da Maré, com programação de quatro dias.
O evento foi aberto com a exibição do filme “Peixes não se Afogam”, de Anna Azevedo. Alunos da Escola Municipal Primário Erpídio Cabral de Souza (Índio da Maré) saíram da Nova Holanda em direção a Lona da Maré. No caminho, professores perguntaram o que as crianças almejavam para o território e a resposta foi “justiça”, aos gritos. Esse gesto é valioso para Liliane Santos, coordenadora do Eixo de Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça, da Redes da Maré.
“Sempre é importante fazer com que os moradores incorporem a ideia da segurança pública. Na criança é muito bom fomentar isso, uma leitura da situação do território e promover um debate de como os governos veem a favela.”
Liliane Santos, coordenadora do Eixo de Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça, da Redes da Maré.
Foto: Gabi Lino | Equipe interdisciplinar que produziu e conduziu atividades do congresso
As crianças puderam acompanhar também a exposição das Cartas da Maré e dos trabalhos feitos pelas crianças e adolescentes da Maré. Lidiane Malanquini, coordenadora da Lona da Maré, exaltou a importância das cartas e dos trabalhos realizados pela busca dos direitos, como o congresso. “Primeiro a lona é o lugar das crianças. A escolha da abertura do congresso nesse espaço é estratégica, por ser um território complicado, com tiros e mortes. A atuação da lona é de intervenção no território, tendo essa ação de hoje como ferramenta de mobilização de crianças e adolescentes nesse sentido.”
Na parte da tarde, diversas crianças de projetos e instituições da Maré participaram da dinâmica da confecção de cartazes sobre a temática da Segurança Pública na Maré. “Acho importante falar de segurança pública. Temos o desejo de confiar em quem trabalha com segurança”, diz Regina Lúcia dos Santos, mãe de uma das crianças do Projeto Primeira Infância na Maré.
O desejo de um pleito eleitoral que tenha um olhar para a favela no campo da segurança pública foi unanimidade entre os participantes do evento. ‘’No abraço da minha mãe é o lugar onde eu mais me sinto segura, porque aqui na Maré não temos segurança para nada’’, resume Vitória Machado, aluna do Preparatório da Redes da Maré.
As crianças da Biblioteca Popular Escritor Lima Barreto pintaram em tecido os desejos e sonhos para Maré. Elas também participaram da plenária da cidadania com votação de uma proposta para Segurança Pública na Maré.
“É preciso tornar a sociedade melhor com valorização da educação, com reconhecimento do respeito ao próximo, como o fim do racismo. Há a necessidade de que o governo resolva os problemas da favela, não enviando uma polícia que agrida e sim que cuide das crianças, adolescentes, jovens, mulheres e a comunidade LGBTQIA+. Quem deveria combater a violência e implementar uma cidadania não faz”.
Wandressa Rakelly, de 14 anos, aluna do Preparatório da Redes da Maré.
“As crianças e adolescentes estão abertos à discussão sobre segurança pública. Percebo que hoje estão transitando pela Maré, fazendo mais pontes entre eles, ruas e espaços”, comenta Fernanda França, coordenadora de liderança juvenil e desenvolvimento pessoal da Luta pela Paz.
As propostas que surgiram indicavam a garantia da qualidade de vida e a cidadania. O evento foi finalizado com a apresentação artística dos alunos do projeto Nenhum a Menos e cortejo com as crianças e adolescentes pelas ruas da Nova Maré.
Foto: Gabi Lino
Construção de propostas para Segurança Pública na Maré
Após plenária, adolescentes de diversos projetos se dividiram em cinco grupos para discutir cidadania e por fim votaram oito propostas para Segurança Pública na Maré. Veja abaixo os temas que foram destaques:
O uso de câmeras e sistema de posicionamento global (GPS) nas operações policiais das favelas.
Que o Estado arca com algum prejuízo que moradores tenham em virtude de operações policiais.
Que a corporação policial não tenha o poder de juiz nas favelas.
Um treinamento humanizado para os policiais, para um respeito ao morador.
Um trabalho que fiscalize a entrada de armas nas fronteiras.
Campanhas, ações, programas, projetos que sejam alternativas para que os jovens rompam com o ciclo de violência.
Construção de um plano de redução da letalidade nas operações policiais.
A descriminalização das drogas.
Algumas dessas propostas vão ser apresentadas por cinco adolescentes moradores da Maré, para candidatos ao governo estadual que vão participar de um debate no 1º Congresso Internacional Falando Sobre Segurança Pública na Maré, que será na sexta-feira (12/08), no Centro de Artes da Maré, na Nova Holanda.
Foto: Gabi Lino | Desenhos expressam desejos de crianças sobre segurança
(*) Ana Beatriz é aluna da primeira turma do Laboratório de Jornalismo do Maré de Notícias